RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 27. (Suppl.2) DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20170012

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Artigo Original

Estudo clínico randomizado que compara a eficácia entre a analgesia infiltrativa com ropivacaína e o uso endovenoso da nalbufina para controle da dor pós-operatória da colecistectomia videolaparoscópica

Randomized clinical trial comparing the efficacy of infiltrative analgesia with Ropivacaine and the intravenous use of Nalbuphine for postoperative pain management of laparoscopic cholecystectomy

Wanderson Penido da Costa1; Thais Morato Menezes2; Gláucio Gregori Nunes Bomfá1; Rodrigo de Lima e Souza3

1. Hospital Belo Horizonte; Hospital Evangélico. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Fundaçao Educacional Lucas Machado (FELUMA); Hospital Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Hospital Madre Teresa; Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais - IPSEMG. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Wanderson Penido da Cosa
E-mail: wandersonpenido@yahoo.com.br

Instituiçao: Hospital Belo Horizonte Belo Horizonte, MG - Brasil

Resumo

INTRODUÇÃO: a colecistectomia videolaparoscópica (CVL), apesar de ser técnica minimamente invasiva e associada a menor trauma cirúrgico, está ligada à dor intra-abdominal e incisional no pós-operatório.
OBJETIVOS: comparar a eficácia analgésica da infiltração dos portais cirúrgicos da CVL com a ropivacaína com a eficácia endovenosa (EV) da nalbufina e verificar a influência dessas intervenções sobre o consumo de analgésicos opioides.
METODOLOGIA: estudo prospectivo duplo-cego, randomizado, com 65 pacientes submetidos à CVL, divididos em três grupos: controle (C), infiltração anestésica (I) e nalbufina (N). Foi aplicada a Escala Visual e Analógica da Dor (EVA) logo após a extubação e com uma e seis horas após a extubação.
RESULTADOS: a dor relatada pelos pacientes do grupo I foi significativamente menor do que a descrita pelos demais grupos durante toda a avaliação. A extubação houve predomínio de dor leve em todos os grupos: 100% dos pacientes do grupo I, 66,6% (C) e 72,8% (N). Na avaliação de uma hora e seis horas houve predomínio de dor leve no grupo I (82,1% - 96,4%) e dor moderada nos grupos C (73,3% - 73,3%) e N (63,6% - 54,5%), respectivamente. Além disso, o percentual de pacientes do grupo I que solicitou analgesia complementar foi significativamente menor do que dos demais grupos.
CONCLUSÃO: constatou-se que a infiltração anestésica dos portais cirúrgicos da CVL é uma técnica simples, praticamente isenta de riscos e mais eficaz no controle da dor pós-operatória do que o uso da nalbufina EV, apresentando significativa redução no consumo de analgésicos opioides.

Palavras-chave: Colecistectomia Laparoscópica; Dor Pós-Operatória; Analgesia; Anestésicos; Analgésicos; Nalbufina.

 

INTRODUÇÃO

A colecistectomia por videolaparoscopia (CVL), já há alguns anos, tem despontado no que se refere à escolha de intervenção cirúrgica para doenças benignas da vesícula biliar, por se tratar de técnica minimamente invasiva e associada a menor trauma cirúrgico.1,2De acordo com o DATASUS, até o mês de setembro de 2016 foram realizadas, no Brasil, 53.619 CVLs.3As vantagens da técnica laparoscópica sobre a laparotômica já estao bem fundamentadas: baixo índice de dor pós-operatória, menos tempo de internação hospitalar, menos morbidade, retorno precoce às atividades diárias habituais, melhor resultado estético e, consequentemente, mais satisfação do paciente.1,4

Ainda assim, a literatura ressalta a dor intra-abdominal e incisional, sobretudo no pós-operatório imediato de CVL.2,5 Bisgaard et al.6reiteram que a dor é a queixa mais comum no pós-operatório de CVL e que, geralmente, a dor é mais intensa nas primeiras horas. O estudo de Lambert et al.7informa que até 33% dos pacientes submetidos à CVL apresentam dor persistente no pós-operatório.

