ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Avaliação cardiovascular perioperatória segundo as diretrizes da American College of Cardiology (ACC)/American Heart Association (AHA) e da European Society of Cardiology (ESC)/ European Society of Anaesthesiology (ESA)
Perioperative Cardiovascular Evaluation Based on the American College of Cardiology (ACC)/American Heart Association (AHA) and European Society of Cardiology (ESC)/European Society of Anaesthesiology (ESA) Guidelines
Camilla Sá Menezes Passos; Mayuri Aoyama da Costa; Jonas Alves Santana
Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais - IPSEMG,Hospital Governador Israel Pinheiro - HGIP, Centro de Ensino e Treinamento - CET. Belo Horizonte, MG - Brasil
Endereço para correspondênciaJonas Alves Santana
E-mail: jonasantana@hotmail.com
Instituiçao: CET do Hospital Governador Israel Pinheiro - IPSEMG Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
INTRODUÇÃO: estima-se que sejam realizadas em todo o mundo cerca de 200 milhoes de cirurgias não cardíacas em adultos a cada ano. Estatísticas recentes sugerem que em pelo menos 10 milhoes algum evento cardiovascular adverso grave (ECAG) ocorra. Apesar do número de mortes relacionadas diretamente à anestesia ter reduzido na escala de 10 vezes nas últimas décadas (menos de 1/100.000), a mortalidade pós-operatória continua considerável: 1,5% dos adultos submetidos à cirurgia não cardíaca em regime de internação hospitalar irá a óbito nos primeiros 30 dias.
REVISÃO DA LITERATURA: foram utilizadas como base as diretrizes mais recentes da ACC/AHA e da ESC/ESA para avaliação cardiovascular perioperatória em pacientes submetidos à cirurgia não cardíaca, além das publicações de língua inglesa de 2014 em diante levantadas pela Pubmed com os termos "surgery"e "cardiac complications".
COMENTARIOS E CONCLUSÃO: os algoritmos de avaliação pré-operatória propostos pelas diretrizes servem como uma ferramenta de auxílio nas decisões terapêuticas e como forma de fornecer melhores informações aos pacientes sobre os riscos de ECAG. Os exames pré-operatórios, invasivos ou não, devem ser sempre limitados àquelas circunstâncias nas quais os resultados afetarao claramente o manejo do paciente. Espera-se que os biomarcadores sejam integrados aos algoritmos de estratificação de risco, melhorando a capacidade de predizer riscos e orientando novas condutas.
Palavras-chave: Cuidados Críticos; Assistência Perioperatória; Cuidados Pós-Operatórios; Medição de Risco; Infarto do Miocárdio; Parada Cardíaca; Cirurgia Geral.
INTRODUÇÃO
Os eventos cardiovasculares adversos no perioperatório de cirurgias não cardíacas são importante causa de óbito (terceira causa de morte no perioperatório nos Estados Unidos), além de acarretarem altas taxas de complicações, prolongarem o tempo de hospitalização e aumentarem os custos.1
Estima-se que sejam realizadas em todo o mundo cerca de 200 milhoes de cirurgias não cardíacas em adultos a cada ano. Estatísticas recentes sugerem que em pelo menos 10 milhoes algum evento cardiovascular adverso grave (ECAG) ocorra. Apesar do número de mortes relacionadas diretamente à anestesia ter reduzido na escala de 10 vezes nas últimas décadas (menos de 1/100.000), a mortalidade pós-operatória continua considerável: 1,5% dos adultos submetidos à cirurgia não cardíaca em regime de internação hospitalar irá a óbito nos primeiros 30 dias.1
O American College of Cardiology (ACC) e a American Heart Association (AHA) divulgaram, em 2014, uma diretriz de avaliação e manejo cardiovascular perioperatório de pacientes submetidos a cirurgias não cardíacas. Além de atualizar a diretriz anterior, o novo guideline trouxe novas recomendações, tais como: o papel da cirurgia de revascularização coronariana antes de cirurgias não cardíacas; o uso de betabloqueadores no perioperatório; e novas orientações aos profissionais no manejo das doenças cardiovasculares.2,3 No mesmo ano, a European Society of Cardiology (ESC) e a European Society of Anaesthesiology (ESA) também divulgaram uma diretriz nos mesmos moldes.4
Apesar das diretrizes serem úteis em orientar as condutas, as decisões devem ser sempre individualizadas, a depender dos recursos disponíveis, do tipo de cirurgia, da condição do paciente e da relação risco-benefício. Ademais, obrigatoriamente uma equipe multidisciplinar deve participar das decisões a serem tomadas e a escolha do paciente deve ser preponderante.
O presente trabalho busca sumarizar essas duas importantes diretrizes e trazer perspectivas futuras sobre o papel dos biomarcadores na extratificação de risco.
RECOMENDAÇÕES E NIVEIS DE EVIDENCIA
A classe de recomendação e o nível de evidência a serem citados podem ser visualizados nas Tabelas 1 e 2, respectivamente.
