ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Modelos farmacocinéticos para infusão alvo-controlada de propofol: comparativo entre Marsh e Schnider
Pharmacokinetic models for target controlled infusion of propofol: comparing Marsh and Schnider
Carlos Weber1; Thobias Zapaterra César1; Antônio Soares1; Ana Maria Ruiz Combat2
1. Médico-Residente em Anestesiologia. Centro de Ensino e Treinamento - CET, Sociedade Brasileira de Anestesiologia - SBA, Hospital Júlia Kubitschek da Fundaçao Hospitalar do Estado de Minas Gerais - FHEMIG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Médica Anestesiologista. Título Superior em Anestesiologia - TSA, SBA. Responsável pela Residência de Anestesiologia do CET-SBA do Hospital Júlia Kubitschek da FHEMIG. Belo Horizonte, MG - Brasil
Carlos Weber Rocha Junior
E-mail: carlosweberjr@gmail.com
Instituiçao: Hospital Júlia Kubitschek - FHEMIG Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
A anestesia venosa total envolve a realização de infusão contínua de drogas, sendo o hipnótico mais utilizado para esse fim o propofol. Com o objetivo de aperfeiçoar a técnica, diferentes dispositivos foram sendo desenvolvidos para facilitar o uso da infusão contínua de drogas na anestesia. O propofol é uma droga lipossolúvel que se distribui pelos diferentes compartimentos corporais após ser infundido por via endovenosa e o modelo farmacocinético tricompartimental é o que melhor descreve esta distribuição pelos tecidos corporais. O modelo de Marsh marcou o início do uso comercial da anestesia alvo-controlada. Os tamanhos dos compartimentos corporais foram estimados pelo peso corporal total e as taxas de eliminação e de transferência intercompartimentais fixas. O modelo de Schnider surgiu após o advento da monitorização processada do eletroencefalograma. O modelo considera V1 e V3 fixos e independe do peso do paciente, levando em conta diferentes variáveis para o cálculo de V2. O modelo de Marsh não possui ajustes de acordo com a faixa etária e apresentou valores de concentrações plasmáticas de propofol subestimados nos idosos. Um grande benefício do modelo de Schnider é o ajuste de doses e taxas de infusões de acordo com a idade. Dos modelos propostos neste artigo para comparação, não se vê superioridade de um sobre o outro no que diz respeito aos desfechos de hipnose e efeitos hemodinâmicos, desde que usados de forma adequada. O anestesista deverá utilizar aquele que esteja mais familiarizado com seu uso, evitando, assim, erros que possam colocar em risco a qualidade e segurança da anestesia.
Palavras-chave: Anestesia Intravenosa; Propofol; Propofol/farmacocinética; Farmacocinética.
INTRODUÇÃO
A anestesia venosa total envolve a realização de infusão contínua de drogas, sendo o hipnótico mais utilizado para esse fim o propofol. Isso ocorre por suas características farmacocinéticas e farmacodinâmicas, o que justifica sua popularidade em todo o mundo. No princípio, o manejo das drogas venosas era empírico em uma questao de tentativa e erro observando a relação dose-efeito. A infusão era ajustada de forma até que o máximo efeito desejado fosse alcançado com a mínima toxicidade. Múltiplas questoes como a duração do efeito após dose única, repetida ou infusão contínua permaneciam obscuras.1
Com o objetivo de aperfeiçoar a técnica, diferentes dispositivos foram sendo desenvolvidos para facilitar o uso da infusão contínua de drogas na anestesia, desde a bomba de infusão comum até as mais recentes e modernas. Estas últimas utilizam cálculos matemáticos para infusão inicial e manutenção, de modo a atingir um plano anestésico adequado, estável e com os menores efeitos colaterais possíveis: infusão alvo-controlada (do inglês Target Controlled Infusion - TCI). Hoje, as bombas de TCI estao amplamente disponíveis para o uso no dia a dia do anestesista em diferentes contextos. Com base em softwares que processam cálculos em tempo real utilizando equações matemáticas que descrevem a forma como o propofol se desloca entre os compartimentos corporais, essas bombas são capazes de estimar a concentração tanto no plasma como no local de efeito ou biofase.2
Esses softwares utilizam dados da farmacocinética do propofol como distribuição, redistribuição e velocidade de eliminação (clearance). Assim, diferentes modelos farmacocinéticos surgiram e são específicos para cada droga. Este trabalho objetiva apresentar as características dos modelos para o propofol, Marsh e Schnider, analisando suas semelhanças e diferenças e, ainda, os aspectos práticos de seu uso, contribuindo para ampliar a segurança anestésica dos pacientes.
