RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 21. 2

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Artigo Original

O contexto atual do pai na amamentação: uma abordagem qualitativa

The current role of the father in the breastfeeding process: A qualitative approach

Cleise dos Reis Costa Piazzalunga1; Joel Alves Lamounier2

1. Consultora em Dietoterapia, Reeducaçao Alimentar e Aleitamento Materno. Ouro Preto, MG - Brasil
2. Professor Titular do Programa de Pós-graduaçao em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina da UFMG. Area de concentraçao Saúde da Criança e Adolescente. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Cleise dos Reis Costa Piazzalunga
Rua: Rodrigo Silva, 44 Bairro: Vila Aparecida
Ouro Preto, MG - Brasil
Email: cleisecosta@ig.com.br

Recebido em: 22/02/2010
Aprovado em: 16/02/2011

Instituiçao: Hospital Amigo da Criança Belo Horizonte, MG - Brasil

O trabalho realizado na Fundação de Assistência Integral a Saúde- Hospital Sofia Feldman. E teve a sua aprovação no Comitê de Ética do Hospital e Comissão Nacional de Ética em Pesquisa/MS-CONEP/MS

Resumo

OBJETIVOS: compreender, sob a ótica paterna e no contexto familiar, o papel que o pai exerce durante o aleitamento materno e os fatores que facilitam ou dificultam sua participação nesse processo.
METODOLOGIA:
trata-se de abordagem qualitativa realizada em Hospital Amigo da Criança, Belo Horizonte/MG/Brasil. Foram investigados 12 homens, pais de bebês nascidos no hospital durante a coleta de dados realizada entre 29 de junho e 25 de julho de 2006.
RESULTADO: a chegada do filho promove a transformação do casal em família nuclear, com a emergência de novas responsabilidades. A colaboração em tarefas de cuidador do bebê permite não só os sentimentos tradicionais da paternidade, mas de participante ativo (não apenas observador) das relações familiares.
CONCLUSÃO: é essencial incluir o pai em relação à orientação e encorajamento a participar ativamente das tarefas de apoio à esposa e de cuidador do filho, desde o pré-natal, na primeira infância e ao longo do seu desenvolvimento. Essas ações, provavelmente, promoverao mudanças no exercício de ser pai na sociedade atual, o que possibilitará o apoio, incentivo e promoção da amamentação, com reflexos positivos nos índices de aleitamento materno e favorecimento da saúde das crianças.

Palavras-chave: Aleitamento Materno; Comportamento Paterno; Pai; Pesquisa Qualitativa.

 

INTRODUÇÃO

Nos primeiros 10 dias após o parto o pai possui extrema importância para que haja continuidade do aleitamento materno devido às dificuldades que habitualmente podem ocorrer na amamentação. Algumas dessas situações decorrem de fissuras, in-gurgitamento mamário, mastite, interferência das avós, amigos e parentes, uso de bicos e chupetas, que podem interferir no modo de sucção da criança e levar ao desmame precoce. Podem ser realçadas por falta de apoio do companheiro. A redução desses problemas pode ser obtida pela realização de pré-natal adequado, com orientações ajuizadas para que a gestante possa iniciar a amamentação logo após o nascimento da criança. O parto em uma instituição Hospital Amigo da Criança pode ser fator importante, pelo impacto positivo sobre a prática do aleitamento materno, na orientação, posicionamento e continuidade da prática da amamentação.1

São necessárias a inclusão e a participação do pai no aleitamento materno, de forma que pai e mae passem a ocupar importante papel em sua promoção.2,3 A nova disposição para assumir o exercício da paternidade, a responsabilidade cotidiana pelo cuidar do outro, o ocupar-se e o permitir-se ser ocupado cotidianamente pelo filho representa atitude de humanização e contribui para a desconstrução do papel tradicional do masculino.4 A família, desse modo, tem dupla função: a primeira constitui satisfação de necessidades básicas como alimentação, calor, abrigo e proteção; e a segunda função de proporcionar ambiente no qual possa desenvolver ao máximo suas capacidades físicas, mentais e sociais, sendo necessária atmosfera de afeição e segurança.5