CIRURGIA DE EMERGENCIA, URGENCIA E ELETIVA
Na avaliação perioperatória, é importante determinar o caráter da cirurgia. Um procedimento de emergência é definido como aquele em que a vida ou integridade está ameaçada se não for realizado nas primeiras seis horas. Nesses casos, geralmente não há tempo para propedêuticas extensas e a avaliação clínica não deve postergar o procedimento. A cirurgia é considerada de urgência quando a vida ou integridade está ameaçada se o procedimento não for realizado dentro de seis a 24 horas. Levando em conta esse tempo, pelo menos uma avaliação clínica mínima deve ser indicada. Uma cirurgia tempo-dependente é aquela em que um atraso acima de uma a seis semanas para a realização de uma avaliação, mesmo que esta indique mudanças significativas no manejo, pode afetar negativamente os resultados ou o prognóstico do paciente. Um exemplo seriam as cirurgias oncológicas. Já o procedimento eletivo é aquele em que o procedimento pode ser postergado por até um ano. 2,4
INDICES DE RISCO
Classe IIa
1. As calculadoras de risco validadas são úteis em predizer o risco perioperatório de ECAG em pacientes submetidos a cirurgias não cardíacas. Nível de evidência B.
Classe III: sem benefício
1. Para pacientes com baixo risco de ECAG não são recomendados exames complementares antes de cirurgias eletivas. Nível de evidência B2.
Predizer o risco de eventos cardiovasculares auxilia o médico a nortear suas condutas e a informar com mais precisão o seu paciente sobre tais riscos. O Revised Cardiac Risk Index (RCRI), criado a partir dos critérios de Lee modificados, é o escore mais conhecido e validado. Tem as vantagens de ser prático e simples, porém não informa o risco em pacientes submetidos a cirurgias de emergência, subestimando o risco em até 50% nesses casos. Possui seis preditores de risco para complicações cardíacas graves, sendo apenas um baseado no procedimento cirúrgico a ser realizado. As cirurgias vasculares suprainguinal, intraperitoneal e intratorácica são consideradas de alto risco. Os demais preditores são história prévia de diabetes mellitus em uso de insulina, insuficiência cardíaca, doença coronariana, doença cerebrovascular e insuficiência renal com creatinina sérica ≥ 2 mg/dL. Pacientes com nenhum ou com um único preditor são considerados de baixo risco. Aqueles com dois ou mais preditores têm risco elevado (Tabela 3).1,2,5
Na tentativa de validar calculadoras de risco cada vez mais precisas, Gupta et al. avaliaram mais de 200.000 pacientes do banco de dados do National Surgical Quality Improvement Program (NSQIP) submetidos a procedimentos cirúrgicos no ano de 2007 e criaram uma calculadora a partir da análise de regressão logística multivariável. Quando aplicada aos pacientes operados em 2008 (n=257.385), sua capacidade em predizer parada cardiorrespiratória de etiologia cardíaca ou infarto do miocárdio foi superior ao RCRI. Denominada Gupta MICA NSQIP database risk model, a calculadora leva em consideração a classificação de estado físico da American Society of Anesthesiologists (ASA), o status de dependência funcional, a idade, a creatinina sérica igual ou superior a 1,5 mg/dL e o tipo de cirurgia. Ela está disponível on-line no site http:// www.surgicalriskcalculator.com/miorcardiacarrest e para uso cotidiano no aplicativo para smartphones Qx calculate.6
Recentemente, o American College of Surgeons (ACS) criou uma calculadora também baseada no banco de dados do NSQIP. O dispositivo estima não somente o risco de ECAG, mas também de outras complicações, como respiratórias e infecciosas, além do tempo estimado de internação hospitalar. Denominada ACS-NSQIP universal surgical risk calculator, ela leva em consideração o tipo de procedimento e o caráter emergencial da cirurgia, além de 21 variantes específicas do paciente (como idade, sexo, índice de massa corporal, status funcional, infarto miocárdico prévio e outras). Apesar de ser mais precisa que o RCRI e a calculadora proposta por Gupta, possui a desvantagem de ser menos prática, por depender de conexão à internet e mais tempo necessário para preenchê-la. Está disponível on-line no site http://riskcalculator. facs.org/RiskCalculator.2,6
CAPACIDADE FUNCIONAL
A capacidade funcional do indivíduo é um preditor perioperatório confiável de eventos cardíacos a longo prazo. É frequentemente expressa em equivalentes metabólicos (METs), em que 1 MET corresponde ao consumo basal de oxigênio em repouso de um homem de 40 anos e com 70 kg. Pode ser estimada a partir das atividades de vida diária (Tabela 4). É classificada em excelente (> 10 METs), boa (7 a 10 METs), moderada (4 a 6 METs), ruim (< 4METs) ou desconhecida. Pacientes com capacidade funcional ruim têm risco aumentado de complicações. Em contrapartida, pacientes com excelente capacidade funcional e assintomáticos podem prosseguir para uma cirurgia eletiva sem testes cardiovasculares complementares. 2,4
AVALIAÇÃO PASSO A PASSO
Como uma ferramenta de auxílio nas decisões terapêuticas e como forma de fornecer melhores informações aos pacientes sobre os riscos de ECAG, a ACC/AHA desenvolveu algoritmos de avaliação pré-operatória (Figura 1) em forma de passos, com base nas evidências atuais e opinioes de especialistas.2
▪ passo 1: Determinar se a cirurgia é uma emergência.
