RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 21. 2

Voltar ao Sumário

Artigos de Revisão

Estado nutricional e condições de saúde da população idosa brasileira: revisão da literatura

Nutritional state and health conditions of the Brazilian elderly population: A review of the literature

Clarissa de Matos Nascimento1; Andréia Queiroz Ribeiro2; Luciana Ferreira da Rocha Sant'Ana2; Renata Maria Souza Oliveira3; Sylvia do Carmo Castro Franceschini4; Silvia Eloiza Priore4

1. Nutricionista. Bolsista de Apoio Técnico do CNPq no Departamento de Nutrição e Saúde, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG -Brasil
2. Professora Adjunta do Departamento de Nutrição e Saúde, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG -Brasil
3. Professora Assistente do Departamento de Nutrição, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG - Brasil
4. Professora Associada do Departamento de Nutrição e Saúde, Universidade Federal de Viçosa. Viçosa, MG - Brasi.l

Endereço para correspondência

Clarissa de Matos Nascimento
Rua João Alfredo, 180/403
Viçosa, MG - Brasil. CEP 36570-000
Email: clarissamn@hotmail.com

Recebido em: 09/02/2011
Aprovado em: 16/03/2011

Instituição: Universidade Federal de Viçosa Viçosa, MG - Brasil

Resumo

O estado nutricional tem implicações significativas em relação ao processo de envelhecimento e importante relação com a morbimortalidade de idosos. Este trabalho objetiva realizar revisão da literatura sobre as condições de saúde e o estado nutricional da população idosa brasileira. As bases de dados pesquisadas foram PubMed, LILACS e Scielo. Observa-se elevada prevalência de doenças crônicas entre idosos brasileiros, sendo as cardiovasculares responsáveis pelas principais causas de mortalidade. As doenças também se associam à incapacidade funcional, dependência e perda de autonomia. Observa-se ainda tendência ao estado nutricional dos idosos brasileiros apresentarem aumento de sobrepeso e obesidade e redução do baixo peso. Essas alterações, associadas ao envelhecimento e aos hábitos de vida, podem levar a doenças crônicas e à incapacidade anatomofuncional. São escassos os estudos nacionais que investigam as associações entre condições de saúde e nutrição de idosos.

Palavras-chave: Idoso; Idoso Fragilizado; Estado Nutricional; Nível de Saúde; Envelhecimento da População.

 

INTRODUÇÃO

O envelhecimento populacional é fenômeno mundial e, nos países em desenvolvimento, é a mudança demográfica mais marcante. Projeções da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que, entre os 10 países com numerosa população idosa em 2025, cinco serão em desenvolvimento, incluindo o Brasil, com número estimado de 27 milhões de pessoas com 60 e mais anos de idade.1

O Brasil ingressou, na década de 1990, num processo de envelhecimento demográfico com particularidades que o destacam na escala mundial. Poucos países desenvolvidos apresentaram velocidade de envelhecimento populacional como tem ocorrido com o Brasil.2

O Brasil tem vivenciado, paralelamente ao processo de transição demográfica, importantes mudanças no perfil de morbimortalidade da população, denominadas transição epidemiológica, que se caracteriza pelo declínio da mortalidade por doenças infecto-parasitárias e aumento nas não transmissíveis.3 O índice de envelhecimento da população (razão entre a população com 60 anos e mais de idade e a população jovem, menor que 15 anos), que era igual a 6,4 em 1960, alcançou 13,9 em 1991, incremento superior a 100% em apenas três décadas.3 Em 2000, esse índice atingiu 17,6.2

A elevada prevalência de doenças crônicas entre idosos brasileiros tem sido frequentemente referida, em especial as cardiovasculares, que constituem das principais causas de mortalidade, além de associarem-se à incapacidade, dependência e perda de autonomia, com alto custo econômico e social.4

O estado nutricional tem importantes implicações no contexto do envelhecimento da população, visto que o controle de grande parte das doenças crônicas ou infecciosas e a prevenção de complicações decorrentes das mesmas dependem do estado nutricional. Nessa fase da vida, ocorrem alterações fisiológicas que, somadas a outros fatores de risco, como tabagismo, sedentarismo, alcoolismo e maus hábitos alimentares, podem levar ao aparecimento das doenças crônicas.5

