RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 25. 4 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20150120

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Artigo Original

Uso do adesivo de fibrina como fator adjuvante na cicatrização de anastomoses intestinais em ratos

The use of fibrin adhesive as an adjuvant factor in the healing of intestinal anastomoses in rats

Luiz Henrique Silva Borsato1; Bruno Silva Borsato2; Cláudio de Souza3

1. Médico. Doutor. Professor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Presidente Antônio Carlos. Juiz de Fora, MG - Brasil
2. Acadêmico do curso de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, MG - Brasil
3. Médico. Doutor. Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Luiz Henrique Silva Borsato
E-mail: luizhenriqueborsato@hotmail.com

Recebido em: 18/11/2012
Aprovado em: 15/12/2015

Instituição: Secretaria Municipal de Saúde de Juiz de Fora Juiz de Fora, MG - Brasil

Resumo

INTRODUÇÃO: a cicatrização de anastomoses intestinais é objetivo de vários estudos que visam prevenir a ocorrência de fístulas e peritonite fecal que aumentam a morbimortalidade.
OBJETIVO: foram estudados os efeitos do adesivo de fibrina utilizado como fator adjuvante na cicatrização de anastomoses intestinais.
MATERIAIS E MÉTODOS: 20 ratos Wistar, machos adultos, com peso entre 200 e 300 g foram distribuídos em dois grupos com 10 animais cada. Os animais do grupo I (controle) foram submetidos à secção transversa do cólon a 4 cm distais ao ceco, seguida de anastomose terminoterminal com pontos separados. Nos animais do grupo II foi realizado reforço da anastomose com adesivo de fibrina. A reoperação, em todos os grupos, ocorreu 72 horas após essa intervenção, sendo ressecado o segmento intestinal que continha a anastomose. Foram realizados testes de pressão de ruptura e exames histológicos para avaliação da cicatrização.
RESULTADOS: os valores de pressão de ruptura foram significativamente maiores nos animais do grupo II em relação ao grupo-controle (p <0,05). A análise histológica de fragmentos da anastomose corados pela hematoxilina-eosina não mostrou alterações significativas entre os dois grupos. A análise histológica da densitometria de colágeno não mostrou diferenças entre os grupos.
CONCLUSÃO: o uso do adesivo de fibrina usado como reforço de anastomose intestinal atuou como selante, aumentando a força de pressão de ruptura, porém não foram encontradas alterações histológicas relativas ao processo de cicatrização.

Palavras-chave: Anastomose Cirúrgica; Sistema Digestório; Cicatrização; Fibrina/uso terapêutico; Experimentação Animal.

 

INTRODUÇÃO

As complicações das anastomoses colônicas são motivo de preocupação entre os cirurgiões. Apesar dos avanços da técnica cirúrgica, antibióticos, nutrição e do melhor conhecimento do processo cicatricial, ainda são relatadas elevadas taxas de complicações.1 Constituem complicações graves vazamentos, fístula, peritonite fecal e sepse, com altas taxas de morbidade e mortalidade.1,2 É crescente o número de estudos em busca de fatores que possam otimizar o processo de cicatrização, minimizando tais complicações.

Os adesivos teciduais têm sido estudados e utilizados como forma de impermeabilizar a linha de sutura, minimizando o vazamento do conteúdo colônico, diminuído assim as complicações.3 Entre os adesivos utilizados, o de fibrina tem sido considerado o mais próximo do que seria o adesivo ideal devido ao seu fácil manuseio, segurança e risco diminuído de transmissão de infecções.4 Em humanos, seu uso em anastomoses tem sido concomitante aos métodos de sutura convencionais, seja manual ou mecânica, atuando como forma de reforço.4,5 As pesquisas têm mostrado que sua atuação aumenta a força de pressão de ruptura da anastomose, atuando de forma mecânica no fortalecimento da linha de sutura.6

Este estudo objetiva estudar a influência do adesivo de fibrina na cicatrização de anastomose intestinal de ratos a partir de parâmetros físicos e histológicos.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Foram utilizados 20 ratos machos, adultos, da linhagem Wistar, distribuídos aleatoriamente em dois grupos com 10 animais cada.

O adesivo biológico utilizado neste estudo foi kit de Tissucol - fibrinogênio, aprotinina e trombina e um concentrado liofilizado de proteínas humanas para fins adesivos, Baxter®. Cada um dos componentes é apresentado separadamente em frascos, dando um total de quatro, isto é: concentrado proteico, aprotinina, trombina seca e cloridrato de cálcio, que ao se unirem em uma seringa própria para aplicação levam 10 a 20 segundos para iniciar a coagulação e dependendo da concentração de trombina, de cinco a 20 minutos para atingir o efeito adesivo máximo.