BREVE HISTORICO
O surgimento do propofol na década de 1970 fez com que os pesquisadores estudassem o perfil dessa droga na hipnose. Permitiu a análise do tempo de despertar após doses únicas conhecidas e também após múltiplas doses, mostrando-se uma grande promessa e um dos mais atrativos perfis farmacológicos, já que se tratava de uma droga de curta duração e sem efeitos cumulativos. Manutenções anestésicas, mesmo com esquemas empíricos de infusão, foram acompanhados de rápida e clara recuperação do efeito da droga.3-6
Isso permitiu avanços no campo da farmacocinética clínica, área de análise quantitativa das concentrações de drogas em fluidos corporais resultante do uso de doses clínicas. Essa foi a base para que, na década de 1980, ocorresse o desenvolvimento dos modelos matemáticos farmacocinéticos a serem utilizados como estatísticas descritivas para os processos que regem a distribuição e eliminação de medicamentos. Assim, buscam predizer o que pode acontece no plasma e na biofase após infusões venosas em bolus contínuas ou a combinação de ambas.3
Diversos modelos já foram elaborados por diferentes autores. Utilizando-se de métodos específicos, chegaram a estimativas diversas do tamanho dos compartimentos corporais, velocidades (chamadas constantes-K) de transferência entre eles e do clearance das drogas.2
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
Com o intuito de se compreender os modelos farmacocinéticos, faz-se necessário rever e reforçar alguns conceitos e fundamentos envolvidos para a realização de anestesia venosa. O propofol é uma droga lipossolúvel que se distribui pelos diferentes compartimentos corporais após ser infundido por via endovenosa. Por isso, seu comportamento é mais bem descrito pelo modelo farmacocinético tricompartimental.7 Nesse modelo, os compartimentos são didaticamente divididos em V1 (representado pelo sangue e órgaos ricamente vascularizados - compartimento central), V2 (vísceras e músculos) e V3 (tecido adiposo). As taxas de transferências entre dois compartimentos são representados pela constante K. Exemplificando, K13 seria a constante de transferência de V1 para V3 e K31 o contrário. Já K10 representa a taxa de eliminação do fármaco e Ke0 a velocidade com que a droga deixa V1 em direção à biofase1 (Figura 1).
A distribuição rápida é considerada a saída da droga do sangue para os tecidos mais vascularizados e a distribuição lenta para o tecido adiposo. E, ainda, o termo redistribuição refere-se ao retorno das drogas dos tecidos para a circulação sanguínea. A biofase é o local onde os fármacos exercem as suas ações. No caso do propofol, seu efeito hipnótico é atingido pela ação no sistema nervoso central e, para isso, devem ser lipofílicos para atravessarem a barreira hematoencefálica. Assim, os efeitos não são imediatos, mas precisam de um tempo para surgirem, e são proporcionais a essa taxa de transferência entre esses compartimentos.