Assim, a nutrição desempenha importante pa-pel na identificação de fatores de risco para mortalidade e desenvolvimento de diversas doenças entre os idosos. Como exemplo, tem-se o baixo peso, que tem sido associado ao aumento da morbimortalidade por tuberculose, enfermidades pulmonares obstrutivas crônicas e câncer de pulmão e estômago. Destacam-se, de forma menos pronunciada, os riscos de morbimortalidade por doenças cérebro-vasculares, cardiovasculares e diabetes mellitus decorrentes de sobrepeso e obesidade.5

Diante do exposto, o presente estudo objetivou revisar a literatura sobre pesquisas relativas ao estado nutricional e condições de saúde na população idosa brasileira.

 

METODOLOGIA

Este estudo é revisão não sistemática da literatura científica realizada a partir das bases de dados PubMed, LILACS e Scielo. Os descritores usados em diferentes combinações foram: idosos, estado nutricional, capacidade funcional, condições de saúde e morbidade e seus equivalentes em inglês e espanhol.

Foram selecionados estudos realizados no Brasil, publicados em português, espanhol ou inglês e indexados nas bases mencionadas no período de janeiro de 1998 a outubro de 2010. Foram incluídos estudos originais, bem como artigos de revisão. A partir desses critérios, foram identificadas 618 publicações, das quais 23 foram selecionadas pelo resumo. As demais foram excluídas por se referirem às condições de saúde e estado nutricional de outros grupos etários. Além disso, foram excluídos artigos que não disponibilizavam o resumo. A partir das REFERÊNCIAS bibliográficas das publicações selecionadas, foram obtidos outros artigos relacionados ao tema. Também foram utilizadas, na revisão, publicações de órgãos oficiais, tais como OMS, Ministério da Saúde e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

As publicações selecionadas foram lidas na íntegra, tendo sido identificadas as informações relativas à avaliação do estado nutricional de idosos em concomitância com o seu perfil de morbidade.

 

ESTADO NUTRICIONAL E ENVELHECIMENTO

O estado nutricional demonstra o grau no qual as necessidades fisiológicas por nutrientes estão sendo atingidas, para manutenção da composição e funções adequadas do organismo. A nutrição é importante no quadro das mudanças fisiológicas relacionadas ao avanço da idade, de forma que a alimentação e o estado nutricional adequados estão associados ao envelhecimento saudável.6

Pesquisas de base populacional, tais como a Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição - PNSN (1989), a Pesquisa sobre Padrões de Vida - PPV (1996/1997) e a Pesquisa de Orçamentos Familiares - POF (2002/2003), revelam inversão nos padrões de distribuição dos problemas nutricionais na população, caracterizando o processo de transição nutricional.4,6,7 Esse processo tem sido atribuído às mudanças no padrão alimentar e estilo de vida, bem como às transformações econômicas, sociais, demográficas, melhoria nas condições de saneamento e acesso aos serviços de saúde.8 Uma das principais consequências da transição nutricional é o declínio da prevalência de baixo peso e o aumento da prevalência de sobrepeso e de obesidade entre os idosos.7-9 Estas, por sua vez, associam-se à alta incidência de doenças cardiovasculares, câncer e diabetes mellitus.8

Estudos com representativa amostra da população brasileira ou de regiões específicas, como a PPV (Nordeste e Sudeste), aqui mencionados, avaliaram o estado nutricional utilizando os critérios de classificação do índice de massa corporal (IMC) proposto pela OMS, sendo o baixo peso definido como IMC < 18,5 kg/m2; sobrepeso e obesidade definidos como IMC 25-29,9 kg/m2; e IMC > 30 kg/m2, respectivamente.5

As alterações nutricionais apresentam comportamento diferenciado em relação ao sexo e à idade. No primeiro caso, o sobrepeso e a obesidade são mais frequentes nas mulheres idosas, em contraste com o elevado número de homens idosos com baixo peso.10,11 No que se refere à idade, observa-se que a prevalência de baixo peso é mais baixa entre os idosos com 80 anos ou mais, em ambos os sexos6,10, fato positivo, uma vez que o baixo peso e a perda de massa magra são os principais problemas de saúde na população idosa5.

