ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
A terapia renal substitutiva: relação entre perfil clínico-laboratorial, tempo de hemodiálise e sobrevida de idosos com doença renal crônica
The renal replacement therapy: ratio between clinical and laboratory outline, hemodialysis time and survival in elderly with chronical kidney disease
Alexandre Maurício Castro Bragato1; Felipe Silvério Guimaraes Xavier1; Leandro Burato Cipriano1; Leonardo Ferreira Alves1; Lucas Araújo Josino1, André Luiz Pimentel2
1. Acadêmico do Curso de Medicina. Fundaçao José Bonifácio Lafayette de Andrada - FUNJOBE. Faculdade de Medicina de Barbacena - FAME. Barbacena, MG - Brasil
2. Professor. FUNJOBE/FAME. Barbacena, MG - Brasil
Leandro Burato Cipriano
E-mail: l.burato@hotmail.com
Instituiçao: Faculdade de Medicina de Barbacena - FUNJOBE Barbacena, MG - Brasil
Resumo
OBJETIVO: investigar o perfil epidemiológico e clínico-laboratorial de idosos com doença renal crônica (DRC) em hemodiálise relacionando ao tempo de tratamento e à sobrevida.
CASUISTICA E MÉTODOS: os dados foram obtidos dos prontuários eletrônicos, formulando: perfil geral dos pacientes, comparação menos de um ano de diálise X mais de um ano, perfil do resultado do último exame dos óbitos e gráfico de sobrevida.
RESULTADOS: a maioria é do sexo feminino e é analfabeta. A nefropatia diabética foi a principal etiologia relacionada à DRC. Das causas de óbito, causas infecciosas foram as mais prevalentes. Na comparação entre os pacientes com mais de um ano de tratamento e menos de um ano de tratamento, os parâmetros que apresentaram importância foram a transaminase glutâmico pirúvica, leucócitos totais e colesterol total; já para os pacientes com mais de um ano de tratamento, potássio, ferritina, fósforo e cálcio mostraram significância. Os 44 óbitos se mostraram hipoalbuminêmicos, diabéticos e anêmicos. A taxa de sobrevida foi de 12,56% em seis anos.
CONCLUSÃO: mostrou-se que os pacientes foram, em sua maioria, do sexo feminino e analfabetos, além de confirmar a nefropatia diabética como maior causa para a doença em questao. A taxa de sobrevida foi considerada baixa e decrescente com o tempo.
Palavras-chave: Perfil de Saúde; Diálise Renal; Sobrevida; Idoso; Insuficiência Renal Crônica.
INTRODUÇÃO
A população do Brasil vem sofrendo profundas mudanças em sua pirâmide etária. Hoje existem cerca de 15 milhoes de idosos e há estimativa para 2050 de 64 milhoes, aproximadamente 30% da população brasileira total.1 Em países em desenvolvimento como o Brasil, idosos se restringem aos indivíduos acima de 60 anos.2
Por todo o mundo a doença renal crônica (DRC) tem se tornado, cada vez mais, um problema de saúde pública. Há crescente necessidade de melhoria nas condições de tratamento desses pacientes, visto que o prognóstico da doença é desfavorável e os custos do tratamento ainda são elevados. Atualmente, sabe-se que existem grupos de riscos que desenvolvem a DRC e neles se podem incluir pacientes hipertensos, diabéticos, com história familiar positiva para DRC e, sobretudo, a população idosa.3
Como é uma das doenças mais prevalentes nos idosos, torna-se importante o diagnóstico da DRC em sua fase inicial, quando, na maioria das vezes, ela é ainda assintomática e a terapia iniciada nessa fase apresenta melhores resultados.4 Fica evidente que outros fatores de risco, como os já citados, devem ser tratados adequadamente para diminuição da progressão da doença renal, já que a DRC em seu quinto e último estágio se caracteriza pela fase terminal e com necessidade de terapia renal substitutiva (TRS).4
O presente estudo tem como objetivo investigar o perfil epidemiológico clínico e laboratorial dos pacientes idosos em hemodiálise (HD) em uma clínica de uma cidade de médio porte, de modo a relacioná-los ao tempo de hemodiálise e à sobrevida.
