ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Linfoma de células t angioimunoblástico em paciente idoso e com diagnóstico prévio de mononucleose infecciosa: um desafio para o tratamento oncológico - Relato de caso
Angioimmunoblastic T-cell lymphoma in elderly patient with a previous diagnosis of infectious mononucleosis: a challenge for cancer treatment - Case report
Mauro Henrique Sousa Soares1; Flavio Silva Brandão2; Marcella de Fontgaland Silveira Mata3; João Estevão Melo Lima Costa4
1. Acadêmico do Curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Estagiário de oncologia no Hospital Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Médico Oncologista. Hospital Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Médica Residente de Clinica Médica no Hospital Madre Teresa. Belo Horizonte, MG - Brasil
4. Acadêmico do Curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Estagiário de oncologia clínica no Hospital Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG - Brasil
Mauro Henrique Sousa Soares
E-mail: maurohenriquess@msn.com
Recebido em: 21/01/2014
Aprovado em: 25/03/2014
Instituição: Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
O linfoma de células T angioimunoblástico (AITL) é subtipo raro de linfoma de células T periférico que representa cerca de 2% dos linfomas não Hodgkin (LNH). Acomete predominantemente homens, na sexta e sétima décadas de vida e se apresenta como doença sistêmica. É agressivo no comportamento e responde mal à quimioterapia, com tratamento padrão ainda não definido. Este relato objetiva apresentar o prognóstico desfavorável nos pacientes com AITL e a falta de consolidação de seu tratamento. Os fatores que podem estar associados à má-resposta são: idoso, estágios avançados e sintomatologia constitucional.
Palavras-chave: Linfoma não Hodgkin/quimioterapia; Linfoma de Células T Periférico; Linfoma Imunoblástico de Células Grandes; Mononucleose Infecciosa.
INTRODUÇÃO
O linfoma de células T angioimunoblástico (AITL) é subtipo raro de linfoma de células T periférico que representa cerca de 2% de todos os linfomas não Hodgkin (LNH).1,2 Entretanto, ocorre em cerca de 16,8% dos linfomas de células T periféricas (PTCL), o que o torna o tipo mais comum dessa neoplasia.1
Acomete, principalmente, pessoas na sexta e sétima décadas de vida (média de idade 59-64 anos de idade) e se apresenta, usualmente, como doença sistêmica.3 Tem predominância entre homens, com relação masculino-feminino de 2:1.1,2
O AITL foi inicialmente descrito como linfoadenopatia angioimunoblástica com disproteinemia e definido como síndrome clínica caracterizada por linfoadenomegalia generalizada, hepatoesplenomegalia, anemia e hipergamaglobulinemia.1,4 Possui comportamento agressivo e responde mal aos quimioterápicos. Algumas características clínicas são semelhantes aos de outros linfomas, como fadiga, linfadenopatia, febre, sudorese noturna e perda de peso, porém se associa mais frequentemente a: hepatoesplenomegalia, anemia, hipergamaglobulinemia, hipereosinofilia,5 erupção cutânea6 e derrame pleural.1,7-10 O AITL possui características de doenças autoimunes tais como trombocitopenia autoimune1, anemia hemolítica autoimune e hipergamaglobulinemiapoliclonal, poliartrite6 e eosinofilia1.
Apesar da compreensão da biologia AILT, o prognóstico é ruim, com sobrevida global de aproximadamente 30% em cinco anos e sobrevida mediana inferior a 26 meses8 para o tratamento convencional. O tratamento com o uso de altas doses de quimioterapia associada ao transplante autólogo de células-tronco (HDC/ACST) associa-se às sobrevidas: global em cinco anos de 68% e mediana superior a 67 meses.9 Os fatores associados a resultados ruins ainda não são bem-definidos. O tratamento-padrão ainda não foi estabelecido e a resposta aos esquemas de tratamentos é ruim.1
Este relato de caso objetiva ajudar a alertar para essa entidade nosológica, a melhor entender sua evolução e a atentar para o seu diagnóstico em muitas situações clínicas.
