RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 21. 2

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Relato de Caso

Pancreatectomia distal com preservação do baço em tumor sólido pseudopapilar do pâncreas (tumor de Frantz): relato de caso

Distal pancreatectomy with spleen preservation in solid pseudopapillary tumor of the pancreas (Frantz's tumor): A case report

Vívian Resende1; Cecília Alcântara Braga2; Eduardo Carvalho Garcia2

1. Professora Adjunta do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Membro dos Grupos: Fígado, Vias Biliares, Pâncreas e Baço, Parede Abdominal e Retroperitônio do Instituto Alfa de Gastroenterologia (IAG) do Hospital das Clínicas da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Acadêmicos do curso de Medicina da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Cecília Alcântara Braga
Praça do Sol, 35, Bairro Santa Lúcia
Belo Horizonte, MG - Brasil, CEP: 30360-610
E-mail: vivianresen@gmail.com

Recebido em: 22/04/2010
Aprovado em: 05/04/2011

Instituição: Grupo de Fígado, Vias Biliares, Pâncreas e Baço do Instituto Alfa de Gastroenterologia, Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte, MG - Brasil

Resumo

Tumor sólido pseudopapilar do pâncreas, também conhecido como tumor de Frantz, é neoplasia rara, de etiologia desconhecida, baixo potencial maligno e bom prognóstico, que acomete geralmente pacientes jovens do sexo feminino. Relata-se um caso de tumor de Frantz em paciente feminino, de 29 anos de idade, cuja apresentação clínica foi de dor e massa abdominal palpável. A ressonância nuclear magnética do abdômen evidenciou grande lesão sólido-cística proveniente da porção distal do pâncreas. O tratamento cirúrgico do tumor de Frantz pela ressecção distal do pâncreas com preservação do baço foi realizado e mostrou ser eficaz e sem morbidade pós-operatória. A opção pela cirurgia conservadora deve ser considerada, pois o conhecimento de que pacientes esplenectomizados apresentam aumento da morbidade e mortalidade justifica a tendência de preservá-lo.

Palavras-chave: Pâncreas; Neoplasias Pancreáticas/diagnóstico; Neoplasias Pancreáticas/cirurgia; Pancreatectomia.

 

INTRODUÇÃO

O tumor sólido pseudopapilar do pâncreas (tumor de Frantz) é neoplasia rara reportada pela primeira vez em 1934, por Lichtenstein, em mulher de 44 anos de idade.1 No entanto, só foi descrito em 1959, por Frantz, que relatou quatro casos diagnosticados erroneamente como tumores não funcionantes das células das ilhotas do pâncreas e os descreveu como nova entidade, à qual deu a denominação de "tumor papilar do pâncreas".2 Diversas denominações já foram associadas a esse tumor, como: neoplasia cística papilar, carcinoma cístico papilar, tumor sólido e cístico de células acinare, tumor císitco e sólido e tumor papilar de baixo grau. A Organização Mundial de Saúde, em 1996, considerou como consenso o termo o termo tumor sólido pseudopapilar do pâncreas.3

Constitui-se em neoplasia rara, de bom prognóstico, que acomete geralmente mulheres jovens, localizando-se em qualquer porção do pâncreas, com mais frequência em sua cauda4, raramente invadindo estruturas adjacentes.5

Apesar de poucos casos terem sido descritos na literatura, o diagnóstico de tumor sólido pseudopapilar do pâncreas deve ser considerado em mulheres jovens que apresentem tumor volumoso arredondado e bem delimitado em região hipocôndrica esquerda.6 Por apresentarem bom prognóstico e por serem curáveis, a ressecção está indicada. O tratamento cirúrgico visa à cura e ao controle locorregional, uma vez que são tumores de baixo potencial maligno.7

 

RELATO DO CASO

Paciente feminina, de 29 anos de idade, ao fazer propedêutica para dor abdominal, foi realizada ultrassonografia (US) abdominal que identificou lesão no hipocôndrio esquerdo. História de dor poliarticular desde a infância, com anticorpo antiestreptolisina O (ASLO) em valores sempre aumentados. Negava etilismo e uso de anticoncepcionais orais. Apresentava-se em bom estado geral, corada, hidratada, anictérica e afebril. Presença de tumoração palpável na região do hipocôndrio esquerdo, bem delimitada, móvel e dolorosa à manipulação.

A ressonância nuclear magnética (RNM) do abdômen revelou grande lesão sólido-cística proveniente da porção distal do pâncreas, de limites precisos e paredes espessadas, que exercia efeito compressivo em baço e rim esquerdo (Figura 1). Os marcadores tumorais dosados (CA125, CA19-9, CEA e AFP) eram normais.

 


Figura 1 - Ressonância nuclear magnética do abdômen evidenciando grande tumoração no hipocôndrio esquerdo (cauda do pâncreas), comprimindo baço e rim esquerdo.

