RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 26. (Suppl.5)

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Artigo Original

Avaliação de tecnologias em saúde na Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais - FHEMIG

Technology assessment in health in Fundaçao Hospitalar do Estado de Minas Gerais - FHEMIG

Guilherme Freire Garcia1; Márcio Augusto Gonçalves2; Bruno Pérez Ferreira3; Daniela Neto Ferreira Melki4; Márcia Mascarenhas Alemao5; Yasmine Fernanda Ferreira Cunha6; Liliane Cristina Braga7

1. Médico Pneumologista. Coordenador da Comissao de Protocolos Clínicos. Fundaçao Hospitalar do Estado de Minas Gerais - FHEMIG, Diretoria Assistencial - DIRASS. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Administrador, PhD Administraçao. Professor Associado. Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Faculdade de Ciências Econômicas - FACE, Centro de Pós-Graduaçao e Pesquisas em Administraçao - CEPEAD. Pesquisador do Núcleo Observatório de Custos e Economia da Saúde - NOCES. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Administrador, PhD Administraçao. Professor Adjunto. UFMG/FACE/CEPEAD. Pesquisador do NOCES. Belo Horizonte, MG - Brasil
4. Enfermeira. FHEMIG/DIRASS, Comissao de Protocolos Clínicos. Pesquisadora do Grupo de Pesquisas Economia da Saúde da FHEMIG. Belo Horizonte, MG - Brasil
5. Administrador. Mestre em Administraçao. FHEMIG, Gerência de Gestao Estratégica - DIEST, Gerente do Observatório de Custos, Pesquisadora do Grupo Pesquisa Economia da Saúde da FHEMIG. Belo Horizonte, MG - Brasil
6. Gestora de Serviços de Saúde. Mestranda UFMG/ FACE/CEPEAD, Pesquisadora do NOCES e do Grupo de Pesquisa Economia da saúde da FHEMIG. Belo Horizonte, MG - Brasil
7. Bacharel em Ciência da Computaçao. Mestranda em Administraçao. UFMG/FACE/CEPEAD, Pesquisadora do NOCES e do Grupo de Pesquisa Economia da Saúde da FHEMIG. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Guilherme Freire Garcia
E-mail: protocolos.clinicos@fhemig.mg.gov.br

Instituiçao: Fundaçao Hospitalar do Estado de Minas Gerais - FHEMIG, Administraçao Central Belo Horizonte, MG - Brasil

Resumo

INTRODUÇÃO: A Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) é apresentada como uma área multidisciplinar de estudos que tem como objetivo evidenciar impactos sociais, éticos e legais associados à tecnologia em saúde. Neste contexto, o objetivo desta pesquisa é fornecer informações alinhadas à proposta do Programa Nacional de Gestao de Tecnologias, compreendendo a avaliação de tecnologias na Fundação Hospitalar de Minas Gerais (FHEMIG).
METODOLOGIA: O método de investigação adotado pode ser caracterizado como sendo observacional e monográfico.
RESULTADOS: Os produtos finais deste trabalho são a proposição de diretrizes para a construção do Núcleo de Avaliação de Tecnologias (NATS), com vistas a possibilitar a instituição da Política de Gestao de Tecnologias em Saúde no âmbito da FHEMIG. O NATS tem por finalidade assessorar a FHEMIG, assim como a instituições externas, no processo de avaliação de tecnologias em saúde, incorporação tecnológica, desenvolvimento e monitoramento das diretrizes, protocolos assistenciais e terapêuticos do SUS. Por ser eminentemente um trabalho multidisciplinar, diversos setores integram este propósito, dentre eles, o Observatório de Custos/DIEST, a Comissão Central de Protocolos Clínicos/DIRASS e a Gerência de Ensino e Pesquisa/ DIGEPE.
CONCLUSÃO: Destaca-se a contribuição da FHEMIG como geradora de estudos de gestao de tecnologias em saúde, representando importante fonte de evidências para o SUS. Esta iniciativa inovadora cumpre também com seu papel social e ético, de disponibilizar, à sociedade científica e aos gestores de saúde, fundamentos para adoção de políticas de gestao de tecnologias em saúde.