Diante de cirurgia de emergência, o tempo para avaliação clínica detalhada fica limitado. A orientação é determinar os fatores de risco que podem influenciar no manejo perioperatório, prosseguindo para a cirurgia com monitorização apropriada e estratégias de manejo baseadas nas informações clínicas, sem mais exames ou tratamentos cardíacos avançados.
▪ passo 2: Determinar se há síndrome coronariana aguda.
Se a cirurgia é eletiva ou de urgência, determinar se o paciente tem síndrome coronariana aguda (SCA). Essa síndrome é definida por dor precordial em repouso com duração superior a 20 minutos, angina de início recente (de novo) classe II ou III da Canadian Cardiovascular Society (CCS) classification, piora de angina estável prévia com características de classe III ou IV da CCS (angina em crescendo) associada ou não a alterações eletrocardiográficas como novas alterações do segmento ST e onda T, novo bloqueio de ramo esquerdo ou evidências de surgimento de ondas Q patológicas. Novas alterações de motilidade no ecocardiograma e elevação da troponina também corroboram o diagnóstico. Em caso de SCA, o paciente deverá ser investigado e tratado adequadamente conforme os protocolos e diretrizes específicos antes da realização da cirurgia.
▪ passo 3: Estimar o risco de ECAG.
Essa estimativa pode ser feita a partir das calculadoras de risco (RCRI, Gupta MICA NSQIP database risk model ou ACS-NSQIP universal surgical risk calculator). Pacientes com risco inferior a 1% são considerados de baixo risco. Se o risco de ECAG for igual ou superior a 1%, é considerado elevado.
▪ passo 4: Conduta nos pacientes de baixo risco.
Se o paciente tem baixo risco de ECAG (<1%), não serao necessários mais testes complementares e o paciente poderá prosseguir para a cirurgia programada.
▪ passo 5: Conduta nos pacientes de risco elevado.
Se paciente tem elevado risco de ECAG (≥1%), determinar a capacidade funcional. Se o paciente tem moderada, boa ou excelente capacidade funcional (≥ 4 METs), poderá prosseguir para a cirurgia programada sem maiores avaliações. Os resultados dos testes complementares dificilmente mudarao o manejo perioperatório. Mesmo na existência de fatores de risco, é recomendado referenciar o paciente para a cirurgia.
▪ passo 6: Conduta nos pacientes de risco elevado com capacidade funcional ruim.
Se o paciente tem risco elevado de ECAG e capacidade funcional ruim (<4 METs) ou desconhecida, o médico assistente deverá avaliar com ele e com a equipe multidisciplinar se o pedido de testes adicionais irá impactar na tomada de decisão (ex: ser submetido à cirurgia original, ser submetido à CRVM ou angioplastia com stent, a depender do resultado dos exames ou tratamento clínico). Se julgarem necessários, testes de estresse farmacológico estarao indicados. Naqueles pacientes com capacidade funcional desconhecida, sem limitação física, o teste de estresse ao exercício (teste ergométrico) pode ser razoável. Se os testes forem normais, prosseguir para cirurgia de acordo com o protocolo. Com teste anormal, devem-se considerar angiografia coronariana ou revascularização, a depender da extensão da lesão. Outra possibilidade é referenciar o paciente para estratégias alternativas, como tratamento não invasivo (ex.: radioterapia para câncer) ou paliação.
▪ passo 7: Conduta nos pacientes em que os testes adicionais não irao mudar o manejo.
Se os testes de estresse não impactarem a tomada de decisão, deve-se prosseguir para a cirurgia com tratamento clínico otimizado de acordo com as diretrizes específicas para o tratamento da doença arterial coronariana (DAC) ou considerar estratégias alternativas (tratamento não invasivo ou paliação).
O algoritmo proposto pela ESC/ESA possui algumas particularidades em relação ao americano. Ele considera que, em pacientes agendados para cirurgias de alto risco (Tabela 5), os testes de estresse não invasivos estariam indicados nos pacientes com mais de dois fatores de risco de acordo com RCRI. Poderao prosseguir para a cirurgia planejada aqueles sem isquemia induzida pelo estresse ou com leve a moderada isquemia sugestiva de um ou dois vasos acometidos. Em pacientes com extensa isquemia induzida pelo estresse, o manejo perioperatório individualizado é recomendado levando-se em consideração o potencial benefício da cirurgia proposta em contrapeso com os eventos adversos possíveis.4
EXAMES COMPLEMENTARES
Os exames complementares podem ser úteis em casos selecionados para auxiliar o aconselhamento do paciente, direcionar o manejo perioperatório de acordo com o tipo de cirurgia, auxiliar na escolha da técnica anestésica e predizer o prognóstico a longo prazo.