O grupo I (controle) foi composto de animais nos quais não se utilizou o adesivo de fibrina como reforço da anastomose. O grupo II foi composto de animais nos quais se utilizou o adesivo de fibrina como reforço da anastomose.

Após anestesiados com associação de quetamina e xilasina intraperitoneal, os animais foram submetidos à celiotomia mediana com 3 cm de extensão. Após identificação do ceco, foi realizada secção transversal completa do cólon a 4 cm distais ao mesmo. A seguir, foi realizada anastomose terminoterminal, com pontos separados, sutura invaginante em plano total, com fio inabsorvível de polipropileno 5-0. Nos animais do grupo II, após a realização da anastomose foi aplicado o adesivo de fibrina sobre a linha de sutura, de modo a cobrir toda a circunferência da anastomose. Todos os animais foram reoperados 72 horas após a intervenção cirúrgica. Os segmentos intestinais anastomosados foram identificados, as aderências foram delicadamente desfeitas e os segmentos intestinais foram ressecados com margem de aproximadamente 2 cm de distância da anastomose. Os segmentos intestinais ressecados, contendo a linha de sutura, foram submetidos à análise histológica para avaliação da cicatrização.

Pressão de ruptura

Os segmentos intestinais ressecados foram cateterizados com cateter de Nelaton, número 6. Foi injetada solução de NaCl a 0,9% para remoção de restos de fezes no interior do lúmen intestinal. A seguir, foi fechada a outra extremidade da alça com fio de seda 3-0. Foi, a seguir, conectado ao cateter um tubo de borracha com duas saídas independentes, sendo que uma das saídas foi ligada a um compressor de ar que insuflou o segmento do intestino e a outra conectada a um medidor digital de pressão. Os segmentos intestinais foram imersos dentro de um recipiente contendo água, de modo que ficassem completamente submersos. Foram submetidos à insuflação contínua com ar até sua ruptura, observada quando apareciam bolhas de ar no líquido do recipiente. À medida que os segmentos intestinais eram insuflados, o medidor de pressão registrava os valores de pressão intraluminal. Foi verificada a pressão máxima, registrada no aparelho, capaz de provocar a ruptura do intestino.

Análise histológica / hematoxilina-eosina

As peças anatômicas foram fixadas em blocos de parafina, cortadas em micrótomo, e coradas com hematoxilina-eosina. A mucosa foi avaliada quanto à presença ou ausência de solução de continuidade, crosta fibrinoleucocitária, edema e reepitelização. Avaliaram-se ainda a presença e as características do infiltrado inflamatório e a espessura da camada muscular. Foram avaliadas, em relação à camada submucosa, as presenças e as características de neoformações vascular e conjuntiva. A camada muscular própria foi avaliada quanto à presença ou ausência de hipertrofia e de plexos nervosos; e, por fim, na serosa, foi avaliada a sua hialinização vascular.

Estabeleceu-se um protocolo, com base na Escala de Ehrlich & Hunt modificada, em que se atribuíram pontos (no máximo 18) de acordo com as características encontradas, representando mais exacerbação do processo de cicatrização7 (Tabela 1).

 

 

A cada animal foi atribuído o total de pontos, tornando possível aplicar análise estatística para avaliar os parâmetros de cicatrização.

Análise histológica/densitometria do colágeno

Os cortes histológicos foram corados com o corante Sirius Red F3AB e a seguir avaliados com luz polarizada para diferenciação das fibras colágenas. Calculou-se a porcentagem de fibras de colágeno tipos I e III, estabelecendo-se, a seguir, a razão entre as porcentagens. Com isso, comparou-se a concentração de colágeno neoformado nos diferentes grupos.

Análise estatística

Os dados foram analisados usando-se o programa estatístico "one-way ANOVA" (análise de variância); e, para as variáveis não paramétricas, foi usado o método de "Kruskal-Wallis" com o teste posterior de "Mann-Whitney", sendo considerado o valor de p < 0,05 como significativo.

 

RESULTADOS

Pressão de ruptura

No grupo I (controle) observou-se a variação de pressão de ruptura de 38 a 54 mmHg, com média de 47 mmHg. No grupo II, a variação foi de 54 mmHg a 98 mmHg, com média de 73,5 mmHg. O grupo II apresentou aumento de 26,5 ± 3,8 mmHg em relação ao grupo I (controle), com p < 0,001.