RELATO DE CASO
AVS, leucoderma, 60 anos de idade; desenvolveu febre, sudorese noturna, perda ponderal significativa e involuntária, tosse seca, prurido generalizado, astenia, adinamia e hiporexia, sendo admitido na Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte após o resultado da biópsia do linfonodo inguinal direito. Houve remissão do prurido com a sua evolução, entretanto, apresentou edema em membros inferiores, ascite e disúria. Identificado sinal de cacifo (+++/4) e linfonodomegalia: cervical bilateralmente (2 cm), pré-auriculares (3 cm), axilares (5 e 6 cm), inguinais (4 cm), de consistência fibroelástica, móveis, de superfície lisa e indolor à palpação. Observou-se também som pulmonar reduzido na região infraescapular, em ambos os hemitórax, hepatomegalia a 6 cm da reborda costal direita e esplenomegalia - Boyd: 4.
O diagnostico prévio foi de mononucleose infecciosa (12/12/2011: monoteste: reagente; 30/12/2011 - sorologia Epstein: IgG: 123 (reagente), IgM: 24,4 (indeterminado).
Indentificadas hiperglobulinemia e neutropenia grau IV. A telerradiografia de tórax revelou consolidações reticulares difusas bilaterais, padrão sugestivo de cefalização de fluxo/congestão pulmonar. A tomografia computadorizada de abdome e pelve mostrou aumento volumétrico de fígado e baço, linfonodomegalia generalizada em cadeias celíacas, mesentéricas superiores e inferiores, pré-aórticas, para-aórticas, intra-aórticas cavais, ilíacas comuns, internos e externos e inguinais bilateralmente.
A análise histopatológica de biópsia de linfonodo inguinal direito foi sugestiva de linfoma difuso de pequenas células; e a biópsia de crista ilíaca revelou fragmentos de medula óssea com celularidade aumentada em relação ao tecido mieloide. Houve proliferação de células com núcleos aumentados, monomórficos em grupos com padrão intersticial. A imuno-histoquímica feita em 8/3/12 revelou tratar-se de linfoma T angioimunoblástico, sendo Ki-67 positivo com valor de 70% (alto grau) e CD4 e CD8 positivos. Apresentava granzima B positiva, proliferação de vênulas pós-capilares associada à proliferação linfoide T e ocasionalmente células linfoides grandes de imunofenótipo B (CD20+).
Iniciou imediatamente o primeiro ciclo de quimioterapia: ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina e predinisona (CHOP), entretanto, sem resposta. Foram prescritos adicionalmente cefepima devido à persistência da febre; e furosemida, para o agravamento do edema sistêmico. Apresentou toxicidade e efeitos colaterais ao ciclo de quimioterapia, com anemia grau II, neutropenia grau IV e trombocitopenia grau I, evoluindo para óbito associado à insuficiência circulatória aguda periférica persistente refratária ao tratamento.
DISCUSSÃO
O AITL é subtipo raro de linfoma de células periféricas T, com prognóstico ruim. Seu diagnóstico é mais comum na faixa etária de 59 a 65 anos (variação de 27-90 anos), com predominância em homens. Em 67,7% dos pacientes o estadiamento observado situa-se em Ann Arbor III ou IV; 58,1% apresentam sintomas B (sudorese, emagrecimento e febre); 48,8% manifestavam hipoalbuminemia (<35 g/L) e 63,3%, elevado índice de desidrogenase láctica (LDH) no momento do diagnóstico.1 Neste caso, o paciente era masculino e tinha 60 anos e relatava sintomas B.
Neste relato foi diagnosticado previamente mononucleose infecciosa, sendo identificada a relação, em vários relatos, entre AITL e o vírus Epstein Barr (EBV), sem determinar diferença da sobrevida global, sejam os pacientes com AITL portadores ou não do EBV.1 Há relato, entretanto, de três pacientes com linfoma de célula T, fatal, com algumas anormalidades que incluíram altos títulos de anticorpos antiEBV e células tumorais contendo genoma do EBV. Isso sugere que o EBV pode infectar células T e contribuir para o desenvolvimento de linfoma.