Dados da PNSN de 1989 mostraram que as prevalências de baixo peso, sobrepeso e obesidade em idosos foram, respectivamente,7,8 24,7 e 5,7% em homens e 8,4, 32 e 18,2% em mulheres. A prevalência de baixo peso aumentou com a idade até a faixa etária de 75-79,9 anos, reduzindo-se a partir dos 80 anos. Já o sobrepeso reduziu-se, com o avançar da idade, de 27,2 para 19,8% entre os homens e de 32,6 para 28,2% entre as mulheres. Assim também a obesidade, passando de 6,8 para 1,2% nos homens e de 18,5 para 8,3% nas mulheres6. Campos et al.4, utilizando dados da PPV realizada pelo IBGE entre 1996/1997 com 1.519 idosos das regiões Nordeste, Sudeste e região metropolitana de Belo Horizonte, encontraram prevalências de baixo peso, sobrepeso e obesidade de 5,7, 32,3 e 11,6%, respectivamente. As prevalências de sobrepeso foram semelhantes entre mulheres e homens (32,7% vs. 31,9%), enquanto a obesidade foi maior entre as mulheres (16,3 vs. 5,6%). A análise estratificada por faixa etária (60-69; 70-79; 80-89; 90-99 anos) mostrou diferenças nas regiões Sudeste e Nordeste: o baixo peso aumentou com o envelhecimento, enquanto o sobrepeso e a obesidade diminuíram com o avanço da idade em ambas as regiões.

A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) realizada em 2002/2003 apresenta resultados semelhantes aos da PPV.7 A análise estratificada por sexo e faixa etária demonstrou prevalência de baixo peso semelhante entre homens e mulheres de 65 a 74 anos (3,5 vs. 3,6%), o que não se manteve na faixa etária de 75 anos ou mais. Nesse caso, a prevalência de baixo peso nos homens foi superior em comparação com as mulheres (8,9 vs. 4,9%). Em relação ao sobrepeso, sua prevalência foi superior nas mulheres tanto na faixa etária entre 65-74 anos (53,3 vs. 43,9%) quanto naquelas com 75 anos e mais (42,5 vs. 33,3%). A prevalência de obesidade também foi mais alta nas mulheres em todas as faixas etárias estudadas (65-74 anos: 17,1 vs. 10,2%; 75 anos ou mais: 14,3 vs. 5,6%). Esse perfil nutricional também tem sido observado em estudos de base populacional em idosos de municípios de menor porte. Entre os idosos residentes em Bambuí-MG, apurou-se que o IMC (média = 25,0 kg/m2) foi mais alto nas mulheres e diminuiu com a idade. A obesidade (IMC > 30 kg/m2) ocorreu em 12,8% dos idosos e o baixo peso (IMC < 20 kg/m2) em 14,4%. Este último aumentou com a idade e foi mais alto nos homens.12

Conforme se evidenciou nos estudos mencionados, o peso declina com o avançar da idade, mas varia entre os sexos. Entre os homens, o ganho de peso tende a um platô aos 65 anos e, geralmente, a partir daí, começa a declinar. Já com as mulheres, o ganho de peso é maior, atingindo um platô aos 75 anos. Em geral, homens e mulheres manifestam diminuição do IMC médio a partir de 70-75 anos e as mudanças que acompanham essa perda de peso incluem redução do conteúdo da água corporal e da massa muscular.5

A mais alta prevalência de sobrepeso ou obesidade verificada entre as mulheres tem como possível explicação o fato de as mesmas apresentarem mais acúmulo de gordura visceral e maior expectativa de vida. Durante o envelhecimento, há progressiva redistribuição da gordura, com diminuição do tecido adiposo subcutâneo dos membros e acúmulo na região intra-abdominal. As mulheres acumulam mais gordura subcutânea que os homens e a perdem em idades mais tardias. Outra explicação referida na literatura é a menopausa, a qual é acompanhada por aumento de peso e adiposidade.5

 

INFLUÊNCIA DO ESTADO NUTRICIONAL NAS DOENÇAS CRÔNICAS

As mudanças do estado nutricional contribuem para o aumento da morbimortalidade nos idosos. Desse modo, o baixo peso associa-se à ocorrência de tuberculose, câncer de pulmão e estômago e doença pulmonar obstrutiva crônica. Por sua vez, o sobrepeso e a obesidade são fatores de risco para doença cérebro-vascular, cardiovascular, da vesícula biliar e diabetes mellitus.5