Palavras-chave: Avaliação da Tecnologia Biomédica; Protocolos Clínicos; Custos Hospitalares; Avaliação em Saúde.

 

INTRODUÇÃO

No Brasil, a sustentabilidade financeira do sistema de saúde é preocupação permanente dos gestores de saúde e dos diversos segmentos da sociedade brasileira dada a sua representação como importante segmento econômico, de representação social única, inserido na interseção dos sistemas de bem-estar social e os de inovação.1 Neste contexto, destaca-se: a representatividade do Estado, por meio do Sistema Unico de Saúde, como o principal comprador de serviços de saúde, e o principal financiador; a representação do aumento dos custos da atenção médica, sendo um terço deste aumento advindo da mudança no perfil epidemiológico em decorrência do envelhecimento da população e todo o resto do crescimento dos custos refere-se à incorporação de tecnologias, custos de transação, políticas e instituições.2 Além disto, destaca-se ser o setor saúde componente importante de um sistema nacional de inovação, dada sua especificidade da atenção médica como atividade econômica3, quer requer uma forte presença do Estado e da sociedade para compensar as forças de geração de assimetrias e de desigualdade associadas à operação de estratégias empresariais e de mercado.4 Neste contexto, fica evidente a importância de uma base de conhecimento de análises da avaliação de tecnologias em saúde geradas a partir de organizações hospitalares públicas.

O conceito de avaliação foi trazido das ciências econômicas e foi utilizado nos programas públicos após a Segunda Guerra Mundial5. Segundo os autores, "avaliar consiste fundamentalmente em fazer um julgamento de valor a respeito de uma intervenção ou sobre qualquer um de seus componentes, com o objetivo de ajudar na tomada de decisões", acrescentando ser avaliação uma fonte de produção de informações úteis e de poder para tomada de decisão. Para Stenzel6, a conceituação de avaliação indica a noção de "juízo de valor" ou "julgamento de mérito" sobre algo, uma ação ou intervenção.

A origem da avaliação em saúde pode ser encontrada na mais antiga tentativa de discriminar diferentes tipos de tratamento para diferentes doenças, seus eventos e medidas para evitá-las.7 Posteriormente, os serviços de saúde pública buscaram organizar as informações epidemiológicas com o objetivo de avaliar e quantificar problemas de saúde como alcoolismo, epidemias, doenças mentais, dentre outros, por meio de busca da racionalização e provisão dos serviços para a população.7 Nesta fase, os métodos de avaliação eram inicialmente descritivos e simplificados.

Na área de saúde, a preocupação com a questao da avaliação de tecnologias em saúde tem aprofundado a necessidade de análise de custos e seus efeitos, apesar desta abordagem ainda não ter tomado à dimensão necessária para fundamentar o uso dos recursos em saúde.

Inicialmente, é necessária a apresentação da conceituação de tecnologia em saúde, conforme definida pelo Ministério da Saúde.8 São "todas as formas de conhecimento que podem ser aplicadas para a solução ou a redução dos problemas de saúde de indivíduos ou populações".9 Alinhadas a este conceito, suas classificações podem ser8: 1) quanto à sua natureza material: medicamentos, equipamentos e suprimentos, procedimentos médicos e cirúrgicos, sistemas gerenciais e organizacionais; 2) quanto ao propósito, as tecnologias podem ser de prevenção, triagem - detectar anormalidade e/ou riscos, diagnóstico, tratamento e reabilitação; 3) quanto ao estágio da difusão, estas podem classificadas como futura, experimental, investigacional, estabelecida e obsoleta /abandonada/ desatualizada.5

A Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) é apresentada como uma área multidisciplinar de estudos que tem como objetivo evidenciar impactos sociais, éticos e legais associados à tecnologia em saúde.8 É necessário avaliar os impactos clínicos, sociais e econômicos das tecnologias em saúde, levando-se em consideração aspectos como eficácia, efetividade, segurança, custos, custo-efetividade, entre outros.10-12 Ampliando o conceito de ATS temos a proposta da Avaliação Econômica em Saúde (AES) que analisa os custos e os efeitos sobre o estado de saúde. A AES visa ampliar a busca de respostas às curiosidades científicas de diversos questionamentos: "quanto custa uma incorporação tecnológica?", "qual o beneficio apresentado por uma tecnologia em detrimento a outra?", "como comparar tecnologias alternativas?", "qual a viabilidade de implantação como política de saúde pública?".13

