RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 21. 2

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Relato de Caso

Marca-passo atrial no tratamento da hipotensão ortostática primária

Atrial pacemaker for treating primary orthostatic hypotension

Ulisses Gabriel de Vasconcelos Cunha1; Eduardo Luís Guimarães Machado2; Débora Pereira Thomaz3

1. Geriatra. Coordenador da Residência Médica em Geriatria do Hospital dos Servidores do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Professor Coordenador da disciplina Cardiologia e Semiologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais-FCMMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Geriatra. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Ulisses Gabriel de Vasconcelos Cunha
Avenida: Afonso Pena 3111/201
Belo Horizonte, MG - Brasil, Cep: 30130-008
Email: ugvc@terra.com.br

Recebido em: 09/06/2010
Enviado em: 18/01/2011

Instituição: Hospital dos Servidores do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil

Resumo

Homem, 78 anos, com hipotensão ortostática neurogênica incapacitante não responsiva à terapêutica clássica, admitido em hospital para implantação de marca-passo atrial programável. Inicialmente, implantou-se marca-passo atrial temporário, à frequência de 96 bpm (dia) e 60 bpm (noite). Observou-se melhora dos sintomas, justificando a implantação de marca-passo definitivo. Recomenda-se considerar esta modalidade terapêutica em idosos com hipotensão ortostática neurogênica sem taquicardia compensatória quando não houver resposta a tratamento clássico.

Palavras-chave: Hipotensão Ortostática/terapia; Hipotensão Ortostática/ etiologia; Marca-Passo Artificial; Frequência Cardíaca; Idoso; Saúde do Idoso.

 

RELATO DO CASO

Homem, 78 anos, admitido com sintomatologia progressiva e incapacitante de tonteira, dispneia e claudicação de membros inferiores, relacionada à mudança postural, com seis anos de evolução. História pregressa de acidente vascular cerebelar, sem repercussão funcional. Em uso de sinvastatina, ácido acetilsalisílico, mononitrato de isossorbida e midodrina. Uso prévio de alfa-fludrocortisona.

Verificaram-se quedas posturais significativas na pressão arterial sistólica (PAS), sem variação da frequência cardíaca (FC). A média de diferentes medidas de PAS foi de 180 mmHg em decúbito e 140 mmHg em pé. A FC em decúbito e ortostatismo praticamente não variou: 60 bpm. Não havia déficits neurológicos extrapiramidais, piramidais, cerebelares e/ou de neurônio motor inferior. A cognição estava preservada e a perda funcional era parcial, apesar da gravidade da sintomatologia.

Realizados testes de função autonômica1: a) postural: ausência de taquicardia ao levantar; b) respiração profunda: a diferença, ao eletrocardiograma (ECG), entre o maior intervalo R-R medido durante cada expiração e o menor intervalo R-R medido durante cada inspiração foi de 0,14 mm (normal: 0,2 a 0,8 s); c) imersão da mão em água gelada: a imersão de uma das mãos em água a 4ºC por 60 segundos elevou a PA em 8 mmHg. Normal: acima de 15 mmHg.

Estavam normais exames hematológicos e boquímicos rotineiros de sangue, a cintilografia miocárdica, o duplex scan arterial de membros inferiores, o ECG e o ecocardiograma.

A hipotensão ortostática (HO) sem taquicardia compensatória, hipertensão arterial (HA) supina e testes autonômicos alterados sugerem disfunção primária do sistema nervoso autônomo (SNA). A ausência de outros achados neurológicos é compatível com o diagnóstico de insuficiência autonômica idiopática (síndrome de Bradbury - Eggleston).

Um tratamento por passos2-4 iniciando com medidas não farmacológicas (elevação da cabeceira da cama, meia elástica) foi ineficaz.

Na segunda etapa, utilizaram-se medicamentos5: fludrocortisona - 0,4 mg/dia e midodrina - 10 mg/dia. O primeiro não foi eficaz, elevando consideravelmente a pressão arterial (PA) supina. A midodrina foi maltolerada, com piora da sintomatologia, não permitindo aumento da dose.

Baseado em resultados favoráveis de relatos de casos similares6,7, decidiu-se implantar marca-passo temporário com cabo atrial com frequência de 96 bpm (dia), reduzindo para 60 bpm (noite). Para descartar disfunção do nó sinusal, o marca-passo atrial temporário foi programado para 150 bpm durante um minuto e, a seguir, interrompido subitamente. O tempo de recuperação do nó sinusal foi de 806 ms (valor normal: até 1.400 ms).

Após observação de uma semana com melhora da sintomatologia e reduzidas quedas posturais da PA, optou-se por implantar um marca-passo atrial definitivo (modelo Philos II SR com eletrodo bipolar Setrox S).

Um mês após a alta hospitalar, o paciente mantinha melhora, sem complicações.

 

DISCUSSÃO

Os sintomas de HO ocorrem tanto por hipoperfusão cerebral (tonteira, síncope) quanto por hipoperfusão de órgãos à distância (claudicação intermitente, insuficiência coronariana, dispneia ortostática). A dispneia ortostática (perfusão inadequada dos ápices pulmonares) e a angina pectoris, mesmo em não coronariopatas, podem acometer pacientes com HO. A baixa probabilidade de obstrução significativa das artérias coronarianas e de membros inferiores, conforme os exames realizados, associada à melhora da sintomatologia após tratamento sugere HO como etiologia.