Embora o pai possa demonstrar interesse e disposição em ajudar a mulher no início da amamentação, ausência ou pouco conhecimento sobre aspectos práticos da amamentação pode influenciar a opção por mamadeiras e outros tipos de leite como a melhor e mais fácil solução para as dificuldades apresentadas.6 Muitos trabalhos sobre o tema da amamentação abordam a interação entre mae e filho, deixando em segundo plano a figura paterna. Neste estudo qualitativo objetivou-se compreender, no contexto familiar e sob a ótica do pai, o papel paterno durante o aleitamento materno e o modo como ele é representado.

 

METODOLOGIA

A investigação foi realizada em Belo Horizonte-MG, no Hospital Amigo da Criança, utilizando abordagem qualitativa apoiada no referencial teórico metodológico da dialética, de acordo com Minayo7, por melhor adequar ao objeto proposto.

O estudo obedeceu à Resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde, que trata da questao ética em pesquisas com seres humanos, sendo aprovado pelo Comitê de Ética, com a assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido e a garantia do anonimato.

Os sujeitos da pesquisa eram homens, pais de bebês nascidos no Hospital durante a coleta de dados, que compreendeu o período de 29 de junho a 25 de julho de 2006. Nesse momento foram feitas a identificação de puérperas que estivessem acompanhadas de seu companheiro e a abordagem do casal para esclarecimentos sobre o estudo e a identificação dos critérios de inclusão do pai. Ao todo foram entrevistados 12 homens que estivessem presentes na maternidade no período de pós-parto imediato e alta da mulher; que fossem casados ou que vivessem em uniao estável; que tivessem pelo menos um filho que foi amamentado anteriormente a este e cujo filho atual estivesse em aleitamento materno exclusivo e em alojamento conjunto.

A inclusão dos participantes da pesquisa foi interrompida quando foi observada a ocorrência de saturação de dados, com repetição das informações e ausência de dados novos. O resultado foi considerado significativo; quanto mais alta a frequência, a regularidade quantitativa de aparição se repetia.7,8

Foram coletadas informações da nutriz somente nas situações em que o pai não era capaz de informar sobre todos os itens do instrumento de identificação. O critério para encerramento das entrevistas foi o de saturação.

No estudo, foram utilizados três instrumentos de coleta de dados concomitantes: o diário de campo da pesquisadora, o instrumento de identificação dos entrevistados e o roteiro de entrevista semiestruturada, que teve como propósito orientar a pesquisadora e, ao mesmo tempo, permitiu ao informante abordar o tema proposto. As entrevistas foram realizadas em salas que garantiam privacidade ao entrevistado, com cadeiras dispostas em ângulos de 45º, permitindo mais proximidade e facilidade do contato visual entre o entrevistado e a pesquisadora.

Após a saturação da coleta de dados, houve as transcrições das fitas que foram identificadas com codinomes, seguindo a ordem cronológica de realização das entrevistas. Procedeu-se à exploração do material por meio da leitura exaustiva das entrevistas, fazendo-se a codificação e transformação do material em núcleos de compreensão e, posteriormente, identificação dos núcleos temáticos comuns, identificando os temas e figuras presentes no discurso.7

 

RESULTADOS

No estudo, a desconstrução e a reconstrução dos conteúdos por temas agrupados, por semelhança de sentido, permitiram a organização de três categorias empíricas: a) a visão do pai sobre o aleitamento materno; b) o papel do pai durante o aleitamento materno, com as subcategorias: ações de apoio e corresponsabilidade com a amamentação do filho e percebendo a mudança de pai tradicional para o novo pai; c) questoes de gênero no contexto do aleitamento materno - dificuldade na participação do pai.

