RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 27 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20170031

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Artigo de Revisão

Febre amarela em Minas Gerais (BR) 2017

Yellow fever in Minas Gerais (BR) 2017

Gabriela Araujo Costa1; Aline Almeida Bentes2; Daniela Caldas Teixeira3

1. Centro Universitário de Belo Horizonte - UNI-BH, Faculdade de Medicina, Núcleo de Pediatria; Prefeitura de Belo Horizonte, Gerência de Epidemiologia do Distrito Sanitário Oeste. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Faculdade de Medicina, Departamento de Pediatria; Fundaçao Hospitalar do Estado de Minas Gerais - FHEMIG, Hospital Infantil Joao Paulo II. Belo Horiozonte, MG - Brasil
3. UFMG, Hospital das Clinicas, Residência em Infectologia Pediátrica. Belo Horiozonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Gabriela Araujo Costa
E-mail: gabiacl@gmail.com

Instituiçao: Faculdade de Medicina do UNI-BH Belo Horizonte, MG - Brasil

Resumo

A febre amarela (FA) é uma doença febril aguda, não contagiosa, causada por arbovírus transmitido pela picada de mosquitos. A transmissão pode ocorrer em dois ciclos: silvestre e urbano. No silvestre, os macacos são os principais hospedeiros e amplificadores dos vírus e os vetores são mosquitos de hábitos estritamente silvestres; o homem participa como um hospedeiro acidental ao adentrar em matas sem imunização e proteção devidas. No ciclo urbano, o homem é o único hospedeiro com importância epidemiológica e a transmissão ocorre a partir de Aedes aegypti infectados. O período de incubação varia entre três e seis dias, podendo se estender até 15 dias. A doença tem apresentação bifásica (período de infecção e de intoxicação): cerca de 90% dos pacientes evoluem para cura após o período de infecção, enquanto 10% apresentarao, após o período de remissão, a forma grave, conhecida como período de intoxicação, na qual ocorrem complicações que podem levar a óbito. O tratamento é suportivo, em ambiente hospitalar. Em Minas Gerais, em 2017, já foram notificados mais de mil casos suspeitos, além de 120 óbitos associados à doença. Na faixa etária pediátrica, crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos foram os mais acometidos. Todo caso suspeito de FA é de notificação compulsória imediata. O atual esquema vacinal é composto de dose única aos nove meses de idade. Pacientes que receberam uma dose comprovada ao longo da vida são considerados imunes e não necessitam de reforço. Em situações especiais, é necessário ajustar o calendário vacinal ao momento epidemiológico. A ocorrência da epidemia de febre amarela em MG sinaliza a necessidade de melhorar a vigilância da doença, mantendo atitude de alerta quanto a pacientes com quadro clínico sugestivo, promovendo educação continuada e intensificando a vacinação nas populações suscetíveis nas áreas de risco.

Palavras-chave: Febre Amarela; Febre Amarela/epidemiologia; Vacinação.

 

INTRODUÇÃO

A febre amarela (FA) é uma doença febril aguda, não contagiosa, causada por um arbovírus transmitido pela picada de mosquitos. Sua letalidade pode variar de 5% em formas oligossintomáticas a 50% em casos graves.1

A transmissão do vírus pode ocorrer em dois ciclos: silvestre e urbano. No silvestre, os macacos são os principais hospedeiros e amplificadores dos vírus, porém não são transmissores da doença. Os vetores são mosquitos de hábitos estritamente silvestres (Haemagoggus e Sabethes); o homem participa como um hospedeiro acidental ao adentrar em matas sem imunização e proteção devidas. No ciclo urbano, o homem é o único hospedeiro com importância epidemiológica e a transmissão ocorre a partir de Aedes aegypti infectados.1,2

O objetivo deste artigo é alertar os profissionais de saúde que lidam com crianças para as informações-chave sobre diagnóstico e conduta nos casos suspeitos de febre amarela, no contexto da epidemia em vigência em Minas Gerais, além de fornecer orientações concisas sobre a vacinação no atual estado epidemiológico da doença no estado.