 

A paciente foi submetida à laparotomia, durante a qual se encontrou lesão volumosa na cauda do pâncreas, de consistência sólido-cística, paredes espessadas, limites precisos, não aderida aos órgãos adjacentes e ausência de metástases (Figura 2). Realizou-se pancreatectomia corpo-caudal com preservação esplênica (Figura 3), sendo o tumor ressecado com sua cápsula íntegra, medindo aproximadamente 11,0 x 11,0 x 9,0 cm. O exame histopatológico peroperatório por congelação diagnosticou lesão pancreática com características benignas.

 


Figura 2 - Laparotomia evidenciando tumor bem delimitado na cauda do pâncreas.

 

 


Figura 3 - Preservação esplênica após ressecção do tumor.

 

O exame anatomopatológico revelou, à macroscopia, massa sólida e cística, bem delimitada e encapsulada de coloração cinza-avermelhado. Os achados histológicos após inclusão em parafina revelaram tumor sólido pseudopapilar do pâncreas.

A paciente evoluiu bem, recebendo alta no sétimo dia pós-operatório. Estava assintomática e sem evidência da doença após seis meses do tratamento cirúrgico.

 

DISCUSSÃO

O tumor sólido pseudopapilar do pâncreas (tumor de Frantz) é neoplasia de etiologia desconhecida, de baixo potencial maligno e bom prognóstico (sobrevida de 97% em dois anos e 95% em cinco anos).4 É comumente encapsulado, de crescimento lento e raras vezes invade estruturas vizinhas.5 A disseminação linfática é raramente observada e metástases hematogênicas são esporádicas, com poucos casos descritos, sendo o fígado o local mais atingido.8

Tem sido notado, recentemente, o aumento de sua incidência, com mais de dois terços dos casos descritos nos últimos 10 anos.9 A possível explicação para esse fato é o melhor conhecimento de sua existência, da grande disponibilidade de marcadores imuno-histoquímicos e de estudos retrospectivos nos quais se encontraram casos não identificados previamente.5

Ocorre em aproximadamente 0,1 a 2,7% dos tumores pancreáticos e em 5 a 12% das neoplasias císticas do pâncreas.6 Em 718 casos relatados na Inglaterra, em período superior a 70 anos, ressaltou-se que mais de 90% dos pacientes são mulheres, com idade média de 22 anos.4 A maior série relatada no Brasil é constituída de 14 casos, do Serviço de Cirurgia de Vias Biliares e Pâncreas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo.10

A sintomatologia associada ao tumor é inespecífica em 90% dos pacientes, sendo os mais comuns a dor abdominal de leve intensidade e massa abdominal palpável, que no momento do diagnóstico apresenta, comumente, grandes dimensões.4 A despeito disso, a invasão de estruturas adjacentes é rara, o que torna a ressecção possível na maioria dos pacientes.9 Há relatos desses tumores na cauda, corpo ou cabeça do pâncreas, sendo a primeira localização a mais frequente.4 Em razão de seu lento crescimento, os tumores de Frantz possuem em torno de 6 cm no momento do diagnóstico, já tendo sido observadas lesões de até 30 cm.6

O diagnóstico é realizado por meio de exames de imagem, como US abdominal, tomografia computadorizada e RNM. Os principais achados são de lesão arredondada, heterogênea, encapsulada, com áreas císticas e sólidas, bem como calcificações ou septações internas, com deslocamento de estruturas vizinhas.6 Os marcadores tumorais contribuem pouco para o diagnóstico, uma vez que raramente estão elevados. Podem ser observadas, ocasionalmente, elevações mínimas de CA19-9.5

A ressecção cirúrgica é o melhor tratamento para os tumores sólidos pseudopapilares do pâncreas e depende da localização da lesão. Lesões no corpo ou na cauda, como neste relato, devem ser ressecadas com pancreatectomias distais, uma vez que é lesão com características benignas. A duodenopancreatectomia com preservação do piloro deve ser indicada para tumores localizados na cabeça do pâncreas.9 As taxas de ressecabilidade são altas, em virtude do tumor, ao crescer, deslocar as estruturas adjacentes em vez de invadi-las.11 A linfadenectomia regional somente é indicada se existirem linfonodos volumosos e suspeitos de comprometimento. Se houver metástases no fígado, a hepatectomia ou a enucleação deve ser tentada, uma vez que oferece controle da doença a longo prazo ou mesmo a cura.7

A ressecção distal do pâncreas com preservação do baço já foi estudada no trauma para tratamento de lesões localizadas no corpo e cauda.12,13 A opção pela cirurgia conservadora deve ser sempre considerada, pois o baço é órgão do sistema fagocitário mononuclear com importante papel na defesa orgânica, sobretudo contra microrganismos encapsulados; e o conhecimento de que esplenectomizados apresentam aumento da morbidade e mortalidade séptica14 justifica a sua preservação.12,15 A preservação do polo superior do baço, que é irrigado pelos vasos esplenogástricos, pode ser a opção quando há necessidade de ligadura da artéria e veia esplênicas.13, 16-18 Este procedimento já foi descrito para tratamento do trauma esplênico grave envolvendo o hilo e na hipertensão porta associada à desconexão ázigo-portal.16, 18-20

Em conclusão, o tratamento cirúrgico do tumor de Frantz pela ressecção distal do pâncreas com preservação do baço mostrou-se eficaz e sem morbidez pós-operatória.