Estas curiosidades vêm ao encontro da busca por evidências sobre a relação entre o desenvolvimento científico-tecnológico e custos no setor saúde e resposta para o questionamento de ser a inovação tecnológica razao para o crescimento dos gastos do setor. Conforme Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OECD), a principal questao é "se as novas tecnologias são parte do problema, parte da solução, ou as duas coisas".14

Gestao de Tecnologia em Saúde

É necessária a ampliação do entendimento do conceito de incorporação de tecnologias para o conceito de gestao de tecnologias de saúde no SUS. A gestao implica na adoção de atividades gestoras conforme processos de avaliação, incorporação, difusão, gerenciamento da utilização e retirada de tecnologias. Todas estas ações exigem ter como referências as necessidades de saúde, tendo como princípio a Saúde Baseada em Evidências, que busca transferir a evidência científica para a prática clinica; o orçamento público, que define as responsabilidades dos três níveis de governo e do controle social; os princípios basilares do SUS de equidade, universalidade e integralidade, que considera que para distribuição de recursos deve ser evidenciado quem irá se beneficiar, quem deve arcar com os custos envolvidos e quem ficaria sem cobertura para seu problema de saúde.13

Apontam-se assim os custos envolvidos como fundamental instrumento no processo de alocação de recursos, no qual o objetivo é maximizar a saúde da população com equidade. Assim, conforme apresentado pelo MS, a decisão de incorporar uma nova tecnologia deverá considerar a comparação entre a tecnologia objeto de análise e aquelas já incorporadas, no que diz respeito à evidência de benefícios, aos custos para o sistema, à população alvo, às necessidades de infraestrutura na rede de serviços de saúde e os fatores de promoção da equidade.

Os atributos a serem considerados na avaliação de tecnologias em saúde são: eficácia, apresentada pela probabilidade do benefício da tecnologia em condições "ideais" de uso; efetividade, correspondente à probabilidade do benefício em condições "normais" de uso; risco, probabilidade efeito adverso ou indesejado e a gravidade do efeito; segurança, risco aceitável em situação específica; custo (de oportunidade) definido como a melhor alternativa não concretizada e pelo impacto social, ético e legal, demais impactos, incluindo consequências econômicas secundárias. Sob a perspectiva clínico-assistencial e às políticas de saúde, a avaliação das diversas intervenções em saúde terá como diretrizes: a redução de fatores de risco, melhoria no estado de saúde, melhoria de serviços, métodos apropriados para a vigilância continua, aspectos éticos e análise de custo-benefício, que tem como principal limitação ou dificuldade a transformação monetária do benefício clínico.13

A avaliação de tecnologias e os resultados de sua intervenção podem ser avaliados de diversas formas sendo, em muitos casos, uma análise complexa e múltipla. A quantificação de resultados para questoes como "quanto vale, em termos monetários, salvar uma vida? qual é a inclinação/disposição da sociedade a pagar para reduzir a probabilidade de morte?" permitem diversas análises que utilizam como unidade de medidas de resultado das mesmas aquela mais relevante.

Os benefícios de uma intervenção em termos de saúde do ponto de vista econômico são expressos em benefícios diretos, que representam a redução dos gastos relacionados à saúde; benefícios indiretos, que representam os ganhos para a sociedade em termos de produtividade uma vez que mais pessoas estao vivas, se sentindo bem e retornando ao trabalho; e benefícios não quantificáveis, que representam o valor monetário da redução da dor e sofrimento do paciente e da família, causado pela melhora da saúde. Os efeitos a serem avaliados no uso de tecnologia, do ponto de vista da saúde pública, são redução de fatores de risco, melhoria no estado de saúde, melhoria de serviços, adoção de métodos apropriados para a vigilância continua e os aspectos éticos.12,13

