RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 26. (Suppl.5)

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Artigo Original

Perfil de maes e recém-nascidos admitidos em Unidade de Cuidados Intermediários Canguru de maternidade referência estadual Odete Valadares

Mothers and newborns profile admitted to Care Unit Intermediate state reference maternity kangaroo Odete Valadares

Gláucia Maria Moreira Galvao1; Ana Cláudia Guimaraes Carvalho2; Celso Shigueo Assahida3; Roberta Maia de Castro Romanelli4; Maria Cândida Ferrarez Bouzada5

1. Médica Neonatologista. Mestrado em Saúde da Criança e do Adolescente. Fundaçao Hospitalar do Estado de Minas Gerais - FHEMIG. Tutora Estadual do Método Canguru do Ministério da Saúde. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Acadêmica do curso de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Médico Residente de Pediatria. Hospital Infantil Pequeno Príncipe, AHPIRC, PR - Brasil
4. Médica Pediatra e Infectologista; Profa. Adjunta. UFMG, Faculdade de Medicina, Departamento de Pediatria .Belo Horizonte, MG - Brasil
5. Médica Neonatologista. Professora Associada. UFMG do Departamento de Pediatria. Consultora do Método Canguru do Ministério da Saúde. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Gláucia Maria Moreira Galvao
E-mail: gmmgbh@gmail.com

Instituiçao: Maternidade Odete Valadares da Fundaçao Hospitalar do Estado de Minas Gerais Belo Horizonte, MG - Brasil

Resumo

INTRODUÇÃO: O Método Canguru, introduzido no Brasil em 2000, tem o recém-nascido como sujeito principal do cuidado e objetiva, a princípio, a redução do abandono e da mortalidade de recém-nascidos pré-termo.
OBJETIVOS: traçar o perfil de maes e recém-nascidos admitidos na segunda etapa do Método Canguru e a prevalência do Aleitamento Materno Exclusivo à alta hospitalar da Maternidade Odete Valadares (MOV).
MÉTODOS: estudo retrospectivo, transversal, onde avaliou-se prontuários médicos de maes e recém-nascidos de baixo peso internados no período de abril de 2012 a maio de 2016 na Unidade de Cuidados Progressivos Neonatal da Maternidade Odete Valadares, além de coleta de dados a partir do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC) 2012-2015, da MOV.
RESULTADOS: A maioria das maes é primigesta, realizou pré-natal e teve parto cesárea. As principais causas da prematuridade foram Síndrome Hipertensiva Materna, Bolsa Rota > 18 horas, Crescimento intrauterino restrito e Centralização de Fluxo. O peso ao nascimento e a idade gestacional variaram entre 674 g e 2.385 g e 26 semanas a 38 semanas. As maiores causas de morbidade neonatal foram: Doença da Membrana Hialina, sepse confirmada, persistência do canal arterial e hemorragia peri-intraventricular grau I e II. A média de peso à alta hospitalar variou de 1.560 g a 2.725 g. A maioria das crianças (74%), estava em uso de aleitamento materno exclusivo à alta hospitalar.
CONCLUSÕES: É urgente a sensibilização sobre a importância do Método Canguru na redução da morbimortalidade infantil. Aumentar a taxa de aleitamento materno exclusivo dos recém-nascidos pré-termo a alta hospitalar da Unidade de Cuidado Intermediário Neonatal Canguru (UCINCa), é responsabilidade conjunta de pais, familiares, cuidadores, profissionais de saúde e gestores.

Palavras-chave: Aleitamento Materno; Método Canguru; Serviços de Saúde Materno-Infantil.

 

INTRODUÇÃO

O Método Canguru tornou-se Política Pública de Saúde a partir da publicação da Portaria n. 693, de 5 de julho de 2000, posteriormente substituída pela Portaria SAS/MS n. 1.683, de 12 de julho de 2007, onde foi apresentada a Norma de Atenção Humanizada ao Recém-nascido de Baixo Peso - Método Canguru. Nesta publicação foram bem estabelecidas as três etapas do Método Canguru no Brasil. Na primeira etapa, o recém-nascido (RN) se encontra na Unidade de Tratamento Intensivo (UTIN) ou na Unidade de Cuidado Intermediário Convencional (UCINCo); na segunda etapa, o mesmo fica com sua mae em Unidade de Cuidado Intermediário Canguru (UCINCa) e na terceira etapa, após alta hospitalar, retorna ao serviço de referência e à Unidade Básica de Saúde em consultas agendadas, até completados 2.500 g. Em todas elas o recém-nascido é o sujeito principal do cuidado, que é centrado na família. Somando-se a isto, há um controle do ambiente (ruídos, luminosidade, temperatura) e prevenção e abordagem da dor.1