No Brasil, diversos estudos têm enfatizado a relação entre estado nutricional e doenças crônicas em idosos, com destaque para a hipertensão e o diabetes mellitus. 4,10,12-14 Entre estes estudos, Campos et al.4 obtiveram maior chance de alterações do estado nutricional entre idosos portadores de doença crônica para todas as regiões estudadas. Nas regiões Nordeste e Sudeste, os idosos com baixo peso apresentaram mais chances de doença crônica quando comparados àqueles sem baixo peso (odds ratio = 1,79; IC 95% 1,10-2,92). Idosos com sobrepeso exibiram 1,35 vez mais chance de ter doença crônica quando comparados aos que não tinham sobrepeso (IC 95% 1,05-1,74). Em relação à obesidade, idosos com essa condição mostraram duas vezes mais chance de ter doença crônica quando comparados àqueles sem obesidade (IC 95% 1,53-3,23).

Zaitune et al.13 avaliaram a prevalência de hipertensão arterial referida em 426 idosos de Campinas (SP), estimada em 51,8%, a qual se mostrou significativamente mais elevada em idosos com sobrepeso (57,2%), quando comparados aos eutróficos (44,8%). O grupo de idosos com sobrepeso apresentou 1,65 vez mais chance de relatar hipertensão quando comparado ao grupo dos eutróficos. Cabrera e Jacob Filho10 avaliaram idosos em atendimento ambulatorial em Londrina (PR) e referiram frequência mais alta de diabetes mellitus (26,9%), HDL baixo (lipoproteína de alta densidade) (45,8%) e hipertrigliceridemia (34,6%) em homens obesos, quando comparados aos não obesos (IMC < 30kg/m2). As mulheres obesas tinham elevada frequência de hipertensão arterial (70,9%), em comparação com as não obesas (50,1%).

Em Bambuí-MG, resultados de estudo prospectivo da população idosa evidenciaram prevalências de 14,6% de diabetes mellitus e 13,3% de glicemia de jejum alterada. Observou-se que idosos com diabetes apresentaram mais chance de sobrepeso (odds ratio =1,64; IC 95% 1,10-2,45) e obesidade (odds ratio =3,52; IC 95% 2,185,70) em comparação com aqueles sem diabetes.

Em Teresina-PI, constatou-se que 41,6% dos idosos com sobrepeso tinham pressão arterial sistêmica diastólica elevada, sendo que o risco de morbidade foi mais alto com o aumento da obesidade.14 Em Viçosa-MG, as prevalências de hipertensão e diabetes mellitus foram significativamente mais elevadas entre idosos com sobrepeso, em comparação com os eutróficos9. Em Recife-PE, ressaltou-se associação significativa entre obesidade e valores de glicemia de jejum, sendo a prevalência de obesidade nas idosas com glicemia > 126 mg/dL, quase o dobro da detectada nas não diabéticas. Houve mais probabilidade de ocorrência de obesidade, em torno de 18%, nas mulheres com menos de 70 anos, com triglicerídeos > 200 mg/dL, com glicemia de jejum > 126 mg/dL e hipertensas, destacando-se a importância da morbidade associada. As idosas obesas tiveram mais chance de ter glicemia de jejum alterada (odds ratio=1,76; IC 95% 1,70-4,43).15

Sobrepeso e obesidade são importantes fatores de risco para desenvolvimento de alguma morbidade e associam-se ao maior consumo de alimentos ricos em gordura, carboidratos refinados, diminuição no consumo de carboidratos complexos e fibras alimentares e reduzida prática de atividade física.5,12,16 A obesidade é um distúrbio metabólico frequentemente associado a resistência à insulina, hiperinsulinemia, aterosclerose, hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus tipo II.5,16,17

 