Esse tempo será maior quanto menor a velocidade de passagem do medicamento do plasma para o receptor. Essa velocidade de transferência é chamada de Ke0. O T1/2 Ke0 representa o tempo necessário para que a concentração na biofase seja a metade da concentração no plasma. Assim, fármacos com T1/2 Ke0 curtos possuem Ke0 altos e início de ação rápido. Em determinado momento, ocorrerá o equilíbrio entre as concentrações do plasma e da biofase. O tempo necessário para que isso ocorra é chamado de histerese. Por definição, corresponde a 4,32 meias-vidas do fármaco, logo, o tempo de histerese do propofol, a partir de seu T1/2 Ke0 de 2,4 minutos, é em torno de 12 minutos.7
Portanto, todos esses conceitos são incluídos para o desenvolvimento de um modelo farmacocinético de TCI como os do propofol. E tê-los bem consolidados é essencial para a compreensão e utilização com qualidade e segurança.
BASES DA ANESTESIA VENOSA ALVO-CONTROLADA
A anestesia venosa alvo-controlada incorpora os conceitos explicitados anteriormente. Após um bolus inicial da droga, que serve para atingir o alvo desejado de forma mais rápida, ocorre a infusão contínua para se manterem estáveis as concentrações no plasma e na biofase, com o menor acúmulo possível em V2 e V3. Quando se administra um fármaco por via endovenosa com uma dose/massa conhecida, ocorrerá diluição dessa massa no volume do compartimento onde ela é colocada. Matematicamente, massa sobre volume fornecerá uma concentração que pode ser medida. Assim, com massa conhecida e concentração aferida, pode-se estimar o volume teórico de distribuição de uma droga de cada compartimento, V1, V2 e V3.
Para facilitar, uniformizar e tornar prática sua utilização, esses volumes são correlacionados e descritos proporcionais ao peso do paciente. Isso permite o cálculo do tamanho desses compartimentos por quilograma de peso corporal. Nesse momento, surge um desafio de qual peso deve ser considerado: peso corporal real (PCR), peso corporal ideal (PCI) ou peso corporal magro (PCM). O método para quantificar o peso é um fator relevante para os cálculos farmacocinéticos nos modelos e mostrou-se determinante, principalmente nos extremos para as concentrações preditas no sangue e na biofase. Apresentam-se as três formas mais citadas neste trabalho para identificar o peso a ser considerado. O PCR é considerado o peso corporal total (Total body weight - TBW), já o PCI (Ideal body weight - IBW) pode ser obtido, para os homens, a partir da fórmula PCI = 45,4 + 0,89 x (altura [cm] - 152,4) + 4,5. Por fim, o PCM (Lean body mass - LBM) é definido pela fórmula de James que, para o sexo masculino, é PCM = 1,1 x peso - 128 x (peso/altura)2; e para as mulheres, LBM = 1,07 x peso - 148 x (peso/altura)2.8
Definido o peso a ser utilizado, valem algumas considerações em relação ao Ke0. Ele pode ser variável de acordo com o modelo escolhido e, por ser uma variável de velocidade, acabará determinando o tempo em que a bomba entregará a dose administrada para se atingir a concentração escolhida, seja ela no plasma ou na biofase. Portanto, quanto maior for o Ke0, mais rápida é a velocidade com que a bomba entrega a dose programada, mais rápida é a transferência da droga para a biofase, menos droga é necessária no bolus inicial e menor o tempo para se atingir o efeito.