O Método Canguru surgiu em 1979 após esforços conjuntos dos médicos Reys Sanabria e Hector Martinez do Instituto Materno Infantil de Bogotá, Colômbia. A proposição inicial foi a de reduzir o abandono e a mortalidade do recém-nascido pré-termo (RNPT).1

Após se tornar conhecido ao redor do mundo, foi adotado como prática em vários países, gerando com esta disseminação, muitas evidências científicas comprovando sua importância em vários aspectos da promoção da saúde materno-infantil. Em estudo envolvendo 251 RN, foram comparados 157 (62,5%) que fizeram o Método Canguru, com 94 (37,5%) que não o fizeram; as taxas de aleitamento materno exclusivo (AME) foram de 98 (62,5%) e 34 (37,5%) com p = 0,00, respectivamente, à alta hospitalar.2 Em pesquisa multicêntrica nacional envolvendo 985 recém-nascidos com peso de nascimento variando entre 500 e 1.749 g de 16 maternidades que possuíam ou não a segunda etapa do Método Canguru, as taxas de AME à alta foram respectivamente de 69,2% versus 23,8% das crianças (p = 0,022).3

Além de todos os benefícios para os recém-nascidos e suas famílias, estudo recente revelou que para cada libra gasta ao se fazer o Método Canguru e aumentar as taxas de aleitamento materno, há um retorno de 4 a 13 vezes em libras. A maioria da redução dos custos se deu devido à diminuição da ocorrência de gastroenterites e enterocolite necrosante.4

Recente revisão sistemática com metanálise envolvendo 124 estudos que atenderam aos critérios de inclusão, além de não evidenciar que o Método Canguru tem potencial de causar danos, constatou que quando comparadas crianças cuidadas com o Método Canguru com as que não o fizeram, houve redução da mortalidade, além de redução no risco de sepse, hipotermia, hipoglicemia, melhora dos sinais vitais, melhor crescimento do perímetro cefálico e redução da dor. A taxa de AME aumentou aos quatro meses de idade.5

O Método Canguru evita a separação prolongada entre mae e recém-nascido, que poderia contribuir para a produção ineficiente de leite materno, diminuição da ligação afetiva e aumento da morbidade. Facilita o aleitamento materno exclusivo para recém-nascidos de baixo peso até os seis meses de vida, além de se relacionar a um maior período de aleitamento e à maior produção de leite.6

O objetivo deste estudo é conhecer o perfil de maes e recém-nascidos admitidos na segunda etapa do Método Canguru e a prevalência do aleitamento materno exclusivo à alta hospitalar.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Foi realizado um estudo retrospectivo, transversal, no qual se avaliou os prontuários médicos de maes e recém-nascidos de baixo peso que estiveram internadas no período de abril de 2012 a maio de 2016. Todos eles foram admitidos na Unidade de Cuidados Progressivos Neonatal da Maternidade Odete Valadares da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (MOV/FHEMIG). No momento da alta hospitalar da díade mae/filho da segunda etapa (UCINCa), local onde a mae e o recém-nascido permanecem juntos e realizam pelo maior tempo possível a posição canguru, protocolos foram preenchidos com dados do pré-natal, parto e puerpério e evolução diária do recém-nascido. Além, foram coletados dados a partir do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), sobre as Declaração de Nascidos Vivos (DNV) da Maternidade Odete Valadares (MOV), relativo aos anos de 2012 a 2015. Estes dados foram utilizados como referência para algumas análises que contextualizam a situação da segunda etapa na MOV/FHEMIG.

Na análise estatística foram obtidas frequências, medidas de tendência central - média e mediana. Foram realizados testes T para variáveis contínuas de distribuição normal, Mann Whitney para varáveis contínuas de distribuição não gaussiana, quiquadrado para variáveis categóricas e Fisher quando a frequência na casela foi menor que 5. Todos os testes foram realizados com nível de significância a 5%. Para as variáveis estatisticamente significativas foi calculado o risco relativo com intervalo de confiança a 95%.

