ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Perfil epidemiológico dos pacientes portadores da síndrome de Guillain-Barré em um hospital regional de Minas Gerais
Epidemiological profile of patients with Guillain-Barré syndrome in a regional hospital of Minas Gerais
Francisco de Assis Pinto Cabral Júnior Rabello1; Mauro Eduardo Jurno2; André Brasil Tollendal3; Antônio Flávio Alvarenga Júnior4; Fabrício Costa Ferreira5; Lara Helena Caldeira Brant Perpétuo4; Lorena Mota Freitas Braga4; Mateus Dias Martins4; Renan Attilio Santos Marquiori4
1. Médico. Pós Graduado em Atençao Básica em Saúde da Família. Residente em Neurologia. Hospital Regional de Barbacena Dr. José Américo - HRBJA da Fundaçao Hospitalar do Estado de Minas Gerais - FHEMIG. Barbacena, MG - Brasil
2. Médico. Doutor em Neurologia. Coordenador da Residência Médica de Neurologia do HRBJA-FHEMIG. Barbacena, MG - Brasil
3. Médico. Neurologista.Preceptor da Residência Médica de Neurologia do HRBJA-FHEMIG. Barbacena, MG - Brasil
4. Médico(a). Residente em Clínica Médica. HRBJA-FHEMIG. Barbacena, MG - Brasil
Francisco Cabral Jr. Rabello
E-mail: fco.psicossomatica@gmail.com
Instituiçao: Hospital Regional de Barbacena Dr. José Américo Fundaçao Hospitalar do Estado de Minas Gerais - HRBJA/FHEMIG Barbacena, MG - Brasil
Resumo
INTRODUÇÃO: A Síndrome de Guillain-Barré (SGB) constitui uma polirradiculoneuropatia periférica adquirida de origem imunomediada. O protótipo da síndrome está relacionada com ataque humoral com padrao inflamatório na bainha de mielina nos nervos periféricos, geralmente precedida por evento imunossensibilizante.
OBJETIVOS: Realizar a caracterização sociodemográfica e perfil clínico dos pacientes admitidos com o diagnóstico de SGB no HRBJA-FHEMIG.
MÉTODOS: Trata-se de um estudo retrospectivo e observacional realizado entre 25 e 29 de julho de 2016 através de busca ativa no cadastro geral de pacientes do Sistema Integrado de Gestao Hospitalar do HRBJA-FHEMIG por pacientes atendidos com diagnóstico de SGB entre 03/11/2014 e 03/07/2016. Foi realizado preenchimento de formulário semi-estruturado baseado na revisão da literatura disponível a respeito da SGB.
RESULTADOS: Foram identificados no período 13 pacientes. Foi verificado predomínio masculino, com média de idade de 50 anos, internação de 17 dias, provenientes de Barbacena e microrregioes vizinhas, encaminhados por médicos. Em 46% dos casos havia um fator imunossensibilizante prévio identificável. Todos apresentavam quadro clínico clássico com fraqueza e hiporreflexia; o líquor apresentava dissociação albumino-citológica em 46% dos casos, quando realizado após 5 dias de evolução. Houve uso de imunoglobulina em até 14 dias do início dos sintomas em 76,9% dos casos. A mortalidade da doença no estudo foi de 7,7%.
CONCLUSÕES: O reconhecimento precoce da SGB deve ser feito para permitir a realização do tratamento em tempo hábil para aumentar a rapidez da recuperação e para que o paciente seja monitorizado quanto a complicações e reabilitado do ponto de vista funcional.
Palavras-chave: Síndrome de Guillain-Barré; Síndrome de Guillain-Barré/epidemiologia; Perfil de Saúde.