A dor no paciente submetido à CVL pode surgir no local da incisão propriamente dito (dor incisional), pode ser visceral ou referida no ombro a partir da regiao subdiafragmática.1,4,6O mecanismo da dor está relacionado à pressão causada pela introdução de dióxido de carbono na cavidade peritoneal, assim como pela manipulação e ressecção em nível visceral e também pela lesão da parede abdominal acarretada pela introdução do instrumental cirúrgico.4,8 Contudo, estudos demonstram que a maior parte dos pacientes que relatam dor a localiza nos portais cirúrgicos.1,4,6,8

Com base na natureza complexa do mecanismo de dor após cirurgias laparoscópicas, diversos autores sugerem que o efetivo tratamento dessa dor deveria ser preventivo e multimodal.4,9-11Dessa forma, a terapia analgésica deve se basear no uso de diferentes analgésicos com mecanismos de ação distintos no SNC, com o intuito de propiciar sinergismo entre os fármacos. Pode-se optar pelo uso de anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), que diminuem a aferência sensitiva desde a periferia ao inibir a sensibilização periférica do terminal nervoso aferente primário, associados aos anestésicos locais, que também o fazem pelo bloqueio da transmissão do estímulo nociceptivo nos canais de sódio.9,11-14

Ainda não há na literatura consenso sobre a analgesia pós-operatória mais eficaz. Diversos estudos já avaliaram diferentes tipos de abordagens para a redução da dor pós-operatória e muitos deles comprovaram a eficácia do uso do anestésico local (AL) com tal intuito, porém, sem clara relação de dose, tipo de AL ou local de infiltração.6 Com base nisso, a presente pesquisa objetiva analisar a eficácia analgésica pós-operatória da infiltração dos portais cirúrgicos da CVL com o AL ropivacaína, comparando com a eficácia endovenosa da nalbufina e a influência dessas intervenções sobre o consumo de analgésicos opioides no pós-operatório.

 

METODOLOGIA

Foi realizado estudo prospectivo, cego, randomizado, com todos os pacientes submetidos à CVL eletiva pelo serviço de cirurgia geral do Hospital Belo Horizonte (HBH) entre 1° de julho de 2016 e 31 de outubro do mesmo ano. A randomização proposta foi semanal e todas as CVLs realizadas na mesma semana pertenceram ao mesmo grupo. Realizou-se na primeira semana um sorteio a fim de se definir qual a ordem de aplicação da pesquisa, que foi assim proposta: primeira semana, grupo I (infiltração dos portais cirúrgicos com ropivacaína); segunda semana: grupo C (controle); e terceira semana, grupo N (nalbufina EV). A partir do proposto, essa ordem foi repetida até o fim do estudo.

Assim, na semana referente ao grupo I, antes de ser realizada a sutura das incisões, a equipe cirúrgica fez a infiltração anestésica dos portais com 10 mL de ropivacaína 0,75%, divididos entre todas as incisões. Na semana C foram administrados os analgésicos convencionais inerentes a todos os procedimentos, que no caso do local do estudo é o parecoxibe 40 mg (administrado EV, logo após a indução anestésica, antes da incisão cirúrgica) e dipirona 30-50 mg/ kg (administrada EV, ao final do procedimento). E na semana N, ao final do procedimento, desfeito o pneumoperitônio, foram administrados 10 mg de nalbufina EV. Todos os outros procedimentos anestésicos foram padronizados entre todos os pacientes: indução com 150 mcg de fentanil, 40 mg de lidocaína, 2 mg/kg de propofol, 150 mcg/kg de cisatracúrio; manutenção com remifentanil (0,1-0,3 mcg.kg.min) e concentração alveolar mínima de sevoflurano de 0,8; sintomáticos: 10 mg de dexametasona, 40 mg de parecoxibe, 30-50 mg/kg de dipirona, 4 mg de ondasetrona.