Para exemplificar, basta recorrer aos modelos desenvolvidos por Marsh. No primeiro deles, conhecido como Marsh Original, na década de 1990, o Ke0 era de 0,26min-1. Assim, considerada uma velocidade de transferência baixa, o tempo para se atingir o efeito esperado na biofase era maior, o que tentava ser compensado por mais bolus de droga, resultando em efeitos hemodinâmicos maiores. Com o intuito de aperfeiçoamento, por volta do ano 2000, surgiu o Marsh Modificado (Fast Marsh), em que o Ke0 foi aumentado em torno de 4,5 vezes, passando para 1,21min-1. Isso permitiu reduzir o bolus inicial, o tempo de entrega da dose, diminuindo o over-shooting plasmático, proporcionando menos tempo para se atingir o alvo.9
O resultado final dos cálculos realizados pela bomba produzirá concentrações da droga no plasma e na biofase, o que está diretamente correlacionada aos efeitos desejados. Assim, pode-se calcular o regime de infusão necessário para obter-se o efeito clínico desejado e previamente programado utilizando dois alvos possíveis: concentração plasmática (modo plasma) ou na biofase (modo efeito).7
Como descrito por Absalom et al.1, ao escolher pelo alvo plasmático, as infusões serao tituladas para manter a concentração plasmática desejada constante. Sendo assim, o equilíbrio com o órgao efetor ocorrerá posteriormente de acordo com a histerese. A concentração plasmática aumentará progressivamente até o alvo escolhido e em momento algum ultrapassará esse alvo. A concentração na biofase será sempre menor que a plasmática e aumentará progressivamente até que o equilíbrio se estabeleça. Se o alvo é reduzido, a concentração plasmática cairá mais rapidamente que a da biofase até que o novo equilíbrio se estabeleça.1
Diferentemente, ao ter o órgao efetor como alvo, as bombas de TCI programam-se para atingir concentrações desejadas no alvo o mais rápido possível. Portanto, a concentração plasmática aumentará inicialmente de forma rápida, atingindo valores superiores aos programados. Isso faz com que a concentração na biofase seja atingida mais rapidamente. Entao, até que se estabeleça o equilíbrio, a concentração plasmática será maior do que na biofase. Ao cessar a infusão, ocorre diminuição da concentração plasmática e aumento da concentração no órgao efetor, atingindo o equilíbrio no valor estipulado. Se o valor-alvo for aumentado, novas infusões serao calculadas, se o valor for diminuído, cessa-se ou diminui-se a infusão para a redução da concentração. Ao diminuir o valor, a concentração plasmática será menor comparativamente à concentração no órgao-alvo até atingir novo equilíbrio.1
A magnitude do aumento da concentração plasmática é estimada essencialmente pelo Ke0 e pela taxa de diminuição da concentração do fármaco no plasma. Quanto menor o Ke0, maior seria o tempo para se entregar a dose, prolongando o tempo para se atingir o efeito. Para tentar compensar esse fato e reduzir esse tempo, a dose de bolus inicial é maior, fazendo com que se atinjam maiores concentrações plasmáticas (over-shooting).
Para validação e uso na prática clínica com segurança, é preciso garantir que as concentrações estimadas pela bomba não sejam demasiadamente diferentes das concentrações reais atingidas. Para isso, surgiram as medidas de avaliação de erro e acurácia dos modelos.
As quatro variáveis publicadas são: a) Média de Performance Absoluta de Erro (MDAPE) - medida da imprecisão que representa o percentual de erro existente entre a concentração prevista e a medida no plasma, devendo estar entre 20 e 40%); b) Média de Performance de Erro (MDPE), que avalia se a concentração prevista pelo sistema de infusão está superestimando ou subestimando a concentração medida ou real, devendo estar entre 10 e 20%); c) Wobble - medida da variabilidade intrapessoal; d) divergência - medida de tendência de erro, ou seja, mede o tamanho e a magnitude do erro ao longo do tempo de infusão.10
Não existe modelo perfeito e cada um apresenta suas peculiaridades em relação às medidas de erro. No modelo de Marsh, o MDAPE é de 24% e o MDPE é em torno de +16%, erro positivo, o que significa que a concentração plasmática real normalmente é maior do que a mostrada no visor da bomba, portanto, subestima a concentração plasmática real. Para Schnider, o erro do MDPE é negativo, o que faz com que superestime a concentração plasmática.