O projeto foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da FHEMIG em 30 de julho de 2014, parecer nº. 732.585 e Gerência de Ensino e Pesquisa parecer técnico nº 077/2014.

 

RESULTADOS

Na maternidade de referência, nasceram no período do estudo 15.930 RN, com 2.044 RN menores que 2.500 g (12,83%); desses, 196 foram para a UCINCa.

A maioria das maes realizou o pré-natal e nenhum RN apresentou hemorragia peri-intraventricular grau 3 e 4. Outras características do perfil materno-fetal e neonatal encontram-se na Tabela 1.

 

 

A média de peso à admissão foi maior que 1.250 g e apenas dois RN estavam em uso de oxigênio à admissão na segunda etapa (Tabela 2).

 

 

A idade gestacional ao nascimento e o peso à alta hospitalar foram significativos em RN em AME (Tabela 3).

 

 

O risco de um RN com idade gestacional menor que 30 semanas receber alta hospitalar sem AME é de 2,9 vezes (IC 95% 1,15 a 7,35) e o risco dos menores que 1.000 g foi de 3,25 (IC 95% 1,20 a 8,77).

A maioria das crianças estava em uso de AME à alta hospitalar (Tabela 4).

 

 

DISCUSSÃO

Neste estudo avaliamos as taxas de AME em RN admitidos na segunda etapa do Método Canguru. A alta hospitalar, 145 (74%) das crianças que foram admitidos na UCINCa estavam em AME. Porém, idade gestacional ao nascimento, ter menos de 30 semanas e/ou ter peso menor que 1.000 g foram fatores de redução das taxas de AME. A média de ganho de peso e o peso à alta hospitalar foram maiores nos RN que não estavam em AME. Estudo comparando RN que foram submetidos ao Método Canguru aos que não o realizaram tiveram aumento de 4,1 vezes no AME.2 Alguns estudos comparando as taxas de AME em RN submetidos aos cuidados convencionais e Método Canguru encontraram respectivamente frequências de 28% e 55% e 42,8% e 85,7% com seis semanas.8,9 Apesar de não compararmos um grupo que realizou ou não o Método Canguru, o que não seria possível no Brasil pelas questoes éticas envolvidas, a frequência de AME em nosso estudo é próxima das referidas na literatura. Avaliação do aleitamento materno em estudo com pré-termos durante os primeiros seis meses de vida, na cidade de Londrina, no Paraná, mostrou que apenas 31% receberam alta em AME, embora todos eles recebessem leite materno proveniente de suas próprias maes ou do banco de leite enquanto hospitalizados.10 Outro estudo realizado em maternidade na cidade de Manaus, Amazonas, avaliou recém-nascidos com peso ao nascer < 2.500 g acompanhados pelo Método Canguru da mesma maternidade, até o momento da alta ambulatorial da terceira etapa. Os resultados mostraram que no momento da alta do Método Canguru, dos 550 neonatos avaliados, 512 (93,1%) estavam em aleitamento materno exclusivo.11

No contexto mundial, Hallowell et al. estudaram os fatores associados ao uso de leite materno à alta da UTIN. Analisaram dados de uma amostra nacional nos EUA, onde 97 UTIN estavam representadas. Dos 6.997 RNMBP, apenas 6% receberam alta em AME.12

Para recém-nascidos pré-termos, evidências indicam que o uso de substitutos do leite materno está associado a resultados adversos a curto e longo prazo, incluindo aumento da mortalidade e de severas morbidades. A incidência de infecção invasiva é maior em recém-nascidos de baixo peso que estao em uso de fórmula infantil. Recém-nascidos em aleitamento materno têm maior proteção contra hospitalização por diarreia e infecção respiratória do trato inferior.4

Dentre as limitações deste estudo, estao o desenho retrospectivo, a amostra relativamente pequena e o pouco tempo de acompanhamento, que idealmente deveria ser realizado até pelo menos os seis meses. Além disso, o ideal seria comparar o AME dos recém-nascidos que foram para a segunda etapa do Método Canguru com os que receberam alta hospitalar direto da Unidade de Cuidados Intermediário Neonatal Convencional (UCINCo) sem passar pela UCINCa.