CASUISTICA E MÉTODOS
Trata-se de estudo de corte transversal que pretendia investigar dados epidemiológicos, sobrevida e os dados clínicos e laboratoriais dos pacientes idosos em hemodiálise em uma clínica de hemodiálise de uma cidade de médio porte, sendo este o único centro de diálise da regiao. O referido centro, no período de 2007 a 2012, atendeu aproximadamente 192 pacientes com o sistema de hemodiálise, com dados colhidos até dezembro de 2014. Destes 192 pacientes, 54 com 60 anos ou mais fazem parte da amostra deste estudo, sendo o total de idosos. Foram considerados apenas pacientes em regime de TRS ativos ou que evoluíram para óbito, sendo excluídos os idosos que tiveram alta, os transferidos para outras unidades de hemodiálise e os pacientes transferidos de onde a TRS foi suspensa - estes pacientes foram acompanhados ambulatoriamente.
Os seguintes dados foram obtidos dos prontuários eletrônicos por meio do software G hemodiálise. Em suas características principais, esse software demonstra a data de nascimento dos pacientes, sexo, grau de instrução, cidade de origem, profissão, estado civil, data de admissão, situação (ativo ou não), etiologia, número de meses de tratamento, data do óbito ou motivo da alta e o CID da causa da morte. Já os dados de exames laboratoriais foram: transaminase glutâmico pirúvica (TGP), glicose, ureia pré-diálise, ureia pós-diálise, hemácias, potássio, índice de saturação de transferrina (IST), leucócitos totais, fosfatase alcalina, ferritina sérica, ferro sérico, paratormônio (PTH), creatinina, colesterol total, HDL, triglicérides, alumínio sérico, globulina, albumina, fósforo, cálcio e proteínas totais.
Após a coleta, os dados foram estratificados para formulação de um parâmetro geral dos pacientes, a comparação entre aqueles que completaram mais de um ano de hemodiálise com os que não completaram, o perfil do resultado do último exame realizado por esses pacientes e o tempo de tratamento, gerando uma curva de sobrevida Kaplan-Meier para essa população. Esses dados foram coletados e transcritos para planilha eletrônica e processados em software estatístico STATA v.9.2. Foram produzidas tabelas de frequência absoluta e relativa e determinadas a média, a mediana e o desvio-padrao das variáveis pertinentes. A existência de relação entre as variáveis foi determinada por teste de qui-quadrado e exato de Fisher e em variáveis quantitativas foram utilizados a análise de variância, Kruskal-Wallis, teste T e Mann-Whitney, conforme indicação. A significância adotada foi de 0,05.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com o número de aprovação 116774/2014.
RESULTADOS
Apresentaram-se como resultados de mais significância para o estudo: idade média de 71,42 anos e desvio-padrao de 7,59; dos 54 idosos, 34 eram mulheres (62,96%) e 20 eram homens (37,04%); do total, 68,52% eram analfabetos, 29,63% tinham ensino fundamental completo e 1,85% tinham ensino superior completo. Além disso, 40 pacientes (74,07%) eram diabéticos e 14 (25,93%) não possuíam tal comorbidade.
Como etiologia para DRC, 36 pacientes apresentaram nefropatia diabética (66,69%) e nove tinham nefroesclerose hipertensiva (16,66%). Outras causas, como pielonefrite, doença renal policística do adulto e necrose tubular aguda, somaram 16,65%.
Desses pacientes, 44 (81,41%) foram a óbito e 10 (18,52%) ainda estavam ativos em hemodiálise até dezembro de 2014. As causas de óbito foram por doenças infecciosas (34,10%), doenças cardiovasculares (27,27%) e outras somadas (38,63%)
Na comparação entre os pacientes com menos de um ano de tratamento e os com mais de um ano de tratamento, as variáveis laboratoriais de mais relevância estao apresentadas nas Tabelas 1 e 2, levando em consideração o valor de p<0,05.
A Tabela 3 traça o perfil laboratorial da última coleta dos exames mais relevantes dos 44 idosos que foram a óbito no período do estudo.
