ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Tratamento de hemangioma da infância com maleato de timolol tópico
Treatment of infantile hemangioma with topical timolol maleate
Otávio Augusto Pinto1; Isabela Guimaraes Ribeiro Baeta2; Nayara Silveira Maia3; Thaís Braga Cerqueira1
1. Acadêmico(a) do Curso de Medicina. Universidade Federal de Sao Joao Del Rei. Divinópolis, MG - Brasil
2. Médica Dermatologista. Professora Assistente. Universidade Federal de Sao Joao Del Rei. Divinópolis, MG - Brasil
3. Médica Generalista. Universidade Federal de Sao Joao Del Rei. Divinópolis, MG - Brasil
Otávio Augusto Pinto
E-mail: ap.otavio@gmail.com
Instituiçao: Universidade Federal de Sao Joao Del Rei - Campus Centro-Oeste Dona Lindu Divinópolis, MG - Brasil
Resumo
INTRODUÇÃO: o hemangioma da infância é uma proliferação neoplásica benigna de células endoteliais, decorrente de um desequilíbrio na angiogênese. Atinge 10 a 12% das crianças com menos de ano de vida, sendo, portanto, o tumor mais comum da infância. O tratamento, geralmente, é expectante, mas são utilizados, em alguns casos, propranolol oral, corticosteroides, interferon alfa-2a, laserterapia, embolização, imunomoduladores e cirurgia.
DESCRIÇÃO DO CASO: criança do sexo masculino com hemangioma em couro cabeludo de 3 cm de diâmetro. Utilizou-se maleato de timolol 0,5%, solução oftálmica, três gotas duas vezes ao dia na superfície da lesão, durante dois anos. Após um ano de tratamento, a lesão apresentava-se praticamente plana, com involução quase completa e alopecia residual. Nenhum efeito colateral foi observado durante o período de tratamento.
DISCUSSÃO: o hemangioma da infância possui amplo espectro clínico e graus variados de gravidade, o que torna o seu manejo difícil e controverso. Diante do alto número de efeitos colaterais descritos para os tratamentos convencionais, o timolol tópico tem se tornado excelente alternativa para os casos não complicados.
CONCLUSÃO: o timolol tópico vem sendo uma nova opção terapêutica eficaz e desprovida de efeitos colaterais para o tratamento do hemangioma da infância, sendo capaz de acelerar sua involução e prevenir complicações. Entretanto, é necessário que sejam realizados estudos que padronizem a dosagem terapêutica mais segura e avaliem o real risco x benefício do uso do fármaco no tratamento desse tipo de tumor.
Palavras-chave: Hemangioma/terapia; Lactente; Pré-Escolar; Criança; Timolol.
INTRODUÇÃO
O hemangioma da infância é uma proliferação neoplásica benigna de células endoteliais, decorrente de um desequilíbrio na angiogênese. Atinge 10 a 12% das crianças com menos de um ano de vida, sendo, portanto, o tumor mais comum da infância.1-3 A incidência, estimada por estudos nacionais, é de três a quatro casos em cada 100 nascidos vivos,2 com evidente predileção por indivíduos do sexo feminino, prematuros e de pele clara.1-4 Cerca de 80% dos casos apresentam lesões únicas e as regioes mais afetadas são cabeça e pescoço (60%) e tronco (25%).2
O hemangioma da infância, em geral, não é clinicamente perceptível ao nascimento. Porém, em 30 a 50% dos casos é possível observar sinal precursor, que se manifesta sob forma de mancha anêmica, eritematosa e/ou equimótica, de agrupamento de pápulas vermelho-vivo ou, ainda, de telangiectasias circundadas ou não por halo anêmico.1,2,5 A partir da lesão inicial, o crescimento é acelerado, sendo mais de 90% dos hemangiomas bem evidentes ao final do primeiro mês de vida.1,2
O curso clínico do hemangioma demonstra uma fase de rápido crescimento, que dura, em geral, 6-10 meses, podendo se estender até o segundo ano de vida. Durante essa fase, a lesão vai se tornando mais eritematosa e violácea. Posteriormente, segue-se um período de estabilidade ou platô, que persiste por alguns meses, culminando em uma fase de involução lenta, que se inicia, em geral, entre 12 e 18 meses de vida.1,3,5-7 Estima-se que a involução completa ocorra ao ritmo de 10% ao ano,2 e lesões remanescentes após o 6° ano de vida cursam com alterações residuais, como telangiesctasias, atrofias, cicatrizes e áreas de alopecia.5
