ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Estudo epidemiológico da evolução de neonatos com hipertireotropinemia no Estado de Minas Gerais - Brasil
Epidemiologic study of the newborns evolution with hyperthyrotropinemia in the State of Minas Gerais - Brazil
Angelinda Rezende Bhering1; Aline Cristina Gontijo de Almeida1; Bernardo Xavier Gomes1; Lucas Costa da Silva Lopes1; Pedro Augusto M Moreira1; Ana Paula Oliveira Silva1; Giovana Freitas Rocha de Souza1; Francisco José Ferreira da Silveira2
1. Acadêmico(a) do Curso de Medicina da Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais - FCMMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Médico Pediatra. Doutor em Ciências da Saúde. Professor Assistente da FCMMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
Angelinda Rezende Bhering
E-mail: lindabhering@gmail.com
Instituição: Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
INTRODUÇÃO: no exame sérico os valores de TSH acima de 10 µUl/mL e de T4 livre (T4L) baixo confirmam o diagnóstico do hipotireoidismo congênito, e as crianças deverão ser tratadas. Contudo, se houver elevação discreta do TSH (5,6 a 10 µUI/mL) e T4L normal, o recém-nascido (RN) apresenta quadro de hipertireotropinemia (HT) neonatal, que pode ser transitório ou permanente, e deve permanecer em acompanhamento clínico rigoroso.
OBJETIVOS: verificar a evolução de crianças triadas pelo Programa de Triagem Neonatal de Minas Gerais (PTN-MG) com HT.
MÉTODOS: estudo do tipo coorte retrospectivo. Analisaram-se os dados obtidos pelo "teste do pezinho", disponibilizados pelo banco de dados do Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (NUPAD).
RESULTADOS: no período de 2000 a 2010, 125 RNs apresentaram HT. Desses, 48% normalizaram os níveis de TSH no período médio de 20 meses. Já os outros 52% não normalizaram o TSH no período estudado e por isso foram mantidos em acompanhamento.
CONCLUSÕES: mesmo que os níveis de TSH tenham se normalizado em 48% dos casos, concedendo alta a esses RNs, o tempo para esse desfecho foi significativo (cerca de 20 meses). Nesse período, pode haver alterações nos exames, muitas vezes com necessidade de tratamento com reposição hormonal, sendo, portanto, fundamental o seguimento por meio de consultas e dosagens hormonais periódicas.
Palavras-chave: Doenças da Glândula Tireoide; Hipotireoidismo Congênito; Hipertireotropinemia; Triagem Neonatal.
INTRODUÇÃO
O hipotireoidismo congênito (HC) é o distúrbio endócrino congênito mais frequente e com incidência variando de 1:2.000 a 1:4.000 crianças nascidas vivas em países com suficiência iódica.1 No Brasil, a prevalência de HC é próxima desses valores, variando de 1:2.595 a 1:4.795.2 Na ausência de diagnóstico precoce e de tratamento adequado, a maioria das crianças desenvolve vários graus de deficiências neurológicas, motoras e de crescimento, incluindo o retardo mental irreversível. Os Programas de Triagem Neonatal para a doença permitem a identificação precoce dos afetados e seu tratamento, de modo a evitar as complicações da falta do hormônio.1 O diagnóstico do HC, bem como seu tratamento, é normatizado no Brasil pelo Ministério da Saúde e publicado na Portaria nº 56, de 29 de janeiro de 2010.3
Os testes de triagem neonatal para HC não são diagnósticos e os resultados alterados devem ser confirmados por métodos quantitativos de rotina para as dosagens de concentrações séricas de TSH e T4 total ou T4L.4 (Figura 1). Valores de TSH acima de 10 µU/mL e T4L ou T4 total baixos confirmam o diagnóstico do hipotireoidismo congênito primário e as crianças deverão ser tratadas.5 Contudo, se houver elevação discreta do TSH (entre 5,6 e 10 µUI/mL) e T4L normal, o RN apresenta quadro de hipertireotropinemia (HT) neonatal e são orientadas a suspender o tratamento, mas permanecem em acompanhamento clínico-laboratorial rigoroso, sem tratamento medicamentoso.6 Esse seguimento é importante, já que em alguns casos pode haver evolução para hipotireoidismo, com a consequente necessidade de terapia medicamentosa.7,8
Algumas crianças com HT manterão o TSH anormalmente elevado (HT persistente), enquanto outras acabarão por normalizar os níveis de TSH, o que se confirma após quatro exames totalmente normais (HT transitória). Outras, ainda, podem evoluir para o hipotireoidismo e necessitar de terapia medicamentosa.6,9,10 As proporções dessas formas de HT são desconhecidas e não há atualmente critérios objetivos que permitam prever o desfecho do quadro de uma criança diagnosticada com HT. A realização de estudos em relação à evolução desses casos pode ser útil para auxiliar a elaboração e revisão de protocolos de acompanhamento das crianças.
