ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser (SMRKH): relato de caso
Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser (SMRKH) Syndrome: A case repor
Renata Reis Santos1; Taiza de Brito Barbosa1; Paula Soares Martins Vieira1; Lorena Queiroz Dumont1; André Luis Canuto2
1. Acadêmicas do 11º Período do Curso de Medicina da Faculdade de Medicina de Barbacena. Barbacena, MG - Brasil
2. Professor do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Barbacena. Barbacena, MG - Brasil
Renata Reis Santos
Rua: Mário Francisco Borato, 195 Bairro: Santa Teresa II
Cep: 36201-102 Barbacena, MG - Brasil
Email: renatinharsantos86@gmail.com
Recebido em: 17/05/2010
Aprovado em: 30/06/2010
Instituição: Hospital Monumento às Mães Ibertioga, MG - Brasil
Resumo
Relata-se o caso clínico de paciente feminino, 46 anos de idade, que procurou, há 21 anos, atendimento médico, após várias tentativas frustradas de engravidar. Não havia levado em consideração que sua menarca não tinha acontecido, o que ocorreu talvez à sua pouca informação. Trata-se da síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser. A obtenção do diagnóstico exigiu intensa propedêutica, como ultrassonografia abdominal total e pélvica endovaginal, laparotomia exploradora e urografia excretora. Não há consenso quanto ao melhor acesso terapêutico. A paciente não foi submetida a qualquer das formas terapêuticas.
Palavras-chave: Utero/anormalidades; Ductos Paramesonéfricos/anormalidades; Síndrome.
INTRODUÇÃO
A síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser (SMRKH) consiste na agenesia ou disgenesia da porção mülleriana da vagina e do útero, determinada durante o processo de embriogênese dos órgaos genitais femininos. Os genitais externos e o hímen são normais.1,2
As malformações uterinas são secundárias a falhas de desenvolvimento, reabsorção ou fusão dos ductos müllerianos. Por volta da sexta semana do desenvolvimento embrionário, uma invaginação do epitélio de revestimento celômico forma uma depressão que cria um sulco, cujas bordas se fundem para formar os canais laterais müllerianos (ou paramesonéfricos). Os canais müllerianos formam-se, inicialmente, no alto da parede dorsal da cavidade celômica e, progressivamente, crescem caudalmente, entrando na pelve, onde pendem para o centro, fundindo-se medialmente. Mais adiante, o crescimento caudal leva esses canais fusionados ao contato com o seio urogenital. As porções não fusionadas transformam-se nas trompas de Falópio e a porção caudal, no útero e na vagina. A porção superior da vagina é, portanto, considerada de origem mülleriana e a porção inferior, do seio urogenital. Todo o epitélio de revestimento (do útero e trompas) é originário do epitélio celômico. Devido a isso, as malformações uterinas são também denominadas malformações ou anomalias müllerianas.3
A sua incidência é de cerca de 1/5.000 mulheres nascidas.4
A SMRKH foi relatada inicialmente por Columbus, em 1562. Posteriormente, Mayer, em 1829, e Rokitansky, em 1838, descreveram as alterações encontradas em autópsia do entao chamado uterus bipartitus. Küster, em 1910, propôs a terapia cirúrgica e Hauser, em 1962, definiu a síndrome que consiste em: genitália externa normal, vagina ausente, útero ausente ou rudimentar, tubas uterinas e ovários normais, podendo estar associada a anormalidades renais e esqueléticas.1
A principal dúvida de pacientes portadores dessa síndrome e de suas famílias e que resulta em preocupação e ansiedade em respondê-la consiste em saber sobre as repercussões que têm em sua função reprodutiva e a feminilidade.
Os objetivos deste relato são o de apresentar um caso de SMRKH confirmado por exames físico e complementares e discutir a respeito de suas características.
RELATO DE CASO
M.T.A.L., 46 anos de idade, feminino, leucodérmica, profissão do lar, casada há 28 anos, natural e procedente de Ibertioga - MG.
A paciente começou a procurar atendimento médico aos 25 anos de idade, após várias tentativas frustradas de engravidar. Ainda não havia levado em consideração que sua menarca não tinha acontecido. Tal fato deveu-se talvez a pouca informação da paciente.
Não era tabagista, alcoolista, nem fazia uso de drogas ou medicamentos. Possuía amputação da perna esquerda após acidente automobilístico há 20 anos.
As mamas eram normais para a idade, tróficas, sem alterações. Os órgaos genitais externos apresentavam pilificação normal, grandes e pequenos lábios desenvolvidos, e coloração normal. A colposcopia revelava vagina em fundo cego elástico de aproximadamente 2 cm de profundidade.
Foi submetida à urografia excretora que revelou rim pélvico único funcionante. A ultrassonografia abdominal total e pélvica endovaginal mostrou agenesia do rim direito e rim esquerdo ectópico localizado em regiao pélvica esquerda. O útero não foi visualizado. A laparotomia exploradora a ausência do útero, com ovários presentes, rim único pélvico à esquerda.