INTRODUÇÃO
A Síndrome de Guillain-Barré (SGB) apresenta um espectro clínico heterogêneo com vários subtipos, sendo caracterizada, em última instância, por uma polirradiculoneuropatia periférica adquirida de origem imunomediada e evolução monofásica. É considerada atualmente a neuropatia desmielinizante mais comumente adquirida. Os critérios diagnósticos dessa condição estao bem estabelecidos pelo National Institute of Neurological Disorders and Stroke (NINDS), sendo esses critérios usados em escala mundial.1 Mais recentemente a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o uso dos Critérios de Brighton para a definição de casos suspeitos nos países afetados pelo vírus Zika.2 Entre janeiro e julho de 2015 alguns estados da regiao nordeste notificaram à Secretaria de Vigilância em Saúde a ocorrência de 121 casos de manifestações neurológicas e SGB com histórico de doença exantemática prévia.3 Tendo em vista a sistematização da assistência aos pacientes com SGB no Brasil, o Ministério da Saúde publicou em 19/11/2015 a Portaria Nº 1171, que aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas nacionais da SGB, revogando a anterior, de 2009.4 Este documento veio embasar os profissionais a fazer a suspeita diagnóstica baseada primariamente na avaliação clínica e a confirmação dos casos com exames complementares, bem como orienta o tratamento com imunoglobulina humana nos casos estabelecidos com SGB moderada-grave (3 ou mais pontos na escala de Hughes et al.4) dentro do período de 14 dias da apresentação dos sintomas. Seus critérios diagnósticos são muito semelhantes ao do NINDS, exceto por retirar dos critérios sugestivos da SGB a recuperação das funções neurológicas entre 2-4 semanas do início dos sintomas (relacionada com a remielinização) e incluir a presença de dor entre esses critérios de suporte diagnóstico.
A SGB tem uma incidência anual variando de 0,6-1,9 casos/100.000 habitantes, dependendo da série populacional, incidindo discretamente mais no sexo masculino. É incomum em menores de 10 anos e a incidência aumenta progressivamente em 20% a cada 10 anos, a partir dessa idade. Em até 60% dos casos eventos imunossensibilizantes podem ser identificados, ocorrendo em geral de uma a três semanas antes do início dos sintomas e incluem: infecção de vias aéreas, gastroenterite bacteriana principalmente por Campilobacter jejuni, imunizações e situações de estresse metabólico como gestação, cirurgias e febre.5-7 Infecções pelo vírus Zika e Dengue, incidentes em países tropicais em desenvolvimento, inclusive o Brasil, tem sido reconhecidas como eventos desencadeantes da SGB3. Pacientes com outras condições como linfoma e lúpus eritematoso sistêmico tem maior incidência de SGB que a população em geral.6
Os pacientes que preenchem critérios diagnósticos do NINDS em geral apresentam a forma protótipo da SGB, que é a Polirradiculoneuropatia Desmielinizante Inflamatória Aguda (PDIA), relacionada com ataque humoral e celular à bainha de mielina nos nervos periféricos. Esta ocorre em até 85-90% dos casos, sendo caracterizada por fraqueza progressiva em mais de um membro ou músculos bulbares e faciais associada a hiporreflexia. A história natural da SGB ocorre com progressão dos sinais e sintomas até 4 semanas em 90% dos casos, momento a partir do qual alcança seu nadir e posterior recuperação graudal das funções neurológicas. Em geral o acometimento é simétrico, precedido em 70% dos casos por sintomas sensitivos discretos como parestesias e dor. Disfunção autonômica é comum e sinal de mal prognóstico, sendo manifestação de falha dos mecanismos de autorregulação nervosa da pressão arterial e função cardíaca ocasionando hipotensão ortostática, pressão arterial lábil e arritmias cardíacas. Paralisia de musculatura bulbar pode acarretar paralisia respiratória podendo causar insuficiência respiratória aguda e necessidade de suporte ventilatório em 25% dos casos. O suporte ao diagnóstico da SGB é baseado no achado de dissociação albumino-citológica no líquor (menos de 10 leucócitos mononucleares/ml e hiperproteinorraquia em geral maior que 55mg/dl) após 5 dias da apresentação dos sintomas, sendo esse achado presente em mais de 66% dos casos. Achados eletroneuromiográficos incluem em fase precoce (até 3 dias) alterações de respostas de ondas F (prolongadas ou ausentes) em seguida prolongamento das latências motoras distais e bloqueios focais de condução sendo mais tardio a redução nas velocidades de condução (por volta da terceira semana).6