MÉTODOS
Trata-se de estudo do tipo coorte retrospectivo, de abordagem quantitativa. Analisaram-se os dados de crianças nascidas em Minas Gerais e que fizeram o "teste do pezinho" por intermédio do Programa de Triagem Neonatal de Minas Gerais (PTN-MG). Os dados foram coletados utilizando-se o banco de dados do Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (NUPAD). A coleta de dados foi feita após a aprovação do protocolo de pesquisa pelo CEP Ciências Médicas-MG. Foram analisadas todas as crianças que nasceram em janeiro de 2000 a 2010, cujo resultado de exame sérico, realizado na primeira consulta, demonstrava tratar-se de quadro de HT. Foram obtidos os exames séricos (TSH e T4L) referentes ao período de cinco anos de acompanhamento das crianças. As informações disponibilizadas foram avaliadas, utilizando-se as seguintes variáveis:
frequência de neonatos com HT (elevação discreta do TSH entre 5,6 e 10 µUI/mL e T4L normal), no primeiro exame sérico;
pacientes com HT que normalizaram os níveis de TSH (transitória) e o tempo para esse desfecho;
pacientes com HT que se mantiveram com quadro de HT após cinco anos (persistente).
RESULTADOS
Os resultados revelaram que no período de 2000 a 2010 foram triados 2.832.041 RNs pelo PTN-MG. Nesse intervalo de tempo foram detectados 125 neonatos com HT, excluindo quatro óbitos e sete transferidos de estado, dos quais se desconhece a evolução.
Dos 125 RNs, 60 (48%) tiveram os níveis de TSH normalizados e, consequentemente, receberam alta do PTN-MG. O tempo médio para a normalização foi de cerca de 20 meses. Desse grupo de 60 RNs, a maioria (47) teve o valor sérico do TSH normalizado no intervalo de dois a 24 meses e em pequena parcela (4) normalizaram-se com mais de 68 meses (Figura 2). Nos outros 65 pacientes (52%) o TSH não se normalizou no período estudado (HT persistente) e eles foram mantidos em acompanhamento.
DISCUSSÃO
O HC é uma causa evitável de retardo mental em crianças, sendo considerado o distúribo endócrino mais comum do metabolismo da população pediátrica. Programas de rastreio do HC em todo o mundo fazem a detecção precoce e o tratamento da doença e, consequentemente, prevenção de suas complicações para o desenvolvimento neurológico.11 Estudo apurou a função da tireoide em um grupo de 56 crianças com HT com 16-44 meses de idade e concluiu que a HT neonatal transitória em muitos casos representa uma condição anormal e que causa ligeiro hipotireoidismo, que pode tanto persistir ou reaparecer mais tarde na vida, depois do período neonatal.12
Publicação na revista Clinicai Endocrinology evidenciou que os RNs com HT apresentaram menor peso ao nascer e menor idade gestacional do que aqueles com HC. Essas correlações não foram estabelecidas neste trabalho, sendo, portanto, uma limitação a ser considerada. Além disso, nessa mesma publicação foram resgistrados 43 pacientes com HT em seis unidades endocrinológicas pediátricas, onde foram registradas as frrequências de HT transitória (n = 18) e HT persistente (n = 25) e proporção de 0,72 entre as duas formas de HT. Essa proporção foi menor do que a encontrada em nosso estudo, 0,92 (60 crianças com HT transitório e 65 com HT permanente). Nas unidades endocrinológicas, a maioria dos pacientes foi reavaliada após 30 meses, seis pacientes com a forma transitória (33,33%) interromperam a terapia e mostraram recuperação total no primeiro ano de vida.13 Em comparação aos dados da presente pesquisa, 80% dos RNs com HT transitória tiveram os níveis de TSH normalizados em até 30 meses.
Em estudo retrospectivo de crianças com HT neonatal acompanhadas no The Hospital for Sick Children entre 2000 e 2011, a HT foi definida como níveis de TSH entre 5 e 30 mU/L e T4L livre normal em exames séricos. Neste caso foi estabelecido intervalo maior de TSH em relação aos padrões do PTN-MG. A HT neonatal representou 22,3% dos pacientes (103/462; 60 meninos, 43 meninas) do hospital.12
No presente estudo, mesmo que os níveis de TSH tenham se normalizado em 48% dos casos, concedendo alta para esses RNs, o tempo para esse desfecho foi significativo (cerca de 20 meses). Nesse período pode haver alterações nos exames, muitas vezes com necessidade de tratamento com reposição hormonal, sendo, portanto, fundamental o seguimento por meio de consultas e dosagens hormonais periódicas.6,14
CONCLUSÕES
No universo de crianças com HT significativo número delas permaneceu com o quadro de HT após cinco anos de acompanhamento, com necessidade de controle prolongado.
AGRADECIMENTOS
Gostaríamos de agradecer ao nosso orientador, Francisco José, pelas oportunidades e ao acadêmico Guilherme Gomide pelos incentivos e aconselhamentos.
REFERÊNCIAS
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3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Portaria nº. 56 de 29 de janeiro de 2010. Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas. Hipotireoidismo Congênito. [Citado em 2015 Out 24]. Disponível em: http://dtr2010.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2010/GM/GM-56.htm.
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