RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 25. 4 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20150125

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Artigo de Revisão

Importância e bases de um programa de controle e prevenção de infecção em unidade de terapia intensiva geral

Importance and bases of a program for the control and prevention of infection in the general intensive care unit

Ronaldo Afonso Torres1; Bruna Ribeiro Torres2

1. Médico. Especialista em Terapia Intensiva Pediátrica. Coordenador da UTI Neonatal e Pediátrica e da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Santa Isabel. Ubá, MG - Brasil
2. Acadêmica do Curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora-SUPREMA. Juiz de Fora, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Ronaldo Afonso Torres
E-mail: rafonsotorres@yahoo.com.br / ronaldo.torres@ufv.br

Recebido em: 22/03/2014
Aprovado em: 10/11/2015

Instituição: Hospital Santa Isabel Ubá, MG - Brasil

Resumo

INTRODUÇÃO: as Unidades de Terapia Intensiva (UTI) são destinadas a monitorização e suporte avançado de vida, utilizando tecnologia avançada e recursos invasivos que favorecem dois desfechos inoportunos: infecção e iatrogenia.
OBJETIVO: avaliar a importância e as bases de um Programa de Controle e Prevenção de Infecção Hospitalar, a fim de criar ambiente seguro e integrado à atividade profissional diária.
MÉTODOS: realizada sistematização dos processos essenciais usados em UTI por intermédio de revisão bibliográfica e com base na legislação vigente, com o fim de propor métricas para avaliação dos resultados das medidas instituídas.
CONCLUSÃO: o processo de prevenção e controle das infecções em UTI depende da vigilância epidemiológica, da análise das melhorias a serem implantadas, da criação de protocolos, do treinamento e do desenvolvimento da equipe, bem como da reavaliação contínua dos resultados e da divulgação para toda a equipe.

Palavras-chave: Unidades de Terapia Intensiva; Infecção Hospitalar/prevenção & controle; Controle de Infecções; Assistência ao Paciente; Indicadores de Serviços.

 

INTRODUÇÃO

As Unidades de Terapia Intensiva (UTI) foram desenvolvidas para prover principalmente dois serviços aos pacientes criticamente doentes: suporte de vida e monitorização intensiva. Nesse contexto, tais unidades representam 10 a 15% dos leitos hospitalares. A UTI é o local reservado para tratamento de pacientes graves, representando um dos serviços mais complexos do ambiente hospitalar em consequência aos equipamentos utilizados, à tecnologia disponível, à gravidade dos pacientes internados e aos procedimentos invasivos a que são submetidos.1,2 Tais situações aumentam a probabilidade de desfechos inoportunos, em particular iatrogenia e infecções nosocomiais, sendo que as infecções correspondem a 20 a 30% de todos os casos hospitalares. Vários fatores de risco para infecção têm sido identificados, estando entre os mais importantes: gravidade da doença de base, doenças adjacentes, grau de comprometimento das defesas, procedimentos invasivos, permanência prolongada, politraumatismo, complicações iatrogênicas, superlotação das unidades, uso abusivo e inapropriado de antibióticos.3,4

O Ministério da Saúde (MS), por meio da Portaria n° 2.616 de 12 de maio de 1998, determina como parte da vigilância epidemiológica a contínua e sistemática coleta, análise e interpretação de dados essenciais para o planejamento, implementação e avaliação das práticas de saúde, perfeitamente integradas com a disseminação em tempo real para aqueles que precisam saber desses dados.2,5 A partir da mesma Portaria, o MS define infecção hospitalar (IH) como aquela adquirida após a internação do paciente e que se manifesta durante a internação ou mesmo após a alta - quando puder ser relacionada à internação ou a procedimentos hospitalares. As mais altas taxas de IH são observadas em pacientes nos extremos da idade e nos serviços de Oncologia, Cirurgia e Terapia Intensiva, porém podem variar conforme os tipos de serviços oferecidos, a tecnologia utilizada na assistência ou, ainda, o perfil dos pacientes atendidos.1,5,6

Atualmente, as infecções hospitalares são denominadas "infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS)" e são definidas como condições sistêmicas ou localizadas resultantes de reações adversas a agentes infecciosos que não estavam presentes ou em período de incubação à admissão do paciente no ambiente assistencial.7

Existem três principais forças que estão envolvidas nas IRAS: a primeira é o uso excessivo de antimicrobianos; a segunda é a falha na adoção de medidas básicas de controle, tais como higienização das mãos; a terceira é constituída por pacientes hospitalizados com sistema imune muito comprometido.8

Isso posto, propõe-se um programa de controle de prevenção de IRAS em UTI. Essa proposta é baseada em cinco eixos:

descrever o processo assistencial, que é foco do programa de prevenção, aplicando as normas legais e técnicas cabíveis;

identificar, em cada etapa do processo descrito, as potenciais falhas que podem determinar a ocorrência de IRAS;

entender e especificar como as falhas identificadas podem determinar a ocorrência de IRAS;

propor ações de prevenção para cada potencial falha identificada de acordo com as normas legais e técnicas;

propor medidas métricas para acompanhamento da efetividade das ações.

