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CAPES/Qualis: B2
Trombose traumática do seio transverso como causa rara de hipertensão intracraniana: relato de caso
Traumatic thrombosis of the transverse sinus as a rare cause of intracranial hypertension - a case report
Nathan Assis Jordao Pinto1; Joyce Dai Landi Paulino1; Joao Victor Scarpelli de Lima Alvarenga1; Isabelle Carvalho Oliveira1; Rodrigo Moreira Faleiro2
1. Acadêmico(a) do Curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Médico. Coordenador do Serviço de Neurocirurgia do Hospital Joao XXIII. Belo Horizonte, MG - Brasil
Nathan Assis Jordao Pinto
E-mail: nathanjordao1@gmail.com
Instituiçao: Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
O caso apresentado é uma paciente, vítima de atropelamento, a qual apresentou hipertensão intracraniana causada por uma trombose do seio transverso. É sabido que a trombose venosa cerebral, ou seja, a trombose de veias e seios venosos cerebrais é uma condição rara, geralmente subdiagnosticada. Uma de suas consequências é o aumento da pressão intracraniana (PIC), devido a uma deficiência de drenagem venosa cerebral e aumento do compartimento vascular. Após a administração de heparina de baixo peso molecular houve controle da hipertensão intracraniana.
Palavras-chave: Trombose Intracraniana; Traumatismos Craniocerebrais; Pressão Intracraniana; Neurocirurgia.
INTRODUÇÃO
O traumatismo cranioencefálico (TCE) representa um notável problema de saúde pública nas sociedades modernas, tanto pela frequência como pelas sequelas que dele decorrem. Em casos de TCE grave, a monitoração da pressão intracraniana é indicada pela maioria das guias de condutas.1,2 Por meio dessa aferição, pode se obter informações prognósticas e melhorar o desfecho em pacientes neurocríticos.3,4 Todavia, é necessário o conhecimento dos compartimentos intracranianos para que se possa realizar uma análise correta dos valores obtidos. No caso relatado, o aumento da pressão intracraniana foi determinante para diagnosticar a trombose do seio transverso dominante. A trombose venosa cerebral (TVC) é uma condição com potencial risco de vida e que exige um alto índice de suspeita. As etiologias da TVC pediátrica são multifocais e incluem: infecção subjacente, coagulopatias e trauma.5 Entre as causas supracitadas, a TVC induzida por trauma é relativamente incomum.
RELATO DO CASO
B.S.A., gênero feminino, 1 ano e 6 meses de idade, vítima de atropelamento enquanto estava no colo da mae, foi estabilizada hemodinamicamente e entubada ainda no local do acidente, pois apresentava 8 pontos na Escala de Coma de Glasgow. A primeira tomografia computadorizada (TC) de crânio foi categorizada como II na classificação de Marshall uma vez que ela demonstrou ausência de desvio da linha média, contusão cerebelar e cisternas quadrigeminal e basal patentes. Na admissão do UTI, paciente foi classificado com 6 na escala de Ramsay e os reflexos pupilar e corneano estavam preservados. No manejo da vítima foi indicado a introdução de cateter no parênquima cerebral para monitoração da PIC. O primeiro registro da PIC foi de 25-30 mmHg. Posteriormente, a PIC aumentou para 45 mmHg, indicando piora no estado geral. Uma nova tomografia não evidenciou nenhuma nova lesão importante e que justificasse o agravamento do quadro. Na suspeita de uma predominância do seio transverso direito, próximo ao local da fratura do osso occipital, foi realizada angiotomografia, que revelou trombose de seio transverso. Medicado heparina de baixo peso molecular, reduzindo a PIC para valores entre 20-24 mmHg no primeiro dia de tratamento e para <20 mmHg após o segundo. Paciente evoluiu bem, recebendo alta e movimentando os quatro membros, sem quaisquer déficits motores.
DISCUSSÃO
A incidência de TVC é de 0,67 a cada 100.000 crianças por ano, sendo que os neonatos são responsáveis por 43% dos casos relatados.6 Em crianças, a TVC afeta mais comumente um único seio dural, enquanto que os seios sagital superficial e transverso representam 47,5% e 12% dos casos, respectivamente; No mesmo estudo, em 30% dos casos houve o acometimento de mais de dois seios.7 Existem inúmeros fatores de risco associados à TVC pediátrica, sendo a infecção subjacente o fator mais comum. No entanto, desidratação, coagulopatias e doenças malignas também são condições predisponentes comuns.6-,8 Entre estes fatores, sabe-se que o traumatismo craniano representa um subconjunto menos expressivo e que crianças mais velhas são mais propensas a apresentar TVC pós-traumático.9 Embora TVC pós-traumático possa ocorrer na ausência de uma fratura de crânio, a maioria dos casos envolve uma fratura óssea ao longo do seio dural adjacente.9,10
É importante considerar a idade do paciente ao se utilizar exames de imagem em casos suspeitos de TVC pediátrica. Embora a TC seja comumente usada para avaliar possíveis hemorragias e fraturas, no contexto do traumatismo craniano, principalmente quando se suspeita de trombose, é essencial que sejam feitos outros exames para maior esclarecimento do caso. A TC possui apenas 84% de precisão no diagnóstico de TVC em crianças.6 Por esta razao, a angiotomografia é uma ferramenta importante para confirmar ou descartar TVC quando há a suspeita, assim como foi realizado no caso descrito.
Embora não existam estudos controlados avaliando especificamente o uso da terapia com anticoagulantes no tratamento de TVC pediátrica, há trabalhos que demonstram o seu benefício quando comparado ao tratamento conservador. Um coorte com 22 pacientes pediátricos com TVC relatou o uso de vários regimes anticoagulantes (heparina, heparina de baixo peso molecular e varfarina), os quais não causaram nenhuma morte ou hemorragia intracraniana clinicamente significativa.6 Outro importante estudo prospectivo de maior magnitude demonstrou que a terapia conservadora isolada foi associada à propagação dos trombos venosos quando comparado à terapia alternada.11 Assim, nota-se que o tratamento com anticoagulantes é uma terapia médica imediata e que pode ajudar a reduzir a mortalidade e morbidade, juntamente com o tratamento conservador. Além disso, a simplicidade da gestao desses medicamentos pode acelerar a recuperação e, dessa forma, reduzir o tempo de hospitalização.
No caso relatado, o aumento da PIC demonstrou a necessidade de uma nova intervenção haja vista que a tomografia não evidenciou lesões significativas e que explicassem a piora no quadro. A suspeita de trombose venosa, confirmada pela angiotomografia, norteou o tratamento subsequente com heparina, mesmo se tratando de um caso de TCE, com risco de novos sangramentos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O caso relatado e publicações levantadas trazem à luz a discussão da TVC como sendo uma importante causa de hipertensão intracraniana. Geralmente subdiagnosticada, a TVC, principalmente a pós-traumática, configura uma rara patologia que deve ser suspeitada com determinada padroes de fratura craniana.12-15 Além disso, o tratamento com anticoagulantes tem se mostrado benéfico tendo em vista a redução na mortalidade e morbidade a partir de seu uso. Entretanto, novos ensaios clínicos randomizados são necessários para avaliar completamente a eficácia dessa terapia nesta população específica de paciente.
REFERENCIAS
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