RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 21. 2

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Artigo Original

Perfil dos pacientes de pós-operatório oncológico em centro de terapia intensiva

Profile of post oncologic surgery patients in an intensive care center

Renan Murta Soares de Almeida1; Achilles Rohlfs Barbosa1; Cecilia Gómez Ravetti1; Christiano Altamiro Coli2

1. Médico Intensivista, Diarista do CTI do Hospital Alberto Cavalcanti, FHEMIG, Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Médico Intensivista, Coordenador do CTI do Hospital Alberto Cavalcanti, FHEMIG, Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Renan Murta Soares de Almeida
Rua: São Paulo, 1950/03, Bairro: Lourdes
Belo Horizonte, MG - Brasil
Email: renanmurta@hotmail.com

Recebido em: 15/09/2010
Aprovado em: 01/04/2011

Instituição: Centro De Terapia Intensiva do Hospital Alberto Cavalcanti da Fundação Hospitalar do Estado De Minas Gerais (FHEMIG). Belo Horizonte, MG - Brasil

Resumo

OBJETIVO: descrever as características epidemiológicas e clínicas dos pacientes em pós-operatório de cirurgia oncológica e sua relação com o desfecho óbito.
MÉTODO: estudo retrospectivo de caráter descritivo baseado na coleta de dados de pacientes internados no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) do Hospital Alberto Cavalcanti (Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais), no período de maio de 2008 a maio de 2009 com base em seu Banco de Dados.
RESULTADO: foram analisados 44 pacientes em pós-operatório de cirurgia oncológica. A idade média foi de 62 anos (DP= + 14,3). O sexo masculino foi o predominante (62%). O Apache II dos pacientes que evoluíram para óbito foi significativamente maior (p<0,001*). A insuficiência renal foi observada em 20%, determinando aumento de risco de evolução para óbito (p<0,001*), RR 4,5, IC95% 1,326 - 15,277). O uso de ventilação mecânica observou-se em 54% dos pacientes e relacionou-se significativamente com o óbito (p=0,011, RR 1,412, IC 1,092 - 1,825). As aminas foram utilizadas por 27% dos pacientes, determinando, também, relação estatisticamente significativa com o desfecho (p<0,001*, RR 2,4, IC 1,229 - 4,688). Os antimicrobianos, a nutrição parenteral total e a laparostomia com bolsa de Bogotá foram usados em 41, 14 e 9% dos pacientes.
DISCUSSÃO: o aumento dos casos de câncer levando a maior demanda por internação em CTI torna necessário mais conhecimento das características clínicas e epidemiológicas desses pacientes, em especial de sua evolução em decorrência da instabilidade de órgãos e sistemas principais e de sua recuperação para a manutenção de vida autônoma e de qualidade.
CONCLUSÕES: a evolução dos pacientes para o óbito associou-se à sua classificação em Apache II, uso de ventilação mecânica, de aminas vasoativas e desenvolvimento de insuficiência renal aguda.
*Estatisticamente significativo

Palavras-chave: Oncologia; Neoplasias/cirurgia; Cuidados Pós-Operatórios; Pacientes; Perfil de Saúde.

 

INTRODUÇÃO

O câncer constitui-se na principal causa de morte em todo o mundo. Em 2004 foram anotados 7,4 milhões de óbitos em decorrência de câncer, o que representou 13% do total.1 Os principais tipos de câncer com alta mortalidade foram de: pulmão (1,3 milhão), estômago (cerca de 1 milhão), fígado (662 mil), cólon (655 mil) e mama (502 mil). Em 2005, mais de 70% dos óbitos devido ao câncer ocorreram em países de média ou baixa renda.2

A expectativa é de que aumente o número de casos de câncer em todo o mundo, estimando-se que, em 2020, seja de 15 milhões, sendo que 60% ocorram em países em desenvolvimento.

No Brasil, o câncer é responsável por 13,7% das mortes registradas, sendo atribuído apenas elevado número às doenças circulatórias (27,9%).2 Como agravante, geralmente os tumores são diagnosticados em estágio avançado. As estimativas para o Brasil nos anos de 2008 e 2009 indicam 466.730 casos novos de câncer. Os tipos mais incidentes, à exceção do câncer de pele do tipo não melanoma, serão, em homens e mulheres, os cânceres de próstata e de pulmão; de mama e de colo do útero, respectivamente (Figura 1).2

 


Figura 1 - Distribuição dos tipos de cânceres mais incidentes na população brasileira no ano de 2008.

