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CAPES/Qualis: B2
Linfoma primário de efusão em mulher com síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA), derrame pleural e ascite: diagnóstico citológico e imunocitoquímico
Primary effusion lymphoma in women with acquired immunodeficiency syndrome (AIDS), pleural effusion, and ascites: cytological diagnosis and immunocytochemistry
Rafael Alvarenga Brandão1; Jõao Henrique do Amaral e Silva2; Natália Freitas de Pinho Tavares3
1. Médico Residente de Patologia no Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM. Uberaba, MG - Brasil
2. Médico. Mestrando em Patologia Humana pela UFTM. Uberaba, MG - Brasil
3. Médica. Programa Estratégia de Saúde da Família. Uberaba, MG - Brasil
Rafael Alvarenga Brandão
E-mail: rafa_brandao@hotmail.com
Recebido em: 30/07/2014
Aprovado em: 15/04/2015
Instituição: Hospital das Clínicas da UFTM Uberaba, MG - Brasil
Resumo
O linfoma primário de efusão é tipo raro de forma não Hodgkin que se manifesta com derrame cavitário, em geral associado à imunodepressão. Associa-se à infecção pelo vírus herpes humano 8 (HHV-8), fato necessário para que seja confirmado seu diagnóstico. Este relato descreve o linfoma primário de efusão, diagnosticado por meio de citologia e imunocitoquímica, em paciente com manifestação não usual de comprometimento de duas cavidades serosas. Seu prognóstico é reservado e seu tratamento é limitado.
Palavras-chave: Linfoma não Hodgkin; Derrame Pleural; Ascite; Herpesvirus Humano 8.
INTRODUÇÃO
O linfoma primário de efusão, também conhecido como linfoma primário de cavidades, é tipo raro de linfoma não Hodgkin de linfócitos B maduros com morfologia de células grandes e que se manifesta com derrame cavitário, geralmente em uma cavidade serosa.1 Devem estar ausentes massas extracavitárias, mas podem ocorrer na pleura, trato gastrintestinal, pele, pulmões, encéfalo e linfonodos, quando em fase avançada.2 A maioria dos pacientes são homens jovens ou de meia-idade com grave imunodepressão, comumente causada pela infecção por vírus da imunodeficiência humana (VIH). Ainda, acomete pacientes imunocomprometidos em virtude de cirrose hepática e tratamento imunossupressor por transplante de órgãos.3 Em raros casos pode acometer pacientes imunocompetentes, geralmente idosos. Não há protocolo de tratamento bem definido e a doença tem mau prognóstico.
Este relato descreve o linfoma primário de efusão, neoplasia linfoide rara, diagnosticado a partir de citologia e imunocitoquímica, em paciente com manifestação não usual de comprometimento de duas cavidades serosas (derrame pleural e ascite), associado à infecção pelo VIH e à síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS).
RELATO DE CASO
Paciente feminina, 42 anos de idade, soropositiva para HIV, com diagnóstico há dois anos e que desenvolveu dor abdominal e tosse há uma semana. Encontrava-se em regular estado geral, taquicárdica, taquipneica, normotensa e com distensão abdominal em virtude de ascite de médio volume, confirmada por ultrassonografia abdominal e derrame pleural por telerradiografia de tórax. A toraco e paracenteses obtiveram espécime clínico para avaliação laboratorial. O exame citológico dos líquidos pleural e ascítico evidenciou sedimento rico em células linfoides grandes, redondas, descoesas, com alta relação núcleo-citoplasmática, núcleos hipercromáticos, pleomórficos, com nucléolos proeminentes e citoplasmas pouco amplos, basofílicos e microvacuolizados, além de numerosas células com cariorrexe (Figura 1).
O estudo imunocitoquímico evidenciou células neoplásicas positivas para CD45, HHV-8 (Figura 2), vimentina e índice de proliferação celular de 80% evidenciado pelo marcador Ki-67. Observou-se negatividade das células para CD3, CD20, AE1/AE3, Melan-A e S-100. O diagnóstico estabelecido foi de linfoma primário de efusão. Poucos dias após o diagnóstico, evoluiu para óbito em insuficiência respiratória.