Os fatores que mais interferem na sobrevida global dos pacientes, de acordo com análise multivariada, são: apresentação inicial com febre, estágio avançado e tratamento sem remissão completa. A maioria dos pacientes do estudo recebeu ciclofosfamida, vincristina e prednisona ou ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina e prednisona (COP/CHOP). Não houve diferença na sobrevida global entre os esquemas com ou sem antraciclina. No estudo, 28% dos pacientes obtiveram resposta completa com o tratamento e 72% não obtiveram. A sobrevida em dois anos para o primeiro grupo de pacientes foi de 87,5% contra 20% do segundo grupo. A sobrevida mediana foi de 14,9 meses. A sobrevida global com seguimento de um, dois, três e cinco anos foi de 54,8, 41,9, 35,5 e 12,9%, respectivamente. A maioria dos óbitos que ocorreram durante o acompanhamento do estudo foi devido à doença ativa (77,4%).
O transplante de medula óssea constitui-se em alternativa terapêutica, visto que o estudo randomizado Parma11 estabeleceu convincentemente que a alta dose de quimioterapia associada ao transplante autólogo de células-tronco (HDC/ACST) é a melhor terapia de recuperação para pacientes com doença quimiossensível no nível intermediário do grupo Working Formulation of non-Hodgkin limphomas (NHL).
Dessa forma, para fornecer informações sobre essas questões, o Grupo Espanhol de Linfomas/Transplante Autólogo de Medula Óssea (GEL-TAMO) descreveu a experiência com 115 pacientes com linfoma de células T periférico (PTCL) classificados de acordo com a Revisão Europeu-Americano Linfoma (REAL) submetidos à HDC/ASCT. Segundo os resultados: dos 114 pacientes, 98, seis, três e sete atingiram remissão completa, remissão parcial, doença estável e doença progressiva, respectivamente. A mediana de acompanhamento foi de 37 meses com 63% dos pacientes vivos e com estimativa em cinco anos de sobrevida global de 56% e os pacientes que alcançaram remissão completa com sobrevida livre de doença de 60%. Nesse estudo, um paciente faleceu de síndrome mielodisplásica.
Existem poucos estudos disponíveis com o uso de HDC/ASCT como primeira opção terapêutica. Entretanto, a terapêutica com esse regime demonstrou significativo número de pacientes que alcançaram a remissão clínica completa, quando comparados com apenas quimioterapia convencional para linfoma agressivo.11-19
CONCLUSÃO
Pode-se concluir que o AITL é raro, mas permanece como doença agressiva e prognóstico ruim, mesmo com o tratamento mais recomendado, isto é, COP/CHOP. Os fatores que podem estar associados ao prognóstico ruim são: pacientes idosos, estágios avançados, estado geral ruim, sintomatologia constitucional e envolvimento sistêmico. A sobrevida global em cinco anos foi de aproximadamente 30%, com sobrevida mediana inferior a 26 meses.
O tratamento com alta dose de quimioterapia associado ao transplante autólogo de células-tronco (HDC/ACST) associou-se a melhor resultado quando comparado com apenas a quimioterapia.11,12 O linfoma de células T periféricas, entretanto, não possui resultados ainda bem-definidos.
Outros esquemas de tratamento devem ser investigados, a fim de encontrar e consolidar o tratamento-padrão, sendo possível proporcionar melhor prognóstico, com mais sobrevida global e mais sobrevida livre de doença.
Este relato apresenta a gravidade dessa forma de apresentação anatomoclínica dos linfomas não Hodgkin, em que o diagnóstico deve ser considerado, especialmente, em idosos com linfonodomegalia generalizada, hepatoesplenomegalia, anemia, hipergamaglobulinemia, eosinofilia, emagrecimento, prurido e com características de doenças autoimunes, comportamento agressivo e resposta precária aos quimioterápicos.
REFERÊNCIAS
1. Lin HN, Liu C, Hong YC, Pai JT, Yang CF, Yu YB, et al. Clinical features and prognostic factors of angioimmunoblastic T-cell lymphoma in Tawain: a single - institution experience. Leuk Lymphoma. 2010 Dec;51(12):2208-14.
2. Gisselbrecht C, Gaulard P, Lepage E, Coiffier B, Brière J, Haioun C, et al. Prognostic significance of T-cell phenotype in aggressive non-Hodgkin's lymphomas. Blood. 1998 Jul 1;92(1):76-82.