Os exames complementares mostravam: FSH: 52,5 mUI/mL LH: 22,1 mUI/mL T4: Tiroxina livre: 1,53 ng/dL TSH: 5,469 uUI/mL
DISCUSSÃO
As malformações uterinas não são comumente encontradas na clínica ginecológica devido à grande variedade de sua apresentação e ao fato de que a maioria delas não é diagnosticada antes de uma gestação ou apenas após a manifestação de um problema obstétrico.3
As portadoras de SMRKH são, normalmente, assintomáticas e apresentam caracteres sexuais secundários normais. O diagnóstico é feito geralmente na idade adulta. As queixas usuais são amenorreia primária ou tentativas frustradas de se estabelecerem coitos. Tal fato afeta intimamente a qualidade de vida dessas pacientes. Também há incapacidade para o intercurso sexual pleno e infertilidade.1,2,5
A SMRKH é caracterizada pelo cariótipo 46XX, diferenciando-se da síndrome da feminização testicular e de outros hermafroditismos masculinos (cariótipo 46XY). Outros diagnósticos diferenciais importantes são hímen imperfurado e septo vaginal transverso. Essa síndrome também é caracterizada por hormônios gonadotróficos normais.1,6
A paciente em questao apresenta os níveis de gonadotrofinas acima do valor de referência. Há cerca de quatro meses, fogachos acompanhados de sudorese profusa começaram a aparecer. Ao associar os níveis hormonais à sintomatologia vasomotora supracitada e à idade da paciente, pode-se inferir que a provável causa dessa tríade é a falência ovariana, já que não há o parâmetro de alterações menstruais para detectar tal falência, devido à agenesia uterina.
Tal fato pode ser explicado por falência ovariana devida à idade e ao surgimento de fogachos acompanhados de sudorese profusa há mais ou menos 1 ano.
A avaliação ginecológica revela agenesia parcial ou completa do útero, com vagina ausente ou hipoplásica sendo possível o encontro de anormalidades extragenitais congênitas, particularmente dos rins (um terço dos casos) e dos ossos, como vértebras, braços, mãos e face (em 20% dos pacientes).1
A ultrassonografia pélvica e a laparotomia exploradora auxiliam o diagnóstico, pois podem evidenciar ausência de corpo uterino ou presença de dois hemicorpos uterinos, além de trompas e ovários normais.1
Atualmente, não há consenso sobre o melhor acesso terapêutico. O mais usado é a reconstrução vaginal cirúrgica (neovagina). Algumas técnicas utilizam retalho de pele glútea sobre um molde de vagina, depois de haver feito um trajeto em espaço urorretal. Outras utilizam alça de sigmoide, outras, ainda, pele de grandes e pequenos lábios. Também existem os dilatadores vaginais de diâmetros e de longitudes crescentes, que podem ser usados em alguns casos em que já existam uma fissura vaginal.1,7
A psicoterapia é fundamental para reconhecer e auxiliar a resolver os problemas psicológicos da mulher com agenesia mülleriana, sobretudo a ansiedade em relação à sua feminilidade e à distorção de sua imagem física, que podem afetar a sua autoestima. Recomenda-se que a terapia seja familiar, uma vez que o ajustamento emocional é muito importante na decisão do procedimento e a época da sua realização.7
O parceiro também deve ser esclarecido no que concerne à anomalia de sua companheira, para que possa colaborar quando for liberada para o ato sexual, após o tratamento, por meio de atividade sexual adequada à manutenção das dimensões da vagina.8
CONCLUSÃO
A SMRKH é caracterizada por genitálias externas normais, agenesia de vagina, aplasia uterina, tubas uterinas e ovários normais.
Os exames de imagem revelam alterações em vagina e útero, mas são pouco esclarecedores, sendo necessária, em muitos casos, a realização da laparotomia exploradora para o estabelecimento do diagnóstico.
Ainda não há consenso sobre o melhor acesso terapêutico para corrigir essa anomalia, visto o elevado número de métodos cirúrgicos propostos.
É necessário, ainda, incentivar a abordagem multidisciplinar nessas pacientes, especialmente, a psicoterapia.
REFERENCIAS
1. Hirata AM, Ono CE, Sugano DM, Lapa MS, Isoyama D, Barbosa CP. Síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser e construção de Neovagina. Relato de caso. Arq Méd ABC. 2000;23(1/2):9-11.
2. Sims MI, Reyes M, Costoya A. Sindrome de Rokitansky-Kuster-Hauser. Rev Chil Pediatr. 1983;54(5):349-52.
3. Ferreira AC, Mauad Filho F, Nicolau LG, Gallarreta FMP, Paula WM, Gomes DC. Ultra- sonografia tridimensional em ginecologia: malformações uterinas. Radiol Bras. 2007;40(2):131-6.
4. Pomes C, Barrena M. Síndrome de Mayer-Rokitansky-küster-Hauser: experiencia con vaginoplastía por tracción laparoscópica. Rev Chil Obstet Ginecol. 2003;68(1):42-8.
5. Cheroki C. Estudo genético-clínico e molecular da síndrome de Rokitansky-Mayer-Küster-Hauser e condições afins [tese]. São Paulo: Unidade Instituto de Biociências da USP; 2008.
6. Carvalho BR, Reis RM, Moura MD, Lara LAS, Nogueira AA, Ferriani RA. Neovaginoplastia com membrana amniótica na síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser. Rev Bras Ginecol Obstet. 2007;29(12):619-24.
7. Folch M, Pigem I, Konje JC. Müllerian agenesis: etiology diagnosis, and management. Obstet Gynecol Surv. 2000;55:646-9.
8. Ferreira JAS. Vaginoplastia com utilização de enxerto de pele da regiao abdominal inferior. Rev Bras Ginecol Obstet. 2003;25(1):17-22.
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