RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 21. 2

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Caso 2

Marianna Amaral Pedroso1; Marcos Guimarães Silva1; Manuel Schütze1; Viviane Santuari Parisotto2

1. Acadêmicos do Curso de Medicina na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Professora Adjunta do Departamento de Propedêutica Complementar da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Viviane Santuari Parisotto
Av. Alfredo Balena, 110, Santa Efigênia, Andar térreo do HC
Belo Horizonte, MG - Brasil, CEP: 30130-100
Email: parisottoviviane@yahoo.com.br

Recebido em: 11/05/2011
Aprovado em: 18/05/2011

Instituição: Faculdade de Medicina da UFMG Departamento de Propedêutica Complementar Belo Horizonte, MG - Brasil

 

CASO

Mulher, 41 anos de idade, em hemodiálise há 10 anos devido à doença renal crônica (DRC) secundária a lúpus eritematoso sistêmico (LES). Foi admitida no Hospital das Clínicas da UFMG para intervenção cirúrgica nas lesões orais (Figura 1). A paciente queixava dor na região maxilar e mandibular e sangramento recorrente nas lesões orais.

 

 

De acordo com a história clínica e a imagem exposta, qual o provável diagnóstico?

A) Tumor Marrom
B) Tumor de células gigantes
C) Querubismo
D) Cisto Ósseo Aneurismático

 

ANÁLISE DA IMAGEM

Observa-se, na Figura 1, no palato, à esquerda, massa com contornos regulares, em projeção para a cavidade oral. À direita, há massa de contornos irregulares, distorcendo os processos alveolares, que se apresentam com sangramento.

 

DIAGNÓSTICO

A história de DRC associada à massa óssea na região maxilar e mandibular sugere o diagnóstico de tumor marrom.

 

DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS

Os diagnósticos diferenciais são constituídos por lesões intraósseas que apresentam no seu componente histopatológico células gigantes multinucleadas.

O tumor de células gigantes é uma neoplasia óssea benigna agressiva constituída histologicamente por células gigantes multinucleadas dispersas pelo tecido tumoral. São de aspecto osteolítico, que destroem toda a epífise, chegando até a cartilagem articular. Na evolução, o tumor insufla o osso cortical epifisário, invade a região metafisária e acaba por levar à fratura da extremidade óssea. Ocorrem com mais frequência em adultos jovens, entre 20 e 35 anos.

O querubismo é uma lesão fibro-óssea hereditária não neoplásica, que compromete a maxila e a mandíbula de crianças, bilateral e simetricamente, produzindo a aparência querubínica. Caracteriza-se, radiologicamente, por lesões osteolíticas insuflativas bilaterais nas mandíbulas e diminuição da pneumatizaçao do antro maxilar. Neste relato, o aparecimento tardio e a assimetria das lesões tornam esse diagnóstico improvável.

O cisto ósseo aneurismático constitui-se em lesão óssea benigna, osteolítica, constituído por espaços repletos de sangue, localmente destrutivo por seu crescimento progressivo, podendo ocorrer em qualquer segmento do esqueleto, sendo de rara incidência. É mais comum em indivíduos na segunda década de vida. O aspecto radiográfico varia com a maturidade da lesão, com reabsorção da cortical; e as lesões mais avançadas adquirem aspecto "balonizante" ou de "sopro para fora". Seu diagnóstico é menos provável devido à sua raridade, história clínica e resultado de estudo histoquímico do tecido.

 

DISCUSSÃO DO CASO

Pacientes que desenvolvem tumor marrom têm como doença de base hiperparatireoidismo (HPT), secundário ou primário, ou síndrome paraneoplásica, que secreta a proteína relacionada ao paratormônio (PTHrP).

O HPT primário é caracterizado pela hipersecreção de paratormônio (PTH), que em 85% dos casos é causado por adenoma da paratireoide. Muitos casos são identificados por hipercalcemia e hipofosfatemia detectados em exames de rotina. Seu reconhecimento pela existência do tumor marrom ocorre em me-nos de 5% dos casos.

O HPT secundário resulta da insuficiência renal crônica. Os pacientes apresentam hiperfosfatemia e hipocalcemia, o oposto do HPT primário; e história de diálise ou da doença renal crônica faz suspeitar de HPT secundário.

A síndrome paraneoplásica ou hipercalcemia maligna ocorre quando o PTHrP é produzido por neoplasias malignas como mieloma múltiplo, carcinomas broncogênico, ginecológico e renal. O PTHrP mimetiza todas as funções fisiológicas do PTH nos rins, ossos e intestinos, promovendo hipercalcemia.

O tumor marrom representa o estágio final do HPT. Essas lesões são, atualmente, mais raras de observação devido ao diagnóstico precoce do HPT. São mais frequentemente acometidos os arcos costais, clavículas, ossos da bacia pélvica e mandíbula. O envolvimento maxilar é extremamente raro.

O diagnóstico é sugerido pela história clínica e confirmado por características bioquímicas, radiográficas e histológicas. As lesões intraorais são caracterizadas por dor, nodulação visível, palpável e friável, que ocasiona sangramento.

O tumor marrom aparece, radiologicamente, como lesão osteolítica bem demarcada, uni ou multilocular. O seio maxilar, nos casos em que há acometimendo da maxila, pode ser preenchido por nódulo. Observam-se, histologicamente, células gigantes multinucleadas em estroma fibrovascular e áreas hemorrágicas, com depósito de hemossiderina. Essas áreas apresentam-se, macroscopicamente, de um vermelho escuro, quase marrom, advindo daí o seu nome (tumor marrom).

A abordagem terapêutica consiste no tratamento do HPT primário ou secundário. A retirada do fator estimulante para o crescimento do tumor, o PTH, pro-move a regressão da lesão, de forma lenta e espontânea. Opta-se por sua excisão cirúrgica nos casos em que cause prejuízo da função, como mastigação e fala, ou o tempo de sua regressão será prolongado devido ao tamanho.

 

ASPECTOS RELEVANTES

Tumor marrom é o estágio final do HPT, primário ou secundário;

deve ser suspeitado em pacientes com massa óssea e histórico de doença renal crônica ou adenoma de paratireoide ou neoplasia maligna produtora de PTHrP;

a lesão regride lentamente com o tratamento do hiperparatireoidismo;

em casos de prejuízo da função do local acometido, opta-se por excisão do tumor.

 

AGRADECIMENTO

Dr. Ladislau José Fernandes Junior - Nefrologista do HC-UFMG, que cedeu a imagem mostrada nesta seção.

 

REFERÊNCIAS

1. Harrison TR, Fauci AS. Harrison medicina interna. 17ª ed. Rio de Janeiro: Mcgraw-Hill; 2008. 2v.

2. Triantafillidou K, Zouloumis L, Karakinaris G, Kalimeras E, Iordanidis F. Brown tumors of the jaws associated with primary or secondary hyperparathyroidism. A clinical study and review of the literature. Am J Otolaryngol. 2006 Jul/Aug;27(4):281-6.