A visão do pai sobre o aleitamento materno

Nos discursos encontrados, pode-se perceber que as atitudes dos homens em relação ao aleitamento materno vêm mudando ao longo do tempo, percebendo-se o seu crescente interesse em participar e saber mais sobre o assunto e, em consequência, impacto positivo na sua duração. Alguns fragmentos dos discursos a seguir ilustram tais afirmativas:

É o alimento no qual toda criança tem tudo queela precisa (E1) (sic).

Ah, porque, para a criança pode nascer forte e tudo, né? Ela passou a tomar outras coisas só acho que foi com oito meses pra frente, né? Foi só mamando no peito mesmo! (E2) (sic)

Os discursos permitem inferir que os homens têm o conhecimento das vantagens do aleitamento materno ao vivenciarem os benefícios na experiência anterior de filhos que foram amamentados.

Entao foi assim uma experiência muito boa ver meus filhos amamentando. O quanto progrediu no crescimento dele, na saúde dele (E9) (sic)

Alguns entrevistados relataram tanto os benefícios financeiros do leite materno quanto os benefícios na saúde da criança com os gastos indiretos. A fala de E10 ilustra tal afirmativa: "O leite materno ajuda a gastar menos, né? Você não precisa ficar comprando leite" (sic).

Já a fala de E1 demonstra sentimento de zelo e preocupação com o filho associando o aleitamento materno com a vida:

Ah, eu vejo uma coisa tao boa em tudo porque, igual se eu me preocupo com o aleitamento materno, eu estou me preocupando COM A VIDA do meu filho [...] Entao é muito importante dar apoio para uma saúde melhor (E1) (sic)

Neste estudo pode-se também observar que o uso da mamadeira não era incentivado pelos pais durante os primeiros seis meses de vida da criança e que estes eram grandes incentivadores do aleitamento materno. Observou-se, em alguns casos, que quando as crianças passaram a fazer uso da mamadeira9, houve curta duração do aleitamento materno:

Que a mamadeira é... para a criança é fraco, entendeu? Isso aí eu sempre falava com ela. Aí no caso ela só dava o leite materno mesmo. Tanto que mamadeira ela tomou só depois dos nove meses para cá. Depois que ela tomou mamadeira ela largou rápido (E2) (sic).

Ainda assim, o uso da mamadeira é bem forte na nossa cultura:

Toda criança toma, né? Mamadeira. Ou se quando não é leite, às vezes é chá ou suco ou gelatina (E6) (sic)

Por outro lado, observa-se também que quanto mais o pai souber sobre as vantagens e o manejo da amamentação, bem como o prejuízo do uso da mamadeira6,9,10, mais eles incentivam a mae a dar somente o peito:

Porque para a mulher não é fácil ela ficar amamentando a criança. Entao eu... já participei de reunioes e tinha pessoas que falavam assim: - amamentar pra que? Vou amamentar seis meses e depois introduzir mamadeira. - Eu sempre bati que não. Até os dois anos ele vai mamar. Porque é importante para ele. [...] Posso ser coruja, mas eu gostaria. Falei com ela: - Eu gostaria que você desse (E5) (sic).

Em outros casos (n=2) a introdução do uso da mamadeira foi devido à dificuldade da criança no manejo e falta de auxílio técnico dos profissionais de saúde para sua promoção:

A minha esposa tinha vontade de amamentar. A minha esposa tentou amamentar. Eu queria que ela conseguisse, mas minha filha não quis pegar. Ela não queria pegar de forma alguma. Foi difícil mesmo. Ela tentava e tinha leite e ela não quis. Ela rejeitava, sabe? Aí tivemos que acabar comprando aqueles leites em pó. Não tivemos ajuda na questao de ajudar uma técnica de não estar pegando, não. Nós voltamos ao médico e aí na época eles passaram o leite em pó, o próprio médico trocou, mandava trocar o leite. Eu queria que minha esposa amamentasse pelo menos um ano, né? Que eles falam que é seis meses, mas depois dos seis meses a gente entra com outros alimentos, pelo menos um ano para fortalecer, crescer bem, né? (E3) (sic).