O ecocardiograma, por exemplo, fornece informações sobre três importantes determinantes de eventos adversos no pós-operatório: disfunção do ventrículo esquerdo (VE), isquemia miocárdica (sugerida pelas alterações segmentares de motilidade) e doenças valvares.2,4
Por outro lado, os testes de estresse e a angiografia coronariana pré-operatória não são recomendados de rotina, mesmo para pacientes que serao submetidos a cirurgias de risco elevado. No caso da angiografia, sua indicação permanece a mesma do contexto clínico não cirúrgico. 2,4
Vale ressaltar que a repetição de alguns exames cujos resultados foram normais nos meses anteriores é desnecessária se a história clínica não mudou. Como no sistema de saúde brasileiro atual, público ou privado, a atenção à saúde é fragmentada por especialidades, é comum que o paciente seja submetido aos mesmos exames repetidas vezes num curto espaço de tempo. É sempre prudente perguntar se o paciente tem exames recentes antes de pedi-los. O grau de recomendação e o nível de evidência para os exames complementares estao expostos na Tabela 6.2
ESTRATÉGIAS DE REDUÇÃO DE RISCOS
Farmacológica
O procedimento anestésico-cirúrgico pode desencadear isquemia miocárdica a partir do aumento da demanda e/ou redução da oferta de oxigênio. Vários mecanismos estao envolvidos nesse processo: a ativação do sistema nervoso simpático, a resposta inflamatória sistêmica, a hipercoagulabilidade, as alterações hemodinâmicas, o sangramento e a hipotermia. As características do paciente e o tipo de cirurgia vao determinar quais os fatores de risco cardiovasculares poderao ser otimizados e quais estratégias de redução de risco serao mais adequadas.4
Betabloqueadores
A principal justificativa para o uso de betabloqueador no perioperatório é diminuir o consumo de oxigênio do miocárdio, reduzindo a frequência cardíaca, levando a um período de enchimento diastólico maior e diminuição da contratilidade do miocárdio. Outros fatores cardioprotetores adicionais têm sido sugeridos, no entanto, ainda faltam estudos clínicos que evidenciem o real benefício a partir de desfechos clínicos.4
Pelo menos seis grandes ensaios clínicos avaliando o efeito de betabloqueio perioperatório foram publicados: Mangano et al., POBBLE, MaVS, DIPOM e POISE, DECREASE IV, além de oito metanálises para avaliar o uso de betabloqueadores no perioperatório, que são a base de dados para as recomendações dos atuais guidelines americano e europeu.2,4,8,9,10,11
Entre os estudos citados, o POISE e o DECREASE IV são os de maior peso no resultado das metanálises. Porém, em 2011 foi aberta investigação por suspeita de fraude científica nos trabalhos do Dr. Don Poldermans. Em 2013, com o fim do inquérito, verificou-se que os estudos do DECREASE II ao DECREASE VI tinham falhas metodológicas graves, como falta de consentimento informado dos pacientes, falhas de aleatorização, incongruências entre as complicações relatadas no estudo e os dados dos prontuários dos pacientes, entre outras. O estudo DECREASE I (1999) não foi avaliado, por ter mais de 10 anos desde sua publicação e pela falta de dados nos registros dos pacientes. O Dr. Poldermans foi demitido do Erasmus Medical Center, em Rotterdam, e seus estudos não são mais considerados nas metanálises após 2013.4,913
Sendo assim, as indicações de betabloqueadores para redução de eventos cardiovasculares perioperatórios ficaram bastante restritas. Fica claro que nos pacientes sem fatores de risco o betabloqueio perioperatório não traz benefícios. Inclusive, um possível aumento da mortalidade tem sido sugerido devido à bradicardia e hipotensão, levando a aumentado risco de AVC e morte. Além disso, a administração perioperatória de betabloqueadores pode aumentar a incidência de delirium pós-operatório em pacientes submetidos à cirurgia vascular.4
Nos pacientes que já usam betabloqueadores devido à doença isquêmica miocárdica ou arritmias, é recomendada a continuação da medicação. Quando os betabloqueadores são prescritos para a hipertensão, a ausência de evidências sobre um efeito cardioprotetor de outros medicamentos anti-hipertensivos corrobora sua manutenção. Os betabloqueadores não devem ser retirados em doentes tratados para insuficiência cardíaca compensados, devido à disfunção sistólica do VE. Na insuficiência cardíaca descompensada, a terapia com betabloqueador deve ser ajustada de acordo com a condição clínica. As contraindicações aos betabloqueadores (asma, distúrbios de condução graves, bradicardia sintomática e hipotensão sintomática) devem ser respeitadas. Em pacientes com claudicação intermitente, os betabloqueadores não mostraram agravar os sintomas e, por conseguinte, não são contraindicados.2,4
A questao continua a ser discutível em pacientes de risco elevado, isto é, naqueles com risco de complicações cardiovasculares superior a 1%. Se for feita a escolha pelo uso de betabloqueadores como estratégia cardioprotetora no perioperatório, a melhor opção é a introdução de um agente beta1-seletivo sem atividade simpaticomimética intrínseca com dose titulada para alcançar frequência cardíaca em repouso entre 60 e 70 bpm. As evidências sugerem que o atenolol e o bisoprolol são superiores ao metoprolol. Doses excessivas que levem à bradicardia e hipotensão devem ser evitadas. A dose do betabloqueador deve ser lentamente titulada para atingir a frequência cardíaca adequada e as metas de pressão arterial (pressão arterial sistólica > 100 mmHg). Isso requer que o tratamento seja iniciado pelo menos um dia antes da cirurgia e, idealmente, uma a quatro semanas antes. A meta de frequência cardíaca é aplicável a todo período perioperatório, usando a administração intravenosa quando a administração oral não for possível. Altas doses devem ser evitadas, em especial imediatamente antes da cirurgia. Sugere-se que a pressão arterial média perioperatória deva permanecer acima de 55 mmHg. No caso de taquicardia no intra e pós-operatório, pensar primeiro nas principais causas: hipovolemia, dor, perda de sangue e infecção em vez de simplesmente aumentar a dose de betabloqueador. 2,4
A Tabela 7 traz o resumo das recomendações atuais para o uso de betabloqueadores no perioperatório.