Subtipos menos comuns da SGB tem sido mais estudadas recentemente, com a identificação de pacientes com curso clínico diverso do PDIA e a identificação de autoanticorpos específicos contra gangliosídeos e glicoproteínas axonais. Na Neuropatia Axonal Motora Aguda (AMAN) não ocorrem sintomas sensitivos e a fisiopatologia não está relacionada à desmielinização e sim a lesão axonal relacionada a anticorpos IgG anti-GM1 e IgG anti-GD1a. A Neuropatia Axonal Sensitivo-Motora Aguda (AMSAN) é considerada uma forma mais grave da AMAN, no qual a degeneração axonal é tao importante que ocorre evolução rápida do quadro neurológico em menos de uma semana para uma quadriparesia profunda e insuficiência respiratória aguda. Esta variante está mais relacionada ao anticorpo IgG anti-GM1. AMAN e AMSAN representam juntas 10% dos casos de SGB. A variante de Miller-Fisher representa 3-5% dos casos de SGB, está relacionada ao anticorpo IgG anti-GQ1b e é caracterizada pela tríade de oftalmoplegia, arreflexia e ataxia8. O tratamento de todas essas formas é o mesmo, mas identificar variantes é necessário pois cada subtipo tem prognóstico diferente e causam alterações específicas nos estudos de condução nervosa. Fraqueza progressiva com mais de 4 semanas de evolução não ocorre na SGB, devendo ser incluído no diagnóstico diferencial a hipótese de Polirradiculoneuropatia Desmielinizante Inflamatória Crônica (CIDP), cujo tratamento a princípio é diferente da SGB.
O Hospital Regional de Barbacena Dr. José Américo faz parte da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (HRBJA-FHEMIG). É referência hospitalar direta para atendimentos nos níveis secundário e terciário de 11 municípios de sua microrregiao com população total estimada de 219.556 habitantes segundo o IBGE (2006). Entretanto, atua na Rede Estadual de Urgência e Emergência de Minas Gerais, presta serviços especializados em neurologia/neurocirurgia para toda a Macrorregiao do Campo das Vertentes com uma população estimada de 546 mil habitantes.
Os resultados e a discussão deste trabalho poderao retornar à instituição de origem e ser útil para o planejamento de melhorias como identificação precoce do paciente com SGB na rede de urgência e emergência, classificação de seu risco e gravidade e o seu manejo dentro do fluxo de atendimento, incluindo documentação de tratamento e efeitos colaterais. Tal estratégia visa o planejamento das ações e a reorganização do processo de trabalho em função da realidade que é a Síndrome de Guillain-Barré dentro dos serviços de urgência e emergência em Minas Gerais. Os dados serao comparados estatisticamente com os achados de outros centros brasileiros e estrangeiros e discutidos à luz da revisão de literatura sobre a SGB.
Este estudo objetiva caracterizar o perfil epidemiológico dos pacientes portadores da Síndrome de Guillain-Barré atendidos no HRBJA-FHEMIG. Esta condição representa uma urgência neurológica com mortalidade de 5%, daí a importância de reconhecimento precoce da condição e seu tratamento em momento oportuno.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo retrospectivo e observacional realizado no HRBJA-FHEMIG. Foi conduzida entre 25 e 29 de julho de 2016 uma busca ativa no cadastro geral de pacientes do Sistema Integrado de Gestao Hospitalar (SIGH) por pacientes atendidos com diagnóstico de SGB desde 03/11/2014 até a da limite de 03/07/2016 (um ano e oito meses), data que coincide com a inauguração do pronto-atendimento do HRBJA-FHEMIG até o momento atual. Previamente a novembro de 2014 o perfil de pacientes do hospital era majoritariamente de pacientes crônicos, o que não era adequado para pesquisa de urgências neurológicas (por exemplo, SBG).
No presente estudo foram incluídos todos os pacientes que preencheram os critérios diagnósticos clínico-laboratoriais mínimos exigidos para a caracterização da Síndrome de Guillain-Barré segundo o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Síndrome de Guillain-Barré (Ministério da Saúde, 2015), isto é:
▪ pacientes com fraqueza progressiva em mais de um membro ou músculos bulbares/faciais associada a hiporreflexia e alterações laboratoriais (líquor e/ou estudos de condução nervosa) e pelo menos 3 dos seguintes fatores presentes:
a. progressão dos sintomas ao longo de 4 semanas;
b. franca simetria;
c. sintomas sensitivos leves a moderados;
d. envolvimento de nervos cranianos;
e. dor;
f. disfunção autonômica;
g. ausência de febre.