O gráfico de sobrevida Kaplan-Meier (Figura 1) e a Tabela 4 avaliam a sobrevida por tempo de tratamento em meses:
DISCUSSÃO
Buscando avaliar a sobrevida de pacientes idosos em hemodiálise na Unidade de Diálise Pró-Renal de Barbacena-MG do ano de 2007 a 2014, foram coletados dados epidemiológicos de todos os 54 pacientes acima de 60 anos de idade e comparados com os dados dos Censos da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) realizados nos anos de 2013 e 2014.5 Segundo esse estudo, das 715 unidades de diálise no Brasil, existem 112.004 pacientes em TRS e, desses, de acordo com a distribuição percentual conforme faixa etária, encontra-se prevalência da população entre 19 e 64 anos.6
O número elevado de analfabetos encontrados entre os idosos, dos quais 68,52% não sabiam ler nem escrever, está de acordo com os dados do censo do IBGE de 2010,7 cujos 70,2% da população entre 60 e 69 anos e 80,1% da população com 70 anos ou mais não apresentavam alguma instrução ou tinham ensino fundamental incompleto. Já comparando os dados do Censo 2103, a respeito da porcentagem de idosos com Ensino Fundamental Completo e Ensino Superior Completo, encontram-se os valores de 9,6 e 8,5% para a população entre 60 e 69 anos e 7,2 e 4,9% para os idosos acima de 70 anos, respectivamente. No trabalho realizado, os valores são de 29,63% para idosos com ensino fundamental completo e 1,85% para os com ensino superior completo.
Em relação às principais etiologias da doença renal, os dados presentes no Censo de 2013 da SBN mostram que a mais prevalente é a nefroesclerose hipertensiva (35%), seguida de nefropatia diabética (30%) e outros (25%). No estudo, a principal prevalência foi de nefropatia diabética, com 66,69%; nefroesclerose hipertensiva, com 16,66%; e outras causas, que somam 16,65%. Tal fato se explicou, pois, dos 54 idosos do estudo, 74,07% eram diabéticos antes do início da HD.
Os pacientes foram entao divididos em dois grupos com o objetivo de procurar diferenças significantes nos exames laboratoriais entre tempo de tratamento dialítico de menos de um ano e mais de um ano. Para os que se encaixaram no grupo com menos de um ano, os seguintes parâmetros se mostraram importantes: TGP, leucócitos totais e colesterol total; já para os pacientes com mais de um ano de tratamento, potássio, ferritina, fósforo e o cálcio séricos mostraram significância. Em relação à TGP, considera-se valor abaixo de 17 U/L o normal para doentes renais crônicos em estágio cinco. Entao, os pacientes com menos de um ano de tratamento se mostraram piores nesse parâmetro, com 68 U/L para a mediana. Já ao analisar os leucócitos totais, 25% dos pacientes apresentaram leucocitose de até 18.600 cél/uL, o que evidencia processo infeccioso e explica a maior causa de mortalidade entre o total de pacientes: doenças infecciosas com 34,10%.8 O mesmo se aplica à mediana de colesterol total, com 25% dos pacientes com valores acima de 243 mg/dL, considerado fator de risco para doenças cardiovasculares, sendo uma delas a segunda maior causa de óbitos neste estudo.
Já ao analisar a mediana para cálcio sérico no grupo com mais de um ano de hemodiálise, percebe-se que os pacientes apresentaram hipocalcemia, podendo-se compreender que doentes em estágio final de DRC precisam manter a calcemia entre 8,4 e 9,5 mg/d.9 Isso somado ao resultado da mediana de 7,1 mg/dL para a fosfatemia, acima do preconizado pelo mesmo estudo entre 3,5 e 4,5 mg/dL, evidencia o desenrolar da osteodistrofia renal ou doença mineral óssea (DMO).10
Além disso, esse grupo também tinha mediana para ferritina de 605 ng/mL. Salienta-se que o valor acima de 500 ug/mL é considerado fator de risco para aumento da mortalidade em idosos com DRC por processos inflamatórios.11 Por último, esses pacientes também exibiram mediana para potássio sérico de 6,5 mEq/L, que é considerada hipercalemia e, portanto, fator de risco para arritmias cardíacas.12
Foi analisado também o perfil do último resultado dos exames laboratoriais, com a albumina tendo mais significância. Observa-se que valor abaixo de 4,0 g/dL é marcador de aumento da mortalidade; 75% dos idosos do presente estudo ficaram abaixo do indicado, sendo a mediana de 3,65 g/dL.13 Além disso, em 95% dos pacientes as hemácias estavam abaixo dos valores de referência e ferritina com mediana de 255,45 ng/mL,14 fato que sugere processos inflamatórios, comuns em pacientes com IRC.15
Por fim, a taxa de sobrevida foi considerada baixa e decrescente com o passar do tempo de hemodiálise, com 51,85% em um ano e ao final de seis anos de tratamento em 12,56% no gráfico de sobrevida Kaplan Meier. Ao se comparar com o estudo de Teixeira et al.16 apurou-se que a sobrevida em cinco anos de idosos em hemodiálise foi de aproximadamente 40%.
