ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Comportamento negativo no pós-operatório imediato de anestesia pediátrica
Early postoperative negative behavior in pediatric anesthesia
Ana Flávia Vieira Leite1; Raphael Rabelo de Mello Penholati1; Pedro Henrique Pimentel Pardini2; Mateus Musse Lima Sampaio2; Alexandre Rodrigues Ferreira2; Vinícius Caldeira Quintao3
1. Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte,Centro de Ensino e Treinamento - CET. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Faculdade de Medicina - FM. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Faculdade de Medicina - FM, Programa de Pós-Graduaçao Ciências da Saúde, Saúde da Criança e do Adolescente; Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, CET. Belo Horizonte, MG - Brasil
Vinícius Caldeira Quintao
E-mail: viniciuscq@hotmail.com
Instituiçao: Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, Centro de Ensino e Treinamento em Anestesiologia - CET UFMG, Faculdade de Medicina, Departamento de Pediatria, Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
O comportamento negativo no pós-operatório imediato (i-CNPO) é uma alteração do comportamento e/ou da cognição, que inclui o delirium no despertar, agitação no despertar e dor pós-operatória. Dependendo da forma como foi feito o diagnóstico, o i-CNPO pode ter incidência acima de 80%. O diagnóstico é clínico e baseado em escalas. Existem várias escalas para diagnóstico de delirium e agitação no despertar. A única validada é a Pediatric Anesthesia Emergence Delirum (PAED). Essa escala avalia cinco pontos, tais quais: contato com os olhos do cuidador, consciência do ambiente, se os atos da criança são propositais e os graus de consolabilidade e de agitação da criança. Os fatores de risco incluem: faixa etária pré-escolar, anestesia para cirurgias otorrinolaringológicas e anestesia com sevoflurano ou desflurano. A prevenção é muito bem indicada nessa complicação. Pode ser feita com midazolam (0,1 mg/kg) EV no fim da cirurgia; propofol (1-3 mg/kg) EV no fim da cirurgia; clonidina VO (4 mcg/kg) como medicação pré-anestésica; dexmedetomidina EV (0,2-1 mcg/kg) como medicação pré-anestésica ou no perioperatório; fentanil (1-2,5 mcg/kg) EV no perioperatório. Anestesia venosa total também é uma forma de prevenir delirium e agitação no despertar. Por ser uma complicação autolimitada, o tratamento somente será indicado se a criança estiver muito agitada e com risco de se autoinfligir ou de perda de acessos vasculares, drenos ou curativos. O tratamento inclui midazolam, propofol, fentanil ou dexmedetomidina nas mesmas doses.
Palavras-chave: Delírio do Despertar; Anestesia; Criança; Medicação Pré-Anestésica; Período Pós-Operatório.
INTRODUÇÃO
O comportamento negativo no pós-operatório imediato (i-CNPO) é uma complicação que consiste em alteração do comportamento e/ou da cognição que se apresenta precocemente após o despertar de uma anestesia geral, manifestando-se algumas vezes como delirium, agitação ou dor. Diferentemente deste, o comportamento negativo no pós-operatório tardio manifesta-se tipicamente nas 24 a 48 horas seguintes, caracterizando-se, por exemplo, por ansiedade para dormir, ansiedade de separação dos pais ou problemas durante a alimentação. Crianças com agitação no despertar ou delirium no despertar são mais propensas a ter crises de ansiedade, apatia, distúrbios na alimentação e problemas de sono.
A maioria dos autores sugere que existe uma sobreposição considerável entre delirium, agitação e dor.
Sikich et al.1 definiram o delirium no despertar como um distúrbio na consciência e na atenção da criança em relação ao ambiente, com desorientação e alterações perceptivas, incluindo hipersensibilidade aos estímulos e comportamentos motores hiperativos imediatamente após o despertar anestésico. O delirium geralmente está associado a excitação, agitação e angústia, que são inadequadas ou desproporcionais à situação. A dor não é um componente importante. Delirium no despertar tem sido inadequadamente definido na literatura e um número de termos tem sido utilizado de forma equivocada como sinônimo, incluindo agitação no despertar e emoção paradoxal. Agitação no despertar, no entanto, é um estado de leve inquietação e sofrimento mental e pode surgir de várias fontes, incluindo dor, alteração fisiológica ou ansiedade. Apesar de autolimitados, podem resultar em lesão do paciente e/ou do cuidador, perda de acessos vasculares, drenos e curativos, além de aumentar a permanência hospitalar e o tempo na sala de recuperação pós-anestésica (SRPA).