INFLUÊNCIA DA CIRCUNFERÊNCIA DA CINTURA E RELAÇÃO CINTURA-QUADRIL

São recentes os estudos nacionais que relacionam as medidas de circunferência da cintura e a relação cintura-quadril às doenças crônicas entre idosos. A circunferência da cintura (CC) é utilizada para estimar a gordura abdominal e pode complementar o índice de massa corporal (IMC), uma vez que esta medida não distingue se o excesso de peso é proveniente de gordura ou de massa muscular. É medida preditora da gordura visceral e pode fornecer melhor associação da distribuição de gordura abdominal com doenças crônicas. O outro indicador utilizado na avaliação do tipo de distribuição de gordura corporal é a relação cintura-quadril (RCQ), também utilizada para avaliar a gordura visceral.18

O excesso de gordura abdominal tem sido associado a distúrbios no metabolismo de glicose e lipídios e estes, por sua vez, relacionam-se com as doenças cardiovasculares, resistência a insulina e hipertensão arterial sistêmica10,17. Nos idosos, verifica-se aumento no depósito de gordura no abdômen e no tronco, enquanto a gordura subcutânea diminui nos membros superiores e inferiores.16,18

Alguns estudos nacionais realçaram que as mulheres idosas têm mais inadequação da RCQ em comparação com os homens9,19 e este fato também ocorre com a CC.9,10 Cabrera e Jacob Filho10 informaram que, em Londrina, os homens idosos com o valor da RCQ inadequada tinham hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, HDL baixo e hipertrigliceridemia. Entre as mulheres, aquelas com RCQ inadequada apresentavam hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus. Tinôco et al.9 encontraram hipertensão arterial sistêmica, hipercolesterolemia, artrite e diabetes entre idosos com a CC aumentada, em Viçosa-MG. De acordo com a RCQ, houve diferença para a frequência de hipercolesterolemia e diabetes.

 

MORBIDADES, CAPACIDADE FUNCIONAL E ESTADO NUTRICIONAL

O envelhecimento relaciona-se com o aparecimento de várias doenças, como as cardiovasculares, diabetes mellitus, reumatismo, acidente vascular encefálico, deficiências cognitivas, insônia e depressão. Estas influenciam diretamente a autonomia e independência dos idosos e, consequentemente, a qualidade de vida, pois geram incapacidade, levando à dependência funcional.19,20 As doenças crônicas que levam à incapacidade podem ser identificadas precocemente pela avaliação adequada do estado nutricional.18

Ao considerar os idosos não institucionalizados, os estudos nacionais mostram que, em geral, são baixas as prevalências de incapacidades para atividades da vida diária, tais como se alimentar, tomar banho ou ir ao banheiro, indicando bom grau de autonomia dessa população.20 Essas incapacidades têm-se revelado piores na faixa etária de 80 anos e mais e entre as mulheres.21

Como exemplo, têm-se os resultados das comparações dos dados da PNAD 1998 com a de 2003, os quais notificaram que, entre os idosos brasileiros, houve redução na prevalência de dificuldade para caminhar cerca de 100 metros, passando de 25 para 22,7% no período.22 Essa redução foi constatada em ambos os sexos e em todos os grupos de idade, embora mais intensa para os homens e mulheres de 80 anos ou mais.22,23 Em estudo realizado em 2005 nas regiões Sul e Nordeste, a incapacidade funcional entre os idosos foi de 29,6 e 33,3%, respectivamente.24

De modo geral, o perfil dos idosos brasileiros em relação aos indicadores de capacidade funcional é compatível com os padrões encontrados em outros países e demonstram que envelhecimento não é sinônimo de incapacidade. As diferenças documentadas podem ser devidas a diferenças nos instrumentos utilizados ou, ainda, às características das populações estudadas.

A desvantagem das idosas em comparação com os idosos em relação à capacidade funcional pode ser atribuída à diferença de oportunidade que os homens e as mulheres tiveram ao longo da vida no que diz respeito às condições econômicas, sociais e culturais.21 Outros fatores importantes são as diferenças nas prevalências de doenças crônicas como, por exemplo, diabetes mellitus, angina do peito, acidente vascular cerebral e artrite entre homens e mulheres que relataram incapacidades.22 Quanto à obesidade e à capacidade funcional, as idosas com incapacidade funcional têm IMC mais elevado quando comparadas aos idosos. Essa diferença entre os sexos pode também estar associada à atividade física praticada ao longo da vida.

