RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 27 DOI: http://www.dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20170026

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Artigo Original

A visita domiciliar como prática de ação integral à saúde da criança e do adolescente*

The role of the home visit in the comprehensive health care of children and adolescents

Daniela Soares Rosa Bresolini1; Guilherme Rache Gaspar2; Luisa Diniz Reis3; Ludmila Stephanie Júlio Machado3; Mônica Versiani Nunes Pinheiro de Queiroz4; Alisson Araújo5; Rita de Cássia Faleiro6; Laura Maria de Lima Belizário Facury Lasmar7

1. Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Faculdade de Medicina, Programa de Pós-Graduaçao em Saúde da Criança e do Adolescente; Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Centro Multidisciplinar para Asma de Difícil Controle - CEMAD. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. UFMG, Faculdade de Medicina, Departamento de Pediatria; Universidade José do Rosário Vellano-UNIFENAS. Centro Multidisciplinar para Asma de Difícil Controle - CEMAD/UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. UFMG, Faculdade de Medicina, Centro Multidisciplinar para Asma de Difícil Controle - CEMAD-UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
4. Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP. Ouro Preto, MG - Brasil; Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais; Centro Multidisciplinar para Asma de Difícil Controle - CEMAD-UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
5. Universidade Federal de Sao Joao Del'Rei - UFSJ. Sao Joao Del Rei, MG - Brasil
6. Centro Multidisciplinar para Asma de Difícil Controle - CEMAD - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
7. UFMG, Faculdade de Medicina, Departamento de Pediatria; Centro Multidisciplinar para Asma de Difícil Controle - CEMAD/UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Daniela Soares Rosa Bresolini
E-mail: danirosa80@yahoo.com.br

Instituiçao: Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Faculdade de Medicina Belo Horizonte, MG - Brasil

Resumo

INTRODUÇÃO: a visita domiciliar (VD) é o instrumento de realização da atenção domiciliar (AD) e abrange atividades como promoção à saúde, prevenção de agravos e reabilitação. Em vários países há registros do uso da VD como estratégia de intervenção para diversos grupos, mostrando resultados de saúde positivos, no entanto, no âmbito infanto-juvenil ainda é pouco documentada.
OBJETIVO: rever o conhecimento sobre a VD e as evidências de seu uso como prática de atenção integral à saúde de crianças e adolescentes.
METODOLOGIA: revisão de literatura por meio de pesquisa eletrônica na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Medical Literature Analysis and Retrievel System Online (MEDLINE) e ScienceDirect. Os descritores foram "Home Visit", "Home Care Services", "Home Nursing", "Comprehensive Health Care", "Child", "Adolescent" e seus equivalentes em português. Foram incluídos trabalhos que abordassem crianças e adolescentes, publicados nos idiomas inglês e português, nos últimos 10 anos.
RESULTADOS: foram encontrados 216 artigos e após leitura dos resumos permaneceram 22. A VD foi utilizada para finalidades como prevenção de maus-tratos, cuidados à gestante e ao recém-nascido, promoção do desenvolvimento infantil e redução da morbidade da asma. Foram encontrados importantes resultados para melhora da saúde infantil, como redução de hospitalizações, redução de consultas de urgência e redução da taxa de mortalidade neonatal. Entretanto, alguns estudos não encontraram evidências de que o uso da VD possa ser benéfico.
CONCLUSÃO: a visita domiciliar tem potencial impacto em vários indicadores da saúde pediátrica, mas mais estudos precisam ser realizados sobre sua eficácia, especialmente em adolescentes.

Palavras-chave: Visita Domiciliar; Serviços de Assistência Domiciliar; Assistência Domiciliar; Assistência Integral à Saúde; Criança; Adolescente.