Segundo a última atualização do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais2, o DSM-V, o delirium segue os seguintes critérios diagnósticos:
▪ distúrbio na atenção (isto é, capacidade reduzida para direcionar, focalizar, sustentar e transferir a atenção) e da consciência (menos orientação reduzida para o ambiente);
▪ a perturbação desenvolve-se durante curto período de tempo (geralmente de horas a alguns dias), representa uma alteração aguda em relação à atenção e consciência basal e tem melhora e piora ao longo do dia;
▪ uma perturbação adicional na cognição (por exemplo: déficit de memória, desorientação, linguagem, noção de espaço ou percepção);
▪ as perturbações nos critérios A e C não são mais bem explicadas por um transtorno neurocognitivo preexistente, estabelecido ou evoluindo e não ocorrem no contexto de um nível gravemente reduzido de consciência, como coma;
▪ há evidências da história, exame físico ou achados laboratoriais de que a perturbação é uma consequência fisiológica direta de outra condição médica, intoxicação ou abstinência de substâncias (ou seja, devido a abuso de droga ilícita ou medicamento) ou exposição a uma toxina ou é devido a múltiplas etiologias.
O delirium no despertar é uma complicação da anestesia geral que pode ocorrer em qualquer paciente, sendo as crianças uma população vulnerável para o surgimento dessa condição.
INCIDENCIA
A incidência varia de 25 a 80%. A dor pós-operatória, os agentes anestésicos utilizados e a existência de diferentes escalas criadas para o diagnóstico do delirium no despertar podem explicar a grande variabilidade nessas taxas.
FISIOPATOLOGIA
A origem do delirium no despertar permanece desconhecida. No entanto, algumas hipóteses têm sido defendidas na gênese desse fenômeno, como dor pós-operatória, farmacocinética e farmacodinâmica de agentes anestésicos.
Em relação à dor, Wells et al.3 descreveram casos de quatro pacientes (sendo uma criança) que evoluíram com delirium no despertar. Eles descreveram sua experiência como uma sensação paranoica. No entanto, os pacientes não relataram dor pós-operatória após recuperação do estado normal. Outro fato questionado por esses autores é o de que delirium no despertar também ocorre após procedimentos não dolorosos, tais como exames de imagem realizados sob anestesia geral. Consequentemente, embora evidenciado em alguns estudos que a analgesia pode evitar o delirium no despertar, o envolvimento da dor na gênese dessa complicação permanece controversa.
Uma hipótese interessante sobre o delirium no despertar envolveu a diferença de depuração de agentes anestésicos voláteis do sistema nervoso central, levando à recuperação das funções cerebrais em tempos diferentes. Retorno tardio da função cognitiva em comparação a outras funções cerebrais (como audição e locomoção) tem sido considerado o responsável por causar o estado confusional e de agitação. Essa hipótese tem sido embasada pela alta incidência de delirium no despertar desde a introdução de agentes anestésicos voláteis de ação rápida, como o sevoflurano e o desflurano. No entanto, a rapidez do despertar da anestesia foi encontrada inconsistentemente associada à alta incidência de delirium no despertar. Além disso, estudos comparando propofol (anestésico intravenoso de ação curta, que também garante um rápido despertar) e sevoflurano ou desflurano encontraram efeito protetor do propofol em relação ao delirium no despertar.
A alteração do metabolismo cerebral também é uma das hipóteses consideradas na fisiopatologia do delirium no despertar. Estudo realizado por Jacob et al.4 evidenciou que crianças anestesiadas com sevoflurano apresentavam altos níveis de lactato e glicose no córtex parietal quando comparadas àquelas anestesiadas com propofol. Observou-se também que o escore total médio da escala Pediatric Anesthesia Emergence Delirium (PAED), escala usada para diagnóstico apresentada na Tabela 1, foi significativamente maior nas crianças anestesiadas com sevoflurano em relação ao propofol, indicando mais agitação e delirium associado ao uso desse anestésico inalatório.