Avaliação de Tecnologias em Saúde no Brasil

A Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) é a síntese do conhecimento produzido sobre as implicações da utilização das tecnologias e constitui subsídio técnico importante para a tomada de decisão sobre difusão e incorporação de tecnologias em saúde. Seu objetivo é verificar se uma determinada tecnologia é segura, eficaz e economicamente atrativa em comparação às alternativas. Em relação à implantação da ATS no Brasil pelo SUS, alguns marcos podem ser evidenciados após a promulgação da Saúde na Constituição Federal em 1988, que define a saúde como direito constitucional e assegura o acesso da população a tecnologias efetivas e seguras, em condição de equidade.15

Em 2000, cria-se o Departamento de Ciência e Tecnologia, marco da institucionalização da ATS no SUS. Em 2004, cria-se o Conselho de Ciência, Tecnologia e Inovação do Ministério.

Em 2005, temos a realização do I Seminário Intencional de Gestao de Tecnologia em saúde, com representação de países europeus e americanos, no qual também é formalizada a cooperação interinstitucional entre DECIT e Rede Internacional de Agências de Avaliação de Tecnologia em Saúde (INAHTA). A Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde16, criada em 2008 e formalmente instituída em 2011 com o objetivo de disseminar a ATS nos serviços de saúde, instituições acadêmicas e de subsidiar a tomada de decisão pelos formadores de politica e gestores, constitui marco fundamental no SUS.

Em 2009, a Portaria nº 2.690/200917 institui, no âmbito do Sistema Unico de Saúde (SUS), a Política Nacional de Gestao de Tecnologias em Saúde (PNGTS), que tem como objetivo a elaboração de diretrizes metodológicas para estudos de gestao de tecnologias em saúde, de forma a maximizar os benefícios de saúde com os recursos disponíveis, assegurar o acesso às tecnologias efetivas, eficazes e eficientes. A Política define gestao de tecnologias em saúde como o conjunto de atividades gestoras relacionadas com os processos de avaliação, incorporação, difusão, gerenciamento da utilização e retirada de tecnologias do sistema de saúde. Além disto, atribui à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS a função de incorporação, exclusão ou alteração dessas tecnologias no SUS.

A Política Nacional de Gestao de Tecnologias em Saúde (PNGTS) constitui instrumento norteador nos processos de avaliação, incorporação, difusão, gerenciamento da utilização e retirada de tecnologias no SUS. São objetivos da PNGTS: elaboração de diretrizes metodológicas para estudos de avaliação de tecnologias; garantir tecnologias seguras e eficazes; planejar e assegurar que os recursos financeiros destinados à saúde pública sejam utilizados sem prejuízo da equidade e dos princípios de universalidade e integralidade do SUS.18

A PNGTS define também as Diretrizes Metodológicas para Estudos de Avaliação Econômica de Tecnologias em Saúde que reúne várias recomendações quanto a tópicos fundamentais à boa prática para estudos de avaliação econômica de tecnologias em saúde.12

Em 2011 foi aprovada na 2.ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde a Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde (ANPPS), visou criar estratégias de estruturação e sustentabilidade da avaliação de tecnologias em saúde, na qual se encontram os estudos de avaliação econômica, no âmbito do SUS.19

Neste mesmo ano é publicada a Lei 12.401/201120, que dispoe sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Unico de Saúde - SUS. Esta Lei classifica tecnologias em saúde como medicamentos, equipamentos e procedimentos técnicos, sistemas organizacionais, informacionais, educacionais e de suporte, e programas e protocolos assistenciais por meio dos quais a atenção e os cuidados com a saúde são prestados à população, cujo objetivo é assessorar quanto à incorporação, exclusão ou alteração em tecnologias de saúde.20 Neste mesmo ano, é realizada a 8ª Conferência Internacional de ATS (HTAi).

Em 2012, foi aprovado o regimento interno da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Unico de Saúde (CONITEC). A CONITEC tem por objetivo assessorar o Ministério da Saúde nas atribuições relativas à incorporação, exclusão ou alteração pelo Sistema Unico de Saúde (SUS) de tecnologias em saúde, na constituição ou na alteração de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) e na atualização da Relação Nacional de Medicamentos (RENAME).

