ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Avaliação pré-operatória no paciente pneumopata
Preoperative assessment of pulmonary disease patient
Amanda Cristina de Oliveira Martins1; Roberto José Valadares2; Anamaria Ruiz Combat Tavares3
1. Médica-Residente de Anestesiologia. Fundaçao Hospitalar do Estado de Minas Gerais - FHEMIG, Hospital Júlia Kubitschek. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Médico Anestesiologista. Especialista em Clínica da Dor. FHEMIG, Hospital Alberto Cavalcanti. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Médica Anestesiologista. Coordenadora da Residência Médica em Anestesiologia. FHEMIG, Hospital Júlia Kubitscheck. Belo Horizonte, MG - Brasil
Amanda Cristina de Oliveira Martins
E-mail: amandacomwar@yahoo.com.br
Instituiçao: Fundaçao Hospitalar do Estado de Minas Gerais - FHEMIG Hospital Júlia Kubitscheck Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
As complicações pulmonares pós-operatórias (CPPO) representam grande parte das intercorrências que podem decorrer de um ato cirúrgico, gerando importante soma de gastos médicos na resolução do quadro. A avaliação pré-anestésica torna-se, entao, uma importante ferramenta para contornar ou minimizar essa situação. No paciente com fatores de risco para pneumopatia, consiste em detectar, por meio da anamnese, sinais e sintomas que indiquem uma afecção pulmonar não diagnosticada e lançar mão de exames direcionados para o diagnóstico. No paciente com diagnóstico prévio de doença pulmonar, observação das queixas atuais e exames complementares auxiliam na avaliação da atividade clínica da doença e seu estágio. Consulta especializada pode-se fazer necessária quando a doença do aparelho respiratório não for bem definida ou mesmo para otimização do tratamento e da condição clínica do paciente. Fatores inerentes ao paciente, além da pneumopatia, como idade, estado cognitivo, estado físico, capacidade funcional, independência física e fatores relacionados ao procedimento ao qual o paciente será submetido, como tipo de cirurgia, localização e tempo cirúrgico, associam-se a aumento do risco de complicações pulmonares. No meandro desta avaliação, existem exames laboratoriais, testes clínicos, testes físicos, testes pulmonares e exames de imagem que auxiliam na estimativa de risco de complicações pós-operatórias devido a uma condição basal preexistente. Palavras-chave: pneumopatia, complicações pós-operatórias, anestesia.
Palavras-chave: Pneumopatias; Pneumopatias/complicações; Complicações Pós-Operatórias; Anestesiologia; Cuidados Pré-Operatórios; Medição de Risco; Avaliação; Diagnóstico da Situação de Saúde.
INTRODUÇÃO
A avaliação pré-operatória do paciente cirúrgico é fortemente recomendada com a finalidade de estreitar laços na relação médico-paciente, diminuir sua ansiedade em relação ao procedimento anestésico, fornecer orientações e esclarecimentos ao paciente, bem como avaliar comorbidades diagnosticadas e as não diagnosticadas, para melhor planejar o ato anestésico e antever complicações. O paciente pneumopata se beneficia dessa avaliação na medida em que complicações pulmonares no pós-operatório passam a ser evitadas ou mesmo minimizadas, diminuindo consideravelmente sua morbimortalidade.1
De maneira geral, complicações pulmonares pós-operatórias (CPPO) possuem prevalência semelhante às complicações cardíacas2, onerando o sistema médico-hospitalar até que o paciente atinja sua estabilização. Incluem atelectasias, pneumonia, exacerbação de doença crônica (doença pulmonar obstrutiva crônica) e falência respiratória, sendo a última responsável em grande parte pelo aumento da morbimortalidade dos casos. O arsenal pré-anestésico do pneumopata baseia-se na minuciosa anamnese, queixas/sintomas atuais, tratamentos vigentes e interconsulta especializada, quando necessário, e exames complementares direcionados para o aparelho respiratório.