 

A necessidade de internações em centros de terapia intensiva (CTI) tem sido cada vez mais frequentes entre pacientes oncológicos, representando entre 11 e 15% das internações totais.3-7 E, devido à melhora nas terapêuticas e suporte proporcionado a esse grupo de pacientes, houve melhora nos resultados terapêuticos.5-6 Em estudo multicêntrico realizado na Europa foi encontrada mesma mortalidade em pacientes com tumores sólidos comparados com pacientes sem câncer.7

O objetivo deste estudo é descrever as características clínico-epidemiológicas dos pacientes oncológicos internados no CTI. O estudo ainda tem como objetivo determinar se fatores como idade, sexo, Apache II, insuficiência renal, uso de ventilação mecânica, aminas vasoativas, bolsa de Bogotá, nutrição parenteral total e antibióticos influem no desfecho desses pacientes.

 

MÉTODO

As informações coletados foram provenientes de banco de dados criado para o CTI do Hospital Alberto Cavalcanti da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), hospital pertencente ao Sistema Único de Saúde (SUS) de referência em oncologia. Durante o período do estudo, maio de 2008 a maio de 2009, o banco de dados foi construído sistematicamente registrando-se variáveis como sexo; idade; procedência (enfermaria, bloco cirúrgico, unidade de emergência); dias de permanência em CTI; desfecho (alta ou óbito); diagnóstico à admissão; escala Apache II; necessidade de ventilação mecânica invasiva e traqueostomia; uso de monitoração invasiva (cateter venoso central, pressão arterial média, cateter de Swan Ganz); necessidade de hemodiálise; antibioticoterapia; uso de aminas vasoativas (noradrenalina, dobutamina); nutrição parenteral total; laparostomia com bolsa de Bogotá.

Foram admitidos no CTI, nesse período, 65 pacientes provenientes do bloco cirúrgico, sendo 44 e 21 em pós-operatório de cirurgia relacionada e não relacionada à neoplasia, respectivamente.

Foram incluídos e analisados retrospectivamente todos os admitidos em pós-operatório imediato de cirurgia oncológica.Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FHEMIG.

 

ESTATÍSTICA

Os dados foram obtidos por meio de banco de dados criado especificamente para o CTI daquela unidade, sendo realizadas análises descritivas bivariadas de todas as variáveis em função do óbito. Na verificação de normalidade das variáveis contínuas, foi utilizado o teste de Kolmogorov-Smirnov. Na comparação de médias dessas variáveis em função do óbito foi utilizado o teste t de Student. O teste exato de Fisher foi utilizado na comparação das proporções das variáveis categóricas em função do óbito, pois para todas as tabelas foram detectadas células com frequências esperadas inferiores a cinco. O risco relativo foi calculado para quantificar as diferenças detectadas. O nível de significância (α) utilizado foi de 0,05 e os programas estatísticos foram o SPSS 12.0 for Windows e StatXact 3.

 

RESULTADOS

Dos 65 pacientes admitidos no CTI provenientes do bloco cirúrgico, 44 (67%) consistiram em pós-operatório de cirurgia oncológica, sendo 17 e 27 do sexo feminino (38%) e masculino (62%), respectivamente. Não houve diferença estatisticamente significativa em função do desfecho óbito entre os sexos (p= 0,220)

Os pacientes foram distribuídos conforme os seguintes grupos diagnósticos: câncer de bexiga (2), gástrico (9), intestinal (7), mama feminina (5), próstata (5), útero (1), renal (2), cervical (2), pâncreas (4) e outros cânceres (7) (Figura 2). Na categoria "outros" foram incluídos os seguintes diagnósticos à admissão: esvaziamento axilar (1), ressecção de metástase hepática (2), ressecção de metástase pulmonar (1), tumor adrenal (1), lipossarcoma (1) e fibro-histiosarcoma retroadrenal (1) (Figura 2).

 


Figura 2 - Distribuição dos diferentes tipos de cânceres incluídos.

 

A idade média foi 62 anos (DP= +14,3) e a mediana de 65 anos. A média de idade dos pacientes que obtiveram alta do CTI foi 61,5 anos (DP= +15) e dos que evoluíram para o óbito 69,6 anos (DP= +7,5), diferença não significativa (p=0172) (Tabela 1).

 

 

 

 

A média do Apache II foi 15 (DP= +6,89) e a mediana 14. A mortalidade obtida foi 16% (sete em 44). Os quatro dos sete pacientes que evoluíram para óbito tiveram Apache II > 26, sendo a média de Apache II de todos os pacientes que evoluíram para óbito de 24, diferença significativa quando comparados com o grupo sobrevivente (p < 0,001) (Tabela 1).

 

DISCUSSÃO

Entre os pacientes tratados em pós-operatório imediato no CTI, 67% corresponderam a cirurgias em pacientes oncológicos, na sua totalidade com tumores sólidos.

A mortalidade obtida no pós-operatório de cirurgia oncológica foi discretamente menor que a esperada pela média do Apache II (16% versus 17%). Staudinger et al.5 observaram melhor resultado em pacientes admitidos em pós-operatório e por causas hemorrágicas. O bom resultado obtido em relação a esse desfecho provavelmente se deva, também, ao reduzido número de pacientes e ao fato dos mesmos terem sido abordados, na sua maioria, eletivamente.