Estatinas
As estatinas (inibidores da enzima 3-hidroxi-3-metilglutaril-CoA redutase) são amplamente utilizadas em doentes com ou sem risco de doença isquêmica coronariana, por serem capazes de reduzir eventos cardiovasculares, quer na prevenção primária quanto na prevenção secundária. 4
Pacientes com doença aterosclerótica não coronariana (carotídea, periférica, aórtica, renal) devem receber a terapia com estatina para prevenção secundária, independentemente de cirurgia não cardíaca. As estatinas também induzem a estabilização da placa coronariana a partir de efeitos pleiotrópicos, que podem impedir a ruptura da placa e infarto do miocárdio no período perioperatório.2,4
Séries observacionais sugerem que a terapia perioperatória com estatina está também associada a baixo risco de insuficiência renal aguda e menos mortalidade em doentes com complicações pós-operatórias ou síndrome de disfunção de múltiplos órgaos. As estatinas podem diminuir ainda o risco de fibrilação atrial (FA) após uma cirurgia não cardíaca de grande porte. 2,4
Uma preocupação relativa à utilização de terapia com estatina perioperatória é o risco de miopatia induzida pela droga e rabdomiólise. As evidências acumuladas até a presente data sugerem o efeito protetor do uso perioperatório das estatinas para complicações cardíacas durante uma cirurgia não cardíaca. 2,4
De acordo com as diretrizes atuais, a maioria dos pacientes com doença arterial periférica deverá receber estatinas. Se eles têm que se submeter à cirurgia vascular aberta ou à intervenção endovascular, as estatinas devem ser continuadas depois. Em pacientes não tratados previamente, as estatinas devem idealmente ser iniciadas pelo menos duas semanas antes da intervenção para efeitos máximos de estabilização da placa e continuadas por pelo menos um mês após a cirurgia. Em pacientes submetidos à cirurgia não vascular, não há evidência alguma para apoiar o tratamento com estatina pré-operatória se não há alguma outra indicação. 2,4
Em pacientes que já têm indicação para terapia com estatina, iniciar no perioperatório também pode ser uma oportunidade de impactar a saúde a longo prazo. As recomendações com o nível de evidência estao resumidas na Tabela 8. 2,4
Inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) e bloqueadores do receptor de angiotensina (BRA)
Os IECA e BRA parecem não exercer diminuição da mortalidade ou de complicações cardiovasculares em pacientes submetidos a grandes cirurgias vasculares em pacientes de alto risco.2,4
Alguns relatos de caso sugerem que o uso perioperatório de IECA ou BRA acarreta risco de hipotensão severa sob anestesia, principalmente na indução e com o uso concomitante de betabloqueador. Porém, a manutenção no período perioperatório parece razoável (recomendação classe IIa, nível de evidência B). Se for feita a opção de suspendê-los no pré-operatório, a retirada deve ser feita 24 horas antes da cirurgia quando eles são prescritos para a hipertensão, devendo ser retomado após a cirurgia logo que o paciente permaneça estável (recomendação classe IIa, nível de evidência C).2,4
Alfa-2 agonistas
De acordo com as últimas diretrizes, os alfa-2 agonistas no perioperatório não mostram benefícios em reduzir a taxa de mortalidade e complicações cardiovasculares, sendo classificados como classe III nível de evidência B, não devendo ser utilizados.2,4
Vários estudos examinaram o papel de alfa-agonistas (clonidina e mivazerol) para a proteção cardíaca perioperatória.4
O trial europeu mivazerol aleatorizou 1.897 pacientes como de risco intermediário alto, com doença isquêmica coronariana submetidos à cirurgia não cardíaca. O mivazerol não diminuiu a incidência de óbito ou infarto do miocárdio nessa população. No entanto, houve redução da morte pós-operatória ou infarto do miocárdio observados em uma subpopulação de 904 pacientes submetidos à cirurgia vascular.4
No POISE-2, foram aleatorizados 10.010 pacientes submetidos à cirurgia não cardíaca em um grupo com clonidina e outro placebo. A clonidina não reduziu a taxa de morte ou IAM não fatal em geral ou em pacientes submetidos à cirurgia vascular (risco relativo 1,08; 95% IC 0,93-1,26; p=0,29). Por outro lado, a clonidina aumentou o risco de hipotensão clinicamente importante (risco relativo 1,32; 95% IC 1,24-1,40; p, 0,001) e parada cardiopulmonar não fatal (risco relativo 3,20; 95% IC 1,17-8,73; p<0,02).4
Sendo assim, os alfa-2 agonistas não são recomendados para prevenção de ECAG em pacientes que serao submetidos à cirurgia não cardíaca (recomendação classe III - sem benefícios, nível de evidência B).4
Metanálise publicada em 2003 envolvendo 11 estudos e 1.007 pacientes determinou que a terapia com bloqueadores de canais de cálcio no perioperatório reduziu significativamente os episódios de isquemia (risco relativo 0,49, 95% IC 0,3 a 0,8 p=0,004) e taquicardia supraventricular (risco relativo 0,52, 95% IC 0,37-0,72, p<0,0001), sendo associada, também, à reduzida tendência à morte e ao infarto do miocárdio. Todos esses benefícios foram atribuídos principalmente ao diltiazem. As di-hidropiridinas e o verapamil parecem não diminuir a incidência de infarto agudo do miocárdio (IAM), apesar do verapamil reduzir a incidência de taquicardia supraventricular. É necessário estudo clínico de larga escala para definir os reais benefícios desses agentes. Vale lembrar que o diltiazem e o verapamil são importantes inotrópicos negativos e podem precipitar a piora da insuficiência cardíaca em pacientes com fração de ejeção baixa. 2,4,14