COMPARATIVO ENTRE OS MODELOS DE MARSH E SCHNIDER
O modelo de Marsh marcou o início do uso comercial da anestesia alvo-controlada, em 1997, sendo o que mais possui estudos publicados e, provavelmente, o que o torna mais popular.1
Na época em que foi desenvolvido, não se dispunha de monitorização da consciência e estimou-se o tamanho dos compartimentos corporais pelo peso corporal total (V1 = 0,228 L/kg, V2 = 0,463 L/kg e V3 = 2,893 L/kg). Foram consideradas as taxas de eliminação e de transferência intercompartimentais fixas.2
Inicialmente, a profundidade adequada da hipnose era avaliada apenas pelo monitoramento de sinais clínicos e dos dados hemodinâmicos. Ausems et al. publicaram uma classificação com medidas autonômicas (frequência cardíaca e variações de pressão sanguínea, sudorese ou lacrimejamento) e somáticas (movimentos ou salivação) para sedação adequada.7,11
O modelo de Marsh encontra-se presente na quase totalidade das bombas de infusão e foi desenvolvido baseado em estudo com 18 pacientes distribuídos igualmente em três grupos que receberam infusões contínuas de propofol nas taxas de 3, 6 e 9 mg/kg/h. Detalhes sobre a diversidade dos pacientes não foram divulgadas, mas supoe-se que continham alguns obesos e idosos, ou seja, com pacientes heterogêneos.1,2 O modelo de Marsh original foi substituído pelo Marsh modificado (Fast Marsh) na maioria das bombas após seu lançamento e é o que se encontra disponível nas bombas atuais, com o Ke0 de 1,21min-1.
O modelo de Schnider surge após o advento da monitorização processada do eletroencefalograma (EEG), permitindo associação de dados farmacocinéticos e farmacodinâmicos com os padroes de onda cortical proporcionados pelos diferentes graus de hipnose.2 Ondas eletroencefalográficas foram classificadas e quantificadas propiciando análise das respostas cerebrais a infusões de fármacos. O modelo foi desenvolvido a partir de um estudo com 24 voluntários de ambos os sexos, pesando entre 44 e 123 kg, com idades entre 25 e 81anos. O modelo considera V1 e V3 fixos e independem do peso do paciente. Leva em conta diferentes variáveis para o cálculo de V2 e taxa de eliminação como idade, altura e PCM, calculado pela fórmula de James, como explicitado anteriormente.9 O Ke0 é de 0,456min-1, portanto, intermediário entre os modelos de Marsh.1
O V1 fixo pode parecer absurdo, mas revela-se possível e mesmo razoável, já que o objetivo de V1 no modelo não é estimar o volume sanguíneo do indivíduo, mas sim o volume de distribuição do propofol nos momentos de bolus, seja na indução ou nas elevações da concentração-alvo, quando grande parte do fármaco injetado alcança o SNC antes de ser distribuído aos diversos tecidos dos organismos. Isso implica que, após o bolus inicial, o tempo de indução está muito mais relacionado ao Ke0 do que à massa colocada em V1, que varia pouco nos indivíduos adultos, independentemente de idade, altura ou peso.2
Após o pico, a taxa de decaimento da concentração plasmática varia de acordo com a idade do paciente, o que é bastante razoável, tendo em vista que a capacidade enzimática hepática e a função renal se alteram com o envelhecimento.1
No modelo de Schnider, a queda da concentração plasmática (V1), que se segue pela rápida distribuição ao V2, é entao calculada considerando-se a idade (assim como o próprio tamanho de V2) e é usada para estimar a reposição necessária ao V1. Já a constante de eliminação, K10, é o único parâmetro influenciado pela massa corporal. Essa variação complexa ocorre de acordo com o peso, a altura e a massa corporal magra (LBM), sem variar com a idade2. Resumidamente, somando-se as duas (reposição de V1 + eliminação K10), é obtida a taxa necessária para manutenção anestésica. A idade tem mais influência no início da manutenção, enquanto ocorre a redistribuição rápida de V1 a V2, reduzindo a taxa de manutenção em pacientes idosos.