O diagnóstico, na maioria dos casos, é clínico. No entanto, caso haja a necessidade de excluir diagnósticos diferenciais ou de avaliar tamanho, tipo e extensão da lesão, podem ser solicitados exames de imagem, tais como: ultrassonografia (US) com doppler; ressonância magnética (RM) e tomografia computadorizada (TC).1-3 A biópsia pode ser realizada para confirmação diagnóstica e para afastar tumores malignos. O antígeno erythroccyte-type glucose transporter protein (GLUT-1) foi descrito como um marcador imuno-histoquímico específico do hemangiomana da infância, sendo expresso em todas as suas fases evolutivas.1,3
A conduta expectante é recomendada na maior parte dos casos, sendo que apenas 10 a 20% dos hemangiomas demandam tratamento, geralmente realizado na fase proliferativa do tumor. Indicações para o tratamento incluem: prevenir complicações alarmantes, como acometimento da visão, ulcerações, hemorragias, infecções e obstrução de vias aéreas, conduto auditivo e reto; e prevenir desfiguramentos permanentes e inestéticos.1,2,4,5,8
O tratamento deve sempre ser individualizado, levando em consideração o tamanho e localização das lesões, idade do paciente, estágio evolutivo do tumor e outros sintomas associados.1,2,4,5,8 Tradicionalmente, podem ser adotadas várias opções terapêuticas para os casos de hemangioma da infância, entre as quais se incluem: corticosteroides, interferon alfa-2a, laserterapia, embolização, imunomoduladores, cirurgia e propranolol oral. Entretanto, nenhuma dessas opções é totalmente eficaz para todos os casos,5 além de todas elas poderem cursar com efeitos colaterais em nível sistêmico.9,10
O relato a seguir descreve o tratamento de um caso de hemangioma da infância ulcerado com solução tópica de β-bloqueador, que vem sendo demonstrada como uma nova opção farmacológica de baixo custo, alta eficácia e praticamente sem efeitos colaterais no tratamento desse tipo de tumor.
DESCRIÇÃO DO CASO
Criança do sexo masculino, cinco meses de vida, foi levada pela mae ao serviço de dermatologia devido a hemangioma em couro cabeludo. Mae relatou que, cerca de um mês antes da consulta, havia surgido foco hemorrágico na superfície do tumor. Criança nasceu pré-termo e apresentou, já ao nascimento, mácula eritematosa precursora. Não havia realizado qualquer tipo de intervenção terapêutica para a queixa descrita e fazia uso de antibiótico oral prescrito pelo pediatra. Nenhuma comorbidade foi relatada. Ao exame dermatológico, exibia nódulo angiomatoso de cerca de 3 cm de diâmetro, com crosta central e pequeno foco hemorrágico na superfície (Figura 1). Mae foi orientada a realizar curativo com compressa umedecida em soro fisiológico e a retornar em duas semanas.
No retorno, a lesão demonstrou cicatrização completa, sem hemorragias. Devido à ausência de indicação para tratamento sistêmico, optou-se pelo uso de β-bloqueador tópico. O fármaco escolhido foi o maleato de timolol, 0,5%, solução oftálmica. Paciente iniciou tratamento com aplicação de três gotas da solução, duas vezes ao dia, na superfície da lesão, tendo sido avaliada ambulatorialmente nos meses subsequentes.
Já no 1° mês após início do tratamento, foi observada importante melhora do quadro e redução das dimensões do hemangioma. No 3° mês, a lesão se encontrava bem menos elevada e com coloração violácea menos intensa (Figura 2).
Após 1 ano de tratamento, a lesão estava praticamente plana, com involução quase completa e alopecia residual (Figura 3). A conduta terapêutica foi mantida até a criança completar dois anos de vida, momento a partir do qual foi suspensa a solução e orientou-se acompanhamento anual. Nenhum efeito colateral foi constatado durante todo o período de tratamento.