Acido acetilsalicílico (AAS)
O uso do AAS como estratégia protetora em pacientes não portadores de stens coronarianos parece não ser efetivo. O estudo POISE2 aleatorizou 10.010 pacientes submetidos à cirurgia não cardíaca com fatores de risco para complicações cardiovasculares em dois grupos: AAS 200 mg ou placebo. O AAS não mostrou efeito protetor para ECAG nem reduziu a mortalidade tanto nos pacientes que já usavam a medicação previamente quanto nos que iniciaram no período perioperatório. Além do mais, o AAS foi associado a alta incidência de sangramentos graves. Cabe ressaltar que os pacientes que receberam stents metálicos há menos de seis semanas e stent farmacológico há menos de 12 meses foram excluídos e o número de portadores de stent fora desses intervalos de tempo foi muito reduzido para tirar conclusões sobre o risco-benefício2. As recomendações para uso de antiplaquetários nos pacientes portadores de stent serao abordadas no item Terapia Intervencionista..
TERAPIA INTERVENCIONISTA
Revascularização coronariana (CRVM) antes de cirurgias não cardíacas
A CRVM antes de uma cirurgia não cardíaca é recomendada nas mesmas circunstâncias em que é indicada nas situações clínicas, seguindo os guidelines específicos para tal (classe I nível de evidência C).2,4
Porém, novas recomendações foram feitas para os pacientes clínicos influenciadas pelos diversos estudos publicados recentemente, incluindo os resultados de cinco anos do estudo SYNTAX4,15, sobre a intervenção coronariana percutânea (ICP) e a CRVM.
A ICP assume uma classe e nível de evidência similar à CRVM em pacientes com lesão proximal na artéria descendente anterior. Além disso, a ICP recebeu um upgrade para classe I em pacientes com lesão de tronco da coronária esquerda com Syntax score < 22 e triarteriais com Syntax score < 22. Porém, os guidelines reenfatizam que a revascularização completa deve ser obtida nos pacientes multiarteriais e consideram a ICP como indicação classe III na doença triarterial complexa com Syntax score >22 e com lesão de tronco com Syntax score >32. 4,15
Resultados do estudo FREEDOM influenciaram as recomendações para a população de diabéticos, resultando em indicação classe I para a CRVM naqueles multiarteriais com risco cirúrgico aceitável. Outro ponto importante do guideline foi a recomendação de utilização preferencial de stents farmacológicos em praticamente todos os pacientes e subtipos de lesões, além de dar indicação classe I para o uso de stents farmacológicos no contexto de IAM (angioplastia primária).4
Não há recomendação de revascularização de rotina antes de cirurgias não cardíacas com o objetivo exclusivamente de reduzir eventos cardíacos perioperatórios (recomendação classe III nível de evidência B).2,4
Nos pacientes submetidos à estratificação de risco de acordo com o algoritmo proposto cuja avaliação recomenda CRVM, o risco de morbimortalidade deve ser avaliado individualmente tanto para realização da revascularização quanto para a realização da cirurgia não cardíaca, sendo ponderada essa decisão em função da condição física geral do paciente, capacidade funcional e prognóstico. Sendo assim, somente os pacientes candidatos às cirurgias de risco elevado talvez poderiam se beneficiar de uma CRVM pré-operatória. 2,4
Momento ideal da cirurgia não cardíaca em pacientes submetidos à ICP
A decisão sobre tempo ideal entre a colocação de um stent coronariano e a realização de uma cirurgia não cardíaca eletiva deve sempre levar em consideração três fatores: a) o risco de trombose do stent quando se opta por suspender a dupla antiagregação plaquetária (DAGP); b) as consequências de se adiar o procedimento; c) o risco de sangramento intra e pós-operatório, se forem mantidos os antiplaquetários. Por definição, o termo DAGP refere-se ao uso concomitante do ácido acetilsalicílico (AAS) e um inibidor do receptor plaquetário P2Y12 (clopidogrel, prasugrel ou ticagrelor).1
Sabe-se que a descontinuação precoce dos antiplaquetários, principalmente nas primeiras semanas, é um dos principais fatores associados à trombose do stent, e o risco desse tipo de complicação diminui de forma inversamente proporcional ao tempo desde a sua colocação. Por outro lado, o aumento do sangramento causado pela manutenção da DAGP também é difícil de ser estimado1. Sendo assim, em 2014 a American Heart Association/American College of Cardiologists (AHA/ACC) publicaram, em suas diretrizes para avaliação cardíaca perioperatória para pacientes candidatos à cirurgia não cardíaca, uma recomendação classe I para que os pacientes tratados com stents farmacológicos tenham sua DAGP suspensa apenas depois de 12 meses3. Porém, com a publicação de novos estudos realizados com a nova geração de stents farmacológicos (everolimus, zotarolimus), parece ser segura a suspensão da terapia DAGP com três a seis meses15. Baseado nessas novas informações, a AHA/ACC publicaram em abril deste ano novas diretrizes para o manuseio da DAGP antes de uma cirurgia não cardíaca eletiva (Tabela 9).16 Nos casos dos pacientes submetidos à angioplastia por balao ou colocação de stent metálico, o tempo entre a intervenção e a cirurgia não cardíaca continua sendo 15 e 30 dias, respectivamente.