Avaliação Econômica em Saúde

A avaliação econômica em saúde é apresentada por Castro7 como uma avaliação comparativa entre diferentes alternativas em relação aos seus custos e resultados, sendo importante fonte de informação para a tomada de decisão. Quando se estuda a análise do impacto econômico da incorporação (ou remoção) de uma nova tecnologia em determinado período, considera-se esta como análise do impacto orçamentário - AIO, considerando-se o conjunto das tecnologias disponíveis para o problema de saúde em análise. São assim integrados os seguintes elementos: o gasto atual com uma dada condição de saúde, a fração de indivíduos elegível para a nova intervenção, os custos diretos da nova intervenção e o grau de inserção da mesma após sua incorporação.22

Neste contexto, e diante da necessidade de aprofundamento da base de conhecimento e possibilidades de análises da gestao de tecnologias em saúde, o objetivo desta pesquisa é a proposição de diretrizes para a construção do Núcleo de Avaliação de Tecnologias (NATS), com vistas a possibilitar a instituição da Política de Gestao de Tecnologias em Saúde no âmbito da FHEMIG.

 

METODOLOGIA

O método de investigação adotado pode ser caracterizado como sendo observacional e monográfico23. O método de investigação observacional é aquele em que o cientista observa os fatos e eventos.23 Por sua vez, trata-se de monográfico na medida em que parte do princípio de que o estudo de um caso em profundidade pode ser representativo para outros semelhantes. O estudo foi realizado na Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG). A representatividade da FHEMIG fundamenta-se por ser uma rede de 21 unidades hospitalares que presta assistência médico-hospitalar à população de todo o Estado, por meio de oferta de serviços especializados e de referência; pela representação do estado de Minas Gerais no cenário nacional em assistência hospitalar.24

Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, baseado em pesquisa de fontes documentais oficiais, para cuja análise recorreu-se à bibliografia especializada do campo de análise de tecnologia em saúde, sobretudo por que diz respeito aos pressupostos teórico-metodológicos.25 A fonte de dados para o estudo, em grande parte, contou com levantamento bibliográfico sobre os princípios fundamentais que sustentam a concepção de avaliação de tecnologias em saúde. O levantamento foi realizado em diplomas legais, como a Política Nacional de Gestao de Tecnologias em Saúde, leis, decretos, portarias, normas, instruções normativas e outros, de origem federal e de âmbito nacional, publicadas no período de 1988 até 2015 e referentes ao tema abordado. Incluíram-se ainda documentos formais e alguns informais, não publicados, na FHEMIG e que demonstram a abordagem do tema atualmente. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Parecer 029/2011 da Gerência de Pesquisa /FHEMIG.

 

RECOMENDAÇÃO METODOLOGICAS PARA AVALIAÇÕES ECONOMICAS DE TECNOLOGIAS EM SAUDE

Para avaliações econômicas, o Ministério da Saúde, alinhado à REBRATS16, apresenta algumas recomendações e diretrizes metodológicas para uso das AES, conforme sintetizado na Figura 1.

 


Figura 1 - Diretrizes metodológicas para avaliação econômica em saúde.
Fonte: adaptado pelos autores.12

 

A AES pode apresentar diferentes abordagens de análise que residem no tipo de consequências consideradas, nas implicações dos diferentes métodos desta avaliação e no alcance da análise. A escolha entre elas dependerá do propósito da avaliação e da disponibilidade de dados e outros recursos. As abordagens também podem ser distintas quanto ao fato de abordarem insumos ou produtos - custos e consequências - das tecnologias ou intervenções em saúde, ou por compararem estratégias tecnológicas, podendo ser duas ou mais alternativas tecnológicas existentes para uma dada condição clínica ou mesmo intervenções diferentes disponíveis para condições de saúde diversas. A adoção de uma abordagem para avaliação de tecnologias em saúde está fundamentada na pergunta que se deseja responder. A busca por resposta a esta pergunta distingue a técnica a ser adotada26. Conforme apresentado na Figura 2, os tipos de análise podem ser do tipo estudos de custo-resultado, que examinam a relação entre custos e consequências ou resultados de uma intervenção e os estudos custo-consequência que são aqueles que calculam custos e consequência de uma intervenção tecnológica, sem contudo, estabelecer uma relação ou a pergunta central do estudo.