DISCUSSÃO
O hemangioma da infância possui amplo espectro clínico e graus variados de gravidade, o que torna o seu manejo difícil e controverso.5 Por se tratar de tumor benigno e autolimitado, a conduta expectante é indicada para a maioria dos pacientes. Apenas 10 a 20% dos casos demandam intervenção farmacológica, entre os quais se incluem: os complicados por ulcerações, sangramentos e infecções; os que cursam com obstrução de vias aéreas, do conduto auditivo e do reto; os que podem comprometer a visão; e aqueles que provocam ICC ou que, ao involuírem, resultam em alterações permanentes e inestéticas na pele.1,5 Várias opções terapêuticas já foram descritas, porém com poucos estudos prospectivos que comprovem a eficácia e segurança.5
Inicialmente, o tratamento convencional era realizado com o uso sistêmico ou intralesional de corticosteroides durante a fase proliferativa do tumor. Entretanto, desde 2008, após artigo publicado no New England Journal of Medicine11 relatando o uso de propranolol para o tratamento de hemangioma da infância, esse fármaco vem sendo utilizado de forma rotineira em diversos serviços na condução de casos complicados.
Tanto os corticosteroides quanto o propranolol, todavia, podem cursar com efeitos colaterais importantes. No caso do uso oral de corticosteroides, já foram descritos: fácies cushingoide (71%), retardo de crescimento (35%), irritabilidade (29%), sintomas gástricos (21%) e infecção por Candida sp. (6%).3 Além disso, hemangiomas perioculares tratados com injeção intralesional de corticosteroides podem cursar com elevação da pressão intraocular e oclusão de artéria central da retina.1,3,9 Já o propranolol pode resultar em broncoespasmo, vasõespasmo, hipoglicemia, hipotensão, bradicardia grave, bloqueio cardíaco e insuficiência cardíaca congestiva.9,10
Os interferons alfa são tradicionalmente utilizados nos casos mais resistentes. No entanto, podem cursar com febre, irritabilidade, síndrome gripal, neutropenia, anemia e elevação de enzimas hepáticas. Além disso, foi relatado desenvolvimento de displegia espástica em até 20% dos casos tratados com esses fármacos.1,3 Intervenções cirúrgicas podem ser complicadas por hemorragias e infecções, e imunomoduladores podem causar mielotoxicidade, hepatotoxicidade e neurotoxicidade.9,10
Suqin Guo e Nina Ni9 descreveram pela primeira vez, em fevereiro de 2010, o uso de β-bloqueador tópico para o tratamento de hemangioma da infância em pálpebra superior de uma criança de quatro meses de vida. Foi utilizada solução oftálmica de maleato de timolol, 0,5%, com duas aplicações diárias de duas gotas na superfície do tumor, durante quatro meses, com alta eficácia e ausência de efeitos colaterais.9 Posteriormente, outras publicações foram lançadas, sugerindo ser o β-bloqueador tópico uma alternativa segura e eficaz no tratamento do hemangioma da infância.4,6,8,10,12 O mecanismo de ação do timolol no tratamento do hemangioma ainda não foi comprovado, mas sugere-se que vasoconstrição, diminuição da expressão de fatores de crescimento endotelial e indução de apoptose das células endoteliais possam ser fatores contribuintes.10
No caso relatado, o hemangioma não tinha indicação de terapia sistêmica ou cirúrgica, haja vista a localização no couro cabeludo e a resolução espontânea da ulceração e do sangramento iniciais. As justificativas para o uso de tratamento tópico com β-bloqueador foram diminuir a ansiedade da família e evitar a exposição da criança aos riscos da medicação sistêmica.
CONCLUSÃO
Em acordo com o que vem sendo publicado na literatura, nossa experiência sugeriu ser o timolol tópico uma opção terapêutica eficaz e desprovida de efeitos colaterais para o tratamento do hemangioma da infância, com capacidade de acelerar a sua involução, prevenir complicações e diminuir o estresse psicossocial dos familiares. Apesar do quadro provavelmente autolimitado, acredita-se que o timolol tópico tenha aumentado a velocidade de regressão do tumor. Entretanto, é necessário que sejam realizados estudos randomizados e controlados que se destinem a padronizar a dosagem terapêutica mais segura e a avaliar o real risco x benefício do uso do fármaco no tratamento do hemangioma da infância.
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