Os testes autonômicos1 sugeriram lesão de fibras eferentes parassimpáticas para o coração (respiração profunda), fibras eferentes simpáticas para o coração (postural) e fibras constritoras efetoras simpáticas para os vasos de resistência e capacitância (imersão da mão em água gelada).

A associação de HO incapacitante com outras manifestações de insuficiência autonômica é sugestiva de distúrbio autonômico primário.

O diagnóstico diferencial3 inclui a atrofia de múltiplos sistemas (síndrome de Shy - Drager) (SSD), doença de Parkinson (DP), demência de corpos de Lewi (DCL) e insuficiência autonômica pura (IAP). Os pacientes com IAP e SSD têm como manifestação principal a HO e parkinsonismo discreto. Diante de sinais de acometimento difuso do SNC, o diagnóstico mais provável é de SSD e, na ausência, de IAP.

O paciente era portador de HO grave, sem manifestações de acometimento difuso do SNC, compatível, no momento, com diagnóstico de IAP.

As disfunções autonômicas primárias têm curso insidioso, progressivo, comumente intratável, resultando em óbito em poucos anos.

Alguns pacientes com IAP progridem para SSD, manifestando evidências de acometimento difuso do SNC.

O tratamento da HO neurogênica em idosos apresenta dificuldades: medidas não farmacológicas (meia elástica e elevação da cabeceira da cama) são, em geral, maltoleradas e ineficazes. A maioria das drogas utilizadas no tratamento é ainda mal-estudada e requer avaliação mais rigorosa.

A midodrina demonstrou eficácia a partir de estudos multicêntricos duplo-cegos, controlados com placebo.3 Constitui a única droga aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento da HO secundária à disfunção autonômica primária. No entanto, necessita ser importada. Os efeitos colaterais mais comumente observados são a HA supina, gastrointestinais e retenção urinária.

A fludrocortisona causa retenção hídrica, precipitando elevação da PA supina. As drogas vasoconstritoras, os inibidores da monoamino-oxidase e os inibidores da síntese de prostaglandinas devem ser evitados, pelos seus efeitos colaterais.

Ressalta-se, ainda, que existem pacientes que não toleram e/ou não respondem à midodrina e/ou quaisquer outras drogas, como no caso relatado.

A implantação de marca-passo atrial programável no tratamento da HO sem resposta taquicárdica é controversa, baseada principalmente em relatos de casos, alguns encorajadores6,7, outros não8.

É provável que a estimulação atrial com frequência alta em paciente com insuficiência autonômica aumente o débito cardíaco e a PA, pela otimização do enchimento ventricular.

As alterações da FC que ocorrem nas disfunções autonômicas são similares àquelas encontradas nas disfunções do nó sinusal. Estas, entretanto, foram afastadas. O marca-passo atrial foi escolhido por preservar a contribuição atrial para o débito cardíaco, monitorizando a sincronia átrio-ventricular, sem as expensas ou a complexidade de um marca-passo de duas câmaras. O uso de marca-passo programável (FC aumentada durante o dia, diminuindo à noite) seria uma tentativa de reduzir a chance de insuficiência cardíaca de alto débito e HAS, que podem ser detectados com a taquicardia contínua. Esta forma de tratamento mostrou-se eficaz e bem-tolerada pelo paciente. A HO ainda foi detectada em graus mais baixos, mas os sintomas posturais melhoraram sensivelmente, contribuindo para a qualidade de vida.

Até o momento, não existem estudos controlados e randomizados que validem essa forma de tratamento.8 No entanto, baseado em alguns relatos de casos bem-sucedidos, acredita-se que a implantação de marca-passo com as características descritas deva ser considerada em idosos com HO sem taquicardia compensatória e que não responderam à terapêutica clássica. Ressalta-se, ainda, que essa modalidade terapêutica ficaria como última opção para pacientes com sintomatologia extremamente incapacitante, sem resposta às demais modalidades disponíveis.

 

REFERÊNCIAS

1. Cunha UGV, Barbosa MT, Giacomin KC. Diagnóstico por passos da hipotensão ortostática neurogênica no idoso. Arq Bras Cardiol. 1997;68(1):51-3.

2. Cunha UGV. Management of orthostatic hypotension in the elderly. Geriatrics. 1987;42:61-8.

3. Freeman R. Neurogenic orthostatic hypotension. N Engl J Med. 2008;358:615-24.

4. Sclater A, Alagiakrishnan K. Orthostatic hypotension: a primary care primer for assesment and treatment. Geriatrics. 2004;59:22-7.

5. Low PA, Singer W. Update on management of neurogenic orthostatic hypotension. Lancet Neurol. 2008 may; 7(5):451-8.

6. Kohno R, Abe H, Oginosawa Y, Nagatomo T, Otsuji Y. Effects of atrial tachypacing on symptoms and blood pressure in severe orthostatic hypotension. Pacing Clin Electrophysiol. 2007;30(Suppl 1):S203-6.

7. Cunha UGV, Machado ELG, Santana LA. Marca-passo atrial programável no tratamento da hipotensão ortostática neurogênica no idoso. Arq Bras Cardiol. 1990;55(1):47-9.

8. Sahul ZH, Trusty JM, Erickson M, Low PA, Shen W. Pacing does not improve hypotension in patients with severe orthostatic hypotension. Clin Auton Res. 2004;14:255-8.