O critério de inclusão do estudo foi todo paciente a ser submetido à CVL durante o período da pesquisa. E os critérios de exclusão foram: pacientes classificados como ASA III e IV (pela classificação do estado físico do paciente cirúrgico pela American Society of Anesthesiologist), cirurgias realizadas em caráter de urgência ou emergência, cirurgias cujo tempo operatório ultrapassasse 150 minutos, pacientes menores de 18 anos, cirurgias em que houvesse a necessidade de conversão para laparotomia, pacientes com relato de alergia à ropivacaína e/ou nalbufina ou nos quais houvesse alguma objeção ao uso de alguma das drogas padronizadas para indução e manutenção ou alguma das drogas sintomáticas e pacientes incapazes de responder a Escala Visual e Analógica da Dor (EVA).

A fim de se avaliar o real efeito da analgesia proposta pelo estudo, optou-se por retirar da prescrição padrao dos pacientes incluídos na pesquisa qualquer analgesia que não fosse a dipirona e o cetoprofeno, AINE padrao no local do estudo para uso na enfermaria. Caso houvesse a necessidade de se realizar analgesia mais intensa, a qual era feita com tramadol, a equipe de pesquisadores era informada e, dessa forma, foi possível avaliar os pacientes que necessitaram dessa intervenção.

A avaliação da EVA foi realizada logo após a extubação - definido como tempo zero, uma hora após a extubação, com o paciente ainda na sala de recuperação pós-anestésica (SRPA) e seis horas após a extubação, com o paciente já no leito da enfermaria. Todas as entrevistas foram realizadas por um dos pesquisadores que não participaram do procedimento anestésico-cirúrgico do dado paciente, o que impediu um possível viés de análise. A cada entrevista, o pesquisador explicou novamente, quando necessário, o intuito do estudo e realizou a coleta de dados: sexo, idade, tempo cirúrgico, identificação do paciente (número de prontuário) e se foi realizada administração de algum analgésico naquele período entre as entrevistas. Além disso, ao final das intervenções, foi aplicada a EVA, que quantificava a dor do paciente, sendo: escore 0 = ausência de dor; 1 a 3 = dor leve; 4 a 6 = dor moderada; e 7 a 10 = dor intensa, grave.

No momento da internação cada paciente a ser submetido à CVL foi abordado por um dos pesquisadores, que explicou o intuito da pesquisa. Quando estava de acordo com a participação no estudo, o paciente assinava o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). O presente estudo foi submetido ao CEP do Hospital Belo Horizonte sob o CAAE: 57937416.6.0000.5122.

 

DESCRIÇÃO METODOLOGICA

A análise descritiva foi realizada por frequências absolutas e relativas para as variáveis qualitativas e de média ± desvio-padrao (DP) para as quantitativas. A comparação das medidas de dor por técnica de anestesia e por momento da medição foi realizada via análise de variância e as comparações múltiplas via teste de Tukey. A análise foi desenvolvida no software gratuito R versão 3.1.3 e foi adotado nível de significância de 5%.

 

RESULTADOS

A amostra foi composta inicialmente de 72 pacientes, dos quais sete foram excluídos por se encaixarem em algum dos critérios de exclusão citados anteriormente, restando, ao final, 65 pacientes, dos quais 44 (67,7%) eram do sexo feminino. A idade média foi 40,91 ± 14,02 anos e o tempo cirúrgico médio foi 107,34 ± 21,43 minutos. Em relação à técnica de analgesia utilizada, 15 (23,1%) eram do grupo-controle, 28 (43,1%) receberam infiltração com ropivacaína e 22 (33,8%) nalbufina EV. O escore médio de dor à extubação foi 1,57 ± 2,57, na SRPA 3,51 ± 2,85 e na enfermaria 3,51 ± 2,42. No tocante à analgesia complementar, na SRPA 29 pacientes (44,6%) a solicitaram e, na enfermaria, 20 pacientes (30,8%).

