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ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
O papel da obesidade no desenvolvimento da asma na população pediátrica: revisão da literatura
The obesity's role in asthma development in pediatric population - literature review
Sílvia Paschoalini Azalim de Castro1; Joel Alves Lamounier2
1. Médica, Pneumologista Pediátrica. Doutoranda em Saúde da Criança e do Adolescente pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Médico Pediatra. Doutor em Saúde Pública. Professor orientador do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
Sílvia Paschoalini Azalim de Castro
E-mail: silviaazalim@gmail.com
Instituição: Faculdade de Medicina da UFMG Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
INTRODUÇÃO: a obesidade infantil e a asma são doenças crônicas de elevada prevalência e consideradas prioritárias em saúde pública no mundo. O objetivo deste trabalho foi realizar revisão da literatura sobre as possíveis associações que refletem no aumento das taxas de prevalência de ambas.
REVISÃO DA LITERATURA E DISCUSSÃO: utilizaram-se banco de dados eletrônicos do MEDLINE, Scielo, Scopus e Science Direct e busca direta para seleção de artigos publicados entre 2004 e 2015. Os artigos selecionados foram metanálises, estudos de coorte e transversais, independentemente do tamanho amostral, que avaliaram a associação entre asma e obesidade na infância. Vários trabalhos na literatura abordam a associação entre asma e obesidade infantil em diferentes estudos epidemiológicos, com definições heterogêneas para asma e obesidade e OR variando de 1,38 a 3,37. Contudo, outros estudos são contraditórios em estabelecer essa associação, provavelmente pelas diferenças metodológicas adotadas.
CONCLUSÕES: a asma e obesidade infantil são doenças crônicas em Pediatria, de alta prevalência e que motiva vários trabalhos em todo o mundo. Os resultados de uma possível associação entre essas doenças são contraditórios na literatura devido aos vários fatores associados e à dificuldade em se estabelecer uma relação de causalidade diante da variabilidade de critérios adotados. Assim, novos estudos são necessários, com rigor metodológico, para compreender melhor quais fatores influenciariam essa associação ou se é apenas uma coincidência, a fim de que medidas de prevenção sobre essas doenças, de grande impacto em Pediatria, possam ser adotadas na prática clínica.
Palavras-chave: Asma; Obesidade; Criança; Índice de Massa Corporal; Razão Cintura-Estatura.
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas ocorreu aumento da prevalência de doenças crônicas, como a asma e a obesidade, de grande impacto na vida das crianças, famílias e sociedades atingidas, sendo considerada pela Organização Mundial da Saúde como doenças prioritárias em saúde pública no mundo.1 O que justificaria esse aumento? Essa prevalência elevada poderia sugerir alguma associação entre elas ou seria apenas coincidência?
Alguns trabalhos ressaltam essa possível associação, como, por exemplo, quando se observou um aumento em 50% do risco relativo de crianças obesas durante a infância desenvolverem asma (RR= 1,5 IC 95% 1,2 - 1,8)2 ou com o aumento da prevalência de asma com a elevação do IMC (p = 0,02).3,4 Em uma coorte no Sul do Brasil, a prevalência de asma aos 15 anos era 50% maior entre os indivíduos obesos do que quando avaliados aos 11 anos, eutróficos (RR = 1,53 IC 95% 1,14 - 2,05). Porém, quando a obesidade já era detectada aos 11 anos, o risco de sibilância persistente aos 15 anos era 80% mais alto (RR = 1,82 IC 95% 1,30-2,54).5