3. Oka K, Nagayama R, Yatabe Y, Lijima S, Mori N. Angioimmunoblastic T-cell lymphoma with autoimmune thrombocytopenia: a report of two cases. Pathol Res Pract. 2010;206(1):270-5.
4. Choy U, Chi HS, Park CJ, Jang S, Seo EJ, Huh J. Distinct features of angioimmunoblastic T-cell lymphoma with bone marrow involvement. Am J Clin Pathol. 2009;131(5):640-6.
5. Ferry JA. Angioimmunoblastic T-cell lymphoma. Adv Anat Pathol. 2002;9(1):273-9.
6. Martel P, Laroche L, Courville P, Larroche C, Wechsler J, Lenormand B, et al. Cutaneous involvement in patients with angioimmunoblastic lymphadenopathy with dysproteinemia: a clinical, immunohistological, and molecular analysis. Arch Dermatol. 2000;136(7):881-6.
7. Bradley SL, Dines DE, Banks PM, Hill RW. The lung in immunoblastic lymphadenopathy. Chest. 1981;80(6):312-8.
8. Park BB, Ryoo BY, Lee JH, Know HC, Yang SH, Kang HJ, et al. Clinical features and treatment outcomes of angioimmunoblastic tcell lymphoma. Leuk Lymphoma. 2007 Apr;48(4):716-22.
9. Bal M, Gujral S, Gandhi J, Shet T, Epari S. Angioimmunoblastic T-Cell lymphoma: A critical analysis of clinical, morphologic and immunophenotypic features. Ind J Pathol Microbiol. 2010;53(1):640-5.
10. Carvalho LHFR. Mononucleose Infecciosa. J Pediatr (Rio J).1999;75(2):115-25.
11. Rodriguez J, Caballero DM, Gutierrez A, Marín J, Lahuerta JJ, Sureda A, et al.High-dose chemotherapy and autologous stem cell transplantation in peripheral t-cell lymphoma: the GEL-TAMO experience. Ann Oncol. 2003;14(12):1768-75.
12. Rodriguez J, Conde E, Gutierrez A, Arranz R, León A, Marín J, et al. The results of consolidation with autologous stem-cell transplantation in patients with peripheral T-cell lymphoma (PTCL) in first complete remission: the Spanish Lymphoma and Autologous Transplantation Group experience. Ann Oncol. 2007;18(4):652-7.
13. Bradley SL, Dines DE, Banks PM, Hill RW. The lung in immunoblastic lymphadenopathy. Chest. 1981;80(6):312-8.
14. Glauco F, Edgar MM, Henry R. Angio-immunoblastic lymphadenopathy: diagnosis and clinical course. Am J Med. 1975;59(1):803-18.
15. Notas G, Xylouri I, Kritikos H, Stavrolaki E, Roditakis G, Boumpas D. A rare case of angioimmunoblastic T-cell lymphoma presenting with fever and late polyarthritis. Rheumatology. 2009;48(7):859-60.
16. Phillip T, Guglielmi C, Hagenbeek A, Somers R, Van der Lelie H, Bron D, et al. Autologous bone marrow transplantation as compared with salvage chemotherapy in relapses of chemotherapy-sensitive non- Hodgkin's lymphoma. N Engl J Med. 1995 Dec 7;333(23):1540-5.
17. Reiser M, Josting A, Soltani M, Staib P, Salzberger B, Diehl V, et al. T-cell non-Hodgkin's lymphoma in adults: clinicopathological characteristics, response to treatment and prognostic factors. Leuk Lymphoma. 2002 Apr;43(4):805-11.
18. Savage KJ, Chhanabhai M, Gascoyne RD, Connors JM. Characterization of peripheral T-cell lymphomas in a single North American institution by the WHO classification. Ann Oncol. 2004;15(10):1467-75.
19. Schultheis B, Kummer G, Riebeling J, Strumberg D. Antiphospholipid Syndrome drug therapy; Lymphoma, T-Cell complications; Purpura, Thrombocytopenic, Idiopathic drug therapy; Aged: 65+ years; All Adult: 19+ years; Female. J Clin Pharmacol. 2012;50(1):74-5.
Copyright 2024 Revista Médica de Minas Gerais
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License