ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Anestesia venosa: análise do desempenho quando comparada à anestesia com anestésicos inalatórios
Total intravenous anesthesia: analysis of performance when compared to inhalational anesthetics anesthesia
Thobias Zapaterra César1; Thulio Zapaterra César2; Anamaria Ruiz Combat3; Bruno Carvalho Cunha de Leao4
1. Médico-Residente em Anestesiologia. Centro de Ensino e Treinamento - CET do Hospital Júlia Kubitschek da Fundaçao Hospitalar do Estado de Minas Gerais - FHEMIG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Médico-Residente em Anestesiologia. CET do Hospital Luxemburgo. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Médica Anestesiologista. Título Superior em Anestesiologia - TSA pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia - SBA. Responsável pela Residência de Anestesiologia do CET-SBA do Hospital Júlia Kubitschek da FHEMIG. Belo Horizonte, MG - Brasil
4. Médico Anestesiologista. TSA-SBA. Corresponsável pelo CET-SBA do Hospital Júlia Kubitschek da FHEMIG, Maternidade Odete Valadares, Hospital Life Center. Belo Horizonte, MG - Brasil
Thobias Zapaterra César
E-mail: biaszapa@hotmail.com
Instituiçao: Hospital Júlia Kubitschek - FHEMIG Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
A anestesia venosa é uma técnica consagrada nos dias atuais e compará-la com a anestesia que utiliza anestésicos inalatórios faz parte do dia a dia do anestesiologista. Por isso, avaliar o desempenho de uma em relação à outra ajuda a definir qual técnica utilizar em diferentes contextos. Em cirurgias não cardíacas a escolha não tem impacto direto sobre a mortalidade, porém a anestesia venosa esta associada à reduzida incidência de náuseas e vômitos no pós-operatório, o que pode ser visto também nas cirurgias ambulatoriais. Já para cirurgias cardíacas, há bom nível de evidência que estimule o uso dos agentes inalatórios, uma vez que contribuem com melhores desfechos, tanto em relação à morbidade quanto à mortalidade. Assim, a escolha da técnica anestésica deve ser individualizada e levar em conta as características do paciente e as evidências atuais existentes sobre cada uma delas.
Palavras-chave: Anestesia Intravenosa; Anestesia por Inalação; Cirurgia Torácica; Mortalidade; Morbidade.
INTRODUÇÃO
A rotina do médico anestesiologista envolve a escolha da melhor técnica anestésica para a realização de diferentes procedimentos cirúrgicos. Naqueles em que a anestesia geral (AG) se faz necessária, compreender as diferenças, benefícios e desvantagens de cada técnica é essencial para proporcionar um resultado satisfatório.
Basicamente, para a realização de AG existem três técnicas disponíveis: a) inalatória (AIN) - quando indução e manutenção ocorrem por um anestésico volátil; b) balanceada (ABAL) - indução com drogas venosas e manutenção com agente inalatório; c) venosa total (AVT) - indução e manutenção apenas com drogas venosas.1
A anestesia venosa é uma técnica consagrada nos dias atuais. Optar por ela em detrimento à anestesia inalatória é uma questao recorrente.
Este trabalho visa analisar o desempenho da AVT quando comparada ao uso de anestésicos inalatórios (AI) no que diz respeito a pontos práticos que envolvem o dia a dia da profissão. Para a decisão por uma das técnicas, o anestesiologista deve considerar aspectos clínicos do paciente, tipo de cirurgia, duração do procedimento, vantagens e desvantagens evidenciadas por cada uma delas.
HISTORICO DA ANESTESIA VENOSA
A anestesia venosa envolve a administração de drogas diretamente na circulação sanguínea, portanto, só foi possível com o advento de dispositivos especiais para uso endovenoso e com o surgimento e evolução das drogas.