A asma é doença prevalente em Pediatria, como demonstrado com o estudo Internacional de Asma e Alergia em crianças (ISAAC).6 Dados comparando a prevalência no período de 2002-2003 (fase III) mostram aumento em relação à primeira fase do estudo realizado em 1994-1995.6 Em recente publicação, após nove anos da terceira fase do estudo ISAAC, o estudo da prevalência da asma entre os adolescentes mostrou aumento da asma diagnosticada por médico (14,3% v.s. 17,6%) e, por outro lado, queda na prevalência de asma ativa (18,5% v.s. 17,5%), que podem ser reflexo da melhoria da assistência com maior número de diagnósticos e de tratamentos instituídos de forma adequada.7 Essa variação é observada não somente no Brasil, mas nos diversos países que realizaram esse estudo, sugerindo que fatores ambientais, genéticos e comorbidades poderiam contribuir para o seu aumento ou sua gravidade.1,6
A obesidade infantil, por sua vez, triplicou o número de casos nas últimas duas décadas em crianças de seis a 19 anos nos Estados Unidos, independentemente de raça, sexo e condição socioeconômica.8 Silveira et al.9 avaliaram a tendência secular do sobrepeso e obesidade e fatores associados em pré-escolares de dois a cinco anos no Brasil, no período de 1989 a 2006-7, e observaram que a prevalência de obesidade aumentou dramaticamente nos últimos 17 anos, sendo maior no período de 1996 a 2006, com aumento de 129%. Os principais fatores associados a esse aumento foram: a região Sudeste e Sul do Brasil (OR= 1,55 IC 95% 1,17 -2,06), a classe média (OR=1,35 IC 95% 1,02- 1,77), a obesidade materna (OR=1,66 IC 95% 1,22 - 2,27) e o peso ao nascer > 3,9 kg (OR= 1,87 IC 95 1,31-2,67).9 No período de 2008 a 2009, de acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ocorreu aumento em mais de 300% de obesidade em crianças de cinco a nove anos.10 Nos adolescentes de 10 a 19 anos, a frequência de excesso de peso dobrou nesse mesmo período, passando de 10,8 para 20%.10
A obesidade é considerada fator de risco para asma em vários grupos demográficos estudados.2-4 Outros autores não registraram essa associação entre índice de massa corpórea (IMC) e aumento da prevalência de asma.11 Andrade et al.12 avaliaram parâmetros clínicos como sexo, classificação inicial da asma, controle da doença e dados espirométricos e também não encontraram associação com sobrepeso/obesidade infantil.
Os possíveis mecanismos envolvidos na associação entre asma e obesidade envolvem ativação de genes comuns à asma e à obesidade e outros fatores como os efeitos diretos sobre a mecânica respiratória funcional, influência hormonal, de sexo, influência de atividade física, dieta e de mecanismos inflamatórios e imunológicos.13
Observa-se, assim, a alta prevalência da obesidade e asma na infância e adolescência, de amplo conhecimento na literatura e de grande importância para saúde pública. Entretanto, os dados ainda são controversos para confirmar a associação entre ambas. Propõe-se, neste artigo, uma revisão da literatura sobre essa possível associação com forte impacto clínico, econômico e social na população pediátrica.
REVISÃO DA LITERATURA E DISCUSSÃO
Realizou-se revisão da literatura a partir de banco de dados eletrônicos do Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Scientific Eletronic Library On-line (SciELO), SciVerse Scopus (Scopus) eScience Direct e busca direta para seleção de artigos publicados entre 2004 e 2015. Foram pesquisados estudos publicados em língua inglesa e portuguesa.
Utilizaram-se os seguintes descritores: asthma AND obesity children AND body mass index AND waist to height ratio.
Foram identificados 50 artigos para esta revisão com base nos seguintes critérios: artigos de metanálises, estudos de coorte, transversais e caso-controle, independentemente do tamanho amostral, que avaliaram a associação entre asma e obesidade na infância, com critérios bem definidos em sua metodologia, faixa etária pediátrica e qualidade da revista publicada. Os critérios de exclusão foram artigos publicados fora da faixa etária pediátrica ou que estudavam as doenças asma e obesidade infantil, isoladamente.