Mesmo incentivando o aleitamento materno, alguns pais acreditam que há diferença entre chuca e mamadeira e que o uso de chá 11, ainda muito comum na cultura brasileira, não é visto como alimento e não interfere no aleitamento materno:

Ela vai amamentar até quando ela falar que não quer mais. Bico nós não gostamos, mamadeira nós evitamos. No caso da pequeninha só a chuquinha mesmo por causa do chá. Mas em relação à amamentação, vai até quando ela fala que não quer mais (E4) (sic).

Apesar dessa cultura da mamadeira, não foi registrado que o uso da mesma pudesse ajudar os pais a terem mais contato e cuidado com os filhos durante a fase do aleitamento materno. Observou-se que os pais desenvolveram outros mecanismos de participação que não fossem em relação à alimentação.12,13 Eles ajudavam nos afazeres domésticos, apoiavam a mulher, ajustaram e desenvolveram estratégias para as mudanças que os filhos provocaram em suas vidas:14

Vou ajudando assim, incentivando, não criticando, ajudando em casa, levando ela para o serviço. Assim você ajuda. Porque tira o leite e dá o menino você não pode - você não tem! Entao você tem ajudar de outras formas (E7) (sic).

O papel do pai durante o aleitamento materno

Ao contrário do que afirmam alguns estudos sobre esse recorte do problema,15 em que se fala da participação do pai no aleitamento materno como o provedor da família, um ser autoritário cuja participação resumia em fornecer alimento à família, constata-se nas falas dos entrevistados que eles foram muito participativos na fase de aleitamento do filho anterior, às vezes interferindo diretamente em situações contrárias ao ato de aleitar. Os extratos a seguir fornecem alguns exemplos:

Tem que dar todo apoio possível, né? E sempre cobrar da esposa a amamentação. Pelo menos eu fiz assim; igual das outras filhas que tive, quando ela começou a secar o leite eu procurei saber se tinha como a gente fazer um acompanhamento para melhorar (E6) (sic).

Minha esposa tem consciência de que tem que dar o leite materno. E se eu apoio, ela vai continuar firme com a tese de dar o leite pro neném (E1).

Em tal contexto surge o conceito do "novo pai", no qual o homem tem a oportunidade de expressar sentimentos, participando ativamente no cuidado aos filhos, tendo relação igualitária com a parceira, inclusive na divisão de tarefas domésticas.16 O ingresso da mulher no mercado de trabalho e as novas tecnologias reprodutivas tiveram impacto em termos de renegociação do significado da paternidade. Para E6:

O homem só não participa se ele não quiser mesmo. Não assumir a responsabilidade dele. De estar sempre presente, no que for. Tem que acompanhar também - ver o crescimento da criança.

Ações de apoio e de corresponsabilidade com a amamentação do filho

De modo geral, o homem tem pouca participação na vida familiar, o que decorre provavelmente pela imposição de papéis que a sociedade tem determinado. No entanto, com a participação da mulher no mundo público e com a sua contribuição no orçamento doméstico, tem sido solicitado ao homem melhor desempenho de papéis que antes tradicionalmente cabiam somente à mulher, como mais envolvimento nas tarefas domésticas e educação dos filhos.17,18

Neste estudo, um dos entrevistados expressa o significado do aleitamento materno para si:

O aleitamento materno é uma chave na relação familiar (E11).

Uma vez iniciada a amamentação, é importante que os pais a reforcem com apoio verbal e elogios à mulher, para assegurar a amamentação positiva. As mulheres identificam as atitudes encorajadoras e assistenciais dos homens com as crianças como condutas de apoio à amamentação.10,19,20 Os discursos demonstram a preocupação do homem/pai com a questao da mulher:

Se o esposo não dá atenção, né? Não conversa com ela, sai para trabalhar quando chega num dá aquela atenção que ela precisa. Acho que influencia muito no organismo da mulher! O leite para de sair [...], talvez porque cria um sentimento assim, de carência na mulher e eu vejo que atrapalha a amamentação dela (E6) (sic).