 

METODOLOGIA

Revisão das principais atualizações nas recomendações nacionais sobre manejo da febre amarela, publicadas entre os anos de 2016 e 2017, a partir da consulta a publicações oficiais do Ministério da Saúde e das Sociedades Brasileiras de Infectologia e Pediatria. Considerando o atual cenário epidemiológico da doença no estado de Minas Gerais, foram consultadas notas técnicas regionais, publicadas no presente ano.

 

EPIDEMIOLOGIA

O período de incubação varia entre três e seis dias, podendo se estender até 15 dias. A viremia humana dura no máximo sete dias, habitualmente entre 48 horas antes do início da doença e cinco dias de sintomas, período no qual o homem pode infectar mosquitos transmissores. Os mosquitos contaminados passam a transmitir a doença cerca de nove a 12 dias após sua contaminação e durante toda sua vida (em média, 30 dias).1,2

Em Minas Gerais, o último caso humano autóctone de FA silvestre havia ocorrido em 2009, no município de Ubá. No entanto, até a semana epidemiológica 10/2017, foram notificados mais de mil casos suspeitos, sendo 310 confirmados em 49 municípios, além de 120 óbitos associados à doença. Na faixa etária pediátrica, crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos foram os mais acometidos (4,8% dos casos confirmados).2,3

 

QUADRO CLINICO

O quadro típico tem evolução bifásica (período de infecção e de intoxicação); inicia-se com febre alta, calafrios, cefaleia intensa, mialgias, prostração, náuseas e vômitos (período de infecção), durando cerca de três dias, seguido de remissão da febre e melhora dos sintomas, com duração máxima de dois dias. Cerca de 90% dos casos evoluem para cura, enquanto 10% apresentarao, após o período de remissão, a forma grave (período de intoxicação), caracterizada por retorno da febre, insuficiência hepática e renal e resposta inflamatória exacerbada ocasionando choque e disfunção de múltiplos órgaos. É uma doença dinâmica com possibilidade de piora importante em período de horas ou dias, o que justifica a vigilância contínua do paciente.1,2,4

 

 

Deve ser considerado como caso suspeito todo paciente, independentemente do estado vacinal, com febre de início súbito, com duração de até sete dias, acompanhada de dois ou mais dos seguintes sintomas: cefaleia, dor abdominal, mialgia, lombalgia, mal-estar, calafrios, náuseas, tonteiras, icterícia e/ou manifestações hemorrágicas, sendo residente ou procedente nos últimos 15 dias de regiao com casos confirmados da doença, mortes de macacos ou isolamento do vírus amarílico em vetores. A retirada do critério de vacinação da definição de caso suspeito deve-se ao fato de alguns indivíduos terem apresentado quadro clínico compatível com febre amarela apesar do relato ou comprovação de vacinação.1,2

Todo caso suspeito de FA é de notificação compulsória, devendo ser informado às autoridades sanitárias locais, em até 24 horas, pelo profissional que prestou primeiro atendimento.5

A lista dos municípios de Minas Gerais que representam áreas de risco encontra-se disponível no site www.saude.mg.gov.br/febreamarela.

 

DIAGNOSTICO

A sorologia pelo método de Mac Elisa pesquisa os anticorpos contra FA e deve ser solicitada a partir do sexto dia de doença. Já o isolamento viral detecta o vírus e deve ser solicitado entre o primeiro e quinto dias de sintomas.1,2,4

 

TRATAMENTO

Não existe tratamento específico para doença. Dessa forma, o tratamento suportivo visa atenuar sintomas. Todo paciente da faixa etária pediátrica que preenche a definição de caso suspeito deve ser hospitalizado e receber cuidadosa assistência, permanecendo em repouso, com reposição de líquidos e realização periódica de exames laboratoriais, conforme gravidade do quadro. Sinais vitais, estado de hidratação e sangramentos devem ser continuamente monitorados. Nas formas graves, o paciente deve ser atendido em unidade de terapia intensiva, com vista a reduzir as complicações e o risco de óbito. A alta hospitalar deve ocorrer após sete dias do início do quadro, se o paciente apresenta melhora clínica e laboratorial e está há mais de 72h sem febre.1,2,4

 