▪ foram excluídos pacientes com: história a exposição a hexacarbono ou chumbo, com diagnóstico de porfiria intermitente aguda, botulismo, miastenia gravis, poliomielite, neuropatia tóxica ou difteria, bem como quadro de paralisia conversiva (detectado por exame físico seriado contraditório ou conflitante e geralmente identificado fator emocional/psiquiátrico associado, na vigência de exame de líquor e/ou estudos de condução nervosa normais).
Foram coletados dados a respeito de variáveis sociodemográficas e clínico-epidemiológicas para preenchimento de um questionário semi-estruturado baseado na revisão da literatura disponível a respeito da síndrome de Guillain-Barré. Foi realizado um estudo de distribuição de frequências das variáveis socioeconômicas e clínico-epidemiológicas com o auxílio do software EPI-INFO. Entre os dados pesquisados, foi incluído: gênero; procedência e origem do encaminhamento; período de internação; unidade de lotação (enfermaria ou CTI); presença de fator imunossensibilizante e tempo decorrido entre esse fator e o início dos sintomas; achados clínicos; achados de exames complementares; escala de gravidade; diagnóstico diferencial; tempo até a instalação do tratamento efetivo e registro de efeitos colaterais da imunoglobulina; mortalidade.
A confidencialidade do estudo foi assegurada, tendo o mesmo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (CEP/FHEMIG) com registro CAAE número 58363916.7.0000.5119 e Parecer Técnico 113/2016 da Gerência de Ensino e Pesquisa - Núcleo de Apoio ao Pesquisador da FHEMIG.
RESULTADOS
Foram identificados no período, entre 03/11/2014 e 03/07/2016 treze pacientes com diagnóstico de SGB no HRBJA-FHEMIG. A tabela 1 apresenta características clínico-epidemiológicas da população do estudo (n=13). Houve predomínio de pacientes do sexo masculino (62%) em relação ao feminino (38%) e a média das idades foi 50 anos, com variação entre 12 e 81 anos. A maioria era procedente da cidade de Barbacena (61,5%), mas houve casos de outras cidades como Conselheiro Lafaiete (15,4%) e em menor quantidade Alto Rio Doce (7,7%), Ouro Branco (7,7%) e Carandaí (7,7%). Levando em consideração as microrregioes de saúde, a de Barbacena representou 69,2% dos atendimentos. A microrregiao de Conselheiro Lafaiete ocupou segunda posição com 23% e em terceiro lugar a microrregiao de Viçosa.
A maior parte dos pacientes foram encaminhados diretamente por profissional especializado em neurologia ou neurocirurgia (46,2%). Uma parcela significativa (30,8%) foi encaminhada para avaliação neurológica por médico generalista ou especializado em outras áreas da medicina. Em aproximadamente um quarto (23%) dos casos o paciente procurou diretamente o Pronto Atendimento do HRBJA-FHEMIG. Em mais da metade dos casos (54%) o fator imunossensibilizante prévio não foi caracterizado em prontuário, no restante dos casos (46%) houve distribuição semelhante entre infecção de vias aéreas e doença diarréica (gastroenterite aguda). Em todos os casos avaliados decorreu entre menos de uma até três semanas entre o fator desencadeante e o início dos sintomas, sendo a maioria (83%) em até uma semana.
A Tabela 2 mostra os achados clínicos mais comuns na população de estudo. A fraqueza e a hiporreflexia estavam presentes em todos os pacientes que foram diagnosticados com SGB, sendo esses sintomas precedidos ou associados a parestesias em 23% dos casos, e a dor em 15,4%. A fraqueza apresentou tipicamente uma localização inicial em membros inferiores (76,9%) e 23,1% iniciada em membros superiores sendo esse achado mais associado a pacientes com oftalmoparesia, disautonomia e paralisia respiratória (23,1%). A fraqueza facial foi pouco relatada (7,7%). 15,4% dos pacientes apresentaram ataxia. Em até 15,4% dos pacientes havia presença de situações que reduziam a probabilidade de SGB, como assimetria da fraqueza ou febre na apresentação clínica, mas a SGB ainda permanecia o diagnóstico mais provável e foram tratados como tal. Um paciente apresentava ainda alterações esfincterianas - chegou a receber imunoglobulina para tratamento de SGB mas o diagnóstico retrospectivo foi de mielite transversa aguda (MTA).