[... ] é sentar lá, ficar conversando. O leite deve sair até mais rápido E10.

Neste estudo pôde-se observar que muitos dos pais entrevistados (n=10) relataram ter monitorado a saúde da mulher e da criança desde o pré-natal, bem como incentivavam e monitoravam o aleitamento materno. Tal afirmativa é exemplificada no extrato de discurso a seguir:

Praticamente acompanhei tudinho, né? Desde o início ficava com ele todo o dia e ele mamando direitinho e até que chegou o dia que teve que cortar o leite materno, por causa do outro neném que ela já tava grávida. Participei da gravidez dela também. Acompanhei todo o pré-natal dela, até o finalzinho e tudo. Sempre presente: no banho, na alimentação, no acompanhamento ao pediatra. Eu acho que todos os pais deveriam apoiar mais a esposa (E5) (sic).

Constatou-se, ainda, que muitas vezes as ansiedades, preocupações e dúvidas dos pais poderiam ser sanadas se fossem feitas orientações sobre o aleitamento materno desde o pré-natal, quando os homens pudessem participar efetivamente da conversa. Apesar da pesquisa ter sido realizada em Hospital da Iniciativa Amiga da Criança, em consequência à organização dos serviços do município, os pré-natais são feitos nas unidades básicas de saúde. Por motivos diversos, nessas unidades é reconhecida a deficiência das orientações sobre aleitamento materno que são repassadas aos casais. O entrevistado E3 confirma essa assertiva em sua fala:

Eu acho que a falta de informação é que às vezes pode fazer o pai ficar um pouco de fora, num querer intervir. Igual eu mesmo não tive informação nenhuma assim em relação a isso. Nem na época do parto nem antes. A gente vinha fazer as consultas todo mês, o pré-natal e não tinha uma instrução sobre isso, não tinha nada sobre isso. Eu acho que seria o ideal ter alguma coisa no pré-natal falando sobre isso, esclarecendo, sabe? Chamar um dia o pai e a mae e esclarecer para os dois sobre aleitamento materno porque o pessoal não tem informação E3 (sic).

Mesmo reconhecendo a importância de apoiar a mulher nutriz durante o período de amamentação e expressando o desejo de fazê-lo, os pais também se sentem pressionados pelo papel de provedor da família, o que muitas vezes determina sua ausência nesses momentos. Sabe-se que, ao longo da evolução das sociedades, foi atribuída ao homem a função essencialmente econômica, o que frequentemente favorece ou exige seu distanciamento da família, especialmente dos filhos.15,21 Os entrevistados expressam esta realidade, como exemplificado:

Oh, eu não estava muito presente não... eu fiquei uns dias na casa da mae dela com ela. Porque ela estava muito cansada. Aí eu, enquanto ela descansava aí eu ficava com ele um pouco, só pra ele ficá mais tranqüilo. Aí já depois, eu fui resolver ás coisas, que é trabalhar. Porque eu não podia deixar de trabalhar na época. Na época não, até hoje, né? Porque não pode parar (E6) (sic).

Observou-se, de modo geral, nas falas dos entrevistados, uma visão mais positiva sobre a responsabilidade do pai com o aleitamento. Acredita-se que quando o homem se interessa e incentiva o aleitamento materno, a mulher se sente mais segura e amparada com a amamentação e a responsabilidade pela criação dos filhos passa a ser de responsabilidade dos dois (mae e pai).

Eu acho que a responsabilidade é dos dois. Porque nós dois criamos ele juntos, entendeu? Acho que nós dois fizemos junto, os dois têm obrigação de criar junto". E complementa: "A criação dos filhos é do homem e da mulher juntos. Porque é... se a mae só cuida dos filhos, o pai, ele fica... parece que meio de fora (E7) (sic).