Quando se opta por suspender o inibidor do receptor plaquetário P2Y12 antes do período recomendado, é prudente que o AAS seja mantido, apesar dessa recomendação ser baseada apenas na opiniao de especialistas. Existem relatos de uso de antiplaquetários venosos de curta duração (inibidores da glicoproteína IIb/IIIa) como "ponte" em pacientes que necessitam da suspensão precoce da DAGP antes do período recomendado, porém não existem evidências científicas contundentes que respaldem essa conduta1. Para os pacientes portadores dos stents farmacológicos de primeira geração (sirolimus, plactaxel), as recomendações sobre o tempo de suspensão da DAGP antes de procedimentos eletivos continuam sendo as mesmas das diretrizes de 20142. O resumo dessas recomendações pode ser visualizado no algoritmo da Figura 2.
MANEJO PERIOPERATORIO EM SITUAÇÕES ESPECIAIS
Manejo perioperatório em pacientes em uso de marca-passo e cardiodesfibrilador
Os marca-passos cardíacos são o tratamento mais bem documentado para vários tipos de arritmias cardíacas, especialmente as bradiarritmias, desde 1950. Inicialmente, era composto de um único caboeletrodo com um marca-passo assincrônico que regulava a frequência cardíaca de forma fixa. Com o avanço tecnológico, esses aparelhos tornaram-se bem mais sofisticados, ampliando suas funções e tornando-se multiprogramáveis. Com o surgimento dos cardiodesfibriladores automáticos implantáveis (CDI), também se tornou possível o tratamento das arritmias ventriculares malignas. Mais recentemente, surgiu na estimulação cardíaca moderna a possibilidade de tratamento da insuficiência ventricular, utilizando-se o princípio da ressincronização ventricular.4,17
Muitas vezes esses dispositivos cardíacos elétricos implantáveis (DCEI) costumam ser ignorados no cuidado geral do paciente, com a errônea crença (e possível risco de morte) de que a mera aplicação de um íma irá evitar qualquer problema no período perioperatório, bem como tratar qualquer situação que surgir.4,17
O envelhecimento da população e a capacidade de cuidar de pacientes com doenças cada vez mais complexas sugerem que os pacientes com esses dispositivos serao cada vez mais frequentes na prática clínica. O manejo seguro e eficiente desses pacientes depende da compreensão do funcionamento dos DCEIs, de suas indicações e das complicações perioperatórias que podem advir.4,17
Os sistemas de estimulação são considerados de câmara única (unicameral), quando só um átrio ou só um ventrículo é estimulado. São chamados dupla-câmara (bicameral) quando a estimulação envolve ambas as câmaras, atrial e ventricular. Há, também, o sistema multissítio (multicâmara), em que mais de duas câmaras são estimuladas, sendo o caso de marca-passos ressincronizadores ou biventriculares, que estimulam também a câmara atrial. Além disso, os dispositivos podem ser programados para inibir ou estimular ao detectar um estímulo endógeno, modular a frequência diante de variações metabólicas e ainda possuir funções especiais para o tratamento de uma taquiarritmia. O código para marcapassos da North American Society of Pacing and Electrophysiology (NASPE) e a British Pacing and Electrophysiology Group (BPEG) simplifica os principais recursos e comportamento desses dispositivos (Tabela 10).4,17
Os modelos atuais de aparelhos são desenvolvidos para incorporar vários modos de função e estimulação. A avaliação do aparelho deve ser feita previamente por um técnico especializado e o cardiologista assistente, fornecendo maior número de dados possíveis ao anestesiologista: a) tipo de aparelho; b) modo de estimulação e frequência programada; c) local de implante do gerador; d) grau de dependência do paciente; e) no caso de CDI, se tem recebido choques e qual a sua frequência; f) data do implante e última avaliação do aparelho.4,17
A conduta mais adequada é reprogramar o gerador, tornando os marca-passos assíncronos (frequência fixa - VOO), e desligando a função de cardiodesfibrilação dos CDIs, evitando-se, assim, os choques inapropriados. A reprogramação para assincrônico em frequência maior do que a do paciente geralmente garante que não haja interferências causadas pelo eletrocautério. Entretanto, o dispositivo no modo assíncrono tem o potencial de criar um ritmo maligno nos pacientes com miocárdio estruturalmente comprometido. 4,17
