RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 23. 1 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20130020

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Caso 9

Case 9

Juliana da Cunha Pimentel Ulhôa1; Luanna da Silva Monteiro1; Gláuber Eliazar1; Fernando Henrique Teodoro Lemos1; Fabiana Resende1; Carlos Dalton Machado2

1. Acadêmico do Curso de Medicina na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Professor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Carlos Dalton Machado
E-mail: cdalton@superig.com.br

Recebido em: 26/03/2013
Aprovado em: 27/03/2013

Instituição: Faculdade de Medicina da UFMG Belo Horizonte, MG - Brasil

 


Figura 1 - Paciente em período de estado com pápulas eritematosas confluentes em tronco e membros configurando exantema morbiliforme.

 

 


Figura 2 - Observar a presença de eritema e edema em palma das mãos.

 

Lactente de 12 meses, masculino, iniciou com febre alta há 11 dias com resposta parcial a antitérmicos. Foi levado, no quarto dia de evolução, ao Pronto-Atendimento, onde foi diagnosticada infecção de vias aéreas superiores, começando com antibioticoterapia. Surgiu, a seguir, exantema polimórfico no tronco e depois nos membros, sem melhora da febre. Levado novamente ao médico, foi entao diagnosticada urticária, tratada com anti-histamínicos, sem melhora. Voltou pela terceira vez ao atendimento médico, sendo identificada temperatura corpórea de 39ºC, além de exantema, hiperemia palmar e conjuntival bilateral, eritema labial, lingual e orofaríngeo.

 


Figura 3 - paciente em período de convalescência em que a região dorsal de mãos evidencia descamação periungueal.

 

 



Figura 4 - observar eritema de lábios e exantema.

 

Com base na história clínica e nas imagens, qual é o diagnóstico mais provável?

sarampo;

doença de Kawasaki;

escarlatina;

artrite idiopática juvenil sistêmica (doença de Still).

 

DIAGNOSTICO

Febre persistente por cinco ou mais dias, acompanhada de quatro dos cinco critérios clínicos, sugere fortemente o diagnóstico de doença de Kawasaki (DK):

conjuntivite não purulenta;

língua em framboesa, eritema e edema de orofaringe com fissuras e eritema labial;

eritema e edema de mãos e pés que evolui para descamação periungueal;

exantema escarlatiniforme, morbiliforme ou poli-mórfico, que surge em tronco e depois em membros;

linfadenomegalia cervical.

No sarampo, o exantema maculopapular inicia atrás das orelhas, disseminando para fronte, pescoço e tronco e não há descamação em extremidades. Máculas esbranquiçadas próximas dos molares (manchas de Koplick) são patognomônicas da doença e precedem o exantema. É acompanhado de diarreia e sintomatologia respiratória. Atualmente, está erradicado do Brasil pela vacinação.

Na escarlatina, há faringoamigdalite com placas e exantema maculopapular em aspecto de lixa, que é mais acentuado em regioes de flexão e associado à palidez perioral (sinais de Pastia e Filatof). Responde rapidamente à antibioticoterapia. É rara em lactentes e tem maior incidência em crianças acima de cinco anos.

A artrite idiopática juvenil sistêmica (doença de Still) manifesta-se principalmente por febre, exantema em tronco e membros, artralgia, artrite e odinofagia. Não há associação com conjutivite, eritema de língua e orofaringe e descamação em extremidades. O exantema geralmente é acentuado durante os picos febris.

 

DISCUSSÃO DO CASO

A doença de Kawasaki (DK) é uma vasculite aguda multissistêmica e autolimitada que acomete vasos de pequeno e médio calibre. O coração é o principal órgao afetado, embora a doença acometa outros locais, como pulmão, intestino e sistema nervoso central. Estenoses e formação de aneurismas em coronárias ocorrem em até 25% dos pacientes não tratados e constituem as principais complicações cardíacas.

A DK apresenta elevada incidência na infância até os cinco anos de idade, sendo rara antes dos seis meses ou após oito anos de idade. Sua frequência é discretamente maior em meninos e representa a principal causa de doença cardíaca adquirida na infância nos Estados Unidos da América e no Japao. A etiologia permanece desconhecida, mas acredita-se que seja desencadeada por agente infeccioso ainda não identificado que determinaria alterações clínicas em indivíduos geneticamente susceptíveis.

O diagnóstico é essencialmente clínico, baseado nos sinais e sintomas já citados, embora de incerteza em função da semelhança com outras condições clínicas. Alguns achados laboratoriais podem reforçar a hipótese, como leucocitose com desvio para a esquerda e aumento do VHS e da proteína C reativa. Pode haver também anemia normocítica normocrômica, trombocitose e piúria estéril.

É imprescindível o monitoramento cardiovascular após o diagnóstico da DK. O exame inicial é o ecocardiograma bidimensional, que apresenta alta sensibilidade e especificidade para detectar anormalidades em segmentos proximais das coronárias. Podem ser realizados outros exames diante de indicações específicas, como ressonância nuclear magnética, tomografia computadorizada e angiografia.

O tratamento requer hospitalização para administração de imunoglobulina intravenosa (IVIG) a ser realizada nos primeiros 10 dias de sua evolução, que reduz o risco de complicações coronárias e abrevia a duração da sintomatologia. O ácido acetilsalicílico deve ser associado devido aos seus efeitos anti-inflamatórios e antiagregantes plaquetários.

As recidivas da DK são raras. Devido ao provável risco aumentado de morbidade em adultos com a doença prévia, é recomendado que todas as crianças sejam acompanhadas por meio de exames a cada 3-5 anos.

 

ASPECTOS RELEVANTES

a doença de Kawasaki (DK) é uma vasculite aguda multissistêmica e autolimitada que acomete vasos de pequeno e médio calibre;

apresenta alta incidência antes dos cinco anos de idade;

o diagnóstico é essencialmente clínico e de incerteza;

o acometimento cardíaco ocorre em 25% dos pacientes não tratados, com formação de aneurismas e estenoses de coronárias;

após o diagnóstico, é imprescindível o monitoramento da função cardiovascular, sendo o ecocardiograma o método de primeira escolha;

o tratamento com IVIG e ácido acetilsalicílico iniciado nos primeiros 10 dias de doença reduz as chances de complicações.

 

REFERENCIAS

1. Castro PA, Urbano LMF, Costa IMC. Doença de Kawasaki. An Bras Dermatol. 2009;84(4):317-31.

2. Baker AL, Newburger JW Kawasaki Disease. Circulation. 2008;118:e110-e112.

3. Sundel R. Kawasaki disease: Initial treatment and prognosis. In: Basow DS, editor. UpToDate. Waltham, MA: UpToDate; 2012.

4. Sundel R. Kawasaki disease: complications. In: Basow DS, editor. UpToDate. Waltham, MA: UpToDate; 2012.

5. Sundel R. Kawasaki disease: clinical features and diagnosis. In: Basow DS, editor. UpToDate. Waltham, MA: UpToDate; 2012.

6. Sucupira ACSL, coordenadora. Pediatria em consultório. 5ª ed. São Paulo: Sarvier; 2010. 770 p.