ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Déficit cognitivo no migranoso: avaliação pelo MoCA
Cognitive deficit in migrainous: assessment MoCA
Alessandra Cordeiro De Paoli1; Angel Costa Bressan1; Bárbara Mendes Pinto1; Danielle Leal Chaves1; Raquel Coelho Moreira1; Mauro Eduardo Jurno2
1. Acadêmico(a) do Curso de Medicina. Fundaçao José Bonifácio Lafayette de Andrada- FUNJOBE. Faculdade de Medicina de Barbacena - FAME. Barbacena, MG - Brasil
2. FUNJOBE/FAME, Hospital Regional de Barbacena -HRB/JA/FHEMIG, Coordenaçao de Neurologia. Barbacena, MG - Brasil
Mauro Eduardo Jurno
E-mail: jurno@icloud.com
Instituiçao: Faculdade de Medicina de Barbacena - FAME Barbacena, MG - Brasil
Resumo
INTRODUÇÃO: a migrânea é uma desordem que comumente acomete indivíduos nas faixas etárias mais produtivas. Diversos estudos demonstram a associação da migrânea à queda na capacidade cognitiva.
OBJETIVO: avaliar a capacidade cognitiva de pacientes migranosos em comparação a pacientes não migranosos por meio do teste MoCA.
METODOLOGIA: estudo clínico randomizado controlado. A amostra foi composta de 140 voluntários com idade entre 18 e 65 anos, sendo 74 migranosos e 66 não migranosos.
RESULTADOS: os pacientes com no mínimo ensino superior incompleto tiveram melhor desempenho. No grupo etário de indivíduos mais velhos (40 a 65 anos), os insuficientes no teste corresponderam a 79,66%. Esse resultado foi superior ao do grupo de indivíduos com até 39 anos (54,32%). A maior parte dos enxaquecosos foi insuficiente no teste (74,32%).
CONCLUSÃO: a idade e os níveis de escolaridade foram as variáveis sociodemográficas que contribuíram para a predição da pontuação no MoCA, sendo que o progredir da idade e o regredir da escolaridade diminuíram a pontuação no teste. Apesar de a maioria dos pacientes com enxaqueca (85,14%) pertencerem ao grupo de menos escolaridade, o resultado ratificou a hipótese de que pode haver associação entre migrânea e declínio cognitivo. O método utilizado (MoCA) sofreu interferência de alguns fatores, principalmente da idade e da escolaridade dos participantes.
Palavras-chave: Enxaqueca sem Aura; Cognição; Montreal Cognitive Assessment (MoCA).
INTRODUÇÃO
A migrânea é uma complexa desordem que se enquadra no grupo das cefaleias primárias. Comumente, acomete indivíduos nas faixas etárias mais produtivas, é mais prevalente no sexo feminino e tem provável predisposição genética. Caracteriza-se por recorrentes episódios de cefaleia, geralmente unilateral, pulsátil, com durações variáveis, podendo ser acompanhada de fonofobia, fotofobia, irritabilidade, náusea e vômito. Alguns casos estao associados a sintomas visuais (escotomas) e sensoriais, conhecidos como aura,1 que se caracteriza por distúrbio visual (mais comum), sensorial, verbal ou motor.
A qualidade de vida do migranoso pode estar comprometida nos âmbitos social, emocional, desempenho do trabalho, estudos e formação acadêmica[1]. Diversos estudos demonstram a associação da migrânea à queda na capacidade cognitiva[2,3]. A cognição é uma habilidade que permite a obtenção do conhecimento, logo, é fundamental para a adaptação do indivíduo ao meio em que vive. Os pacientes migranosos frequentemente apresentam queixas relacionadas à memória verbal, visual, funções executivas, concentração, entre outras.2,3
Alguns testes podem ser aplicados com o intuito de avaliar capacidades cognitivas. Dessa forma, podem ser utilizados para detectar graus de disfunções cognitivas e correlacioná-las à migrânea. No presente trabalho, foi utilizado o Montreal Cognitive Assessment (MoCA).4 O teste é capaz de fornecer uma estimativa quantitativa, além da qualitativa da capacidade cognitiva (indica desempenho normal ou alterado), ampliando e potencializando a sua utilidade para monitorar a magnitude das alterações da cognição e acompanhar a evolução do quadro cognitivo ou avaliar estratégias de intervenção. Dessa forma, o MoCA tem sido considerado um teste de rastreio cognitivo privilegiado e eficiente.5
Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo avaliar a capacidade cognitiva de pacientes migranosos em comparação a pacientes não migranosos. Foi utilizado o Montreal Cognitive Assessment (MoCA) 4 como método de avaliação.
METODOLOGIA
O presente estudo foi do tipo clínico randomizado prospectivo, realizado com pacientes migranosos para avaliação cognitiva desses participantes a partir da aplicação do teste de Avaliação Cognitiva Montreal (MoCA). Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa sob o número 681.940.