PREVENÇÃO

Medidas de proteção pessoal devem adotadas quando existe possibilidade de exposição ao vetor, tais como utilização de roupas que promovam cobertura adequada de membros e pescoço, além de calçados fechados, preferencialmente acompanhado por meias. Para maiores de dois anos de idade, o uso de repelentes à base de DEET (Autanr, Off Kidsr e Super Repelex Kidsr) e icaridina (Exposis Infantilr) é eficaz e deve ser considerado. Em crianças com idade entre seis meses e dois anos de idade, o IR3535 (loção antimosquito Jhonson's & Johnson'sr) pode ser utilizado. A reaplicação do repelente deve ser realizada de duas em duas horas.6

 

VACINAÇÃO

Até março de 2017 o esquema vacinal de rotina para febre amarela era composto por uma dose aos nove meses e um reforço aos quatro anos de idade, sendo considerados imunes pacientes que já haviam recebido duas doses da vacina ao longo da vida. Em abril deste ano, o Ministério da Saúde, em consonância com a orientação da Organização Mundial de Saúde, recomenda a dose única de vacina contra febre amarela.7,8 A dose de reforço não é mais recomendada, pois 99% das pessoas que recebem uma dose adquiriram imunidade protetora em torno de 30 dias após a vacinação. Dessa forma, a vacinação de rotina contra a doença, recomendada pelo Programa Nacional de Imunização, passa a ser dose única aos nove meses de idade.7

 

 

A vacinação é contraindicada para crianças menores de seis meses, maes que amamentam essas crianças e pacientes com histórico de reação anafilática a componentes da vacina ou à dose anterior, doença do timo e imunossupressão grave. Lactantes que estejam amamentando crianças menores de seis meses de idade e forem vacinadas inadvertidamente devem suspender a amamentação por 10 dias.2,4

A epidemia de febre amarela em MG sinaliza a necessidade de melhorar a vigilância da doença, mantendo atitude de alerta diante de pacientes com quadro clínico sugestivo, promovendo educação continuada e intensificando a vacinação nas populações suscetíveis nas áreas de risco. Aos profissionais de saúde que lidam com crianças, é imprescindível a ação preventiva contínua, especialmente direcionada para a conferência e atualização da situação vacinal nas consultas de puericultura e para a disseminação da informação correta para os pais e responsáveis.

 

REFERENCIAS

1. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Doenças infecciosas e parasitárias: guia de bolso. 8ª edição, rev. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.

2. Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais. Manejo Clínico - Febre Amarela. Fevereiro/2017. [citado em 2017 fev. 10]. Disponível em: http://www.saude.mg.gov.br/images/documentos/Manejo%20Clinico%20Febre%20Amarela%20SES-MG_03-02-2017.pdf

3. Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais. Informe Epidemiológico da Febre Amarela (14/03). [citado em 2017 mar. 20]. Disponível em: http://www.saude.mg.gov.br/images/Atualiza%-C2%BA%C3%BAo_FA_-_14mar2017.pdf

4. Sociedade Brasileira de Infectologia. Febre Amarela - Informativo para Profissionais de Saúde. São Paulo, 2017). [citado em 2017 jan. 01]. Disponível em: https://www.infectologia.org.br/admin/zcloud/125/2017/01/Informativo_Febre_Amarela_Profissionais_de_saude.pdf

5. Ministério da Saúde (BR). Portaria GM/MS 204 de 17/02/2016, que define a Lista Nacional de Notificação Compulsória de Doenças, Agravos e Eventos de Saúde Pública nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território nacional. [citado em 2017 jan. 30]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0204_17_02_2016.html

6. Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento de Dermatologia. Uso do repelente de insetos em crianças. Boletim Técnico. 2015. [citado em 2017 jan. 30] Disponível em http://www.sbp.com.br/src/uploads/2012/12/Repelentes-2015.pdf Acesso em 22/10/2016.

7. Ministério da Saúde (BR). Nota Informativa n° 94/2017 - SVS/ MS. Orientações e indicação de dose única da vacina febre amarela, Brasil, 2017. Brasília, 05 de abril de 2017.

8. Organização Mundial da Saúde. Febre Amarela. Ficha descritiva [Atualização Maio 2016]. [citado em 2017 abr. 12]. Disponível em http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs100/pt/

9. Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Secretaria Municipal de Saúde. Nota Técnica 06/2017 - CIEVS/GEEPI/GVSI. Atualização das orientações de vacina de Febre Amarela em Belo Horizonte - recomendação de dose única. Belo Horizonte, 12 de abril de 2017.