FATORES DE RISCO
São considerados fatores de risco idade pré-escolar, sexo masculino, uso de sevoflurano ou desflurano e cirurgia em orelha, nariz ou garganta. É controverso se a ansiedade pré-operatória da criança e a ansiedade dos pais ou cuidadores são fatores de risco para i-CNPO. Alguns estudos mostraram que não aumentaram a incidência de delirium no despertar, mas alguns autores as consideram.5
DIAGNOSTICO
O diagnóstico das diferentes entidades que compoem o i-CNPO é clínico e baseado em escalas. Entre as escalas descritas na literatura podem-se citar a de Watcha6, desenvolvida em 1992; a de Aono7, em 1999; a de Cravero8, em 2000; a de Cole9, em 2002; e a Pediatric Anesthesia Emergence Delirium Scale (PAED), em 20041. A PAED (Tabela 1) corrige duas falhas presentes nas outras escalas, uma vez que os conteúdos avaliados nem sempre seguiam o marco teórico adequado e/ou alguma forma de avaliação psicométrica estava ausente. Além disso, ela foi a única validada por métodos estatísticos. Cumpre pontuar que dor pós-operatória deve ser avaliada nas crianças que apresentam i-CNPO e, se presente, tratada.10
ESCALAS PARA DIAGNOSTICO DE DELIRIUM NO DESPERTAR E AGITAÇÃO NO DESPERTAR6-9
A escala comportamental de Watcha6 (Watcha behavior scale for emergence delirium) para delirium no despertar foi utilizada para classificar o despertar de crianças de três meses a quatro anos e é graduada de 1 a 4, sendo definidos, respectivamente, criança calma, criança chorando e que pode ser consolada, criança chorando inconsolável e criança agitada/esperneando/ se debatendo. Costi et al.11 consideraram o diagnóstico de delirium no despertar se escore ≥ 3. Bajwa et al.12 concluíram, em seu estudo, que essa escala é uma ferramenta de uso simples na prática clínica e pode ter mais sensibilidade e especificidade do que as outras escalas por ela avaliadas (como a escala de Cravero6 e PAED1).
A escala de Aono7 foi desenvolvida para meninos de três a 10 anos e é graduada de 1 a 4, sendo que 1 significa que a criança está calma;, 2 a criança não está calma, mas pode ser facilmente acalmada, 3 a criança não é facilmente acalmada, está moderadamente agitada ou inquieta; e 4, a criança está exaltada ou desorientada. Os escores 1 e 2 são considerados comportamentos não problemáticos e nos escores 3 e 4 como são problemáticos.
Cravero8, ao desenvolver sua escala (Cravero emergence agitation scale), estudou crianças de 6 meses a 10 anos e as graduou com cinco níveis: 1 - obnubiladas e sem resposta a estímulos; 2 - dormindo, mas responsivas a movimentos ou estímulos; 3 - despertas e responsivas; 4 - chorando por mais de três minutos; 5 - agitação necessitando de contenção.
A escala de Cole9 foi criada para avaliar o despertar de crianças de 10 meses a seis anos e é graduada de 1 a 5, sendo, respectivamente, dormindo, desperta/calma, irritável/chorando, choro inconsolável e inquietação grave/desorientação.
A única escala validada para diagnóstico de delirium no despertar é a PAED1 e foi desenvolvida para avaliar crianças de 18 meses a seis anos. A escala avalia cinco itens e os pontua de acordo com a intensidade de cada um, seguindo a Tabela 1.
A ESCALA PAED
A escala PAED utilizou como marco teórico a definição de delirium encontrada na 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais2 (DSM-V). Este caracteriza o delirium como perturbação da atenção (capacidade reduzida para direcionar, focalizar, manter e mudar a atenção), da consciência (menos orientação para o ambiente) e da cognição (desorientação, redução da capacidade visuoespacial ou redução da percepção). Stamper et al.13 associaram cada item avaliado pela PAED com alguma habilidade cognitiva: o item 1 reflete o estado de consciência e a habilidade em focar a atenção; o 2 refere-se à capacidade cognitiva de apresentar comportamento adequado à situação; o 3 reflete a capacidade de organizar estímulos externos; o 4 mede a atividade psicomotora; e o 5 avalia o comportamento emocional.