Houve diferença significativa entre os escores médios de dor à extubação (p-valor <0,001). A dor relatada pelos pacientes que receberam infiltração foi significativamente menor que a relatada pelos demais pacientes do estudo (Tabela 1 e Figura 1). O mesmo padrao foi observado para a dor avaliada na SRPA (p-valor 0,001) e também na enfermaria (p-valor <0,001) (Tabela 1 e Figura 1). Na enfermaria, observou-se, ainda, que a dor relatada pelo pacientes do grupo-controle foi significativamente maior que a relatada por aqueles que receberam a nalbufina.

 

 

 


Figura 1 - Valores médios da dor medida à extubação, na SRPA e na enfermaria por técnica analgésica aplicada.

 

A extubação, a dor relatada pelos pacientes dos grupos C e I foi significativamente menor que a relatada na SRPA e na enfermaria (p-valores <0,001 para ambos). Não houve diferença significativa na queixa álgica na SRPA e na enfermaria para esses dois grupos de pacientes. Não houve diferença significativa na dor relatada pelos pacientes que receberam nalbufina em nenhum dos três momentos (p-valor 0,141 - Tabela 1 e Figura 1).

Em relação à intensidade da dor à extubação, houve predominância de dor leve em todos os grupos, sendo 66,6% entre os paciente do grupo-controle, 100% para os pacientes que receberam infiltração e 72,8% entre os pacientes que receberam nalbufina (Tabela 2).

 

 

Na SRPA, a intensidade da dor foi predominantemente moderada nos grupos controle (73,3%) e nalbufina (63,6%), porém, entre os pacientes que receberam a infiltração com a ropivacaína, houve mais frequência de relato de dor leve (82,1%) (Tabela 3).

 

 

Padrao semelhante foi observado na enfermaria. Entre os pacientes que receberam infiltração, 96,4% relataram apenas dor leve, e para os grupos controle e nalbufina, 73,3% e 54,5%, respectivamente, declararam dor moderada (Tabela 4).

 

 

O percentual de pacientes que receberam infiltração e necessitaram de analgesia na SRPA foi significativamente menor quando comparado ao percentual de pacientes do grupo C (p < 0,001) e do grupo N (p < 0,001) (Figura 2).

 


Figura 2 - Distribuição dos percentuais de solicitação de anestesia na sala de recuperação por grupo de técnica analgésica.

 

Na enfermaria, observou-se padrao semelhante, uma vez que o percentual de pacientes que recebeu infiltração e necessitou de analgesia foi significativamente menor quando comparado ao percentual de pacientes do grupo C (p < 0,001) e do grupo N (p = 0,005). Outro dado encontrado foi que os pacientes que receberam nalbufina necessitaram de menos analgesia na enfermaria que aqueles do grupo-controle (p < 0,001) (Figura 3).

 


Figura 3 - Distribuição dos percentuais de solicitação de analgesia complementar na enfermaria por grupo de técnica analgésica.

 

DISCUSSÃO

Na presente casuística, assim como na literatura, a maior parte dos pacientes submetidos à CVL era do sexo feminino (67,7%) e a média de idade foi de 40,91 anos.1,8,10,11

Bisgaard et al. concluíram em seu estudo que a dor incisional foi dominante durante a primeira semana pós-operatória, motivo que respalda, junto com dados de outros estudos, a opção pela infiltração anestésica dos portais cirúrgicos como medida terapêutica para o tratamento da dor pós-operatória da CVL.4,6Além disso, Lee et al., citados por Bisgaard10, afirmam que não houve diferença estatisticamente significativa quando se compara a analgesia gerada pela instilação intraperitoneal ou infiltração anestésica dos portais cirúrgicos, ao passo que Ortiz e Rajagopalan15admitem que a instilação intraperitoneal de anestésico local para o alívio da dor é controversa.10,15