Vale ressaltar que a reprogramação não impede que aconteça um dano interno ao gerador ou mesmo um reset causado pelo eletrocautério. Portanto, as seguintes recomendações devem sempre ser seguidas: utilizar bisturi bipolar, reduzindo o campo elétrico de exposição; utilizar a menor potência efetiva, reduzindo a energia empregada; usar o eletrocautério de forma intermitente, em pulsos de curta duração e o mais espaçado possível; caso seja necessário o uso do bisturi unipolar, posicionar a placa do eletrocautério de tal forma que a corrente elétrica não atravesse a regiao entre o gerador de pulsos e a ponta do cabo eletrodo; posicionar a placa do eletrocautério o mais próximo possível da área operada, reduzindo, assim, a regiao de interferência eletromagnética; manter a distância do eletrocautério ao gerador de pulsos maior que 15 cm; dispor de marca-passos temporários transtorácico ou transvenoso endocárdico; dispor de desfibriladores (dois) preparados e testados previamente; somente iniciar quaisquer procedimentos após rigorosa monitorização do ritmo cardíaco e pulso arterial; ajustar o cardioscópio para ter a maior exatidao possível e ter registro de papel e seis derivações eletrocardiográficas disponíveis.4,17
Após o término dos procedimentos, os geradores deverao ser reavaliados e reprogramados para seu modo de estimulação ideal pelo profissional especializado o mais precocemente possível. Pacientes com CDI devem permanecer monitorizados até se restabelecer a terapia antitaquicardia.4,17
Do ponto de vista de drogas anestésicas, deve-se evitar uso de sevoflurano, isoflurano e desflurano em paciente com síndrome do QT longo, além de evitar drogas que interfiram no estimulo do nó sinusal.4,17
CONSIDERAÇÕES FUTURAS
As recentes publicações acerca do acompanhamento pós-operatório com a troponina T (ensaio de quarta geração) vêm mostrando que o número de pacientes com lesão miocárdica pós-operatória (LMPO), definida por dosagem ≥ 0,03 ng/mL (excluídas as causas de elevação não cardíacas), é mais comum do que se pensava. O estudo VISION avaliou 15.065 pacientes com idade de 45 anos ou mais submetidos à cirurgia não cardíaca em regime de internação hospitalar e constatou incidência de LMPO de 8,0%. Nesses pacientes, a mortalidade em 30 dias foi de 9,8% comparado com 1,1% no grupo que não apresentou LMPO (OR 10,07; IC 95%, 7,84-12,94; p<0,001). O risco de parada cardíaca não fatal foi 14,58 vezes maior, de insuficiência cardíaca 10,34 vezes maior e de acidente vascular cerebral 4,66 vezes maior. Chama a atenção que apenas 58,2% desses pacientes preenchiam os critérios clássicos de IAM e somente 15,8% apresentaram algum sintoma isquêmico.18
Como os índices e calculadoras de risco relatados anteriormente não levaram em conta a dosagem da troponina como critério diagnóstico de IAM, acredita-se que eles subestimem muito o real risco dos ECAGs. A Gupta MICA NSQIP risk calculator, por exemplo, levou em consideração apenas os critérios eletrocardiográficos de elevação do segmento ST e novo bloqueio de ramo esquerdo, como definição de IAM. Sem a dosagem da troponina, acredita-se que mais da metade dos infartos perioperatórios não seja detectada. Alguns especialistas, como o Dr. Daniel Sessler e o Dr. P. J. Devereaux, referências mundiais no assunto, já recomendam que a dosagem da troponina T (ensaio de quarta geração) seja dosada na manha seguinte de todas as cirurgias não cardíacas realizadas em pacientes acima de 45 anos em regime de internação hospitalar, com o objetivo de identificar precocemente os pacientes sob risco aumentado de ECAG nos primeiros 30 dias.19
Existe ainda a expectativa de que outros biomarcadores sejam integrados aos algoritmos de estratificação de risco no futuro. Em metanálise envolvendo 2.179 pacientes, uma dosagem pré-operatória de peptídeo natriurético atrial (BNP) ≥92 ng/L ou um pró-BNP N-ternimal (NT-pró-BNP) ≥300 ng/L foram fortes preditores de morte ou IAM (OR 3,40, IC 95% 2,57-4,47). Cabe ressaltar que o custo da dosagem do BNP ou NT-proBNP é consideravelmente menor que o custo de um teste de estresse, além do tempo para a realização e obtenção dos resultados ser menor.
Recomenda-se que os pacientes que se apresentem para uma cirurgia não cardíaca eletiva com níveis alterados desses marcadores sejam referenciados a um especialista antes do procedimento.1
CONCLUSÃO
Uma avaliação perioperatória bem-sucedida requer equipe cuidadosa, com boa comunicação entre cirurgioes, anestesiologistas e o clínico responsável pelo paciente. A estratificação do risco cardiovascular é predominantemente baseada em fatores clínicos. Sendo assim, uma boa anamnese e exame físico são importantes preditores de complicações cardiovasculares. Em geral, as indicações para testes cardíacos adicionais e para tratamentos específicos são as mesmas do período não operatório. Os exames pré-operatórios, invasivos ou não, devem ser sempre limitados àquelas circunstâncias nas quais os resultados afetarao claramente o manejo do paciente.
Espera-se que os biomarcadores sejam integrados aos algoritmos de estratificação de risco, melhorando a capacidade de predizer riscos e orientando novas condutas.
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