O preparo do parceiro para a nova situação de pai é essencial para que ele compreenda as modificações que ocorrem na dinâmica familiar com a vinda do bebê e, a partir disso, melhorar a sua participação e ajuda no período da amamentação.22 Muitos pais vêm observando e colocando em prática sua participação nesse período, sendo que a maioria dos pais entrevistados reconhece a importância desse apoio e da divisão de tarefas para o sucesso do aleitamento materno. Essa intermutabilidade de papéis, embora não seja uma realidade universal, tem ocorrido. O homem, de certa forma, por pressão ou por vontade própria, tem compartilhado do cotidiano doméstico, como verificado no discurso a seguir:

Eu ajudo muito! Eu estando em casa eu ajudo. Entao você tem que lavar roupa, fazer comida, lavar vasilha, arrumar casa, tirar poeira, passar cera, passar roupa. É muita coisa. Entao, você tem de ajudar em tudo! (E7) (sic).

Outro extrato de discurso do entrevistado E7 relata a interferência que o homem pode ter em relação ao aleitamento, quando este não tem conhecimento sobre o assunto:

Se minha esposa, por exemplo, não quisesse dar o peito: - que meu peito vai caí, não sei o quê -. E eu também não tivesse conhecimento nem nada ou não incentivasse ou não falasse nada ou ficasse do lado dela: - você está certa. Não precisa dar o peito não -. Entao, quer dizer: ela não ia dar. Porque eu aprendi desde novo sobre o leite materno. Meus pais, avós sempre falaram isso para mim (E7) (sic).

Percebendo a mudança de pai tradicional para o novo pai

O envolvimento dos pais nos cuidados com os bebês facilita as transformações conjugais, trazendo consequências benéficas para os próprios homens e para o desenvolvimento da criança.23 Alguns dos pais entrevistados puderam verbalizar, de forma prazerosa, tais transformações percebidas por eles, considerando muito importante a sua participação na amamentação do filho:

Ah, eu sinto o maior prazer dela estar amamentando o menino, sabendo que aquilo ali pode deixar ele bem saudável. Que ele vai crescer e ser um garotao. Pode ser o que ele quiser quando crescer. Irá ter a consciência de que foi amamentado durante a fase que ele era bebê (E6) (sic).

O homem começa a absorver e averiguar que sua participação na relação do casal influencia o aleitamento (E1) (sic):

Eu acho que o relacionamento dos dois, do homem e da mulher, no aleitamento é fundamental (E1) (sic).

Quando um casal tem algum distúrbio, eu acho que pode gerar algum problema (E3).

Talvez algum problema emocional na mulher pode fazer ela prender o leite, alguma coisa assim (E1) (sic).

Alguns relatos dos entrevistados mostram que o homem-pai está mudando suas atitudes e sua percepção sobre a mulher em relação à amamentação, passando a respeitá-la e apoiá-la nesse período. Constata-se a importância de sua participação, valorizando mais a mulher/mae e se instalando de maneira diferente no contexto familiar, ampliando seu papel, além do que, antes, era preconizado que é o ser pai-mantenedor da casa somente. Assim, a paternidade passa a ter significado mais positivo e prazeroso para o homem.

A relação, entretanto, não se dá sem conflito. O homem quer mudar seu papel para pai mais participativo, mas fica em conflito com o seu papel de provedor. E4 diz:

Ela cobra muito! A própria mae cobra muito maritalmente, do casal, entendeu?Porque, se eu não tiver trabalhando, como é que eu vou alimentar meus filhos e ela? (sic).

Em relação à influência de outros parentes durante o aleitamento materno,17,24 dois entrevistados relataram a atuação positiva das avós em relação ao estímulo à amamentação.

Esse pessoal mais velho. Essa geração antes da gente. Eles acham que amamentar, nosso Deus, é um santo remédio! Entao, assim, pra eles se não amamentar você tá é doido! (E12) (sic).

Observa-se também nessa fala do E8 que, além da influência negativa da avó paterna, a esposa sentia dores ao amamentar, o que leva a pensar que: se ela tivesse tido o filho em ambiente favorável à amamentação e ao apoio técnico dos profissionais de saúde para o manejo do aleitamento materno25, poderia ter sido diferente sua atitude?