Análise histológica/hematoxilina-eosina

A variação no escore de pontos baseado na escala de Ehrlich & Hunt modificada do grupo I (controle) foi de 5 a 7, com média de 5,9, enquanto que no grupo II houve variação entre cinco e oito, com média de 6,5. O grupo II apresentou aumento de 0,6 ponto em relação ao grupo I (controle), com p > 0,05.

Análise histológica/densitometria do colágeno

Os cortes das lâminas corados com Sirius Red permitiram a diferenciação entre a coloração dos colágenos tipos I e III. Com isso, foi possível estabelecer a relação entre as porcentagens da deposição colágeno novo em relação ao antigo. No grupo I as variações das relações entre colágeno novo e antigo foram de 0,11 a 0,25, com média de 0,17. O grupo II também exibiu variação entre 0,11 e 0,25, com média de 0,17. Não houve diferença estatística entre os grupos (p =1).

 

DISCUSSÃO

O marcante avanço do conhecimento sobre o processo de cicatrização intestinal durante o século passado contribuiu para a redução das complicações relacionadas às anastomoses gastrintestinais. Ainda assim, a possibilidade de deiscências de sutura e fístulas continua sendo temida pelos cirurgiões, o que motiva a pesquisa de fatores que possam aperfeiçoar o processo fisiológico da cicatrização.

Os adesivos de fibrina são compostos de fibrina, fator XIII e trombina humana. A reconstituição do material reproduz os eventos finais da cascata de coagulação, formando uma rede de fibrina que servirá de base para a agregação plaquetária. Sua absorção, lenta e gradativa, se completa após de 30 a 50 dias, com pouca reação tecidual. Os estudos sobre os adesivos de fibrina e suas aplicações nas anastomoses intestinais datam do início do século XX, com mais ênfase a partir dos anos 1970.8 É controverso o exato mecanismo de ação dos adesivos de fibrina sobre a cicatrização intestinal, sendo descritos efeitos positivos como a produção de hemostasia local, o estímulo ao fluxo de macrófagos com a produção de fatores que favorecem a angiogênese, a proliferação de fibroblastos e a produção de colágeno.6,9-11,

O uso isolado dos adesivos de fibrina como método de confecção de anastomoses intestinais tem sido restrito a estudos experimentais. Na prática clínica vêm sendo utilizados em associação aos métodos convencionais de sutura (manual ou mecânica). Por essa razão, optou-se por utilizar o adesivo de fibrina como reforço na anastomose constituída por sutura manual de pontos separados com polipropileno 5.0.

As análises de pressão de ruptura mostram que esta foi maior no grupo em que se utilizou o adesivo de fibrina (grupo II) do que no grupo-controle.

Estudos experimentais em que se utilizou o adesivo de fibrina para confecção de anastomoses de cólon ou como reforço da anastomose também mostraram aumento da pressão de ruptura na linha de sutura em relação aos seus respectivos controles.12-15

Os resultados da análise histológica realizada com a coloração hematoxilina-eosina não revelam efeitos do adesivo de fibrina sobre a cicatrização intestinal neste estudo. O grupo II teve aumento de pontos do escore em relação ao grupo-controle, mas não houve significância estatística.

Alguns autores relatam resultados positivos dos adesivos de fibrina em relação à cicatrização intestinal baseados em avaliação histológica. Marcadores de imuno-histoquímica para angiogênese foram maiores nos grupos em que se utilizou o adesivo de fibrina para confecção das anastomoses, porém marcadores para deposição de colágeno e atividade de fibroblastos não foram diferentes em relação aos respectivos grupos-controle.13,14 Em outro estudo, não houve diferença estatística em relação a dosagem de hidroxiprolina e análise histológica entre ratos submetidos a tratamento de lesão de duodeno com adesivo de fibrina ou com sutura simples.15

Os resultados da analise histológica da densitometria do colágeno por meio da coloração Sirius Red são semelhantes aos encontrados com a coloração hematoxilina-eosina. Não houve aumento de colágeno neoformado no grupo II em relação ao grupo-controle.

 

CONCLUSÃO

O adesivo de fibrina usado como reforço de anastomoses de cólon de ratos atuou como selante, aumentando a força de pressão de ruptura. Não foram encontradas alterações histológicas que mostrem sua influência na cicatrização após 72 horas.

 

REFERÊNCIAS

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