RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 25. 4 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20150134

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Caso 20

Case 20

Luiz Carlos Molinari1; Júlio Guerra Domingues2; André Ribeiro Guimarães3; Fernando de Carvalho Bottega3; Júlia Alvarenga Petrocchi3; Joel Edmur Boteon4

1. Médico Oftalmologista. Professor colaborador do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Médico. Hospital São Geraldo - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Acadêmico(a) do Curso de Medicina na Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
4. Médico Oftalmologista. Doutor. Professor Associado do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Joel Edmur Boteon
E-mail: botteon.ufmg@gmail.com

Recebido em: 14/11/2015
Aprovado em: 01/12/2015

Instituição: Faculdade de Medicina da UFMG Belo Horizonte, MG - Brasil

 

RELATO DE CASO

Paciente feminina, faioderma, 24 anos, residente em Belo Horizonte - MG, sem sintomas oculares prévios, queixa de aparecimento de manchas avermelhadas no olho direito há 30 dias. Ao exame externo apresenta olhos alinhados nas diversas posições do olhar, pupilas isocóricas, circulares e centradas, com reflexos sem alterações. Pálpebras sem alterações. Na conjuntiva bulbar do olho direito observam-se duas manchas rosadas que, ao exame biomicroscópico, apresentam-se como massas moles, lobuladas, cada qual com seu pedículo. Acuidade visual, fundoscopia e pressão intraocular sem alterações.

Baseado na história clínica do paciente e no exame ocular, qual o diagnóstico mais provável?

 


Figura 1 - Conjuntiva bulbar do olho direito

 

carcinoma conjuntival de células escamosas;
carcinoma espinocelular da conjuntiva;
papiloma conjuntival;
sarcoma de Kaposi.

 

ANÁLISE DA IMAGEM

 


Figura 2 - O olho direito apresenta na conjuntiva bulbar uma lesão maior (demarcada em verde), medindo 9,6 mm na horizontal por 6,2 mm na vertical, localizada na posição das seis horas a 27 mm do limbo corneano, e outra menor (demarcada em azul), medindo 3,7 mm na horizontal por 4,8 mm na vertical, localizada a 2,6 mm do limbo corneano, no meridiano das quatro horas. Essas lesões, ao serem manipuladas, comportam-se como massas rosadas e moles, lobuladas, cada qual sustentada por um pedículo estreito. A lesão menor é pouco elevada, translúcida e com rede vascular radial. Já a maior é mais elevada, de superfície lisa e rósea, na qual se destaca um salpicado de pontos vasculares em vermelho.

 

DIAGNÓSTICO

O papiloma conjuntival é normalmente encontrado em indivíduos jovens e não altera a acuidade visual do paciente. No exame biomicroscópico pode ser séssil ou possuir um pedículo, como no caso apresentado. A lesão menor é típica em seu aspecto pouco elevado, translúcido com rede vascular radial. Este achado corrobora a hipótese de papiloma conjuntival.

A lesão maior pode ser confundida com carcinoma conjuntival de células escamosas, normalmente encontrado em pacientes brancos e idosos expostos excessivamente à luz solar. O tumor tem aspecto de nódulo branco ou rosa-amarelado na região anterior do olho, superficial, para o qual convergem vasos dilatados.

O carcinoma espinocelular da conjuntiva é o tumor mais comum da conjuntiva e tem como fatores de risco idade avançada, exposição aos raios ultravioletas, aos derivados do petróleo, fumaça de cigarro, infecção pelo papilomavírus humano e pelo vírus da imunodeficiência adquirida humana. A maior parte deles localiza-se na área interpalpebral ou região perilímbica, assumindo crescimento papilomatoso ou pode apresentar aspecto leucoplásico.

O sarcoma de Kaposi é atualmente observado em indivíduos jovens afetados pela síndrome da imunodeficiência adquirida, podendo ser manifestação precoce dessa enfermidade. Aparece como nódulos vermelhos ou violáceos subepiteliais na conjuntiva palpebral ou no fórnice conjuntival. Histologicamente são formados por células fusiformes de núcleo oval e inúmeros capilares.

A biópsia excisional é a técnica básica para o diagnóstico e tratamento dos tumores da conjuntiva. A remoção em bloco da lesão e exame anatomopatológico estão indicados quando a extensão do tumor permite e o diagnóstico clínico é duvidoso. O esfregaço do raspado da lesão conjuntival processado pela técnica de Papanicolaou tem alta especificidade (100%) e sensibilidade (92,9%) para o papiloma conjuntival.

 

DISCUSSÃO DO CASO

O papiloma conjuntival é um tumor benigno do epitélio escamoso estratificado da conjuntiva, mais frequente em homens entre 20 e 39 anos de idade. Consiste em tecido fibrovascular, geralmente localizado em conjuntiva medial e inferior, com crescimento exofítico, invertido ou misto.

A doença não tem causa conhecida, mas tem sido fortemente associada à infecção pelo vírus do papiloma humano (HPV), à exposição a radiações UVs, à imunodeficiência e ao tabagismo. A vacinação contra o HPV tende a diminuir sua incidência e recorrência.

O papiloma pode apresentar-se de diferentes formas. Geralmente é único, extenso e mais vascular em adultos e múltiplos, pequenos e mais recidivantes em crianças. A progressão para carcinoma é rara. O paciente pode ser assintomático ou relatar sensação de corpo estranho, aumento na produção de muco e incapacidade de fechar as pálpebras totalmente.

O tratamento varia de acordo com a sintomatologia e tamanho das lesões. Lesões sésseis e/ou assintomáticas admitem conduta expectante. As lesões maiores e sintomáticas, por sua vez, exigem tratamento cirúrgico com posterior crioterapia para evitar recidivas. Alguns medicamentos podem auxiliar na diminuição de recorrências como a mitomicina C, o 5-fluorouracil, a cimetidina e o interferon α-2β.

 

ASPECTOS RELEVANTES

o papiloma conjuntival é um tumor benigno do epitélio escamoso estratificado da conjuntiva, mais frequente em homens (2:1) e adultos;

tem associação com HPV, radiação UV, imunodeficiência e tabagismo;

em adultos, é geralmente único e extenso, com quadro clínico variável;

em crianças, geralmente são múltiplos, menores e têm mais chance de recidiva;

a biópsia excisional está indicada quando a extensão do tumor permite e há dúvida no diagnóstico clínico;

lesões pequenas admitem conduta expectante enquanto lesões maiores e sintomáticas exigem tratamento cirúrgico e crioterapia;

tem bom prognóstico, sendo rara a progressão para carcinoma.

 

REFERÊNCIAS

1. Pereira APF. Lesões não melanocíticas da conjuntiva [dissertação]. Coimbra: Universidade de Coimbra, Faculdade de Medicina; 2010.

2. Alves LFA, Fernandes BF, Burnier JV, Zoroquiain P, Eskenazi DT, Burnier Jr MN. Incidence of epithelial lesions of the conjunctiva in a review of 12,102 specimens in Canada (Quebec). Arq Bras Oftalmol. 2011;74(1):21-3.

3. Buggage RR, Smith JA, Shen D, Chan C. Conjunctival papillomas caused by human papillomavirus type 33. Arch Ophthalmol. 2002;120(2):202-4.

4. Lima CGMG, Veloso JCB, Tavares AD, Jungman P, Vasconcelos AA. Método citológico e histopatológico no diagnóstico das lesões da conjuntiva: estudo comparativo. Arq Bras Oftalmol. 2005;68(5):623-6.