RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 25. 3 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20150087

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Relato de Caso

Botriomicose cutânea - relato de caso em Minas Gerais, Brasil

Skin botryomycosis - case report in Minas Gerais, Brazil

Maurício Moura dos Santos Netto1; João Henrique do Amaral e Silva2; Gyselle Silva dos Santos3; Gabriella Santos de Oliveira3

1. Médico Residente. Serviço de Patologia Cirúrgica do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM. Uberaba, MG - Brasil
2. Médico. Especialista em Patologia. Patologista do Serviço de Patologia Cirúrgica do Hospital de Clínicas da UFTM. Uberaba, MG - Brasil
3. Acadêmica do Curso de Medicina da Universidade Federal do Amapá - Unifap. Macapá, AP - Brasil

Endereço para correspondência

Maurício Moura dos Santos Netto
E-mail: maunetto@yahoo.com.br

Recebido em: 17/09/2014
Aprovado em: 15/04/2015

Instituição: Hospital de Clínicas da UFTM. Serviço de Patologia Cirúrgica Uberaba, MG - Brasil

Resumo

Botriomicose é doença infecciosa crônica granulomatosa e supurativa causada por bactérias Gram-positivas e Gram-negativas que formam grãos pseudomicóticos. As lesões cutâneas são placas e tumores multinodulares com ulceração e formação de fístulas que podem eliminar grãos. A infecção acomete a pele, com possível disseminação para vísceras. É doença relativamente rara e seu diagnóstico pode ser alcançado por meio de biópsia das lesões e cultura dos grânulos nas secreções positivas para cocos Gram-positivos ou Gram-negativos. Esta descrição apresenta a botriomicose cutânea em brasileiro causada por Staphylococcus aureus.

Palavras-chave: Doença Granulomatosa Crônica; Infecções Cutâneas Estafilocócicas; Infecções Bacterianas; Infecções Estafilocócicas; Staphylococcus aureus.

 

INTRODUÇÃO

A botriomicose é doença infecciosa bacteriana crônica, supurativa e rara, que acomete geralmente pele e tecido subcutâneo de humanos e animais, podendo se disseminar para órgãos como fígado, pulmões, rins, coração, próstata e nódulos linfáticos, especialmente em pacientes debilitados.1 É causada por bactérias não filamentosas que formam grãos botriomicóticos pseudomicóticos os quais podem ser confundidos com os grãos actinomicóticos ou eumicóticos.2

 

RELATO DE CASO

Paciente masculino, 25 anos de idade, trabalhador braçal, natural e procedente de São Sebastião do Paraíso, Minas Gerais, Brasil. Foi atendido no ambulatório de doenças infectoparasitárias do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro com queixa de nódulos subcutâneos difusos pelo corpo com início há cinco anos. Começou com nódulo endurecido no cotovelo direito que aumentou de tamanho e posteriormente apareceram nódulos semelhantes em membros superiores e inferiores associados a sinais flogísticos locais e supuração. Em outro serviço médico recebeu o diagnóstico de actinomicose e foi submetido a tratamento com itraconazol 100 mg duas vezes ao dia durante um mês, sem melhora; e, a seguir, com amoxicilina 500 mg três vezes ao dia por três meses, também sem melhora.

Apresentava lesões nodulares, crostosas, em parte de aspecto cicatricial, de consistência amolecida, não aderidas a planos profundos, dolorosas à palpação, com saída de secreção serossanguinolenta em região dos calcanhares direito e esquerdo (Figuras 1 e 2). Foi submetido a vários exames complementares como sorologias, culturas e bioquímica, além de biópsia da lesão.

 


Figura 1 - Lesões com aspecto fistuloso e cicatricial.

 

 


Figura 2 - Lesões nodulares,crostosas e amolecidas.