Em uma abordagem inicial, os pacientes atendidos no ambulatório de Neurologia do Hospital Geral de Barbacena - Dr. José Américo foram convidados a participar do estudo, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Após consulta com o neurologista desse ambulatório (pesquisador responsável), o diagnóstico da migrânea foi firmado utilizando-se os critérios de referência da Classificação Internacional das Cefaleias (ICHD III).2 Também foram convidados a participar da pesquisa pacientes que estavam agendados para consulta de clínica médica nesse ambulatório e que não eram portadores de cefaleia. Posteriormente, os pacientes foram submetidos ao teste de avaliação cognitiva Montreal (MoCA), que foi desenvolvido como um instrumento breve de rastreio para deficiência cognitiva leve, acessando os seguintes domínios cognitivos: atenção e concentração, funções executivas, memória, linguagem, habilidades visoconstrutivas, conceituação, cálculo e orientação.
O MoCA constitui-se de um protocolo de apenas uma página com um manual de instruções de aplicação. A pontuação total é de 30 pontos; sendo a pontuação de 26 ou mais considerados sem deficiência cognitiva.5,6
O estudo foi realizado com 140 voluntários, com idade entre 18 e 65 anos, sendo alocados da seguinte forma:
■ grupo I: 74 pacientes que, após consulta clínica com o neurologista responsável pela pesquisa, tiveram firmado o diagnóstico de migrânea;
■ grupo II: 66 voluntários que, após consulta clínica, afirmaram que não têm migrânea e foram recrutados nos ambulatórios de clínica médica.
Foram excluídos da pesquisa pacientes com qualquer obstáculo que os impedisse de entender os testes que foram aplicados por meio do MoCA e pacientes que apresentavam cefaleia no momento da aplicação do exame.
A análise estatística foi realizada em computador pessoal, com recurso de processamento estatístico do software Stata 9.2. As variáveis se constituíram das informações registradas nos prontuários dos participantes. Foram construídas tabelas de distribuições de frequências e calculadas medidas de tendência central e de dispersão para cada variável. A existência de relação entre as variáveis estudadas foi medida por teste do qui-quadrado, exato de Fisher e teste U de Mann-Whitney. O nível de significância adotado na análise foi de 5,0%.
RESULTADOS
Foram avaliadas as características sociodemográficas de 140 indivíduos que responderam ao teste MoCA. Destes, 52,86% apresentaram o diagnóstico de enxaqueca (n=74) e 47,14% não tinham enxaqueca (n=66). A amostra caracterizou-se por 78,57% de mulheres (n=110) e 21,43% de homens (n=30). A idade mínima dos entrevistados foi de 18 anos e máxima de 64 anos. A maioria tinha idade entre 18 e 39 anos, correspondendo a 57,86% (n=81) da amostra. De acordo com a escolaridade, a maioria dos indivíduos teve níveis escolares entre o ensino fundamental incompleto e o ensino médio completo (61,43%; n=86), sendo que o ensino médio completo foi o que prevaleceu, abrangendo 27,86% dos entrevistados.
Na Tabela 1 são apresentados os resultados obtidos no teste MoCA (insuficiente e suficiente) de acordo com diferentes variáveis. Na faixa etária entre 18 e 39 anos, a maioria teve resultado abaixo do ponto de corte no MoCA (54,32%; n=44) e 45,68% (n=37) ficaram acima do ponto de corte. Já na faixa etária entre 40 e 65 anos, o resultado foi mais insatisfatório, os insuficientes no teste corresponderam a 79,66% (n=47) e os suficientes a 20,34% (n=12). A maioria dos indivíduos obteve nota abaixo da pontuação mínima (65%; n=91). No sexo feminino, 66,36% (n=73) tiveram nota insuficiente e 33,64% (n=37) nota suficiente, enquanto no sexo masculino os insuficientes corresponderam a 60% (n=18) e os suficientes a 40% (n=12). Os participantes que tinham nível de escolaridade mais baixo (até ensino médio completo) tiveram significativa porcentagem de resultados abaixo do limite de corte (84,88%; n=73), com 15,12% (n=13) acima do limite. Já os pacientes que tinham pelo menos o ensino superior incompleto exibiram melhor desempenho no MoCA em relação aos de escolaridade mais baixa, com 66,67% (n=36) resultados satisfatórios e 33,33% (n=18) resultados insatisfatórios. A maior parte dos enxaquecosos foi insuficiente no teste (74,32%; n=55) e somente 25,68% tiveram resultado suficiente (n=19). Nos participantes sem enxaqueca, a maioria também ficou abaixo da pontuação mínima, mas em menor porcentagem, com 54,55% (n=36) insuficientes e 45,45% (n=30) suficientes.