Por mais que o conceito de seringa tenha sido descrito por Galeno (129-199 d.C.), a ideia é originária do século XV. Porém, o primeiro modelo, de prata, só surgiu em 1853, com Charles Pravaz. Alexander Wood (1817-1884) foi o primeiro a administrar medicamentos por meio de uma seringa acoplada à agulha hipodérmica, realizando, entao, a primeira anestesia venosa. Depois disso, várias seringas surgiram, combinando metal e vidro ou vidro apenas, e as seringas descartáveis começaram a ser utilizadas somente na década de 1960.2
Dispositivos para canular as veias evoluíram de agulhas rudimentares metálicas a dispositivos plásticos inseridos por meio de dissecção da veia, até quando David J. Massa, em meados da década de 1950, desenvolveu o conjunto tubo plástico sobre agulha (Rochester needle). Isso permitiu a canulação de veias por punção, sendo amplamente disponibilizado comercialmente em 1957.3 Este pode ser considerado o protótipo do abocath que é utilizado nos dias de hoje.
Tendo desenvolvido o meio para administração de drogas (seringas e agulhas), diferentes fármacos foram usados por via endovenosa com fins anestésicos: hedontal4, paraldeído5, sulfato de magnésio6, álcool etílico, éter dietílico em salina a 5% e clorofórmio7 com resultados pouco satisfatórios.
A anestesia venosa moderna só se desenvolveria mais tarde no século XX, com a introdução dos barbitúricos. O tiopental (1934), apesar de ter sido culpado de várias mortes no ataque a Pearl Harbor, nos EUA, tornou-se clinicamente preferido, pelo seu rápido início de ação e curta duração e foi amplamente utilizado até a chegada do propofol na década de 1970. Outros hipnóticos e analgésicos do uso cotidiano também foram desenvolvidos na segunda metade desse século, como os benzodiazepínicos (diazepam - 1959, lorazepam - 1971, midazolam - 1976, cetamina -1962, etomidato - 1964, fentanil - 1959, sufentanil - 1979, alfentanil - 1980 e remifentanil - 1996).8
O desenvolvimento tecnológico e a melhor compreensão de conceitos farmacocinéticos e farmacodinâmicos das drogas permitiram o surgimento de dispositivos informatizados de infusão contínua a partir da década de 1980. Isso culminou na liberação da primeira bomba de infusão alvo-controlada (TCI - "Target Controlled Infusion") na década de 1990. A parti daí, diversos modelos farmacocinéticos ganharam notoriedade, como os do propofol (Marsh, Fast Marsh e Schnider), Remifentanil (Minto), alfentanil (Maltre) e sulfentanil (Gepts).9
ANESTESIA VENOSA: TÉCNICA, VANTAGENS, DESVANTAGENS E CUIDADOS
A AVT pode ser feita com bolus único, bolus intermitente ou infusão contínua: manualmente controlada (seguindo nomogramas específicos por drogas, com taxas de infusão decrescentes) ou alvo-controlada (bombas especiais que utilizam de modelos farmacocinéticos específicos por droga para realizar a infusão: TCI).
A escolha das drogas para essa técnica deve levar em conta as características do fármaco ideal: rápido início de ação (½ Ke0 baixo e Ke0 elevado), pouca distribuição pelos compartimentos periféricos (músculo e gordura), clearance elevado, mínimos efeitos cardiovasculares e respiratórios, amplo intervalo terapêutico, ação antiemética, antioxidante e anti-inflamatória, não liberar histamina, facilmente titulada, não poluir meio ambiente, não interagir com outras drogas anestésicas e não ter metabolitos ativos. Nenhuma droga disponível nos dias de hoje reúne todas essas características, mas o propofol e o remifentanil apresentam grande parte delas, o que explica a popularidade dessa associação.
Suas principais vantagens são: indução, manutenção e despertar suaves, não exposição aos anestésicos voláteis, uso de droga com ação antiemética, estabilidade cardiorrespiratória e mínimos efeitos colaterais. Como principais desvantagens estao: necessidade de equipamento especial, custo, variabilidade interpessoal da CP50 e DE50 das drogas, modelos preditores de concentrações no plasma e sítio efetor (ausência de mensuração em tempo real das concentrações) e altos índices de apneia (não ideal para cirurgias em que se pretende manutenção da ventilação espontânea).