Estudos epidemiológicos transversais da associação entre asma e obesidade na infância
A obesidade foi considerada fator de risco para asma em vários grupos demográficos estudados.2,3,4 A asma nesses pacientes obesos pode representar um único fenótipo, com doença mais grave e com resposta às terapias habituais de forma variável.11 Em pacientes adultos obesos, verifica-se aumento na prevalência de asma, com odds ratio variando de 1,5 a 3,5.14 Por outro lado, os estudos em crianças e adolescentes são menos consistentes em demonstrar a associação entre obesidade e asma.14
Em trabalho realizado com adolescentes de 13 a 14 anos, no sul do Brasil, utilizou-se o protocolo do International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) e avaliação de medidas antropométricas como peso, estatura e prega triceptal, para definição de asma e obesidade e obtiveram associação positiva entre obesidade e prevalência de sintomas de asma (OR = 1,38; IC 95% 1,01- 1,88) e sua gravidade (OR=1,36; IC 95% 1,11-1,66), principalmente no sexo feminino.15 Kuschnir et al.16, ao avaliar 2.858 adolescentes de 13 a 14 anos, também encontraram associação positiva entre obesidade e prevalência de asma no sexo feminino (OR = 1,51 IC 95% 1,07 - 2,3). Contudo, em outro estudo com 25.322 crianças, não houve diferença significativa quanto aos sexos feminino (OR = 1,42 IC 95% 1,31- 1,53) e masculino (OR= 1,44 IC 95% 1,34-1,54)17, concordante com o trabalho realizado no Irã, que encontrou associação significativa entre obesidade ou sobrepeso e prevalência de asma (p < 0,001), porém sem diferença quanto ao sexo.18
A asma e a obesidade podem estar relacionadas à atopia e vários trabalhos foram realizados para estudar essa possível associação. Em estudo com crianças de dois a 19 anos, num total de 16.074 participantes do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES), a obesidade esteve associada à asma atual entre crianças e adolescentes (OR = 1,68 IC 95% 1,33- 2,12), sendo a associação mais importante entre os não atópicos (OR = 2,46 IC 95% 1,21 - 5,02) do que entre os atópicos (OR = 1,34 IC 95% 0,70 - 2,57).19 Entretanto, ao avaliar marcadores inflamatórios a partir do Óxido Nítrico exalado, a atopia, e a associação entre asma e obesidade, houve frequência significativamente maior de asma e sensibilização alérgica nos pacientes obesos, comparados aos não obesos, porém nenhuma diferença foi encontrada quando se avaliaram os níveis de Óxido Nítrico exalado.20
Outro aspecto ao avaliar a associação dessas doenças é a relação da obesidade com a função pulmonar. Em Campinas, Faria et al.21 realizaram pesquisa com 92 adolescentes (47 obesos e 45 eutróficos) de 10 a 17 anos, para verificar a resposta da função pulmonar ao exercício nos diferentes sexos. O grupo dos obesos apresentava alterações da função pulmonar no repouso e que não se modificam com o exercício, efeito este justificado não só pelas diferenças de crescimento pulmonar, mas também por diferenças na distribuição de gordura, que pode alterar a função pulmonar diferentemente em meninas e meninos obesos.21
Contudo, na revisão dos estudos da literatura, foram utilizadas várias definições de obesidade, a partir do peso, relação peso para a estatura, circunferência abdominal, razão cintura-altura, IMC, escore Z, pregas cutâneas e bioimpedância, que poderiam influenciar na avaliação da associação entre asma e obesidade. Assim, existiria melhor medida antropométrica para avaliar essa possível associação e que seja de fácil aplicação na prática clínica?
Em estudo na Grécia com 3.641 crianças de dois a a cinco anos e de nove a 13 anos, os autores avaliaram a gordura corporal medida por índices de adiposidade, como: IMC, circunferência abdominal, prega cutânea biceptal, triceptal, subescapular e suprailíaca, além de análise por bioimpedância no grupo de nove a 13 anos e definiu-se asma a partir dos questionários ISAAC. Os resultados mostraram associação da gordura corporal com a prevalência de asma (P<0,05), porém o IMC não se correlacionou com a asma no grupo de pré-escolares, sugerindo que o IMC não seria eficaz para estudo da asma nesse grupo etário.22 Wang et al.23 apuraram associação positiva entre os índices de adiposidade e asma, sibilância e função pulmonar, com diferença entre os sexos, principalmente se avaliada a porcentagem de gordura corporal e asma no sexo feminino (OR = 3,37 IC 95% 1,34- 8,48) e no sexo masculino (OR = 1,21 IC 95% 0,61 - 2,40). Em outro estudo, os autores avaliaram o IMC, circunferência abdominal e razão de cintura-altura comparado com asma definida pelo ISAAC, em crianças de seis a 12 anos. Os resultados sugeriram que o excesso de gordura corporal na região abdominal ou qualquer parte do corpo aumenta o risco de asma.24