 

METODOLOGIA

A abordagem utilizada na realização deste trabalho constitui estudo de natureza qualitativa, exploratória e documental. Para tanto, foi realizada revisão bibliográfica nas principais bases de dados indexadoras, SciELO e Pubmed, bem como em livros-textos e em websites de instituições destinadas à prevenção e controle de infecção hospitalar. As palavras-chave utilizadas foram: UTI; infecção hospitalar; prevenção e controle; assistência; bechmarking; indicadores de serviços. Foram priorizados os artigos mais recentes com aplicabilidades mais coerentes com a prática atual, com alto nível de evidência e consensos das sociedades médicas. Foram investigadas as estratégias de monitoramento das unidades e uso de métricas para acompanhamento da conformidade e adesão às medidas, incluindo: visita técnica, dimensionamento da equipe, higienização das mãos, protocolos clínicos, uso racional de antimicrobianos e prevenção de infecções relacionadas aos procedimentos invasivos.

 

DISCUSSÃO

A visita técnica procura avaliar se a estrutura física de uma UTI geral está adequada, isto é, em conformidade com as regulamentações da RDC 50/02.9,10

A superlotação compromete as especificações do espaço físico, bem como o dimensionamento da equipe multidisciplinar. Cabe destacar que a RCD 07 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) estratifica a necessidade mínima de profissionais sem correlacioná-la com a gravidade dos pacientes atendidos.11,12

Conforme Nogueira et al.12, em 2013, a carga de trabalho e alocação de recursos humanos pode ser avaliada com auxílio de sistemas de escores como o Nursing Activities Score (NAS), que visa medir o tempo de assistência da equipe de enfermagem requerido pelos pacientes internados em UTI. Esse instrumento apresenta o total de 23 itens, que inclui medidas como monitorização e controle, atividade administrativa e gerencial, investigação laboratorial, medicamentos, procedimentos com higiene, mobilização, posicionamento, entre outras.12,13

Souza et al.14 consideram que a taxa de ocupação ideal está entre 75 e 90%, com o uso frequente dos recursos investidos na criação e manutenção da UTI, enquanto taxas acima de 90% influenciam de forma a sobrecarregar o trabalho, aumentando riscos aos pacientes e o aparecimento de síndrome de Burnout.

A limpeza da UTI objetiva promover remoção de sujidades e descontaminação de superfícies, bem como garantir ambiente de trabalho agradável. Os produtos germicidas a serem utilizados devem ser determinados pela Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), bem como a frequência e a rotina de limpeza. Sua falha associa-se ao aumento do risco de contaminação dos pacientes.15

É necessário conscientizar e treinar toda a equipe para total adesão ao protocolo de higienização das mãos, que deve ser realizada ao entrar na UTI, quando houver sujidade visível, antes e após refeições e uso do sanitário, depois da retirada de luvas entalcadas. O uso do álcool-gel deve seguir os cinco momentos prioritários recomendados pelo Guidelines for Hand Hygiene in Health-Care Settings, publicado em 2009 pelo Centers for Disease Control and Prevention: antes e após contato com paciente, após contato com área do paciente, após risco de exposição a substâncias orgânicas, antes de procedimentos invasivos.16 Para sua efetividade, a fricção do produto deve ser feita com volume suficiente para manter o processo por 20 segundos. A disponibilidade dos dispensadores na beira do leito e em pontos estratégicos permite economia de tempo em relação à lavagem das mãos, sobretudo em UTI, local em que ocorrem 30 oportunidades por hora para higienização das mãos. O cumprimento das recomendações do protocolo pode ser monitorado com base no cálculo da taxa de consumo de álcool.17,18

Os protocolos de precaução-padrão, contato e respiratório, devem estar bem definidos. Os pacientes provenientes de outras instituições devem ser mantidos em precaução de contato até as culturas de superfície estarem disponíveis, a fim de excluir a colonização por flora multirresistente ou não habitual na unidade. Definida a necessidade de precaução de contato e/ou respiratória, a CCIH deve ser comunicada para acompanhamento e avaliação da necessidade de continuidade. As unidades que apresentem altas taxas de microrganismos multirresistentes devem sistematizar a descolonização com uso de mupirocina nasal por cinco dias e banho diário com clorexidina durante toda internação como demonstrado nos trabalhos de Huang et al.19 e Chen et al.20 em 2013.