Ah, minha mae amamentou só um mês. Ela gosta mais de dar mingau. Ah, eu até brigo pra ela não dá mais mingau, né? O outro menino ela [avó] mandou dar mamadeira, só que eu não queria porque a médica falou seis meses. Aí, ela pegou e deu mingau. Aí começou a dar dor de barriga. O menino começou a passar mal e ela continuou no mingau. Minha mae vinha e dava o mingau e ele dormia. As vezes eu nem almoçava em casa porque não aguentava vê-la dando mamadeira, sabe? Para mim eu acho que ela [esposa] tinha que dar mais ouvido [para mim]. Prefiro mais o peito do que o mingau da minha mae. Ela [esposa] não deu, acho que não chegou nem a um mês. O menino chorava muito àa noite. Ela deixava ele mamá assim. É fato que doía muito, né? Aí ela tirava (E8) (sic).

Questoes de gênero no contexto do aleitamento materno: dificuldade na participação do pai

Não se pode negar a importância paterna na relação familiar e na construção da identidade dos filhos. Um novo pai está surgindo, mas essa construção social depende das relações de gênero, de novos conceitos e concepções da nova mae, da mulher que busca a equidade financeira e profissional e que também constitui a família e tenta educar os filhos sem discriminação de sexo.20

Considerando que a amamentação é fortemente influenciada pela maneira como é conduzida10, pode-se observar que já houve mudanças bastantes significativas relacionadas à participação do homem, pois estes, há algum tempo, não interferiam na amamentação ou mesmo nunca conversavam sobre o assunto. Essa mudança de comportamento reforça ainda mais a necessidade de sensibilização dessa população por parte da equipe multiprofissional, esclarecendo os pais sobre seu papel e motivando-os a participar mais desse momento tao importante na vida da família.

Na atualidade, em nova mentalidade, busca-se impor a figura paterna a participar mais do dia-a-dia e dos cuidados físicos e emocionais de sua prole. Entretanto, o caminho entre o pensamento e a ação é muito longo e sinuoso, o que faz com que a maioria dos pais "se perca" e não consiga transformar intenções em ações.26 Dois entrevistados, apesar de relatarem ajudar em casa, afirmam que é função da mulher cuidar dos filhos, pois isto envolve mais a mae, como exemplifica E10:

Cuidar da criança é mais da esposa, né? Mais da esposa mesmo. Porque o marido não tem muito tempo de ficar dentro de casa. Como é que ele vai? Só se depois que ele chegar do serviço! (sic).

Hoje, os casais de dupla carreira começam a ter divisão de tarefas dentro de casa, menos tradicional e mais igualitária. Pode-se afirmar que na construção de novos paradigmas, que representam também novas alternativas de vida social, vem se "desnaturalizando" o cuidado com o outro e, também, atribui-se um novo estatuto, nem feminino nem desvalorizado.26,27

Depois que eu voltar a trabalhar, aí a gente dá um jeitinho de dividir, né? Um dia eu olho caso ele acorde, outro dia ela olha. Aí não vai ser complicado não. A gente vai dividir e aí consegue. Na hora da amamentação tem que acordar ela, né? Eu levo ele para ela (E3) (sic).

Os entrevistados relataram poucas dificuldades em participar no processo do aleitamento materno. A maioria mencionou que o tempo que passa fora de casa, trabalhando, é o que mais dificulta a sua participação.

Muitas vezes é o trabalho. No meu caso é o trabalho. Eu sempre coloco o relógio para despertar 4 horas para sair no ônibus de 5 horas e chegar no serviço 7 horas. Chego em casa por volta de 8-9 horas da noite. No meu caso, acho que o que dificulta mais esse acompanhamento é o trabalho. A carga horária do trabalho (El2) (sic).