 

O exame histopatológico demonstrou pele com leve acantose da epiderme e derme com áreas nodulares abscedidas circundadas por granulomas epitelioides e células mononucleares centrados por grãos "sulfurosos" com centro formado por material eosinófilo, amorfo e granuloso no interior do qual havia diminutas estruturas cocoides agregadas, em conjunto com abundante substância eosinofílica dispersa ao redor, compatível com o fenômeno de Splendore-Hoeppli (Figura 3). As pesquisas de fungos e de micobactérias, pelas técnicas de Grocott e Fite-Faraco, resultaram negativas. A coloração pelo método de Brown-Brenn revelou cocos Gram-positivos (Figura 4). Foi isolado Staphylococcus aureus em cultura da secreção da lesão. Os achados do exame histopatológico da biópsia de pele associados ao isolamento de Staphylococcus aureus em cultura da secreção confirmaram o diagnóstico de botriomicose cutânea.

 


Figura 3 - Fenômeno de Splendore-Hoeppli.

 

 


Figura 4 - Bactérias Gram positivas (coloração de Brown-Bren).

 

DISCUSSÃO

Botriomicose é doença infecciosa bacteriana crônica granulomatosa e supurativa rara que frequentemente envolve a pele e tecido subcutâneo e, raramente, as vísceras.3,4 Ocorre, em geral, em pacientes com algum grau de imunodeficiência como a que se verifica no alcoolismo, diabetes mellitus, infecção pelo vírus da imunodeficiência humana, fibrose cística, doença granulomatosa crônica idiopática, trauma e cirurgia.5 O tratamento requer antibioticoterapia e, na maioria dos casos, debridamento cirúrgico.5,6 A escolha do antibiótico deve ser orientada pelo resultado do exame de cultura de acordo com a bactéria isolada. A bactéria mais comumente causadora da botriomicose é o Staphylococcus aureus; e, raramente, por Pseudomonas aeruginosa, Escherichia coli, Proteus, Streptococcus e Micrococcus sp.7,8 Neste relato a bactéria isolada pela cultura de secreção foi o Staphylococcus aureus.9,10

A patogênese da doença não está bem esclarecida, mas pode ser relacionada à baixa virulência dos agentes, grande inóculo bacteriano local, alteração da imunidade celular específica (diminuição dos linfócitos T, como nas doenças com agamaglobulinemia, anemia aplásica, agranulocitose e AIDS) ou da resposta imune humoral (diminuição da IgA ou aumento da IgE).1,4

Mesmo na ausência de imunodeficiência, a terapia antibiótica sozinha pode não ser suficiente.4 Neste estudo, a propedêutica complementar não detectou defeito imunológico e o paciente respondeu bem à antibioticoterapia instituída após o diagnóstico histopatológico, contudo, precisou de vários debridamentos cirúrgicos, provavelmente devido ao longo tempo de evolução da doença e à terapia incorreta utilizada antes do diagnóstico correto (Figura 5).

 


Figura 5 - Aspecto cicatricial da lesão pós tratamento.

 

O exame histopatológico, a partir de biópsia das lesões, é de grande importância para o diagnóstico diferencial da botriomicose com os micetomas verdadeiros, com outras doenças granulomatosas como a tuberculose e até com neoplasias. O emprego de técnicas histoquímicas específicas para pesquisa de bactérias, fungos e micobactérias auxilia nesse diferencial. O exame de cultura das secreções é indicado para se isolar o agente etiológico e para a indicação da antibioticoterapia adequada. A botriomicose cutânea é a dermatose menos frequente e mais rara entre os seus diagnósticos diferenciais.10,11

 

CONCLUSÃO

O diagnóstico da botriomicose, em virtude da sua raridade e difícil diagnóstico clínico diferencial com outras doenças granulomatosas causadas por fungos e até neoplasias, constitui-se em desafio clínico. Nesse contexto, o exame histopatológico é essencial.12 O tratamento da botriomicose requer antibioticoterapia orientada por exames de cultura e antibiograma e, na maioria dos casos, debridamento cirúrgico.

 

REFERÊNCIAS

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