Em relação a exames complementares foi constatado que 54% dos pacientes apresentavam achado clássico de dissociação albumino-citológica no exame do líquor. Em 15,4% dos pacientes o líquor foi coletado com menos de 5 dias de sintomas e não apresentavam dissociação. Em apenas 1 paciente a celularidade foi superior a 50 leucócitos/ml (líquor inflamatório) - justamente o paciente com diagnóstico retrospectivo de MTA. Apenas um paciente (7,7%) com uma evolução crônica fez estudo de condução nervosa, sendo compatível com lesão axonal crônica e amplitudes motoras e sensitivas diminuídas, sendo feito diagnóstico retrospectivo ambulatorial de CIDP. Presumidamente pelo quadro clínico um paciente (7,7%) apresentava a tríade de Síndrome de Miller Fisher e os demais provavelmente tinham PDIA. Nenhum paciente dosou auto-anticorpos.
Entre o diagnóstico diferencial, um paciente recebeu o diagnóstico retrospectivo de MTA e um paciente o diagnóstico de CIDP. A classificação de gravidade dos pacientes com SGB pode ser vista na Tabela 3.
Todos os 13 pacientes receberam doses de imunoglobulina por 5 dias, em 76,9% dentro do período de 14 dias de sintomas e 23,1% receberam tratamento após 15 dias. Cerca de 23,1% relataram cefaleia como possível efeito colateral da imunoglobulina, autolimitada e sem outras complicações. Nenhum paciente foi submetido a plasmaférese. A mortalidade de pacientes com SGB neste estudo foi 7,7% (um paciente) - relacionada a insuficiência respiratória aguda e disautonomia refratária.
DISCUSSÃO
Considerando que na realidade do perfil de pacientes com SGB atendidos no HRBJA-FHEMIG o auge da disfunção neurológica foi alcançada na maioria antes de uma semana, podemos afirmar que o tempo médio de internação hospitalar de 17 dias foi considerado prolongado, podendo estar relacionado a intercorrências não neurológicas de origem nosocomial ou descompensação de comorbidades clínicas, o que não é foco deste trabalho. Entretanto a literatura observa que 90% dos pacientes alcançam o auge dos sintomas até 14 dias após a apresentação9,10 - dessa forma, nesse período em que os pacientes estiveram internados puderam ser melhor monitorizados, reavaliados de forma seriada e com reabilitação intensiva com equipe multiprofissional - fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia e enfermagem. Além disso, o hospital dispoe de CTI adulto para retaguarda de vaga em caso de complicações como, por exemplo, insuficiência respiratória com necessidade de intubação e via aérea definitiva.
Foi verificada uma maior proporção de homens entre os pacientes com SGB neste estudo. Os dados da literatura mostram discreto predomínio masculino e aumento da prevalência com a idade, o que foi verificado por outros estudos inclusive meta-análise recente9,10. Dados da origem dos pacientes atendidos no HRBJA-FHEMIG chamam a atenção para a regionalização da abrangência deste no atendimento dos pacientes com suspeita de SGB - além de pacientes da mesorregiao do Campo das Vertentes, houve registro de atendimento de pacientes da mesorregiao da Zona da Mata mineira e Regiao Metropolitana de Belo Horizonte.
A maior parte dos casos que chegaram ao HRBJA-FHEMIG foram originados de consultórios médicos, especialmente de neurologistas e neurocirurgioes. Este achado pode indicar duas possibilidades: um maior acesso ao especialista ou refletir uma dificuldade dos profissionais da atenção primária e não especialistas em identificar os sinais e sintomas precoces da SGB. Nesse contexto, é importante difundir-se a SGB como principal causa de neuropatia desmilinizante adquirida no adulto7.