 

REFERÊNCIAS

1. Lichtenstein L. Papillary cistadenocarcinoma of the pancreas. Am J Cancer. 1934;21:542-53.

2. Frantz VK. Tumors of the pancreas. In: Armed Forces Institute of Pathology. Atlas of tumor pathology. Section VII, Fascicles 27 and 28. Washington (DC): Armed Forces Institute of Pathology; 1959.

3. Kloppel G, Solcia E, Longnecker DS, Capella C, Sobin LH. Histological typing of tumors of the exocrine pancreas. New York: Springer; 1996.

4. Papavramidis T, Papavramidis S. Solid pseudopapillary tumors of the pancreas: review of 718 patients reported in english literature. J Am Coll Surg. 2005;200:965-72.

5. Costa SRP, Henriques AC, Godinho CA, Miotto MJ, Costas MC, Horta SH, et al. Tumor papilar sólido-cístico do pâncreas: aspectos clínico-radiológicos e resultados cirúrgicos em cinco pacientes operados. einstein. Einstein (São Paulo); 2007;5(2):161-5.

6. Mortenson MM, Katz MH, Tamm EP, Bhutani MS, Wang H, Evans DB, et al. Current diagnosis and management of unusual pancreatic tumors. Am J Surg. 2008;196:100-13.

7. Casadei R, Santini D, Calculli L, Pezzilli R, Zanini N, Minni F. Pancreatic solid-cystic papillary tumor: clinical features, imaging findings and operative management. JOP. 2006;7:137-44.

8. Vollmer C, Dixon E, Grant D. Management of a solid pseudopapillary tumor of the pancreas with liver metastases. HPB (Oxford). 2003;5:264-7.

9. Costa-Neto GD, Amico EC, Costa GI. Solid-pseudopapillary tumor of the pancreas: report of four cases. Arq Gastroenterol. 2004;41:259-62.

10. Cunha JEM, Machado MCC, Penteado S, et al. Tratamento dos tumores císticos do pâncreas. In: Habr-Gama A, Gama-Rodrigues J, Machado MCC, et al., editors. Atualização em cirurgia do aparelho digestivo e coloproctologia. São Paulo: Frôntis Editorial; 2002. p. 187-95.

11. Yoon DY, Hines OJ, Bilchik AJ, Lewin K, Cortina G, Reber HA. Solid and papillary epithelial neoplasms of the pancreas: aggressive resection for cure. Am Surg. 2001;67:1195-9.

12. Abrantes WL, Silva RCO, Riani EB, Freitas MAM. Preservação do baço na pancreatectomia distal por trauma. Rev Col Bras Cir. 2002;29:83-7.

13. Warshaw AL. Conservation of the spleen with distal pancreatectomy. Arch Surg. 1988;123:550-3.

14. Green JB, Shackford SR, Sise MJ, Fridlund P. Late septic complications in adults following splenectomy for trauma: a prospective analysis in 144 patients. J Trauma. 1986;26:999-1004.

15. Pachter HL, Hofstetter SR, Liang HG, Hoballah J. Traumatic injuries to the pancreas: the role of distal pancreatectomy with splenic preservation. J Trauma. 1989;29:1352-5.

16. Petroianu A, Resende V, Silva R, Alberti L. Late follow-up of patients submitted to subtotal splenectomy: late clinical, laboratory, imaging and functional with preservation of the upper splenic pole. Einstein (São Paulo). 2008;6:247-61.

17. Resende V, Petroianu A. Functions of the splenic remnant after subtotal splenectomy for treatment of severe splenic injuries. Rev Assoc Med Bras. 2002;48:26-31.

18. Petroianu A. Treatment of cystadenoma of the pancreatic tail by distal pancreatectomy and subtotal splenectomy. Dig Surg. 1995;12:259-61.

19. Petroianu A. Subtotal splenectomy and portal variceal disconnection in the treatment of portal hypertension. Can J Surg. 1993;36:251-4.

20. Resende V, Petroianu A. Esplenectomia subtotal no tratamento do trauma esplênico grave. Rev Col Bras Cir. 1999;24(4):205-7.