A escala PAED foi a única a ter sido submetida à validação, à avaliação da confiabilidade interobservador (coeficiente Kappa de 0,84) e à consistência interna (coeficiente alfa de 0,89) para o diagnóstico de delirium no despertar de crianças. Segundo o estudo original1, o diagnóstico de delirium no despertar era dado se escore ≥10. A sensibilidade da escala é de 64%, especificidade 86%, área sob a curva ROC 0,77 e os escores correlacionavam-se bem com idade, tempo até o despertar e uso de sevoflurano.10 Os itens 4 e 5 da escala podem refletir delirium no despertar ou dor pós-operatória, uma vez que a escala Face, Legs, Activity, Cry, Consolability (FLACC) utiliza algum nível de agitação e de consolabilidade para avaliar dor em crianças; e as escalas Children's Hospital of Eastern Ontario Pain Scale (CHEOPS) e outra desenvolvida por Hannallah et al.14 também utilizam algum nível de agitação para avaliar dor. Locatelli et al.15 dividiram a escala PAED em duas partes, uma em que constavam os itens de 1 a 3 e outra com os itens 4 e 5. E concluíram que o o primeiro grupo apresentou sensibilidade de 93% para diagnóstico do delirium do despertar, enquanto o segundo, apenas 34% de sensibilidade, mostrando que os três primeiros itens da escala refletem de forma mais fidedigna o delirium no despertar. Somaini et al.16 fizeram a mesma divisão na escala e chegaram à mesma conclusão, adicionando-se ao estudo anterior a interpretação de que os itens 4 e 5 não se relacionam de forma fidedigna nem com delirium no despertar, nem com dor, nos primeiros 15 minutos após o despertar.
Bajwa et al.12 concluíram que escore ≥ 12 apresenta mais sensibilidade e especificidade que aquele ≥ 10, sensibilidade 100% e especificidade 88%, contra 64 e 86% do estudo original, respectivamente.
Em estudo canadense do tipo entrevista, Rosen et al.17 obtiveram resposta de 106 dos 209 anestesiologistas pediatras aos quais foram enviados formulários, sendo que 47% dos respondentes preocupavam-se com o delirium no despertar, mas somente 6% utilizam a PAED como ferramenta de diagnóstico.
PREVENÇÃO
Diversas são as medidas descritas na literatura para prevenção do delirium no despertar, como as descritas por Shung10 e Dahmani et al.18(Tabela 2).
Midazolam como pré-medicação não é efetivo para a prevenção e pode aumentar até nove vezes a incidência de delirium no despertar.10, 18
Rosen et al.17 concluíram em seu estudo que propofol, fentanil, midazolam, morfina e dexmedetomidina são medicamentos utilizados por anestesiologistas pediátricos para prevenção de delirium no despertar e que anestesia venosa total é um método utilizado com o mesmo objetivo.
A metanálise de Zhang et al.19 mostrou que midazolam e clonidina são eficazes na prevenção de delirium no despertar.
Costi et al.11 concluíram que um bolus de propofol 3 mg/kg EV após o término de anestesia com sevoflurano era capaz de prevenir delirium no despertar. A revisão sistemática e a metanálise de van Hoff et al.20 indicaram que o propofol é um medicamento eficaz na prevenção do delirium no despertar, aumentando o tempo até o despertar, mas não interferindo na tempo até a alta da SRPA. O ensaio clínico randomizado de Chandler et al.21 comparando anestesia venosa total (TIVA) com propofol com a anestesia inalatória com sevoflurano mostrou que pacientes anestesiados com TIVA tiveram reduzida incidência de delirium no despertar e de dor e que ambas as induções foram bem toleradas.
Hauber et al.22 demonstraram que dexmedetomidina 0,5 mcg/kg no final da cirurgia foi capaz de reduzir a incidência de delirium no despertar e do uso de opioides na SRPA. Também foi observado que seu uso levou a alterações hemodinâmicas, como frequência cardíaca menor que no grupo-controle (salina) e aumento da pressão arterial sistólica logo após infusão seguida de redução minutos após, mas sem necessidade de tratamento. Em seu ensaio clínico, Kim et al.23 demonstraram que dexmedetomidina 0,2 mcg/kg/h foi capaz de reduzir delirium no despertar grave, sem alterações significativas quanto ao tempo até o despertar.