Assim, para usá-la com segurança, o anestesiologista deve estar familiarizado e treinado no manuseio das bombas e seus modelos farmacocinéticos, além de atentar para a programação correta da bomba (droga, volume, concentração, dados do paciente), o risco de desconexão e, portanto, de despertar peroperatório.
ANALISE DE DESEMPENHO NO DESPERTAR E NAS NAUSEAS E VOMITOS NO POS-OPERATORIO (NVPO)
A AVT como feita nos dias de hoje é recente na história da anestesia e tornou-se mais popular nos últimos 20 anos por causa do desenvolvimento de drogas com características farmacocinéticas e farmacodinâmicas adequadas para infusão contínua, de tecnologias de administração e do avanço na monitorização, o que permite sua execução de forma mais segura.
O objetivo deste tópico é analisar o desempenho da AVT frente às técnicas que envolvem a AI em relação a dois pontos de interesse: despertar e náuseas e vômitos no pós-operatório.
DESERTAR DA ANESTESIA
O despertar após anestesia é um processo complexo que depende de características do paciente, da cirurgia e das drogas administradas.10 O propofol apresenta meia-vida contexto-sensitiva (MVCS) de 20-30 min após infusão contínua de 2-8 horas e seu elevado clearance e redistribuição permitem que isso ocorra rapidamente. O tempo de retorno à consciência após AVT usando propofol e um opioide dependerá basicamente deste último. A associação propofol e remifentanil permite despertar mais rápido quando combinado com fentanil, sufentanil ou alfentanil.11
Tang et al. encontraram baixo custo, melhor qualidade no despertar e satisfação nos pacientes que receberam AVT baseada no propofol, quando comparada à inalatória com sevoflurano.12 Em relação às funções cognitivas, Larsen et al. concluíram em seu trabalho que o retorno às funções cognitivas é mais precoce no grupo AVT quando comparados à anestesia inalatória (sevoflurano ou desflurano).13 Para avaliar o bem-estar após o despertar anestésico, Hofer et al. compararam a técnica venosa com a inalatória, utilizando ferramentas específicas para avaliar o humor (Adjective Mood Scale) e a ansiedade (State-Trait-Anxiety Inventory) e obtiveram melhores resultados em favor da anestesia venosa para os primeiros 90 min de pós-operatório.14
Apesar disso, Moore et al.15, em estudo randomizado e controlado (RCT - Randomized Controlled Trial") com 1.158 pacientes, analisaram as características do despertar em cirurgias ambulatoriais. Compararam AVT com propofol, ABAL (com propofol na indução) e AIN e constataram não haver diferenças quanto ao tempo de despertar, cognição após despertar, tempo de alta para domicílio ou taxas de readmissão hospitalar nos grupos. Mas a incidência de náuseas e vômitos foi menor no grupo AVT.
Náuseas e vômitos pós-operatórios
Considerados entre as complicações mais indesejadas pelos pacientes, náuseas e vômitos pós-operatórios (NVPO) apresentam incidência geral estimada de 30%, podendo chegar a 80% nos grupos de risco.16 O propofol tem ação antiemética e vários são os mecanismos que tentam explicar esse fato, entre eles a dessensibilização de quimiorreceptores (zona de gatilho), redução de glutamato e aspartato no córtex olfatório, redução de serotonina na área postrema, redução de dopamina em nível central e ação inibitória sobre núcleos vagais.17 Portanto, o uso de AVT com propofol reduz a incidência em aproximadamente 25%18, sendo seu efeito mais pronunciado nas primeiras 6h - número necessário para tratar (NNT) = 5.19 A concentração plasmática associada a esse efeito é de 343 ng/mL, que pode ser alcançado com bolus de 10 mg de propofol, seguido de infusão de 10 mcg/kg/min.20 Zuckerman et al.21, em revisão sistemática de 58 estudos, confirmou também que a AVT com propofol é mais efetiva que a anestesia inalatória em reduzir NVPO em pacientes após alta hospitalar.