 

INTRODUÇÃO

O modelo de assistência à saúde predominante no Brasil ainda é fragmentado e centrado na doença.1 No entanto, ocorreram significativos avanços em práticas interdisciplinares como a ampliação das equipes de saúde da família e a criação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF).2 Para a mudança de modelo que valorize a abordagem integral das necessidades de saúde do indivíduo, é importante considerar a complexidade do contexto de vida que envolve o sujeito, assim como valorizar o potencial terapêutico presente nas relações familiares e as vulnerabilidades de cada ciclo de vida humano.1

Considerando que a interação da criança com o ambiente é fundamental para seu desenvolvimento e saúde, abordar condições familiares e do domicílio deve ser um foco da atenção do profissional de saúde, e nesse contexto a visita domiciliar (VD) pode ser uma ferramenta valiosa, com potencial para alcançar melhores resultados na saúde pediátrica,3,4 além de contribuir para a construção de uma prática integral.1

Os primeiros registros de VD datam do fim do século XIX, retratada como ação associada à prática religiosa e de caridade. Só começou a ser desenvolvida por profissionais treinados e com objetivos bem definidos a partir dos anos 70.4 Atualmente é realizada com diversas finalidades no âmbito da criança e do adolescente, como educação de pais5, promoção do desenvolvimento infantil5, melhora do controle da asma6 e identificação de vulnerabilidades familiares.7,8 Alguns estudos que utilizaram a VD encontraram resultados positivos com potencial de melhora para saúde da população6,9-11, enquanto outros mostraram resultados mistos.12-15 Trabalho de revisão informa que a efetividade da VD na Pediatria ainda carece de esclarecimentos.5 Este artigo tem como objetivo rever as evidências disponíveis na literatura sobre o uso da VD como prática de atenção integral à saúde de crianças e adolescentes.

 

REVISÃO DE LITERATURA

Foi realizada revisão de literatura por meio de pesquisa eletrônica na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Medical Literature Analysis and Retrievel System Online (MEDLINE) e ScienceDirect. Os descritores utilizados foram "Home Visit", " Home Care Services", "Home Nursing", "Comprehensive Health Care", "Child", "Adolescent" e seus equivalentes em português. Os limites utilizados para pesquisa foram: artigos nas línguas, inglês, espanhol ou português e que tenham sido publicados nos últimos 10 anos. A pesquisa resultou em 111 artigos na BVS, 33 na MEDLI-NE, 72 na ScienceDirect, totalizando 216 artigos. Após leitura dos resumos foram excluídos os trabalhos que envolvessem adultos, que não disponibilizassem resumo para leitura ou cujo foco de abordagem não fosse a visita domiciliar, permanecendo 22 artigos.

Foram realizadas outras buscas de bibliografias pertinentes a partir de pesquisa nas referências citadas nos trabalhos encontrados.

 

DISCUSSÃO

Trajetória histórica da visita domiciliar

Inicialmente a VD era associada à prática religiosa e filantrópica e realizada sem sistematização ou conceitos da ciência. Em meados do século XIX, com o surgimento da Medicina como prática científica, os cidadaos mais favorecidos economicamente recebiam cuidado domiciliar feito pelo médico, enquanto os menos favorecidos eram destinados aos cuidados leigos ou de curandeirismo.16

A teoria bacteriológica de Pasteur e Koch derrubou a teoria miasmática, levando a uma grande revolução conceitual e consequente mudança de paradigma.17 Houve inegáveis avanços tecnológicos no tratamento das doenças e grande valorização dos aspectos da Biologia e da Ciência. Assim, progressivamente ganhou importância o hospital, que se tornou uma organização fortemente ligada aos avanços tecnológicos e instrumentais. A associação entre hospital, Medicina e Biologia se constituiu como o novo paradigma da saúde na primeira metade do século XX.17 Nessa época, os problemas de saúde passaram a ser explicados por causas biológicas em detrimento de explicações socioambientais, que eram utilizadas em modelos anteriores, incutindo a fragmentação do contexto de saúde-doença e, consequentemente, da assistência prestada.17

Nas décadas de 70 e 80 observou-se, ao longo dos anos, expressivo aumento de gastos oriundos de uma Medicina cada vez mais fragmentada e especializada, no entanto, essa ampliação nos gastos não foi acompanhada de melhorias na qualidade de vida ou nos indicadores de saúde da população.17 Nesse cenário, a importância e legitimidade do hospital e sua espiral de tecnologia começaram a ser questionadas.17 Em vários países do mundo, incluindo o Brasil, entrava em crise o modelo hegemônico centrado na Medicina especializada e nos hospitais, e desde entao propostas alternativas a esse modelo começaram a ser levantadas.17