DIFERENÇAS PRATICAS ENTRE OS MODELOS DE MARSH E SCHNIDER
O modelo de Schnider possui V1 fixo (4,27l), independentemente do peso. Se utilizado no modo plasma, o bolus inicial será o mesmo para todos os pacientes e a concentração plasmática aumentará lenta e gradualmente, seguida pela concentração na biofase, o que torna a indução lenta. Por isso, deve ser utilizado preferencialmente no modo efeito, fazendo com que a concentração inicial plasmática se eleve rapidamente, diminuindo o tempo para se atingir a hipnose.1
Por outro lado, no modelo de Marsh (e aqui consideraremos o Marsh Modificado, pois é o de que se dispoe hoje), o bolus inicial é proporcional ao peso, sendo, assim, maior que o bolus inicial no modelo de Schnider. Assim, o modo plasma é preferível e, se usado no modo efeito, o bolus inicial vai ser ainda maior, aumentando o risco de efeitos hemodinâmicos indesejados.
Em simulação comparativa entre os modelos Marsh Modificado e Schnider, Mats notou que para atingir na biofase concentração de 3,5 mcg/mL em um adulto do sexo masculino, de 40 anos, 70 kg, de 1,7 m de altura, no modelo Marsh modificado (Ke0 de 1,21min-1), o bolus inicial foi maior (85 vs 68 mg), o tempo para se entregar essa massa foi ligeiramente maior (28 vs 22s), o over-shooting foi menor (5 mcg/mL vs 13,4 mcg/mL), mas o tempo para se atingir o alvo foi igual nos dois modelos (1,5s).9 Em relação ao consumo de propofol, o modelo mais econômico é o Schnider modo plasma que, como visto anteriormente, não é usual. Comparativamente, em ordem decrescente de consumo para se manter infusão contínua de propofol com alvo fixo: Marsh modo efeito, Marsh modo plasma, Schnider modo efeito e Schnider modo plasma.
Pacientes idosos apresentam variações farmacocinéticas e farmacodinâmicas devido à idade. O modelo de Marsh não possui ajustes de acordo com a faixa etária e apresentou valores de concentrações plasmáticas de propofol subestimados nos idosos.13 Alvos de concentrações apropriados para pacientes jovens são associados a instabilidades hemodinâmicas em pacientes idosos. Idade avançada também é associada a uma sensibilidade farmacodinâmica aumentada aos efeitos do propofol.
Grande benefício do modelo de Schnider é o ajuste de doses e taxas de infusões de acordo com a idade. Sendo um bom argumento para seu uso em pacientes idosos e não sadios, nos quais menores bolus iniciais serao infundidos após aumentos da concentração-alvo desejada, aumentando a estabilidade hemodinâmica e a segurança do procedimento.1
Na condução da anestesia venosa total alvo-controlada em pacientes extremos ou críticos, pode-se optar por determinar a concentração-alvo para a perda de consciência do propofol previamente ao início da infusão de outras drogas, como os opioides. Depois de estabelecido esse valor, deve-se acrescentar margem de segurança em torno de 30% de acordo com a prática clínica. Com o propofol, garante-se o componente hipnótico da anestesia geral venosa total e, a partir daí, deve-se prover analgesia suficiente à intensidade dos estímulos em cada fase dos procedimentos com os fármacos adequados, evitando-se variar a concentração-alvo do mesmo. Em momentos com pouco estímulo nociceptivo pode-se, eventualmente, reduzir a concentração-alvo do propofol até o valor que foi necessário para a perda de consciência, mas não abaixo dele, a fim de minimizar o risco de memória e despertar intraoperatórios.2
Dois trabalhos recentes confirmaram que, em comparação a Marsh e Schnider, ambos em modo efeito, o tempo de perda da consciência do segundo modelo realmente é maior.14,15 Caso seja aumentado o alvo para diminuir o tempo de indução, é importante lembrar-se de reduzir o mesmo posteriormente, evitando-se maiores repercussões hemodinâmicas após a indução. O estudo demonstra que, apesar da variação das doses em bolus iniciais terem importante amplitude, as respostas hemodinâmicas não tiveram variações significativas. Vale a pena lembrar que os pacientes são ASA 1 e 2 sem extremos de idade e peso. Induções rápidas não são desejadas em idosos ou pacientes debilitados, devendo ser utilizados alvos menores, sejam plasmáticos ou locais de efeito.