Estudo realizado por Parahyba e Veras22 salienta redução da incapacidade funcional dos idosos, no Brasil, fato atribuído à expressiva universalização do acesso aos serviços públicos de saúde e aumento dos níveis de escolaridade da população.

Poucas pesquisas realizadas no Brasil investigaram a relação entre morbidade, capacidade funcional e estado nutricional entre idosos.19,20,25,26 Resultados da coorte de idosos de Bambuí (MG) evidenciaram que 25,3% (406) dos idosos referiram reumatismo. Entre eles, 73,9% exibiam limitação de atividades relacionadas com a doença, sendo que 13,3% consideravam-se muito limitados devido a ela. O reumatismo associou-se a índice de massa corporal (25-29 kg/m2/30-34 kg/m2) e relato de manifestações clínicas de acidente vascular cerebral20. Estudo com idosos de Guatambu (SC) identificou que a incapacidade funcional foi significativamente maior nos idosos com maior número de doenças e sequelas associadas. Não houve correlação entre incapacidade e estado nutricional.25

Giacomin et al.20, em trabalho com idosos de Belo Horizonte-MG, reportaram significativa associação entre diagnóstico médico de hipertensão arterial sistêmica, de artrite, de diabetes mellitus e de acidente vascular encefálico com a incapacidade funcional. Resultados do Projeto SABE (Saúde Bem-Estar e Envelhecimento) no município de São Paulo mostraram que os idosos dependentes nas atividades instrumentais da vida diária e atividades de vida diária apresentavam alta prevalência de doença pulmonar (10%) seguida por doença cardíaca (8,5%) e artropatia (7,5%).26

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se observar redução na prevalência de baixo peso e aumento na de sobrepeso, enquanto a obesidade aumentou no sexo masculino e diminuiu no feminino, no período de 1989 a 2003. Houve entre as mulheres mais alta prevalência de sobrepeso e obesidade, reduzindo com o envelhecimento; e entre os homens, a prevalência de baixo peso foi mais elevada.

As mudanças do estado nutricional interferem na capacidade funcional dos idosos e contribuem para o aumento da morbidade. A capacidade funcional dos idosos, por sua vez, pode ser influenciada por condições mórbidas que levam a maior dependência e comprometem a qualidade de vida desse grupo etário.

A prevenção do acúmulo excessivo de gordura corporal e a manutenção do IMC dentro da faixa de normalidade podem reduzir as doenças crônicas e as incapacidades.

Ainda são escassos estudos nacionais que investigaram associações entre morbidade e estado nutricional. Dada a importância dessas questões, é necessário que estudos nessa temática sejam realizados, para se conhecer melhor o impacto das alterações nutricionais na ocorrência de doenças e na incapacidade.

 

AGRADECIMENTOS

Conselho Nacional de Desenvolvimento e Pesquisa - CNPq (Nº processo 474689-2008-5 e 579255/2008-5) pela concessão da bolsa de estudo e financiamento deste projeto. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES (Nº processo 23038.039412/200873) pelo financiamento deste projeto.

 

REFERÊNCIAS

1. World Health Organization. Population ageing: a public health challenge. Geneva: WHO;1998. (Fact Sheet n.135).

2. Wong LLR, Carvalho JA. O rápido processo de envelhecimento populacional do Brasil: sérios desafios para as políticas publicas. Rev Bras Estud Popul. 2006;23(1):5-26.

3. Chaimowicz F. A saúde dos idosos brasileiros às vésperas do século XXI: problemas, projeções e alternativas. Rev Saúde Pública. 1997;31(2):184-200.

4. Campos MAG, Pedroso ERP, Lamounier JA, Colosimo EA, Abrantes MM. Estado nutricional e fatores associados em idosos. Rev Assoc Med Bras. 2006;52(4):214-21.

5. World Health Organization. Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Geneva: WHO; 1995. (Technical Report Series, 854).

6. Tavares EL, Anjos LA. Perfil antropométrico da população idosa brasileira. Resultados da Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição. Cad Saúde Pública. 1999;15(4):759-68.

7. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE. Análise da disponibilidade domiciliar de alimentos e do estado nutricional no Brasil. POF 2002-2003. Rio de Janeiro, Brasil: IBGE; 2004. [Citado em 2008 nov 10]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br.