AVALIAÇÃO GERAL DO PACIENTE
A ferramenta inicial para estimar o estado de saúde do paciente e a gravidade de doenças pulmonares tem como ponto de partida a anamnese e exame físico médicos, observando-se o aspecto geral do paciente, grau de nutrição, cianose de extremidades, formato do tórax e padrao respiratório, além de atentar para as suas queixas, que podem ser tosse produtiva, cansaço, dispneia em repouso e/ou à movimentação e emagrecimento.1 Pontos importantes a serem avaliados, segundo a revisão de Brian K Bevacqua1:
▪ tosse persistente, produtiva ou seca;
▪ características da dispneia;
▪ infecções recentes e/ou recorrentes;
▪ má-nutrição;
▪ perda de mais de 10% do peso nos seis meses antecedentes;
▪ sinais compatíveis ou diagnóstico prévio de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC);
▪ queixas compatíveis ou diagnóstico prévio de síndrome da apneia obstrutiva do sono (SÃOS);
▪ comorbidades cardiovasculares, principalmente insuficiência cardíaca congestiva (ICC), angina pectoris e hipertensão pulmonar.
▪ exposição ocupacional a agentes contaminantes, por exemplo, o asbesto e poeiras tóxicas;
▪ uso prévio de medicamentos que podem causar lesão pulmonar, como bleomicina e amiodarona;
▪ tabagismo >20 maços-ano, bem como tabagismo passivo;
▪ altura laringeal máxima (medida do topo da cartilagem tireoide à fúrcula esternal em expiração) considerada normal quando > 4 cm;
▪ tolerância ao exercício: adequada se equivalente a 4 METs (capacidade de subir dois lances de escadas ou andar 350 a 400 metros sem dispneia).
Quanto ao diagnóstico de DPOC, este pode ser fortemente presumido quando o paciente apresenta menos de 45 anos, queixas do aparelho respiratório associado ao tabagismo crônico (>20 maços-ano) e altura laringeal máxima de 4 cm ou menor. A DPOC está relacionada a desordens pulmonares e cardíacas.1
AVALIAÇÃO PULMONAR
Existem poucos estudos sobre a relação entre alterações pulmonares encontradas ao exame clínico e o risco de apresentar CPPO, entretanto, os dados dos estudos realizados demonstram (sem mensurar sua magnitude) que há aumento no risco de complicações quando o paciente apresenta, ao exame clínico, diminuição dos sons pulmonares, expiração prolongada, estertores, roncos ou sibilos.2 A diminuição dos sons respiratórios em determinadas porções ou sobre todo o campo pulmonar se relaciona significativamente à DPOC.1
Alguns estudos ainda avaliam o teste da tosse como uma ferramenta importante para estimar o risco de complicações; este é realizado a partir de um episódio de tosse após uma inspiração profunda e é considerado positivo quando há tosse recorrente após o primeiro estímulo.2
Destes, o fator de risco mais frequente relacionado à CPPO é a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).3 Na revisão de Smetana et al.2, doenças crônicas pulmonares restritivas ou doenças que restringem a expansão torácica (neuromusculares ou deformidades torácicas, por exemplo) não parecem aumentar o risco de CPPO.2
AVALIAÇÃO CARDIACA
Em revisão sistemática, a insuficiência cardíaca congestiva (ICC) está relacionada significativamente ao aumento no risco de CPPO.1,2 Sinais clínicos de ICC podem se manifestar como cansaço, fadiga, edema de membros inferiores e estase venosa jugular. Seu diagnóstico é confirmado com o auxílio de radiografia de tórax e ecocardiograma, bem como sua classe funcional pode ser estimada pela classificação de New York Heart Association (NYHA).1
MANEJO MEDICAMENTOSO PRÉ-OPERATORIO
Muito comumente, os pacientes pneumopatas estao em uso de medicamentos para controle da doença de base. Em avaliação pré-operatória, é importante certificar-se do tipo de tratamento vigente, otimização do mesmo antes do ato cirúrgico e avaliar se o paciente está em sua melhor condição clínica possível. Em pacientes estáveis, não se deve suspender medicações de uso habitual até o dia da cirurgia. Em casos de agudizações, uso de corticoides e antibióticos podem ser necessários, sendo a cirurgia postergada para 30 dias após a resolução do quadro3. Em pacientes de difícil controle da doença, internação prévia para melhora da condição clínica pode ser uma alternativa.