São muitas as barreiras apontadas para implementação do Método Canguru, entre elas necessidade de tempo, apoio social, aceitação dos médicos e familiares, além de barreiras do sistema de saúde.7

Falta também maior conhecimento por parte dos gestores sobre o impacto pessoal e social para o RN e suas famílias e dos ganhos econômicos que este método pode trazer para o hospital. No Brasil, percebemos que quando ocorrem problemas relacionados à falta de espaço e de pessoal da assistência direta em qualquer outro setor da maternidade, o primeiro local a ser fechado é a UCINCa, expondo as crianças, que continuam internadas na UTIN, por vezes sem indicação para tal, e na UCINCo, sob risco aumentado de infecções e desmame precoce; além disto, há aumento significativo de gastos para o sistema de saúde.4

 

CONCLUSÃO

Aumentar a taxa de aleitamento materno exclusivo dos recém-nascidos pré-termo deve ser um esforço permanente dos profissionais de saúde com apoio dos gestores. E dentre as estratégias que promovem, apoiam e protegem o aleitamento materno, a segunda etapa do Método Canguru é uma medida de impacto. É urgente que gestores em saúde sejam sensibilizados sobre a importância do Método Canguru dentro do contexto de promoção de saúde e redução da morbimortalidade infantil, além de significativa redução dos custos.

 

REFERENCIAS

1. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo peso: Método Canguru. 2ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2011. 204 p.

2. Heidarzadeh M, Hosseini MB, Ershadmanesh M, Gholamitabar Tabari M, Khazaee S. The effect of Kangaroo Mother Care (KMC) on breast feeding at the time of NICU discharge. Iran Red Cres Med J. 2013; 15(4):302-6.

3. Lamy Filho F, Silva AAM, Lamy ZC, Gomes MASM, Moreira MEL. Grupo de Avaliação do Método Canguru, Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais. Avaliação dos resultados neonatais do método canguru no Brasil. J Pediatr (Rio J). 2008; 84(5):428-43.

4. Lowson K, Offer C, Watson J, McGuire B, Renfrew MJ. The economic benefits of increasing kangaroo skin-to-skin care and breastfeeding in neonatal units: analysis of a pragmatic intervention in clinical practice. Int Breastfeed J. 2015; 10:11.

5. Boundy EO, Dastjerdi R, Spiegelman D, Fawzi WW, Missmer SA, Lieberman E, et al. Kangaroo Mother Care and neonatal outcomes: a meta-analysis. Pediatrics. 2016; 137(1):e20152238.

6. Menezes MAS, Garcia DC, Melo EV, Cipolotti R. Preterm newborns at Kangaroo Mother Care: a cohort follow-up from birth to six months. Rev Paul Pediatr. 2014; 32(2):171-7.

7. Chan GJ, Labar AS, Wall S, Atun R. Kangaroo mother care: a systematic review of barriers and enablers. Bull World Health Organ. 2016; 94(2):130-41.

8. Whitelaw A, Heisterkamp G, Sleath K, Acolet D, Richards M. Skin to skin contact for very low birthweight infants and their mothers. Arch Dis Child. 1988; 63(11):1377-81.

9. Ramanathan K, Paul VK, Deorari AK, Taneja U, George G. Kangaroo Mother Care in very low birth weight infants. Indian J Pediatr. 2001; 68(11):1019-23.

10. Benevenuto de Oliveira MM, Thomson Z, Vannuchi MT, Matsuo T. Feeding patterns of Brazilian preterm infants during the first 6 months of life, Londrina, Parana, Brazil. J Hum Lact. 2007; 23(3):269-74.

11. Leite PFP, Freire AIMM, Ribeiro SPA, Cabral LN, Guilherme JP. Incidência de aleitamento materno no momento da alta da terceira etapa do método canguru da Maternidade Ana Braga. Rev Cien Saúde Amazônia. 2016; 01:45-68.

12. Hallowell SG, Rogowski JA, Spatz DL, Hanlon AL, Kenny M, Lake ET. Factors associated with infant feeding of human milk at discharge from neonatal intensive care: cross-sectional analysis of nurse survey and infant outcomes data. Int J Nurs Stud. 2016; 53:190-203.