Outros trabalhos na literatura não conseguiram provar a associação entre as duas doenças, como Bertolace et al.11, em São Paulo, Brasil, que não obtiveram associação entre índice de massa corpórea (IMC) e aumento da prevalência de asma definida pelo ISAAC em adolescentes de 13 a 14 anos. Andrade et al.25 estudaram adolescentes de nove a 20 anos, média de 14,1 anos, e avaliaram parâmetros clínicos como sexo, classificação inicial, nível de controle da asma e dados espirométricos e também não registraram associação com sobrepeso/obesidade infantil.25
Na Tabela 1 estão incluídos os estudos transversais sobre asma e obesidade infantil. A associação entre essas duas doenças mostrou-se predominantemente positiva nos trabalhos avaliados 15,17-19,22,24, com OR que variou de 1,38 a 3,37. Outros trabalhos se mostraram contraditórios11,26, nos quais não houve associação entre asma e obesidade. O tamanho amostral foi satisfatório nas pesquisas com variação da faixa-etária pediátrica avaliada desde pré-escolares até adolescentes. Na maioria dos estudos11,15,17-19,22-25 foi utilizado como critério diagnóstico para obesidade o IMC maior que o percentil 95 de acordo com a idade e sexo, como recomendado pela Organização Mundial da Saúde. Poucos trabalhos levaram em consideração outros índices antropométricos como circunferência abdominal e razão cintura-altura22,24, o que poderia ser mais significativo na avaliação da obesidade do que o uso do IMC.24
Quanto ao critério diagnóstico para asma, houve heterogeneidade nessa classificação, pois a maioria dos estudos utilizou o ISAAC, questionário padronizado e validado em nosso país, com a resposta positiva à questão de sibilância nos últimos 12 meses15,17,18, entretanto, também utilizaram critérios mais amplos para definir asma como sibilância alguma vez na vida12,23 e diagnóstico médico de asma.22,23 Essa heterogeneidade nos critérios de definição de obesidade e asma pode influenciar a comparação entre os vários estudos encontrados na literatura. Sugere-se que estudos com rigor metodológico, definições, critérios bem estabelecidos e questionários validados sejam utilizados como melhor forma de comparação entre os estudos.
Estudos epidemiológicos prospectivos da associação entre asma e obesidade na infância
Na Europa, o estudo internacional Global Allergy and Asthma European Network reuniu oito coortes e avaliou a incidência de asma e medidas de IMC de crianças desde o nascimento até seis anos de vida. Foi observado em crianças com aumento rápido do IMC nos primeiros dois anos de vida alto risco de desenvolver asma até os seis anos (OR = 1,3 IC 95% 1,1- 1,5).25 Assim, medidas de intervenção para prevenção de ganho de peso no lactente e incentivo ao aleitamento materno poderiam contribuir para diminuir o risco do desenvolvimento da asma relacionada à obesidade na idade escolar.
A obesidade e o sexo são fatores que podem afetar a gravidade da asma. Lang et al.26 acompanharam crianças com asma grave por seis meses, com idade entre seis e 17 anos e a obesidade não afetava o controle da asma ou estabilidade da doença. Entretanto, observou-se alteração na função pulmonar nos adolescentes obesos com diferença em relação ao sexo, sendo pior no sexo masculino e associada à melhora substancial na função pulmonar no sexo feminino.26 Em coorte realizada na Califórnia com 623.358 pacientes de seis a 19 anos, no período de 2007 a 2011, a obesidade esteve associada à asma (OR = 1,37 IC 95% 1,32 - 1,42), principalmente em meninas jovens de seis a 10 anos. Nas crianças que desenvolveram asma e eram obesas, constataram-se quadros de exacerbação da asma com mais frequência e necessidade de visitas aos departamentos de urgência ou tratamento mais agressivo com corticoide via oral.27
No Sul do Brasil, adolescentes de 10 a 11 anos foram acompanhados e reavaliados com 14 a 15 anos e a prevalência de sibilância na idade de 15 anos foi 50% maior nos adolescentes obesos comparados aos eutróficos com 11 anos (RR = 1,53 IC 95% 1,14- 2,05), sugerindo também, dessa forma, que a prevenção e tratamento da obesidade poderiam prevenir o aparecimento da asma e as consequências dessas doenças crônicas.5
A Tabela 2 mostra que os estudos prospectivos tiveram como desfecho principal a associação da asma e da obesidade infantil. Os estudos são predominantemente com jovens e utilizaram amostras populacionais.5,26,27 No entanto, o diagnóstico de asma foi o critério mais heterogêneo, pois usou diagnóstico médico, visitas à emergência e questionários de sintomas aos pais, o que pode ser um viés dos estudos25,28,29, e somente no trabalho realizado por Noal et al. 5 empregou-se questionário padronizado para essa definição. O critério para classificação da obesidade foi homogêneo, com aceitação de valores acima do percentil 95 para o IMC de acordo com idade e sexo.