CONCLUSÃO
Este estudo mostrou que os pacientes idosos com DRC eram, na maioria, mulheres e analfabetos, além de confirmar a nefropatia diabética como maior causa para a doença em questao. Observou-se também que entre os pacientes com menos de um ano de hemodiálise, TGP, leucócitos totais e colesterol total foram os piores parâmetros. E os idosos com mais de um ano de tratamento tinham hiperpotassemia, ferritina elevada, hiperfosfatemia e hipocalcemia. Quanto ao perfil da última coleta dos exames laboratoriais, os pacientes que foram a óbito eram hipoalbuminêmicos como principal característica. A taxa de sobrevida foi considerada baixa e decrescente com o passar do tempo de hemodiálise, sendo ao final de seis anos de tratamento de 12,56%.
REFERENCIAS
1. Organização Mundial de Saúde. Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde. Genebra: OMS; 2015.
2. Inagaki RK, Yamaguchi MH, Kassada D, Matsuda LM, Marcon SS. A vivência de uma idosa cuidadora de um idoso doente crônico. Ciênc Cuid Saúde. 2008; 7(Supl 2): 1-4.
3. Bastos MG, Bregman R, Kirsztajn GM. Doença renal crônica: frequente e grave, mas também prevenível e tratável. Rev Assoc Med Bras. 2010; 56(2): 248-53.
4. Romão Júnior JE. Doença renal crônica: definição, epidemiologia e classificação. J Bras Nefrol. 2004; 26(3):1-3 .
5. Sociedade Brasileira de Nefrologia. Censo Brasileiro de Diálise. São Paulo: SBN; 2013.
6. Luconi P. Desafios da TRS no Brasil ou doença renal crônica: é melhor prevenir. Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante. Audiência Pública na CDH. Brasília; 2015.
7. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico. Brasília: IBGE; 2010.
8. Sanghani NS, Soundararajan R, Golper TA. Serumenzymes in patientswith renal failure. UpToDate. 2013. [Citado em 2016 mar. 15]. Disponível em: http://www.uptodate.com/contents/serum-enzymes-in-patients-with-renal-failure#H263399866
9. Quarles LD, Berkorben M. Management of secondary hyperparathyroidism and mineral metabolism abnormalities in adult predialysis patients with chronic kidney disease. UpToDate. 2014. [Citado em 2016 mar. 15]. Disponível em: http://www.uptodate.com/contents/management-of-secondary-hyperparathyroidism-and-mineral-metabolism-abnormalities-in-adult-predialysis-patients-with-chronic-kidney-disease
10. Quinibi WY, Henrich WL. Overview of chronic kidney disease-mineral bone disease (CKD-MBD). UpToDate. 2014. [Citado em 2016 mar. 15]. Disponível em: http://www.uptodate.com/contents/overview-of-chronic-kidney-disease-mineral-bone-disease-ckd-mbd
11. Edalat NM, Zameni F, Qlich KM, Salehi F. Geriatric nutritional risk index: a mortality predictor in hemodialysis patients. Saudi J Kidney Dis Transpl. 2015; 26(2): 302-8.
12. Holley JL. Acute complications during hemodialysis. UpToDate. 2015. [Citado em 2016 mar. 15]. Disponível em: http://www.uptodate.com/contents/acute-complications-during-hemodialysis
13. Mailloux LU, Henrichn WL. Patient survival and maintenace dialysis. UpToDate. 2015. [Citado em 2016 mar. 15]. Disponível em: http://www.uptodate.com/contents/patient-survival-and-maintenance-dialysis
14. Berns JS. Erythropoietin for treatment of the anemia of chronic kidney disease in hemodialysis patients. UpTo Date. 2014. [Citado em 2016 mar. 15]. Disponível em: http://www.uptodate.com/contents/erythropoietin-for-treatment-of-the-anemia-of-chronic-kidney-disease-in-hemodialysis-patients
15. Moraes DN, Saatkamp CJ, Almeida ML, Barrinha AF, Navarro RS. Dosagem de ferro sérico, ferritina e transferrina dos pacientes submetidos a hemodiálise no município de Santarém, Pará. EPGINIC 2014. Fernandópolis - SP: Universidade Camilo Castelo Branco; 2014.
16. Teixeira FIR, Lopes MLH, Silva GAS, Santos RF. Sobrevida de pacientes em hemodiálise em um hospital universitário. J Bras Nefrol. 2015; 37(1): 64-71.
Copyright 2023 Revista Médica de Minas Gerais
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License