Por muitos anos, a lidocaína e a bupivacaína foram utilizadas no manejo da dor pós-operatória.4 Contudo, atualmente existem no mercado opções mais seguras e eficazes no tratamento da dor pós-operatória, reduzindo o consumo de opioides, como a ropivacaína, que apresenta menos interação com as fibras motoras e menos cardiotoxicidade, quando comparada à bupivacaína. Assim, neste estudo, optou-se pela ropivacaína como AL, por sua segurança, reduzida toxicidade, baixo índice de efeitos colaterais e pelo seu maior tempo de ação, que varia entre oito e 10 horas.4,5,9,11,12

A ocasiao eleita para a infiltração anestésica dos portais cirúrgicos foi ao final do procedimento, momentos antes da sutura dos mesmos. Isso porque alguns autores defendem que o anestésico local tem tempo de ação limitado e, dessa forma, quanto mais tardia for a sua administração, maior será sua duração no pós-operatório.4,8 No estudo de Inan, Sen e Dener, citado por Garcia et al.2, ficou claro que houve mais consumo de analgésicos opioides entre os pacientes que receberam a infiltração anestésica antes da inserção dos trocateres. Essa não é uma conduta homogênea entre os autores e não existe recomendação final acerca do melhor momento para que a infiltração seja realizada.1,4,10,14

A avaliação da EVA foi realizada três momentos distintos: tempo (T) 0 (zero), logo após a extubação; T1, uma hora após a extubação, estando o paciente ainda na SRPA; e, por fim, T6, seis horas após a extubação, com o paciente já no leito da enfermaria, metodologia semelhante à usada por Pavlidis et al.4 e Grünberg et al.8 em seus estudos.4,8Convencionou-se a avaliação da EVA com no máximo seis horas após a cirurgia, com base em alguns estudos que demonstram que a eficácia analgésica do AL se limita a esse tempo.16 Além disso, nas pesquisas de Lepner et al.17 e Albuquerque et al.5, os resultados das análises da EVA com 12 horas não demonstraram diferenças significativamente estatísticas entre os grupos controle e infiltração.5,10,17,18

Avaliação geral dos dados do presente trabalho referentes à dor demonstra que a média de dor à extubação (1,57 ± 2,57) foi significativamente menor (p-valor <0,001), quando comparada à média de dor relatada na SRPA (3,51 ± 2,85) e na enfermaria (3,51 ± 2,42). Isso pode relacionar-se ao fato de que no momento da extubação (T0) o paciente ainda poderia estar sob a influência analgésica dos anestésicos utilizados ao longo do tempo cirúrgico, o que pode ter contribuído para que a percepção de dor ao despertar tenha sido menos intensa.

Ao se comparar as médias de EVA nos três grupos, observa-se que a dor relatada pelos pacientes que receberam infiltração anestésica foi significativamente menor que a declarada pelos pacientes dos demais grupos em todos os três momentos de avaliação da EVA (p-valor <0,001).1,8 Além disso, na enfermaria, detectou-se, ainda, que a dor descrita pelo pacientes do grupo-controle foi significativamente maior que a daqueles que receberam nalbufina (p-valor <0,001).

Em relação à intensidade da dor à extubação, houve predominância de relato de dor leve em todos os pacientes do estudo, com destaque para os pacientes do grupo I, em que todos manifestaram apenas dor leve. Esse mesmo relato de dor leve também ocorreu entre 72,8% dos pacientes que receberam nalbufina e 66,6% dos pacientes do grupo-controle. O predomínio de dor leve em todos os grupos pode ser reflexo do momento da análise, uma vez que, à extubação, ainda há resquícios dos anestésicos utilizados ao longo do procedimento cirúrgico.