Chen et al.24 mostraram que dexmedetomidina 1 mcg/kg bolus EV seguida de 1 mcg/kg/h e que cetamina 1 mg/kg seguida de 1 mg/kg/h foram capazes de reduzir a incidência de delirium no despertar quando comparadas ao placebo. A frequência de vômitos pós-operatórios foi menor para dexmedetomidina e o tempo para recuperação da orientação e o para alta da SRPA foram maiores para os grupos que receberam tratamento com os medicamentos.
A revisão sistemática e a metanálise de Pickard et al.25 evidenciaram que o uso de alfa-2-agonistas reduz a incidência de delirium no despertar e aumenta o tempo para o despertar e para a alta da SRPA, mas não alteram o tempo para a alta hospitalar. Nenhum evento adverso hemodinâmico foi encontrado.
No ensaio clínico randomizado e duplo-cego de Kim et al.23 obteve-se que propofol 1 mg/kg ou fentanil 1 mcg/kg ao final da cirurgia reduzem a incidência de delirium no despertar. Contudo, o grupo que recebeu fentanil teve mais náuseas e vômitos pós-operatórios e mais tempo para alta da SRPA.
A prevenção também pode ser não farmacológica18, focando na redução da ansiedade pré-operatória, com indução tranquila e com poucos estímulos sensoriais, musicoterapia, distração, acupressão, exibição de vídeos antes da indução e educação dos pais. A influência da presença dos pais na SRPA não apresentou resultado significativo, podendo ou não ajudar na prevenção do delirium no despertar.10,18
TRATAMENTO
O delirium no despertar é uma entidade autolimitada e seu tratamento ou não varia de acordo com a opção do anestesiologista/cuidador, considerando-se a intensidade dos sintomas, o risco de ferimentos autoinfligidos (remoção do acesso venoso, curativo ou drenos) e o manejo que lhe parecer mais adequado. Contenção no leito pode ser necessário, os dados vitais devem ser monitorizados e o acesso venoso deve ser mantido, pois será útil no caso de tratamento farmacológico.26 Na atualização sobre o assunto publicada por Dahmani et al.18 é sugerido o uso de midazolam 0,1 mg/kg EV, propofol 0,5-1 mg/kg EV, fentanil 1-2 mcg/kg EV ou dexmedetomidina 0,3 mg/ kg EV para o tratamento de delirium no despertar. A dexmedetomidina tem perfil farmacológico mais interessante, uma vez que possui propriedades analgésicas e antieméticas. Rosen et al.17 inferiram em seu estudo que propofol, fentanil, midazolam, morfina e dexmedetomidina são medicamentos utilizados por anestesiologistas pediatras canadenses para tratamento de delirium no despertar e que apenas uma dose se mostrava suficiente na maior parte dos casos.
CONCLUSÃO
O i-CNPO é um tema de grande relevância para o anestesiologista, sendo o delirium no despertar um problema significativo em crianças e a estratificação de seu risco é uma estratégia para escolher os pacientes que se beneficiariam de prevenção farmacológica27. Contudo, além da preocupação com os efeitos da anestesia no pós-operatório imediato, têm sido alvo de atenção por parte da U.S. Food & Drug Administration (FDA) as alterações tardias no comportamento e na cognição relacionadas à anestesia. Mais precisamente, a FDA, no final de 2016, publicou um aviso de farmacovigilância28 sobre o uso de anestésicos gerais e de medicamentos para sedação em crianças de até três anos e mulheres grávidas no terceiro trimestre e seus efeitos nos cérebros em formação. Déficits na cognição e no comportamento podem ocorrer nas crianças, especialmente após exposições repetidas ou prolongadas (>3 horas). Em contrapartida, dois editoriais recentes29,30 fizeram um contraponto ao aviso da FDA, uma vez que esse aviso poderia atrasar cirurgias necessárias em pacientes pediátricos. Os editoriais concluíram que ainda são necessários mais estudos de qualidade para investigar os efeitos da anestesia nos cérebros em desenvolvimento. Por isso, é recomendado discutir com cuidadores e com pais a ocorrência das complicações imediatas e a longo prazo, assim como suas consequências e seu prognóstico.
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