ANESTESIA VENOSA EM CONTEXTOS ESPECIFICOS: NEUROCIRURGIA, CIRURGIA CARDIACA E CIRURGIAS AMBULATORIAIS
Neurocirurgia
Na prática diária é comum o questionamento se há superioridade de uma técnica sobre a outra. Diversos são os tipos de neurocirurgia, sendo as mais frequentes (2007-EUA): artrodeses de coluna (54%), procedimentos endovasculares da coluna (20%), craniotomias por tumor (11%), outras craniotomias (9%) e procedimentos intracranianos endovasculares (15%). A neurocirurgia também caminha para procedimentos minimamente invasivos e os procedimentos intracranianos endovasculares aumentaram 32% em 2013 nos EUA.22
A anestesia ideal para neurocirurgia deve buscar algumas características importantes, como: redução da taxa metabólica cerebral (TMC), estabilidade hemodinâmica, preservação da autorregulação cerebral, mínimo efeito sobre a pressão intracraniana (PIC) e despertar rápido e suave (sem dor, tosse ou agitação psicomotora).23
Na AVT, o propofol (hipnótico mais utilizado) tem propriedades neuroprotetoras: reduz a PIC, fluxo sanguíneo cerebral (FSC), TMC e edema24, além de permitir indução e recuperação rápida. Em relação aos opioides, aqueles mais associados à redução do FSC e TMC são fentanil e sufentanil.25
Os AIs também são neuroprotetores. Isso ocorre por meio de diferentes mecanismos: ação agonista GABA e antagonista NMDA, ativação de canais de potássio ATP-dependentes e melhor acoplamento fluxo/metabolismo - redução da TMC (principalmente com sevoflurano, enflurano e isoflurano)25. E também a partir da regulação da síntese de Oxido Nítrico e de fatores pró-apoptóticos (PI3K-AKT, MAPK/ERK, p38).26 Em pressões das artérias médias entre 60 e 150 mmHg, o efeito dos AIs sobre o FSC é aceitável, mas em valores superiores a esses há aumento exponencial e notório, o que pode aumentar a PIC.27 Quando usados até 1 concentração alveolar mínima (CAM), o balanço entre a queda na TMC e aumento do FSC é mantido, principalmente para os agentes mais novos (sevo, iso e desflurano). Portanto, em pacientes com complacência intracraniana normal o efeito dos AIs sobre a hemodinâmica cerebral é desprezível.
Já nas situações em que a autorregulação é perdida, como trauma cranioencefálico (TCE), tumores, hematomas e infecções do sistema nervoso central, eles podem aumentar FSC e a PIC de maneira mais significativa, o que torna a AVT mais atraente.28
Para procedimentos intracranianos, Todd et al. não encontraram diferenças significativas na PIC quando compararam os dois grupos (AVT-propofol e fentanil versus ABAL - isoflurano), mas o despertar foi mais rápido na AVT.29 Em metanálise envolvendo 1.819 pacientes submetidos a craniotomias eletivas, a incidência de NVPO foi menor também na AVT.30 Algumas vantagens dos AIs sobre a AVT foram vistas por Engelhard et al., como menos tosse durante o despertar (o que previne elevação da PIC), mais estabilidade hemodinâmica e estabilidade do FSC.31
Para cirurgias da coluna, a monitorização eletrofisiológica intraoperatória (MEI) exerce importante papel na manutenção da integridade e função das estruturas neuronais em risco durante a cirurgia. Está indicada para correção congênita de malformações da coluna, de escoliose com ângulo maior que 45°, ressecção de tumores medulares e descompressão por estenose.32-36 São utilizados os potenciais evocados somatossensoriais (PESS) e potencial evocado motor (PEM). E para o funcionamento adequado, é importante utilizar técnica anestésica que não suprima ou altere a amplitude e latência desses potenciais. Os opioides produzem reduzido aumento na latência e pequena redução na amplitude de PEM e PESS.37