8. Kac G, Velásquez-Mendélez G. [editorial]. A transição nutricional e a epidemiologia da obesidade na América Latina. Cad Saúde Pública. 2003;19(1):4-5.

9. Tinôco ALA, Brito LF, Sant'anna MSL, Abreu WC, Mello AC, Silva MMS, et al. Sobrepeso e obesidade medidos pelo índice de massa corporal (IMC), circunferência da cintura (CC) e relação cintura/quadril (RCQ), de idosos de um município da Zona da Mata Mineira. Rev. Bras Geriatr Gerontol. 2006 ago;9(2):63-73.

10. Cabrera MAS, Jacob-Filho W. Obesidade em idosos: prevalência, distribuição e associação com hábitos e co-morbidades. Arq Bras Endocrinol Metab. 2001;45(5):494-501.

11. Silveira EA, Kac G, Barbosa LS. Prevalência e fatores associados à obesidade em idosos residentes em Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil: classificação da obesidade segundo dois pontos de corte do índice de massa corporal. Cad Saúde Pública. 2009;25(7):1569-77.

12. Barreto SM, Passos VMA, Lima-Costa MFF. Obesity and underweight among Brazilian elderly. The Bambuí Health and Aging Study. Cad Saúde Pública. 2003;19(2):605-12.

13. Zaitune MPA, Barros MBA, César CLG, Carandina L, Goldbaum M. Hipertensão arterial em idosos: prevalência, fatores associados e práticas de controle no Município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública. 2006;22(2):285-94.

14. Santos MRDR, Mendes SCSM, Morais DB, Coimbra MPSM, Araújo MAM, Carvalho CMRG. Caracterização nutricional de idosos com hipertensão arterial em Teresina, PI. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2007;10(1):73-86.

15. Marques APO, Arruda IKG, Espírito Santo ACG, Raposo MCF, Guerra MD, Sales TF. Prevalência de obesidade e fatores associados em mulheres idosas. Arq Bras Endocrinol Metab. 2005;49(3):441-8.

16. Marques APO, Arruda IKG, Leal MCC, Santo ACGE. Envelhecimento, obesidade e consumo alimentar em idosos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2007;10(2):231-42.

17. World Health Organization. Obesity: Preventing and managing the global epidemic. Report of a WHO Consultation on Obesity. Geneva: WHO; 1998.

18. Sampaio LR. Avaliação nutricional e envelhecimento. Rev Nutr. 2004;17(4):507-14.

19. Silva RCP, Simões MJS, Leite AA. Fatores de risco para doenças cardiovasculares em idosos com diabetes mellitus tipo 2. Rev Ciênc Farm Básica Apl. 2007;28(1):113-21.

20. Giacomin KC, Peixoto SV, Uchoa E, Lima-Costa MF. Estudo de base populacional dos fatores associados à incapacidade funcional entre idosos na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública. 2008;24(6):1260-70.

21. Paskulin LMG, Vianna LAC. Perfil sociodemográfico e condições de saúde autoreferidas de idosos de Porto Alegre. Rev Saúde Pública. 2007;41(5):757-68.

22. Parahyba MI, Veras R. Diferenciais sociodemográficos no declínio funcional em mobilidade física entre os idosos no Brasil. Ciênc Saude Coletiva. 2008;13(4):1257-64.

23. Nunes MCR, Ribeiro RCL, Rosado LEFPL, Franceschini SCC. Influência das características sociodemográficas e epidemiológicas na capacidade funcional de idosos residentes em Ubá, Minas Gerais. Rev Bras Fisioter. 2008;13:(5):376-82.

24. Rodrigues MAP, Facchini LA, Piccini RX, Tomasi E, Thumé E Silveira DS, et al. Use of primary care services by elderly people with chronic conditions, Brazil. Rev Saúde Pública. 2009;43(4):604-12.

25. Santos KA, Koszuoski R, Dias-Da-Costa JS, Pattussi MP. Fatores associados com a incapacidade funcional em idosos do Município de Guatambu, Santa Catarina, Brasil. Cad Saúde Pública. 2007;23(11):2781-8.

26. Alves LC, Leimann BCQ, Vasconcelos MEL, et al. A influência das doenças crônicas na capacidade funcional dos idosos do município de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública. 2007;23(8):1924-30.