DISCUSSÃO
Derrames cavitários em pacientes HIV-positivo possuem causas diversas4 e constituem desafio diagnóstico clínico.5 A citologia é parte integrante do algoritmo de avaliação dos líquidos aspirados para diagnóstico diferencial entre dezenas de condições funcionais, inflamatórias, infecciosas e neoplásicas.6
O linfoma primário de efusão é neoplasia rara que se manifesta com derrames cavitários, em especial diante de imunossupressão com ascite, derrame pleural e pericárdico.
A imunossupressão constitui-se em comorbidade associada ao linfoma primário de efusão e, inclusive, à sua presença como rara complicação durante o tratamento de doença inflamatória intestinal.7 Além disso, há possibilidade de que a hipogamaglobulinemia possa contribuir para o seu desenvolvimento.8
Associa-se, como pré-requisito para seu diagnóstico, à infecção pelo vírus herpes humano 8 (HHV-8). A infecção pelo HHV-8, comum em outras doenças, como no sarcoma de Kaposi e doença de Castleman multicêntrica,9,10 é malcontrolada in vivo, provavelmente por falha no reconhecimento das células infectadas e na citotoxicidade pelos linfócitos T11, o que permite a infecção latente no organismo. O HHV8 atua na patogênese da neoplasia, por codificar genes que conferem sinais proliferativos e antiapoptóticos. A coinfecção pelo vírus Epstein-Barr (EBV) também é comum, mas provavelmente sem influência patogenética.12 Em 90 a 95% das vezes associa-se à infecção pelo VIH e na maioria das vezes ao EBV. Observam-se, entretanto, casos negativos para EBV e, em geral, em idosos originários da região mediterrânea.12, 13
O material dos aspirados de derrames cavitários emblocado em parafina é de grande utilidade para a realização de estudos complementares, como a imunocitoquímica e hibridação in situ.14 As células do linfoma primário de efusão são linfócitos atípicos, grandes, comumente pleomórficos, eventualmente anaplásicos e positivos para o marcador CD45 e negativos para marcadores de linhagem de linfócitos B e T. Há, em geral, positividade para marcadores de ativação linfocitária (CD30, CD38, CD71 e antígeno de membrana epitelial), além de diferenciação plasmocitária (CD138) e de estágio tardio de diferenciação do linfócito B (MUM1).15
O diagnóstico definitivo é obtido com a detecção da infecção pelo HHV8 nas células neoplásicas a partir da expressão do antígeno nuclear associado à latência (LANA-1) revelada por imunocitoquímica;16 e rearranjos clonais dos genes de imunoglobulina em estudos moleculares indicam origem em linfócito B pós-centro germinativo.
Há casos de linfomas sólidos sem derrame cavitário positivos para o HHV-8 e, apesar de pequenas diferenças clínicas e imuno-histoquímicas, estudos de perfil de expressão gênica e análise de proteomas indicam que esses linfomas pertencem ao espectro do linfoma primário de efusão.17 Observa-se em modelo animal com ratos imunodeprimidos, em que se injeta na cavidade peritoneal células linfomatosas HHV-8 positivo, a formação de ascite, o surgimento de tumores sólidos únicos ou múltiplos em diversos órgãos e tecidos da cavidade abdominal.18
O linfoma primário de efusão é neoplasia de alta mortalidade, na maioria dos casos após um ano do diagnóstico. A idade avançada limita o uso de agentes quimioterápicos, propiciando recidivas e perda do controle das efusões.19 Em pacientes imunocomprometidos e naqueles tratados para HIV com a terapia antirretroviral potente, o uso da quimioterapia é limitado devido à soma dos efeitos sistêmicos com os deletérios da imunodepressão e dessa terapêutica.
O prognóstico do linfoma primário de efusão é reservado e seu tratamento pouco eficaz. Tem sido tentada a terapêutica com o imunomodulador de segunda geração lenalidomida, com melhores resultados e tolerabilidade, sem efeitos colaterais.20 Há ainda a terapêutica, quando está limitado à cavidade pleural, pela pleurodese com bleomicina.21
CONCLUSÃO
São descritos o diagnóstico e a evolução clínica do linfoma primário de efusão, que se manifesta com derrame bicavitário, sem suspeita clínica, definido em aspirado de líquido pleural e ascítico incluídos em parafina, e realização de imunocitoquímica
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