Oh, eu sempre fui muito ocupado no trabalho, entendeu? Assim minha carga horária, igual eu te falei, eu levanto cedo. Só que, geralmente, eu tenho hora de chegar lá e não tenho hora de sair, entendeu? [E1] (sic).

O Estado ampliou a licença-paternidade de cinco dias previstos na legislação em vigor para 15 dias. Apesar de não ser o período ideal, deve-se promover mais contato efetivo para o início do estabelecimento do vínculo de afeto e responsabilidade com os filhos e apoio à mulher nessa fase inicial.

Ainda assim, a mudança de hábitos não acompanha o ritmo da transformação de valores. O modelo de família organizado com base na hierarquia é substituído por formas diferenciadas de organização, sem deixar lugar para o autoritarismo do antigo pai provedor. A mulher, de modo submisso, ainda tem os afazeres da casa e o cuidado com os filhos como ocupação exclusiva. Embora tais transformações repercutam na concepção de paternidade, subsistem, ainda, no imaginário social, marcas da estrutura tradicional:28

A mulher tem que, tem que se conscientizar que ela deve alimentar com o leite dela de qualquer maneira até os dois anos [E5] (sic).

[... ] ela tem consciência de que tem que dar o leite materno. E se apoiando, ela vai continuar firme com a tese de dar o leite para o neném [E6] (sic).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estudar questoes relacionadas ao aleitamento materno sob a ótica da participação do homem/pai nesse contexto permitiu identificar mudanças nas atitudes masculinas que têm contribuído não só para a prática do aleitamento materno, mas, principalmente, para a construção de "novo pai", com papéis redefinidos no âmbito familiar. O modelo da "nova paternidade", em que o homem busca vivenciar todos os momentos desde a gravidez, possibilita as transformações das relações sociais de gênero e a formação do vínculo afetivo desde a gestação.

Muitos dos pais expressaram interesse e satisfação em poder cuidar dos filhos e de ter participação mais efetiva na vida da família, papéis desejáveis do "novo pai". Eles se fizeram presentes na fase de amamentação a partir do apoio e incentivo à mulher, atenção à esposa e ao filho, na divisão de tarefas domésticas, ajudando a posicionar a criança no seio materno, nos cuidados com os filhos anteriores e atuais, seja por meio de banho, colocar para dormir, brincadeiras, passeios e participando das consultas relacionadas à saúde. Ao mesmo tempo, apesar desse avanço, constata-se que alguns permanecem com resquícios da visão tradicional do papel do pai, defendendo que o aleitamento materno é função exclusiva da mulher. Observa-se também que mesmo quando existe divisão de responsabilidade financeira e de tarefas domésticas, alguns ainda se sentem como os únicos responsáveis pelo sustento da família.

Todavia, a mudança de pai-provedor para pai-participante não depende somente da sua vontade. Não podem ser relegadas as responsabilidades sociais, como a de mantenedor da casa, que muitas vezes prejudicam sua participação e mantêm a postura tradicional, mesmo contra a vontade do homem. A confusão, a tensão e o conflito do "pai tradicional versus pai contemporâneo" levam a algumas análises ainda indefinidas e a conflitos angustiantes, tanto por parte dos homens quanto das mulheres no desenvolvimento das questoes de gênero. Essas questoes demandam o desenvolvimento de novos estudos para sua melhor compreensão como fenômeno social.

A orientação sobre aleitamento materno constitui importante preocupação para os profissionais de saúde. Frente aos resultados encontrados, constata-se a necessidade de mais investimento desses profissionais em ações educativas direcionadas não só para a mae, mas para o casal. Assim, é necessário incluir o pai, orientando-o e o encorajando a participar ativamente nas tarefas de apoio à esposa e de cuidador do filho, desde o pré-natal, na primeira infância e ao longo do seu desenvolvimento. Tais ações provavelmente ocasionarao mudanças nas concepções e, consequentemente, no exercício de ser pai, o que possibilitará o apoio, incentivo e promoção da amamentação, aumentando os índices de aleitamento materno e favorecendo a saúde das crianças que serao os futuros adultos.

 

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