A antibioticoterapia requer cuidado especial devido ao risco de seu uso de forma indiscriminada, o que exige sua administração com prudência como medida essencial para minimizar a emergência de microrganismos antibiótico-resistentes no ambiente hospitalar. O uso inadequado de antibióticos associa-se não só à escolha errada, mas também à inadequação de dose, intervalo e tempo de tratamento. É preciso coletar culturas para investigação da etiologia e da sensibilidade antimicrobiana, não apenas para permitir desescalonamento do esquema empírico inicial, mas também para conhecimento da microbiota prevalente na UTI. A utilização de taxa de inadequação de uso de antimicrobianos pode ser usada como medida métrica e permite avaliar a progressão do serviço na utilização correta dos mesmos.4,10

A ocorrência de pneumonia associada à ventilação mecânica (PAVM) é das complicações mais importantes em UTI, repercutindo significativamente nos custos hospitalares e no prolongamento das internações. A higienização das mãos dos membros da equipe e a desinfecção adequada dos equipamentos ventilatórios são fundamentais para sua prevenção. Para prevenir essa complicação, recomenda-se elevar a cabeceira da cama entre 30 e 45°, manter a pressão do balonete do tubo em 20 mmHg, descontaminar a cavidade bucal com clorexidina e descartar periodicamente o condensado dos circuitos de ventilação mecânica, manuseando-o como material contaminado e evitando que seja aspirado para vias aéreas inferiores. Definida a existência de PAVM, deve-se iniciar antimicrobianos e mantê-los por oito dias ou, se necessário, por mais tempo.21,22

Para minimizar a ocorrência de infecção da corrente sanguínea associada a cateteres vasculares centrais, é necessária a máxima proteção na sua inserção. Após a escovação das mãos, o profissional deve estar paramentado com gorro, máscara e capote estéril; a assepsia da pele do paciente deve ser feita com clorexidina, escolhendo como ponto de inserção preferencialmente a veia subclávia. Deve-se fazer um curativo com gaze ou material transparente estéril semipermeável e protegê-lo durante o banho, trocando-o quando estiver sujo, solto ou úmido, usando clorexidina no processo. Antes de manusear o cateter deve ser feita higienização das mãos e, ao manipular as conexões, usar álcool a 70%.23

Para minimizar os episódios de infecções de trato urinário associados à sondagem vesical de demora, a medida mais efetiva é avaliar a sua real necessidade. Se optar pela sondagem, utilizar técnica asséptica, seguindo as precauções-padrão durante a realização da higiene íntima, e manter rigorosa higiene diária da região perianal com água e sabão comum. A necessidade de manter a sondagem deve ser avaliada continuamente. A métrica usada deve ter como denominador o número de invasividades por dia, que corrige o risco pelo tempo de uso da referida invasividade, referindo-se ao indicador como densidade de incidência (DI).24

Em 2012, o Institute for Healthcare Improvement criou o conceito de bundle, um conjunto de três a cinco intervenções que, usadas conjuntamente, melhoram a qualidade assistencial em relação aos processos invasivos e minimizam a ocorrência das complicações infecciosas.25 As intervenções para cada bundle estão descritas na Tabela 1.

 

 

A CCIH deverá manter visitas diárias de busca ativa e fazer relatórios quadrimestrais que permitam a análise continuada das taxas de ocupação e de infecção, do uso de invasividades e do perfil microbiológico.

A ausência de protocolos clínicos bem definidos dificulta estabelecer o padrão de tratamento baseado em evidências científicas, determina internações prolongadas e mais utilização de invasividades, bem como de esquemas antimicrobianos com baixa fundamentação científica. Caso a UTI não tenha protocolos clínicos, devem ser estimuladas a sua elaboração e a implementação.

O acompanhamento dos casos e da adesão às medidas preventivas pode ser feito a partir das métricas, permitindo avaliar a evolução das taxas e as correções necessárias. Além disso, correspondem a dados com valor epidemiológico, pois permitem a comparação com resultados evolutivos de serviços de instituições semelhantes (bechmarking) e o conhecimento das doenças habitualmente atendidas na UTI.

O estímulo à educação continuada da equipe multidisciplinar associa-se à melhoria assistencial e permite reduzir o tempo de internação, a superlotação e as taxas de infecção. A qualidade dos registros da equipe também deve ser prezada como forma de garantir que toda a equipe esteja bem informada sobre as propostas propedêuticas e terapêuticas e como forma de favorecer a qualidade do atendimento sequencial.

A síntese das atividades envolvidas no programa de prevenção de infecção em UTI encontra-se na Tabela 2.

 

 

CONCLUSÃO

A adesão às medidas rotineiras de precaução, higienização adequada das mãos e criação de protocolos assistenciais associadas à vigilância epidemiológica resulta em melhoria assistencial e redução das taxas de infecção. Para garantia de sucesso duradouro, é fundamental o envolvimento de toda equipe.

Com o objetivo de melhorar a qualidade assistencial, é adequado estabelecer na equipe multiprofissional conceito de Programa de Segurança, que se baseia em melhorar o compartilhamento das informações entre os membros, reordenar o trabalho e monitorizar procedimentos e indicadores. Deve ser utilizado o princípio dos quatro componentes: envolver a equipe, educar com base em evidências, executar a proposta e medir os resultados.

 

REFERÊNCIAS

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