Avila et al. mostraram que preservar a MEI correlaciona-se a melhores resultados neurológicos, pois mudanças nos sinais podem indicar dano neural, forçando a checagem da instrumentalização, pressão arterial e temperatura do paciente.32
Tem-se demonstrado que os anestésicos inalatórios suprimem PEM, reduzem a amplitude e prolongam a latência de PESS dose e agente-dependente, sendo o sevo e isoflurano os principais.37 Portanto, podem confundir na interpretação adequada do PEM, aumentando a incidência de falso-positivos para lesões nas cirurgias de coluna.38 Embora controverso, alguns autores sugerem que baixas concentrações (até 1 CAM) se mostram compatíveis com a monitorização. Sloan et al., comparando o efeito de AVT com 3% de desflurano nos potenciais evocados de pacientes submetidos à anestesia da coluna, não encontraram diferenças significativas no PESS e PEM entre os dois grupos.39 A AVT, por pouco influenciar nessa monitorização, tornou-se técnica de eleição nesse cenário.
Por fim, em pacientes vítimas de trauma cranioencefálico (TCE), os trabalhos comparando as duas técnicas são escassos. Grathwohl et al., em análise retrospectiva de 214 pacientes vitimas de TCE, compararam AVT com AI e encontraram baixa taxa de mortalidade no grupo AVT (5% versus 16%, p=0,02). Após controlar fatores de confundimento e realizar análise estatística, não viu correlação entre TIVA com melhores resultados em desfechos neurológicos (com base no Injury Severiy Score - ISS; Head Abbreviated Injuy Score - HAIS; Escala de Coma de Glasgow - ECG, déficit de base e taxa de craniotomias ou craniectomias).28
Cirurgia cardíaca
O efeito cardioprotetor do propofol é controverso e é atribuído aos efeitos antioxidantes em diversos tecidos, o que lhe conferiria proteção dose-dependente durante a isquemia e reperfusão.40 Esses efeitos foram demonstrados em modelos animais por até 48 horas.41
Apesar disso, os resultados clínicos são controversos. Estudos tipo RCT em cirurgias cardíacas mostram que AVT parece não oferecer alguma proteção miocárdica quando comparada aos agentes inalatórios42,43, enquanto outros não reportam diferenças entre as duas técnicas.44
Landoni et al.45 realizaram metanálise de 38 estudos RCT realizados de 1991 a 2012 incluindo 3.996 pacientes. Compararam AVT e ABAL (isoflurano, sevoflurano, desflurano), a maioria deles (63%) em cirurgias de revascularização miocárdica com circulação extracorpórea. Demonstraram redução de mortalidade no grupo dos AIs (OR=0,51, IC95% 0,33-0,81, p=0,004, NNT=74). Quando comparados à AVT, o sevoflurano (OR=0,31, IC95% 0,14-0,64) e desflurano (OR=0,43, IC95% 0.21-0.82) foram individualmente associados à redução de mortalidade.45 Apesar disso, não há dados suficientes hoje para comparar e mostrar superioridade de um AI sobre o outro. Esse resultado foi atribuído às propriedades cardioprotetoras dessas drogas.
Vários são os mecanismos citados na literatura que dao suporte aos efeitos na proteção miocárdica dos agentes inalatórios, como: ativação precoce de enzimas protetoras no intracelular, indução tardia de síntese de proteínas protetoras, efeito vasodilatador coronariano, anti-inflamatório, antioxidante, preservação da função miocárdica e estabilidade hemodinâmica peroperatória e, por fim, os mecanismos de pré e pós-condicionamento que atenuam a apoptose e necrose, reduzindo a disfunção miocárdica após isquemia e reperfusão.46
Ainda mais recente, reforçando a metanálise anterior, Christopher et al.46, em junho de 2016, publicaram nova metanálise de 68 estudos RCT, incluindo 7.104 pacientes adultos submetidos a cirurgias cardíacas. Comparou-se a AVT à anestesia geral com AI (sevoflurano, isoflurano, desflurano).