Percurso histórico da visita domiciliar no Brasil

Na década de 20 o Brasil sofria com grandes epidemias que assustavam e dizimavam a população.18 A VD teve papel de destaque ao ser incorporada como prática do serviço sanitário com o objetivo principal de realizar combate às grandes epidemias locais.16 Nesse cenário dos anos 20 aos anos 40 as visitas domiciliares foram realizadas com enfoque sanitarista e fiscalizatório e se caracterizavam por ações pontuais. A convite de Carlos Chagas, enfermeiras americanas vieram ao Brasil com a finalidade de treinar visitadores sanitários, que tinham a função de visitar as famílias e realizar orientações sobre higiene, doenças infectocontagiosas ou saúde materno-infantil16 A partir desse serviço foram determinadas a destruição de cortiços e a retirada obrigatória dos moradores de locais considerados de risco à saúde pública.18 Os médicos consideravam a função de visitador uma atividade empírica e inapropriada à sua função social. Essa situação gerou a necessidade de ter um profissional devidamente qualificado para execução do modelo proposto, o que interessantemente levou ao surgimento das primeiras faculdades de Enfermagem no Brasil.19

A partir da Era Vargas, 1930, até meados dos anos 80, a prática da VD como método de prestação de assistência à saúde não teve destaque, reflexo do panorama político e econômico da época quando a saúde ainda não era um direito social garantido pelo Estado.18

No Brasil esse movimento rumo à superação do antigo paradigma teve seu ápice com a criação do SUS em 1988 e foi se fortalecendo com a instituição de estratégias que buscavam valorizar o sujeito em seu contexto sociofamiliar, como, por exemplo, o Programa de Saúde da Família (PSF)17, e os Serviços de Atenção Domiciliar (SAD).20 Os programas citados utilizam a VD como estratégia para fornecer à população um serviço de saúde integral que favoreça o vínculo entre equipe de saúde e população e que seja contextualizado em suas necessidades.

A visita domiciliar é o instrumento de realização da atenção domiciliar (AD) e esta, por sua vez, é definida como nova modalidade de atenção à saúde substitutiva ou complementar às já existentes, que abrange uma gama de atividades de promoção à saúde, prevenção, tratamento de doenças e de reabilitação prestadas no domicilio.20 A VD é um meio de fornecimento dessas ações e propicia uma prática de saúde de caráter integral e inclusivo.

Com a criação do SUS e as propostas de reformulação do modelo de assistência à saúde, a VD assume papel marcante e incorpora novos propósitos, não é mais uma atividade fiscalizatória e sim atividade pautada pelos princípios da integralidade, longitudinalidade, promoção da saúde e continuidade na prestação da assistência.16 Esses princípios norteiam atualmente a assistência prestada dentro ou fora do domicílio na Estratégia de Saúde da Família (ESF) e no SAD.

A atenção domiciliar

Os programas estruturados de AD trabalham em conjunto com os serviços de atenção básica (AB), serviços hospitalares e de urgência. Exercem importante papel na desospitalização de pacientes que teriam condições de finalizar o tratamento em casa, proporcionando a liberação de leitos, o que contribui para a otimização da assistência prestada à população.20 A AD configura-se hoje como uma nova modalidade de cuidado que se destaca frente a um modelo de atenção ainda fragmentado. A Portaria 963 de 2013 estabelece que a AD se organize por modalidades que variam de acordo com a complexidade e características do quadro do usuário, assim denominadas: AD1, AD2 e AD3. E determina que a modalidade AD1, de menor complexidade, seja de responsabilidade dos serviços de atenção básica e as demais responsabilidade das outras equipes do SAD.20

As VDs são divididas em quatro grandes grupos: VD por motivos de doenças, sejam queixas agudas ou crônicas; VD para pacientes terminais; VD para avaliação do âmbito social, como quadros de suspeita de abuso ou isolamento social; e VD de avaliação e acompanhamento pós-alta hospitalar..21 Devem ser direcionadas para pacientes selecionados considerando-se a aplicabilidade e relevância do cuidado familiar de forma individual.22