 


Figura 2 - Tipos de Análise - pergunta central do estudo que define a técnica.
Fonte: adaptado pelos autores.12

 

Os diversos tipos de avaliação econômica em saúde, mais comumente utilizados, estao apresentados na Tabela 1.

 

 

A ESTRUTURAÇÃO DO NUCLEO DE AVALIAÇÃO DE TECNOLOGIAS (NAT) NA FHEMIG

Os estudos conjuntos de gestao de tecnologias integram ações de diversos setores, definidos ao longo destes últimos anos, destacando: Observatório de Custos/DIEST, a Comissão Central de Protocolos Clínicos/DIRASS, a Comissão de Padronização de Fármacos e a Gerência de Pesquisa/DIGEPE. Os estudos fundamentados em critérios científico-metodológicos privilegiem as evidências científicas como instrumento de redução de riscos assistenciais, gestao de recursos - sejam eles assistenciais, financeiros e intangíveis. Estas ações permitiram à FHEMIG realizar estudos para avaliação de tecnologias em saúde, embora não tenha definida a sua Política de Gestao de Tecnologias em Saúde.

A geração da base de conhecimentos da FHEMIG, em gestao de tecnologias em saúde, embora não formalmente definida como uma política interna, vem se consolidando ao longo da última década. Destacam-se as ações estratégicas, que podem ser definidas como ferramentas de gestao de tecnologias em saúde, incluindo as diretrizes assistenciais adotadas ao longo deste período: a proposta de adoção da medicina baseada em evidências; na criação de base informatizada de conhecimentos de custos hospitalares; padronização de fármacos, incentivo à pesquisa, informatização dos processos internos.

A proposta de adoção da medicina baseada em evidências pode ser identificada pela padronização de processos e a adoção de protocolos clínicos. Estes visam criar rotinas para a execução dos processos, de forma a possibilitar a padronização das atividades, redução do individualismo no cumprimento das atividades executadas e responsabilização pela execução das tarefas, de forma a criar uma base de conhecimento sólida e eficaz.27 Os protocolos clínicos são posicionamentos ou recomendações sistematicamente desenvolvidas para orientar profissionais da saúde e usuários dos serviços acerca de cuidados de saúde apropriados para circunstâncias clínicas específicas.28 A inclusão de protocolos clínicos na gestao hospitalar visa auxiliar os gestores em saúde na tomada de decisões coerentes e racionais quanto à incorporação de tecnologias em saúde9. Atualmente, a FHEMIG conta com a FHEMIG possui 45 protocolos clínicos publicados Caderno de Protocolos Clínicos, em 2014, de acesso público no site da instituição.24 Destaca-se também a padronização dos fármacos para todos os hospitais.

A base informatizada de conhecimentos de custos da FHEMIG nas suas 21 unidades assistenciais, de forma padronizada, sistematizada desde 2009 e metodologicamente válida, possibilita investigação científica de avaliação econômica em saúde, conforme pesquisas já publicadas: estudo sobre custo do tratamento de úlcera por pressão 29; estudo sobre financiamento da saúde, abordando a relação entre valores de custos e Tabela SUS30; custo do processo de transplante de fígado 31; custo do tratamento de osteoporose32; estudo da importância da informação de custos 33. Destacam-se também estudos internos na FHEMIG sobre avaliação econômica em saúde em parceria demais áreas técnicas que possibilitaram estudos de impacto financeiro de adoção de novas tecnologias (incluindo aqui tecnologias de medicamentos, equipamentos ou processos).