Em nosso estudo mais da metade (54%) dos casos de SGB não foi documentado fator imunossensibilizante prévio. Comparado com a literatura disponível, essa ausência de fator ocorre em até 40% dos casos5, o que indica provavelmente um subregistro no HRBJA-FHEMIG. Em geral a disfunção neurológica ocorre entre 1 a 3 semanas após o fator desencadeante - no HRBJA-FHEMIG foi observado que 83% dos portadores de SGB já apresentavam déficit neurológico com menos de 7 dias de evolução, o que, segundo a literatura, é sinal de mau prognóstico5. Entretanto, o tratamento em tempo ideal foi feito em 76,9% dos casos com bom resultado terapêutico - a mortalidade da SGB no HRB-FHEMIG foi aproximadamente 7,7% comparado com a média de 5% da literatura, tendo sido relacionado com infecção pelo vírus da dengue. Entretanto, a baixa quantidade de sujeitos da pesquisa (n=13) não nos permite tirar conclusões estatisticamente significativas sendo sugerido estudos posteriores com um n maior.
Em relação aos achados clínicos, foi verificado que os sinais cardinais da SGB estavam presentes em todos os pacientes avaliados. Neste estudo poucos pacientes apresentaram sintomas sensitivos: apenas 23,1% apresentavam parestesias e menos ainda 15,4% queixaram dor. Na literatura o acometimento sensitivo pode chegar até 70% dos casos em algumas séries5. O Protocolo Clínico do Ministério da Saúde do Brasil para SGB coloca esses sintomas sensitivos como fatores que sugerem o diagnóstico de SGB, mas não são essenciais ou obrigatórios4. A paralisia facial também foi menos comum (7,7%) - segundo a literatura pode acontecer em até 50% dos pacientes. Alguns pacientes apresentaram achados que não são comuns na SGB como febre na apresentação, assimetria de fraqueza e alteração esfincteriana. Os autores acreditam que nesses casos o diagnóstico de SGB fica menos provável e devem ser realizados exames complementares para investigar o diagnóstico diferencial da SGB, sendo nesses casos a propedêutica do líquor e eletroneuromiografia de grande valor. Diante da existência de variantes da SGB com evolução diferenciada da PDIA, ganha importância a determinação dos níveis de auto anticorpos específicos de cada subtipo de SGB. Frequentemente a anamnese detalhada também ajuda a direcionar o diagnóstico.
O exame mais realizado no HRBJA-FHEMIG foi a bioquímica do líquor, exame prático, valioso e cuja disponibilidade é maior no hospital. O resultado costuma ser liberado em poucas horas. Neste estudo o líquor foi realizado em todos os pacientes e a clássica dissociação albumino-citológica ocorreu em 54% dos casos. Dos 46% onde não foi evidenciada a dissociação, 15,4% deles a coleta da amostra de líquor foi precoce (menos que 5 dias de evolução). Segundo a literatura, o pico da dissociação ocorre após 4-6 semanas8. Líquor normal com forte suspeita de SGB é indicação de repetir a coleta do líquor em outra ocasiao para documentação, especialmente se a eletroneuromiografia (ENMG) não estiver disponível, independentemente do tratamento empírico. Em 30,6% dos pacientes a citometria do líquor foi maior que 10 leucócitos/ml - o mais comum na SGB é que ocorra menos que 10 leucócitos/ml, mas até 50 é admissível segundo a Diretriz do Ministério da Saúde do Brasil4.
A ENMG é um exame valioso que ajuda a caracterizar a natureza da lesão (se desmielinizante, axonal ou mista), tempo de evolução (aguda ou crônica) e sua intensidade, podendo ser usada para auxílio diagnóstico e acompanhamento desses pacientes. Tendo em vista o menor acesso e a não padronização da eletroneuromiografia (ENMG) na rede FHEMIG, na prática do serviço de neurologia do HRBJA-FHEMIG faz-se este exame apenas em casos selecionados e em nível ambulatorial. Mesmo assim, a quantidade de pacientes que conseguem realizar o exame é baixa (7,7%).