OBESIDADE
No modelo de Marsh, após bolus inicial, grande quantidade da massa do propofol chega aos receptores em poucos segundos, causando inconsciência. Por esse motivo, não se observaram variações tao grandes na necessidade de propofol para indução, se se comparar pacientes obesos e não obesos. Por outro lado, devido ao seu alto volume de distribuição, o propofol migra para o terceiro compartimento (V3), ligando-se fortemente às gorduras e causando grandes reduções de sua concentração no plasma e na biofase no período de manutenção, com risco de memória e/ou despertar intraoperatório. Assim, ao utilizar o modelo de Marsh, deve-se informar à bomba o peso real do paciente. Se o valor programado exceder o limite, deve ser usado o maior valor possível. O bolus inicial, calculado de acordo com o peso, será maior que o necessário, podendo ser corrigido ao programar um alvo menor do que o necessário, por volta de 2 µg.mL-1. Caso seja necessário, pode-se aumentar de acordo com a necessidade.2
Estudo realizado por Ignacio Cortínez em Santiago, Chile, com 20 pacientes obesos (IMC> 35 kg/m2), ASA II e III, entre 18 e 60 anos foram submetidos à cirurgia bariátrica por via videolaparoscópica sob anestesia venosa total.15 Foram utilizados cinco modelos farmacocinéticos: Marsh, Schnider, Eleveld, Cortínez e van Kralingen.16-20 Após o estudo dos dados com a utilização do peso corporal total, o modelo de Eleveld foi o mais acurado de acordo com as concentrações das amostras sanguíneas e as concentrações estimadas pela bomba. Os modelos de Marsh e Schnider com o peso ajustado (ABW = peso corporal ideal + 0,4 x (peso corporal total - peso corporal ideal) evidenciaram os melhores resultados entre todos os modelos testados, sendo as melhores performances preditivas com erros aceitáveis da infusão alvo-controlada segundo cálculos a partir da metodologia proposta por Green et al.21,22
CONCLUSÃO
A utilização da anestesia venosa total com bombas que fazem TCI requer o conhecimento consolidado de conceitos farmacocinéticos e farmacodinâmicos incorporados nos modelos desenvolvidos.
Sem essa compreensão, o entendimento do que está sendo feito pela bomba se torna impossível, além de inseguro para o paciente. Como visto, é preciso ter em mente todos os pontos possíveis de erro quando se faz a anestesia venosa com bombas alvo-controladas. E considerá-los no planejamento anestésico é fundamental para garantir qualidade e segurança ao ato anestésico.
Dos modelos propostos neste artigo para comparação, não se vê superioridade de um sobre o outro no que diz respeito aos desfechos de hipnose e efeitos hemodinâmicos, desde que usados de forma adequada. Em relação ao consumo de propofol, o modelo de Schnider leva vantagem, podendo reduzir os custos gerais do ato anestésico. Além disso, nos idosos parece ser mais interessante, uma vez que leva em conta a idade para calcular as taxas de eliminação e manutenção da anestesia. Nos obesos o desafio é avaliar qual peso utilizar e parece não haver diferenças entre os modelos, sendo o fundamental ajustar o peso a ser considerado ao se programar a bomba.
O anestesista deverá utilizar aquele que esteja mais familiarizado com seu uso, evitando, assim, erros que possam colocar em risco a qualidade e segurança da anestesia.
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