O grupo dos AIs obteve melhores resultados, com redução de mortalidade (OR=0,55; IC95% 0,35-0,85; p=0,007) e menos morbidade (baixa incidência de complicações - OR=0,74; IC95% 0,58-0,95; p=0,020, incluindo as pulmonares - OR= 0,71; IC95% 0,52-0,98; p=0,038), mas sem alterar o tempo de internação em UTI ou tempo de internação hospitalar. Este resultado favorável aos agentes inalatórios não foram significativos quando se avaliaram cirurgias não cardíacas (mama, ortopédicas, torácicas e abdominais).46
As evidências atuais são consistentes e atestam que em cirurgias cardíacas o desempenho da AVT é inferior a qualquer técnica que envolva os AIs, devendo, portanto, ser evitada nesse contexto.
Cirurgias ambulatoriais
As cirurgias ambulatoriais são uma realidade cada vez maior em nosso meio e são aquelas em que o paciente tem alta para domicílio no mesmo dia de sua cirurgia. Isso reduz o tempo de permanência hospitalar e, consequentemente, os custos em saúde.
Para isso, a melhor técnica anestésica é aquela que permite o despertar precoce e a baixa incidência de complicações que podem fazer com que o paciente seja readmitido para internação. Devem ser evitadas: complicações cardiorrespiratórias, distúrbio cognitivo ou comportamental e NVPO. Dessa forma, cresce o interesse em avaliar se há benefício de uma técnica anestésica sobre a outra.
Em revisão recente publicada pela Cochrane, em 2014, Ortiz et al. analisaram 16 estudos RCT com 900 crianças, comparando AVT e inalatória em cirurgias ambulatoriais. Considerando distúrbios comportamentais e NVPO, melhores resultados foram obtidos no grupo da AVT. Não houve diferença em relação a complicações respiratórias ou cardiovasculares no peroperatório, ao tempo de despertar e à alta hospitalar. Porém, os próprios autores concluem que o nível de evidência desses resultados é baixo, devido à heterogeneidade dos estudos, o que impediu, inclusive, a realização de metanálise.47
Também em 2014, Kumar et al.48, em revisão sistemática e metanálise comparando as duas técnicas em cirurgias ambulatoriais com 1.621 pacientes em 18 estudos RCT, não encontraram diferença em readmissões hospitalares inesperadas nos dois grupos. No grupo AVT, o custo foi 11 dólares maior, mas foram menores: as taxas de NVPO (mas não diferiram após alta hospitalar) e o tempo de internação médio (cerca de 14 minutos).48
Assim, com as evidências atuais, ambas as técnicas são adequadas, sendo que a AVT parece ser mais bem-indicada nos pacientes com mais riscos de NVPO.
CONCLUSÃO
A anestesia venosa é uma técnica útil e alternativa ao uso dos agentes inalatórios, podendo ser utilizada com segurança na maioria dos contextos cirúrgicos.
Em relação ao tempo de despertar anestésico, assemelha-se à inalatória realizada com os anestésicos mais modernos, como isoflurano, sevoflurano e desflurano, tendo como vantagem a baixa incidência de NVPO.
Para cirurgias não cardíacas, seu uso é seguro e deve ser técnica preferencial nos pacientes com alto risco de NVPO e naqueles com risco de hipertermia maligna. Nas neurocirurgias com monitorização de potenciais evocados, a AVT é preferível, porém, com base na literatura atual, há fortes evidências de que o uso de agentes inalatórios para cirurgias cardíacas é a melhor opção.
Independentemente da técnica escolhida, é preciso que o anestesiologista esteja familiarizado com ela, conhecendo-a e se atualizando para garantir melhores resultados e segurança aos pacientes.
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