Todos os pacientes do estudo com diagnóstico de SGB receberam imunoglobulina. Esta foi administrada dentro do período ideal de 14 dias em 76,9% dos pacientes, especialmente naqueles encaminhados precocemente após avaliação de neurologistas e neurocirurgioes. Em 23,1% dos pacientes o tratamento foi retardado após mais de 15 dias de evolução de disfunção neurológica. Sabe-se que quando administrada dentro de um período de 14 dias o benefício da imunoglobulina é uma recuperação neurológica mais rápida, embora o efeito sobre a gravidade, complicações e incapacitação final seja ainda incerto.5,6 Cefaleia de leve intensidade foi relatada em 23,1% dos pacientes durante o uso da medicação, sendo não limitante ao tratamento nesses casos desde que seja feito tratamento sintomático. Apesar da plasmaférese ter efeito terapêutico semelhante a imunoglobulina1,2,4,6, não há disponibilidade deste recurso no HRBJA-FHEMIG.
CONCLUSÕES
Verificou-se neste estudo que o perfil de acometimento principal da SGB no HRB-FHEMIG foi de indivíduos masculinos adultos, provenientes de Barbacena e microrregioes vizinhas, encaminhados por médicos (especialmente neurologistas e neurocirurgioes), muitos sem fator imunossensibilizante bem caracterizado, internados em média por 17 dias e com bom desfecho clínico.
A importância de uma anamnese e exame físico detalhados para o diagnóstico presuntivo da SGB fica evidente neste estudo, e sua posterior confirmação com exames complementares, especialmente exame do líquor (a partir do quinto dia de evolução). Fatores importantes como padrao da fraqueza, forma de progressão e distribuição, interrogação de sintomas sensitivos, história de fatores imunossensibilizantes precedentes é fundamental. A investigação do diagnóstico diferencial não deve ser negligenciado mesmo quando o quadro clínico é típico de SGB.
O reconhecimento precoce da SGB deve ser feito com o objetivo de permitir a realização do tratamento em tempo hábil para aumentar a rapidez da recuperação e para que o paciente seja monitorizado quanto a complicações e reabilitado do ponto de vista funcional.
Finalmente, recomenda-se que outros estudos sejam realizados com um número maior de pacientes com vistas a estabelecer uma amostra mais representativa da população acometida na regiao estudada, bem como o seguimento ambulatorial de todos esses pacientes para caracterização do estado neurológico comparativo entre os pacientes que fizeram uso da imunoglobulina em tempo ideal versus aqueles que a utilizaram após 15 dias de evolução.
REFERENCIAS
1. National Institutes of Health. National Institute of Neurological Disorders and Stroke. Office of communications and public liaison. NINDS Guillain-Barré Syndrome Information Page. [Citado em 2016 ago. 25]. Disponível em: http://www.ninds.nih.gov/disorders/gbs/gbs.htm.
2. World Health Organization - WHO. Media Centre. Guillain-Barré fact sheet. Genova: WHO; 2014. [Citado em 2016 ago. 25]. Disponível em: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/guillain-barre-syndrome/en/.
3. Ministério de Saúde (BR). Portal da Saúde. Evento de Saúde Pública relacionado aos casos de febre do Zika. [Citado em 2016 ago. 25]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/orientacoes-zika
4. Ministério de Saúde (BR). Portal da Saúde. Protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas. [Citado em 2016 ago. 25]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2016/fevereiro/24/Guilain-Barr-----PCDT-Formatado--.pdf
5. Gooch CLG, Fatimi T. Neuropatias periféricas. In: Brust JCM. Current neurologia: diagnóstico e tratamento. Rio de Janeiro, RJ: Revinter; 2016. p.307-9.
6. Vucic S, Kiernan NC, Kornblath DR. Guillain-Barré Syndrome: an uptodate. J Clin Neurosci. 2009; 16:733-41.
7. Brannagan TH, Weimer LH. Neuropatias adquiridas. In: Rowland LP. Merritt - Tratado de neurologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. p. 829-31.
8. Hughes RA, Kornblath DR. Guillain-Barré syndrome. Lancet. 2005; 366:1653-66.
9. Govani V, Graniri E. Epidemiology of the Guillain-Barré syndrome. Curr Opin Neurol. 2001; 14(5):605-13.
10. Sevjar JJ, Baughman AL, Wise M, Morgan OW. Population incidence of Guillain-Barré syndrome: a systematic review and meta-analysis. Neuroepidemiol. 2011; 36(2):123-33.
Copyright 2025 Revista Médica de Minas Gerais
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License