A média do Apache II dos pacientes que evoluíram para óbito, conforme esperado, foi significativamente mais alta que a dos que obtiveram alta do CTI, como em outros trabalhos.5

Soares et al.8, em pesquisa realizada em CTI, demonstrou que a idade superior a 70 anos foi fator relacionado ao aumento da mortalidade intra-hospitalar; porém, não houve relação entre idade e óbito, provavelmente pelos mesmos motivos citados anteriormente.

Apesar da porcentagem de óbito entre os homens ser mais alta, não foi detectada diferença significativa da proporção de óbito em função do sexo.

A insuficiência renal em pacientes graves com neoplasia decorre de disfunção de múltiplos órgãos e se associa a elevada mortalidade, entre 53 e 93%, como observado por Staudinger5, Groeger9 e Benoit10 . A mortalidade dos pacientes que evoluíram com insuficiência renal foi de 77,8% (sete em nove), correlacionando-se significativamente com a evolução para óbito. O risco relativo foi igual a 4,5 (IC95%RR =1,326 a 15,277). Este dado é comparável com o da literatura, que mostra o impacto negativo da insuficiência renal no prognóstico dos pacientes.

Soares et al.11 referiram, em pacientes oncológicos admitidos em CTI, que os submetidos ou não à terapêutica dialítica no primeiro dia de CTI tiveram mesmo desfecho.

A sobrevida dos pacientes oncológicos submetidos à ventilação mecânica varia entre 1812, 535 e 71%13, de acordo com as características dos pacientes estudados. Nessa pesquisa o requerimento de ventilação mecânica foi observado em 24 pacientes (54,5%), com mortalidade de 29,2% (sete em 24) e relação significativa com o desfecho óbito (p=0,011, RR 1,41, IC=1,092 a 1,825).

O óbito foi anotado em sete (58,3%) de 12 pacientes que usaram noradrenalina e/ou dobutamina. O uso de aminas vasoativas associou-se significativamente à evolução para óbito com risco relativo de 2,4. Na Europa, em pacientes oncológicos admitidos em CTIs, 40,3% dos que apresentavam tumores sólidos usaram vasopressores e, em análise multivariada, a sepse, uso de ventilação mecânica e SARA foram determinantes de aumento de mortalidade.7

A associação da ocorrência de infecção com piora do prognóstico é reconhecida nos mais diversos cenários, bem como a importância da prevenção, do diagnóstico precoce e adequada instituição de antibioticoterapia.14,15 Esse estudo relatou que 18 (40,9%) dos 44 pacientes usaram antimicrobianos para o tratamento de infecções, sendo a sua mortalidade de 27,7% (cinco em 18). Não houve associação significativa do uso de antibióticos com o óbito (p=0,103) (Tabela 3).

 

 

A importância da síndrome de compartimento abdominal, suas características fisiopatológicas, seu impacto no prognóstico dos pacientes e a necessidade de rápido reconhecimento e tratamento tem sido objeto de interesse crescente na literatura.16,17 Descreveu-se que quatro pacientes (9%) necessitaram de laparostomia com bolsa de Bogotá, sendo a mortalidade neste grupo de 75% (três em quatro4) (Tabela 3).

Muitas questões relacionadas ao suporte nutricional em terapia intensiva ainda não estão bem-definidas. Em metanálise, Peter18 sugere que a nutrição enteral, quando comparada à parenteral total, reduz o número de complicações infecciosas e não infecciosas, assim como o tempo de permanência hospitalar, entretanto, não reduz a mortalidade. E salientou que seis pacientes (13,6%) necessitaram de nutrição parenteral total, sendo a mortalidade nesse grupo de 50% (três em seis) (Tabela 3). Não foi detectada associação significativa entre a utilização de bolsa de Bogotá e de nutrição parenteral com óbito, devido, talvez, ao desbalanceamento da amostra em relação a essas duas variáveis (somente quatro casos de bolsa de Bogotá e seis de nutrição parenteral) (Tabela 3).

As principais limitações deste trabalho foram: ter sido realizado em único centro, incluir pacientes, na sua maioria, em pós-operatório de cirurgia oncológica eletiva e ter tamanho reduzido da amostra.

 

CONCLUSÃO

O aumento dos casos de câncer e a acentuada necessidade de internação desses pacientes em CTI demandam melhor entendimento das características clinicas e epidemiológicas desse grupo de pacientes, com o objetivo de identificar os principais fatores relacionados à sua evolução. Este estudo permitiu considerar que o uso de ventilação mecânica, de aminas vasoativas, o desenvolvimento de insuficiência renal aguda e o Apache II elevado à admissão correlacionaram-se com a evolução para óbito nesses pacientes.

 

REFERÊNCIAS

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