Em pacientes portadores de hiper-reatividade brônquica com proposta de intubação orotraqueal, recomenda-se o uso de corticoide oral por cinco dias, inalação de anticolinérgicos e beta2-agonista de curta duração imediatamente antes da indução, associado a corticoide venoso.3
FATORES DE RISCO PARA COMPLICAÇÕES PULMONARES POS-OPERATORIAS (CPPO) RELACIONADOS AO PACIENTE
Idade
Em revisões sistemáticas, os estudos vigentes mostram que o risco de complicações pulmonares aumenta progressivamente, conforme a faixa etária, com ponto de corte a partir dos 50 anos.1,2 Riscos consideravelmente maiores são encontrados a partir dos 80 anos, demonstrando, com base nesta revisão, que a idade é um preditor de risco independente para complicações pulmonares, mesmo após adaptações de análise por condições de comorbidades associadas.2
Tabagismo
História de tabagismo com mais de 20 maços-ano prediz alto risco de complicações pulmonares em detrimento a quantidades menores.4 Em revisões sistemáticas, a suspensão do tabagismo se traduz em benefícios ao paciente quando em um período superior a duas semanas. Em períodos menores, especialmente próximo da cirurgia, a cessação do fumo leva a maiores complicações, como tosse e aumento do escarro.1,2
Classificação da American Society of Anesthesiologists (ASA)
A avaliação pelo escore da ASA é subjetiva, não leva em consideração o porte cirúrgico nem diferencia substancialmente as características pertinentes a uma classificação mais elevada, porém é aceita como um preditor importante de complicações pulmonares pós-operatórias quando ASA> ou = 2.1,5
Dependência pessoal, desajuste do sensório
Pessoas incapazes de realizar atividades de vida diária e que dependem total ou parcialmente de terceiros para viver apresentam risco aumentado de CPPO. Quanto maior a dependência, maior o risco.1 Alterações agudas do sensório também colaboram para complicações.2
Síndrome da apneia obstrutiva do sono (SÃOS)
Em seu artigo de revisão de 2015, Brian K Bevacqua1 observou que, na população cirúrgica estudada, a prevalência de SÃOS (com diagnóstico por teste respiratório ou clinicamente sugestivo) varia entre 25 e quase 50% dos pacientes cirúrgicos e pode chegar a mais de 80% quando se trata de subgrupos especiais, por exemplo, em cirurgias bariátricas.1 O diagnóstico de SÃOS pode ser determinado por método de estudo do sono ou por critérios clínicos específicos que, quando analisados em conjunto, direcionam para um diagnóstico definitivo. O questionário STOP-BANG é muito difundido e utilizado com a finalidade de oferecer, com segurança, um diagnóstico presuntivo da síndrome.6 O mnemônico refere-se à pesquisa dos seguintes sinais e sintomas4:
▪ snoring: roncos noturnos altos;
▪ tired: cansaço ou fadiga diurna;
▪ observed apnea: apneia percebida por terceiros durante o sono do paciente;
▪ pressure of blood: hipertensão arterial;
▪ body mass: IMC >35 kg/m2;
▪ age: idade >50 anos;
▪ neck: circunferência do pescoço > 40 cm;
▪ gender: sexo masculino como fator de risco para a síndrome;
▪ alto risco: três ou mais respostas positivas.
▪ baixo risco: menos de três respostas positivas.
A SÃOS aumenta o risco de complicações perioperatórias, como hipoxemia, dificuldades à intubação, infarto do miocárdio, admissões não planejadas à unidade de cuidados intensivos e aumento do tempo de permanência hospitalar.1 Deve-se ter cuidado no uso de drogas anestésicas, principalmente as de longa duração, e cuidado especial no uso dos opioides. O principal suporte a esse paciente consiste no uso de pressão positiva contínua em via aérea (CPAP)1,4 e, quando iniciado o uso no pré-operatório, parece diminuir complicações pulmonares e o tempo de internação.1
Obesidade, diabetes e asma
Em revisão sistemática de 2006, Gerald W. Smetana et al.2 relatam que os dados mostram que não há aumento de risco estatisticamente significativo de complicações pulmonares em pacientes obesos após a cirurgia, mesmo naqueles com obesidade mórbida. Acreditava-se que a diminuição dos volumes pulmonares no pós-operatório representasse aumento no risco de complicações, mas, em análise sistemática, isso não se confirmou.2,5
Nessa mesma revisão, diabetes e asma controlada não influenciaram os índices de complicações pulmonares de forma significativa.