DISCUSSÃO
Observou-se que os indivíduos com idade entre 18 e 39 anos obtiveram desempenho superior no MoCA (45,68% com escore suficiente) em relação aos indivíduos com idade entre 40 e 65 anos, nos quais apenas 20,34% obtiveram pontuação suficiente no teste (p =0,002). Em estudo realizado em 2011, a idade e os níveis de escolaridade foram as variáveis sociodemográficas que mais significativamente contribuíram para a predição da pontuação no MoCA, sendo que o progredir da idade diminuiu a pontuação no teste.7 É importante ressaltar que a maioria dos indivíduos com idade entre 40-65 anos possui enxaqueca (62,71%, p=0,046), o que pode influenciar o achado do presente estudo de que indivíduos com enxaqueca têm pior desempenho no MoCA.
A escolaridade teve influência significativa nos resultados encontrados. O MoCA estabelece a compensação de adicionar um ponto no escore total para participantes com 12 anos de escolaridade ou menos. Entretanto, melhor escolaridade correspondeu a maior pontuação total no MoCA. Neste estudo, ao distribuir os pacientes em dois grupos (até o ensino médio completo e a partir do ensino superior incompleto), constatou-se que o desempenho dos indivíduos com mais escolaridade foi superior, com 66,67% de resultados satisfatórios. Resultados semelhantes também foram encontrados na literatura em estudos que tinham o objetivo de validar o MoCA para avaliação cognitiva em determinado país.7-10
Outros autores demonstraram evidências crescentes de que há alteração de memória visual, memória verbal e função executiva em pacientes com migrânea.2,3 No presente estudo, o resultado encontrado ratificou a hipótese de que pode haver associação entre migrânea e declínio cognitivo. Nos pacientes enxaquecosos, 74,32% foram insuficientes, o que demonstra pior desempenho dos migranosos em relação aos não migranosos. Entretanto, a maioria dos pacientes com enxaqueca (85,14%) pertencia ao grupo com menos escolaridade. Esse fator pode ter influenciado no resultado, uma vez que a escolaridade foi significativa no desempenho do teste.
Quanto ao sexo, notou-se que a maioria das mulheres (66,36%) manifestou resultado insuficiente em relação ao MoCA, assim como no sexo masculino (60%). Ou seja, não foi observada diferença significativa em relação ao teste cognitivo entre os sexos. Apesar da influência do sexo em testes de screening cognitivo ser muito controversa na literatura,7 outros estudos também demonstraram que o sexo não revelou efeito significativo nos resultados do MoCA.7,9,10
A fim de minimizar essas influências, o estudo poderia ter sido aplicado em uma população mais homogênea, com escolaridade e faixa etária semelhantes. Entretanto, este estudo poderá servir de base para o aprimoramento de estudos futuros. Além disso, os resultados encontrados poderao auxiliar na definição de dados normativos para o MoCA.
CONCLUSÃO
Concluiu-se que o teste MoCA sofreu interferência de alguns fatores, principalmente da idade e da escolaridade dos participantes. Essas condições influenciaram negativamente o objetivo do estudo, que era verificar se existe déficit cognitivo em pacientes migranosos. Assim, não se pode afirmar que a relação positiva entre déficit cognitivo e enxaqueca observada pelo estudo seja devida, exclusivamente, à migrânea.
REFERENCIAS
1. Fortes RCS. O impacto da tontura na qualidade de vida de indivíduos com migrânea. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(4):520-5.
2. Silva MAC, Teixeira AL. Neuropsicologia das cefaleias. Migrâneas cefaléias. 2008; 11(2):114-7.
3. Kaup AO, Bertolucci PHF. Alterações cognitivas na enxaqueca. Einstein. 2004; 2(1): 76-9.
4. Cutrer FM, Huerter K. Migraine aura. Neurologist. 2007;13(3):118-25.
5. Freitas S, Simoes MR, Martins C, Vilar M, Santana I. Estudos de adaptação do Montreal Coginitive Assessment (MoCA) para a população Portuguesa. Aval Psicol. 2010; 9(3):345-57.
6. Apóstolo JLA. Instrumentos para avaliação em geriatria. 2014. [citado em 2014 abr. 22]. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/111596286/31/Avaliacao-Cognitiva-Montreal-MoCA.
7. Freitas S, Simoes MR, Alves L. Santana I. Montreal Cognitive Assessment (MoCA): normative study for the Portuguese population. J Clin Exp Neuropsychol. 2011; 33(9): 989-96.
8. Freitas S, Simoes MR, Alves L, Santana I. Montreal CognitiveAssessment (MoCA): pontos de corte no déficit cognitivo ligeiro, Doença de Alzheimer, Demência Frontotemporal e Demência Vascular. Sinapse. 2014;1(14):18-30.
9. Conti S, Bonazzi S, Laiacona M, Masina M, Coralli MV. Montreal Cognitive Assessment (MoCA): Italian version regresssion based norms and equivalent scores. Neurol Sci. 2015;36(2):209-14.
10. Duro D, Simoes MR, Ponciano E, Santana I. Validation studies of Portuguese experimental version of the Montreal Cognitive Assessment (MoCA): confirmatory fator analysis. J Neurol. 2010;257(5):728-34.
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