Na SRPA, o padrao de percepção de dor muda, nos grupos C e N, tornando-se mais frequente o relato de dor moderada, 73,3 e 63,6%, respectivamente. Entre os pacientes do grupo I, permanece o predomínio do relato de dor leve, 82,1%, ratificando os estudos de Bisgaard6e Gruünberg et al.8, que demonstraram benefício na redução da dor geral pós-operatória e principalmente dor incisional nas duas primeiras horas.4,6,8,9,12Além disso, todos os pacientes que relataram dor intensa (26,7%) pertenciam ao grupo-controle. O mesmo padrao repetiu-se na enfermaria, onde houve preponderância de queixa de dor leve entre os pacientes do grupo I (96,4%), ao passo que entre os pacientes do grupo N e grupo C prevaleceu o relato de dor moderada - 73,3 e 54,5%, respectivamente. Assim como ocorreu na SRPA, todos os pacientes que informaram dor intensa pertenciam ao grupo-controle, 26,7%.

No que se refere à solicitação complementar de analgesia tanto na SRPA quanto na enfermaria, o atual estudo verificou significativa redução do número de doses administradas no grupo I, quando comparado com os demais grupos.1,2,6,8,10 Na SRPA, 86,66% dos pacientes do grupo-controle solicitaram uma dose de tramadol, enquanto que na enfermaria 93,3% deles solicitaram a analgesia complementar, apenas um deles, apesar de relatar dor, não solicitou analgesia. No trabalho de Pavlidis et al.4, a taxa de pacientes que recebeu a infiltração de ropivacaína e não solicitou analgesia complementar chegou a 41%. Já entre os pacientes do grupo N, 63,6% dos mesmos solicitaram analgesia na SRPA e 27,3% na enfermaria. Dos pacientes do grupo I, apenas dois pacientes (7,1%) solicitaram uma dose de tramadol na SRPA e nenhum deles se queixou de dor na enfermaria. Nos estudos de Garcia et al.2 e de Evaristo-Méndez et al.14, não houve redução do consumo de opioides nas primeiras 24 horas de pós-operatório. Já a publicação de Bisgaard, com 64 revisões randomizadas acerca de analgesia pós-operatória de videolaparoscopias, concluiu que sete dos oito estudos sobre infiltração anestésica demonstraram redução estatisticamente significativa do consumo de opioides.10,15

Durante o período de avaliação do atual estudo, cada paciente solicitou apenas uma dose de analgésico opioide, seja na SRPA ou na enfermaria. Estabelecendo um paralelo com o estudo de Candemil et al.1 , cuja aplicação da EVA foi realizada com 12 horas de pós-operatório, ao todo 50% dos pacientes do estudo solicitaram analgesia, ao passo que no estudo de Grünberg et al.8 esse número foi maior, 60%.

A presente pesquisa constatou como limitações o fato de não ter estendido a avaliação dos pacientes nas primeiras 24 horas de pós-operatório, uma vez que alguns trabalhos apresentam benefício da infiltração anestésica até esse momento.10,15-18 Outro fator limitador foi o número heterogêneo de pacientes em cada grupo, resultado da técnica de randomização proposta. Outrossim, pode-se citar como limitação a não mensuração da concentração plasmática de ropivacaína, embora não tenham sido relatados efeitos adversos. Além disso, o tamanho da amostra também pode ser um fator limitador dos resultados, o que sugere que novos trabalhos sejam realizados com o intuito de reiterar os resultados aqui obtidos com grupos maiores de pacientes.

 

CONCLUSÕES

Este estudo concluiu que a infiltração dos portais cirúrgicos da colecisctectomia videolaparoscópica com ropivacaína é mais eficaz no controle da dor pósoperatória do que a nalbufina EV. Além disso, a infiltração com ropivacaína é uma técnica simples de ser realizada, acessível, praticamente isenta de riscos e demonstrou, neste estudo, reduzir, significativamente, o consumo de analgésicos opioides até seis horas de pós-operatório.

 

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