Hipertensão pulmonar (HP), insuficiência cardíaca (IC)
A HP aumenta as taxas de múltiplas de complicações clínicas após a cirurgia mesmo quando seu quadro é leve e moderado e podem incluir falência respiratória, disritmias cardíacas, insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência renal e sepse.6 O risco de complicações pulmonares pode ainda ser maior nos pacientes com IC que naqueles com DPOC, segundo a revisão de 2006 de Smetana et al.2.
FATORES DE RISCO PARA COMPLICAÇÕES PULMONARES POS-OPERATORIAS (CPPO) RELACIONADOS AO PROCEDIMENTO
Estudos sobre o impacto da localização cirúrgica no aumento do risco de CPPO são muito heterogêneos. Entretanto, em revisão sistemática2, essa relação se confirmou e demonstrou significativa evidência, principalmente em cirurgias de reparo de aneurisma de aorta (alto risco), cirurgias torácicas em geral e cirurgias abdominais (maior quando em andar superior do abdome pelo efeito nos músculos respiratórios e sobre a função diafragmática6), com menos impacto em neurocirurgias, cirurgias vasculares, de cabeça e pescoço e as de emergência. O tempo cirúrgico também age como um fator de risco, apresentando boa evidência quando este é prolongado (2 horas e trinta minutos a 4 horas). A técnica anestésica, especificamente a anestesia geral na revisão de Smetana et al.2, não tem relação direta com o aumento do risco de CPPO. Outros estudos6 mostraram resultados conflitantes, com mais complicações quando do uso da anestesia geral do que do bloqueio de neuroeixo ou bloqueio periférico. Algumas das complicações que mais aconteceram com a anestesia geral foram pneumonia e depressão respiratória.6
TESTES DIAGNOSTICOS
Espirometria
A espirometria consiste em um método não invasivo de análise da maior parte dos volumes e fluxos pulmonares, além de auxiliar no diagnóstico de algumas condições patológicas, como a DPOC. Para fins de avaliação pré-operatória, o volume expiratório forçado ao final do primeiro segundo (VEF1), a capacidade vital forçada (CVF) e a relação VEF1/CVF são elementos de grande valia como estimativas de risco de CPPO.1
Uma relação de VEF1/CVF < 0,7 após teste com broncodilatadores é compatível com diagnóstico de DPOC. Seus estágios são classificados em (após prova broncodilatadora): leve (VEF1 > ou = 80%), moderado (VEF1 < 80% e > ou = 50%), grave (VEF1 < 50% e > ou = 30%) e muito grace (VEF1 < 30%)7. Uma doença restritiva caracteriza-se, à espirometria, por queda simultânea nos valores de VEF1 e CVF, mantendo inalterada a relação VEF1/CVF. Há queda também de outros volumes pulmonares.1
O diagnóstico de DOPC e sua gravidade são importantes na medida em que estimam o risco de CPPO, porém o uso de dados isolados da espirometria, sem um contexto clínico sugestivo de uma doença de base (história clínica, sintomas ou sinais), não se mostrou útil para considerar a viabilidade de submeter o paciente a determinada cirurgia, uma vez que seu resultado pode ser completamente normal em um paciente que já apresenta alguma doença pulmonar.1,2 Portanto, não se deve prescrever espirometria de forma indiscriminada.2 Está estabelecido que o exame é muito bem indicado no diagnóstico/classificação da DPOC em paciente com história/queixas sugestivas, na avaliação de seu tratamento e progressão da doença. Em cirurgias de alto risco de CPPO (torácicas, abdominais altas, etc.), a espirometria estima de forma significativa o risco de CPPO em cirurgias abdominais e de ressecção pulmonar.