Estudos epidemiológicos de metanálise da associação entre asma e obesidade na infância
O estudo realizado por Chen et al.28 teve como objetivo quantificar a associação do sobrepeso/obesidade com o risco de asma e avaliar a diferença quanto ao sexo nessa associação. Avaliaram estudos prospectivos com crianças que desenvolveram asma e tiveram seu IMC classificado de acordo com o sexo e a idade. Do total de 1.027 trabalhos, apenas seis preencheram os critérios do estudo; e o sobrepeso esteve associado ao desenvolvimento de asma (RR= 1,19 IC 95% 1,03-1,37) comparando às crianças eutróficas. No grupo dos obesos, a relação foi ainda maior, com RR= 2,02 IC 95% 1,16 - 3,50. Houve diferença quando avaliado o sexo, sendo o risco relativo maior nos meninos (RR= 2,47 IC 95% 1,57 - 3,87) do que nas meninas (RR= 1,25 IC 95% 0,51 - 3,03).28 Em outra metanálise também se encontrou associação da obesidade com a asma, porém maior no sexo feminino (RR= 1,53 IC 1,09 - 2,14) do que no masculino (RR= 1,40 IC 1,01 - 1,93). Sugere-se que pesquisas sejam realizadas na busca de outros fatores de risco associados a essas doenças, para se entender melhor se obesidade e asma têm relação de causalidade ou se ambas são decorrentes de uma exposição comum.29
Em estudo com 12.050 crianças de oito coortes da Europa, onde foram avaliados o IMC e o diagnóstico médico de asma nos primeiros seis anos de vida, apurou-se que crianças que ganharam peso rapidamente nos dois primeiros anos de vida tiveram alta incidência de asma até os seis anos (RR= 1,3 IC 95% 1,1- 1,5).25
Flaherman et al. 2, em metanálise sobre o efeito da obesidade na infância no desenvolvimento da asma, obtiveram aumento de 50% no risco relativo (RR = 1,5 IC 95% 1,2 -1,8). No mesmo trabalho, o elevado peso ao nascimento e o efeito sobre o desenvolvimento da asma mostrou risco relativo de 1,2 (RR=1,2 IC 95% 1,1-1,3), o que poderia significar que fatores intrauterinos influenciam o peso ao nascimento e, por conseguinte, o desenvolvimento de obesidade e asma posteriormente na infância.2 Assim, entre os vários fatores de risco envolvidos na prevalência da asma, já de amplo conhecimento na literatura, destacam-se a obesidade e a importância do controle adequado do peso na primeira infância.
CONCLUSÃO
A obesidade infantil e a asma são doenças crônicas de elevada prevalência em todo o mundo, com grande impacto na qualidade de vida das crianças. Na literatura, os resultados de uma possível associação entre ambas são contraditórios, devido aos vários fatores associados a essas doenças e pela dificuldade em se estabelecer relação de causalidade diante da variabilidade de critérios adotados nos trabalhos.
Sabe-se que fatores da mecânica respiratória funcional, influência hormonal, de sexo, influência de atividade física, dieta e de mecanismos inflamatórios e imunológicos, além dos fatores genéticos, estão envolvidos na prevalência e exacerbação dos quadros de asma e obesidade, mas a asma associada à obesidade parece estar associada a um fenótipo diferente, com resposta diferente às medicações.
Assim, novos estudos são necessários, com emprego de questionários validados, parâmetros antropométricos bem estabelecidos, avaliação das condições maternas e fetais, pesquisas genéticas e rigor metodológico, para compreender melhor quais fatores influenciariam essa associação ou se seria apenas uma coincidência, a fim de que medidas de prevenção sobre essas doenças, de grande impacto em Pediatria, pudessem ser adotadas na prática clínica.
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