O incentivo à pesquisa e, consequentemente, a expansão da base de evidências científicas na FHEMIG pode ser apresentada pela formalização da Gerência de Ensino e Pesquisa e pelo representativo número de núcleos de pesquisa, formalmente estabelecidos. A FHEMIG é a maior instituição de pesquisa de Minas Gerais, excluindo as instituições de ensino.24

Na informatização dos processos internos, destaca-se o desenvolvimento do Sistema Integrado de Gestao Hospitalar (SIGH).34 O SIGH possui como principal objetivo garantir a informatização dos processos de atendimento do paciente, gerando informações consistentes, disponíveis para todos os níveis gerenciais, em tempo real. Trata-se de um sistema totalmente inte

grado, desenvolvido em ambiente web, com módulos independentes, centralizado em base única, que consolida as informações de todas as 21 unidades da Fundação. Os módulos do sistema permitem a integração das informações de prontuário atendimento, enfermagem, bloco cirúrgico, exames, farmácia, hotelaria, custos, gestao, CME, CCIH faturamento e protocolos clínicos. Representa importante ferramenta tecnológica para a ampliação da responsabilização, accontability, gestao da qualidade e do risco do paciente.

A proposta de implementação da Política de Gestao de Tecnologias em Saúde na FHEMIG está alinhada à Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde, do Ministério da Saúde e também às diretrizes da Rede Nacional de Avaliação de Tecnologias em Saúde (REBRATS).16 Para tanto, a proposta da FHEMIG é criar o Núcleo para Avaliação de Tecnologias em Saúde (NATS) vinculado administrativamente à Presidência da FHEMIG. Atualmente, dos 81 membros da REBRATS em todo o Brasil, Minas Gerais conta com 6 Núcleos de Avaliação de Tecnologia em Saúde, todos vinculados às universidades. Neste contexto, destaca-se a relevância da FHEMIG no cenário nacional de instituição geradora de evidências para avaliação de tecnologias, por ser a maior rede hospitalar pública da América Latina.24 Porém, para a sua efetiva implantação, num trabalho integrado e coordenado das ações multidisciplinares, o principal desafio a ser superado é a limitação quanto aos recursos humanos e financeiros. Necessário o incentivo à formação de recursos humanos; ampliação da visão sobre consequências de uma incorporação tecnológica; análise das consequências econômicas e sociais; definição de critérios de prioridade e formulação de políticas; debate em conjunto com a sociedade; cooperação e troca de experiências; incentivo ao desenvolvimento sistemas de informação; integração com o banco de dados do DATASUS.

 

CONCLUSÃO

A gestao de tecnologias em saúde é fundamental no âmbito do SUS. Isto pela representação que as novas tecnologias como fator de impacto no volume de gastos, pela necessidade de definição de diretrizes metodológicas que possibilitem maximizar os benefícios de saúde com os recursos disponíveis, assegurando o acesso às tecnologias efetivas, eficazes e eficientes.

Pode-se concluir que os conceitos e aspectos metodológicos aqui apresentados são técnicas que se apropriam de instrumental de geração de evidências, apoiados em rigor metodológico, alinhando evidências clínicas a instrumentos microeconômicos, como análise de custos e outros indicadores. Porém, deve-se compreender que fundamentam análises macroeconômicas ao propor responder sobre a melhor forma de alocação de recursos da sociedade em diferentes programas.35

Neste contexto, experiências de organizações de saúde pública na gestao de tecnologias em saúde, fundamentados na base de conhecimento de custos de hospitais públicos são fundamentais como fonte de evidências para o SUS. Isto porque o uso de informações de custos provenientes de hospitais públicos de referência visa à redução de assimetrias e desigualdades provenientes caso fossem utilizadas informações de hospitais privados.4

Desta forma, destaca-se a contribuição da FHEMIG como geradora de estudos de gestao de tecnologias em saúde, representando importante fonte de evidências para o SUS. Esta iniciativa inovadora cumpre também com seu papel social e ético, de disponibilizar, à sociedade científica e aos gestores de saúde, fundamentos para adoção de políticas de gestao de tecnologias em saúde.

 

AGRADECIMENTOS

Incentivo FAPEMIG, por meio de bolsa no Programa de Capacitação de Recursos Humanos (PCRH).

 

REFERENCIAS

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