Dados da espirometria de fluxo-volume (medidas de volumes inalados e exalados em esforço máximo) mostram relações compatíveis com obstrução de vias aéreas, podendo-se definir como obstruções fixas e não fixas do fluxo aéreo, úteis no caso de pacientes que se apresentem à avaliação pré-anestésica com estridor ou suspeita de estenose traqueal, por exemplo.1
Doenças com caráter restritivo à espirometria podem ainda beneficiar-se do teste de difusão do monóxido de carbono (DLCO), na medida em que revela a capacidade de difusibilidade do gás através de uma membrana pulmonar íntegra (doença pulmonar restritiva extrínseca, como em doenças neuromusculares) e de uma membrana não funcional (doença pulmonar restritiva intrínseca, como na fibrose pulmonar).1
Radiografia de tórax
Existe a recomendação de realização de uma radiografia de tórax quando o paciente será submetido a uma cirurgia de alto risco e é sabidamente portador de uma doença pulmonar, quando há queixas do aparelho respiratório ou alterações ao exame clínico em uma avaliação ambulatorial.1 Radiografias em caráter rotineiro não são recomendadas, pois raramente apresentam resultados não esperados depois de adequada avaliação clínica negativa.1,2
Tomografia computadorizada pulmonar e ressonância magnética
São exames especialmente úteis em pacientes portadores de DPOC e neoplasia pulmonar quanto à determinação da gravidade e extensão dessas doenças, podendo ser complementares a uma radiografia prévia de tórax, mas dificilmente alteram a conduta anestésica.1
EXAMES LABORATORIAIS
Identificou-se que paciente com nível sérico de albumina < 3,5 mg/dL e ureia nitrogenada sanguínea (BUN) < 30 mg/dL no pré-operatório apresentam risco aumentado de CPPO.1
A análise de gases sanguíneos a partir de uma gasometria arterial é útil para se determinar elevações dos níveis de CO2, bem como alterações respiratórias crônicas ou agudas. Ressalta-se que alto nível de CO2 não é preditor de CPPO. Seus dados também auxiliam o cálculo da oferta de oxigênio e o planejamento da oferta de O2 no peroperatório.1
TESTES DE EXERCICIOS
Existem alguns testes de exercício que podem ser aplicados na avaliação pré-operatória com a finalidade de estimar a capacidade funcional ao exercício do paciente. Entre eles, o teste de caminhada de seis minutos (6 Minutes Walk Test - 6MWT) tornou-se popular, pela sua fácil aplicabilidade, por ser mais bem tolerado pelos pacientes e ser mais representativo das atividades de vida diária que outros testes de caminhada. Basicamente, o teste mede a distância percorrida pelo paciente (delimitando-se dois pontos específicos de saída e chegada) durante seis minutos, sobre uma superfície lisa e sem inclinações, sendo permitido ao paciente parar e descansar durante a realização do mesmo. Habitualmente, um indivíduo saudável percorre cerca de 400-700m durante o teste. O 6MWT avalia, em conjunto, a resposta dos organismos envolvidos durante exercício, incluindo os sistemas cardíaco, pulmonar, muscular, circulatório e metabólico.7
Existe uma peculiaridade do 6MWT chamada "efeito de aprendizado", que consiste em obter maior distância percorrida pelo paciente quando realiza o 6MWT (23 m a mais) pela segunda vez. E isso torna o segundo teste uma medida da capacidade funcional melhor que o primeiro. Aumento de 35-50 m no segundo teste correlaciona-se com melhora clinicamente significativa da capacidade pulmonar.1
O teste de exercício cardiopulmonar (Cardiopulmonar Exercise Testing - CPET) é formal e avalia a resposta global ao exercício, com determinação objetiva da capacidade funcional e suas deficiências, quantificando fatores limitantes ao exercício e contribuições específicas de cada organismo (diferente do 6MWT, que avalia o conjunto dos organismos) envolvidas no ato de se exercitar. O 6MWT não diagnostica causa de dispneia ao exercício ou fatores limitantes ao exercício, podendo ser complementar ao CPET, sem a função de substituí-lo.7 O CPET mede o consumo máximo de oxigênio (VO2) e a produção de dióxido de carbono (VCO2) enquanto o paciente utiliza uma bicicleta estática ou esteira para se exercitar até as frequências máximas cardíaca e respiratória ou até o aparecimento de sintomas como dispneia ou fadiga muscular.1 Valores de VO2 <10 mL/kg/m ou <35% do predito estao entre os de alto risco de CPPO e morte; valores de VO2 de 10-15 mL/kg/m e aqueles >20 mL/kg/m estao entre os grupos, respectivamente, intermediário e baixo (sendo o risco baixo suscetível a qualquer cirurgia pulmonar).1