Na atenção prestada no domicilio por intermédio da VD é fundamental que exista o contato adequado com outros pontos da rede assistencial, sempre que necessário, formando assim uma linha de cuidado.22 No Brasil, a maioria das VDs no SUS é feita pela APS, responsável pela AD1, somando hoje cerca de 40 mil equipes de saúde da família.22 Considerando sua potencialidade e o público que poderia ser beneficiado, tem-se que a VD é realizada aquém do esperado.21,22. Embora seja prática da APS há muitos anos, a realização da VD de forma mais ampla é ameaçada por uma crescente demanda, que sobrecarrega e ultrapassa a capacidade de atendimento das equipes de saúde da família.22

As pesquisas sobre VD abrangem vários temas relevantes em saúde, como, por exemplo, saúde materno-infantil, educação em saúde, maus-tratos e negligência, entre outros. Os resultados e considerações relativos aos trabalhos selecionados são descritos a seguir.

Prevenção de maus-tratos e negligência

O combate aos maus-tratos à criança e ao adolescente é de grande relevância, pois estes têm graves efeitos que atingem não só os que o sofrem, mas também o capital humano e produtivo da sociedade, além dos custos econômicos implicados no tratamento de suas sequelas.12 Trabalho realizado na Espanha descreveu a implantação de dois programas, Incredible Years e SafeCare , ambos destinados à prevenção de maus-tratos.12 Os programas utilizaram VD para realizar a intervenção e incluíram 34 e 37 famílias, respectivamente. O programa Incredible Years, além da VD, realizou grupos terapêuticos, enquanto o SafeCare utilizou apenas a visita domiciliar. Resultados pré e pós-intervenção mostraram redução estatisticamente significante (p< 0,001) no risco de maus-tratos para o programa Incredible Years e redução estatisticamente significante (p< 0,05) para problemas comportamentais das crianças em ambos. Os resultados foram promissores, no entanto, essa foi uma avaliação preliminar com amostra reduzida, sem grupo-controle. Os resultados foram promissores, porém essa foi uma avaliação preliminar com uma amostra reduzida, sem grupo-controle.12

Nos Estados Unidos, estudo avaliou a efetividade do programa Childs First (CF) para prevenir ou remediar distúrbios emocionais, déficits de desenvolvimento e prevenção de negligência ou abuso contra crianças.13 O estudo controlado e randomizado envolveu 157 pares de pais e filhos de seis a 36 meses com triagem positiva para risco psicossocial. Resultados mostraram que no grupo intervenção houve significativa redução de estresse dos pais (p < 0,05) e diferenças estatisticamente significantes (p < 0,05) para problemas emocionais das crianças.13

Por sua vez, estudo espanhol comparou duas estratégias para prevenção de maus-tratos. A primeira delas utilizou VD e envolveu 95 famílias, a segunda utilizou trabalho em grupo e envolveu 196 famílias. Os desfechos foram as seguintes atitudes parentais: expectativas inadequadas sobre a criança, inversão de papéis pais-filho, crenças em punição física falta de empatia para com as necessidades da criança e opressão à independência da criança. Resultados demonstraram que a estratégia que utilizou a VD teve diferenças estatisticamente significantes (p < 0,05) para todos os cinco pontos avaliados, enquanto a estratégia de grupo apresentou resultados estatisticamente significantes (p < 0,05) para quatro dos cinco desfechos. Observações importantes derivadas desse estudo demonstraram que os melhores preditores das mudanças parentais e da efetividade do programa foram a adesão, participação/interesse dos responsáveis e uma boa interação entre facilitadores do programa e os pais em ambos os grupos.9

Gravidez e gravidez na adolescência

A gravidez na adolescência exige cuidado adequado, com intervenção precoce após o parto, a fim de evitar a repetição das desordens biopsicossociais da mae e da criança. Com esse enfoque foi desenvolvido na Inglaterra estudo randomizado e controlado que envolveu 1.645 adolescentes que tiveram seu primeiro filho. As gestantes foram randomizadas em grupo-intervenção, que recebeu VD e cuidados do serviço pré-natal; ou grupo-controle, que recebeu apenas cuidados do serviço pré-natal. Os desfechos avaliados foram uso de cigarro na gestação, peso ao nascer, proporção de mulheres com segunda gestação no período de 24 meses pós-parto e consultas de urgência ou hospitalização após 24 meses do nascimento. Os resultados mostraram que não houve diferenças significativas entre os grupos e os autores concluíram que o incremento da VD não trouxe benefícios adicionais para maes e filhos.23