Ambos os teste são importantes para avaliações pré e pós-operatórias, assim como avaliam respostas terapêuticas a intervenções em doenças pulmonares e cardíaca, sendo o 6MWT o mais simples de se aplicar.7
ESCORES DE RISCO PULMONAR
Alguns escores de risco pulmonar foram elaborados para estimar as complicações pulmonares pós-operatórias em condições patológicas predeterminadas. Entre esses, alguns são citados a seguir:
▪ índice de Arozullah: uso reservado a ambientes de pesquisa devido ao complexo uso na prática médica;6
▪ Gupta Calcuators: avalia o risco de pneumonia ou falência respiratória pós-operatórias; necessário fazer o download do dispositivo pessoal de cálculo;6
▪ índice de risco ARISCAT: utiliza sete fatores de risco (idade, saturação pré-operatória, infecção pulmonar no último mês, anemia pré-operatória, local de incisão cirúrgica, duração da cirurgia e cirurgia de emergência) e classifica o paciente em baixo (1,6%), intermediário (13,3%) e alto risco (42,2%) de complicações pulmonares pós-operatórias decorrentes de qualquer um dos itens destacados anteriormente;6
▪ VEF1 e DLCO preditos no pós-operatório (VEF1ppo e DLCOppo): utilizados principalmente no pré-operatório de ressecções pulmonares, estimam o risco de CPPO e o risco aceitável ao paciente para tal procedimento.1,8 O cálculo de VEF1ppo para lobectomias e segmentectomias é feito pela seguinte fórmula:
*Nota: o VEF1 pré-operatório utilizado é aquele após prova broncodilatadora; 100% dos segmentos pulmonares equivalem a 42 segmentos.
Para pneumectomia, utiliza-se a cintilografia pulmonar de perfusão ou ventilação para se determinar os segmentos funcionantes. Calcula-se a seguinte fórmula:
O cálculo de DLCOppo pode ser feito utilizando-se a mesma fórmula de VEF1ppo e, em ambos, valores >45-50% relacionam-se a índices aceitáveis de mortalidade; valores < 30% são proibitivos à cirurgia.1 Valor de VEF1ppo < 0,8 L é incompatível com a ressecção pulmonar proposta devido a uma relação risco-benefício extremamente desfavorável ao paciente. Indices de VEF1ppo e DLCOppo >80% definem indivíduos de baixo risco de CPPO.1
DISCUSSÃO
Deparar com pacientes portadores de alguma doença do aparelho respiratório no ambulatório de avaliação pré-anestésica tornou-se uma situação muito comum e que exige do anestesiologista familiaridade e atualização em relação ao assunto. Em pacientes sem diagnóstico de pneumopatia, mas com sintomas ou queixas respiratórias, faz-se necessário o auxílio de um especialista na condução do caso e na proposta de uma terapia adequada. Naqueles com diagnóstico já estabelecido, analisar o estágio e a compensação da doença é de suma importância para o planejamento anestésico. Avaliar as variáveis mais impactantes para um bom desfecho pós-operatório auxilia a prever complicações. Alcançar o melhor estado clínico do paciente pneumopata, a partir de otimização medicamentosa, é um ponto a ser almejado para aumentar a segurança do paciente cirúrgico, sempre orientando os riscos e benefícios a que será submetido.
CONCLUSÃO
Diante dos pontos analisados e pormenorizados neste trabalho, destaca-se que o paciente pneumopata beneficia-se de uma anamnese bem estruturada que permita a avaliação direta da condição clínica de base, de suas comorbidades e de outros fatores de risco inerentes ao indivíduo. Exames complementares não devem ser solicitados indiscriminadamente e o tipo de cirurgia deve ser levado em consideração no preparo do paciente para justificar o risco-benefício do procedimento.
AGRADECIMENTO
Agradeço ao Conselho Editorial da SAMG a oportunidade de escrever este artigo e ao meu esposo, pelo apoio em mais um desafio.
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