Mas em estudo com desenho semelhante desenvolvido no Chile houve bons resultados para o incremento da VD ao cuidado pré-natal. O trabalho envolveu 90 gestantes adolescentes, que foram randomizadas em grupo-intervenção, que recebeu VD e cuidados do pré-natal tradicional, e grupo-controle, que recebeu apenas cuidados do pré-natal tradicional. O grupo que recebeu VD no pré-natal mostrou redução significante (p=0,03) para desordens mentais e melhores resultados para desenvolvimento da linguagem (p=0,016). Não foram observadas diferenças significantes para desenvolvimento motor. Os resultados mostraram que as VDs foram mais efetivas que o cuidado tradicional padrao para estimular melhores níveis de saúde mental e favorecer o desenvolvimento da linguagem.14

No Brasil, outro estudo associou VD ao cuidado pré-natal tradicional, envolvendo 339 gestantes. Foram comparados três grupos de gestantes; o primeiro recebeu VD do ACS, o segundo recebeu VD de voluntários treinados pela pastoral da criança e o terceiro recebeu VD de voluntários da pastoral da criança, sem treinamento prévio. O desfecho foi a realização do pré-natal adequado, considerado como a realização de no mínimo seis consultas e exames clínicos e laboratoriais previamente definidos. Resultados mostraram que o grupo visitado pelos ACS teve melhores resultados para a realização do pré-natal adequado comparado aos demais. No entanto, o estudo apresenta as limitações de não ser randomizado e ter tido diferença no número de VDs fornecidas às gestantes, com mais VDs realizadas no grupo de ACS que nos demais grupos.24

Com base populacional os africanos avaliaram programa que forneceu VD para gestantes e seus recém-nascidos (RN) na primeira semana de vida(10). O estudo envolveu cerca de 7.800 gestantes e as VDs eram realizadas por pessoas da comunidade, treinadas para orientar práticas de cuidados ao RN e a busca de assistência em caso de doença. No local do estudo a taxa de mortalidade neonatal basal era de 32,3 óbitos por 1.000 nascidos vivos e após implementação do programa mostrou redução de 8%. Essa redução representou milhares de vidas salvas por ano e o programa foi considerado altamente custo-efetivo.10

Também com base populacional avaliaram-se os efeitos do programa Durham Connects para reduzir o uso de serviços de urgência nos Estados Unidos. O estudo envolveu 4.777 puérperas e seus bebês, sendo estes randomizados em grupo-intervenção que recebeu VD e contato telefônico do programa ou grupo-controle que permaneceu com cuidados tradicionais. Os resultados mostraram que o grupo-intervenção teve significativamente (p? 0,001) menos consultas de urgência e pernoites no hospital que o grupo-controle. Como no trabalho anterior, a análise mostrou que a intervenção foi custo-efetiva.11

Desenvolvimento infantil

O desenvolvimento infantil foi avaliado em 31 famílias com crianças de cinco a 30 meses com risco ou atraso de desenvolvimento. As famílias foram randomizadas em dois grupos. O primeiro recebeu intervenção baseada em rotinas, objetivou promover oportunidades de aprendizagem ativa e estabeleceu metas de participação das crianças nas rotinas familiares. O outro grupo utilizou estratégia de VD tradicional. Foram desfechos: desenvolvimento infantil e capacidade funcional da criança para autocuidado, mobilidade e função social (capacidade de compreensão de ordens, resolução de problemas e brincadeiras com amigos). Resultados revelaram que para o grupo-intervenção houve diferenças significativas (p<0,05) nos resultados funcionais, como autocuidado e função social. Não houve diferença entre os grupos para linguagem, cognição ou desenvolvimento motor.15

A efetividade da VD para diversos resultados foi avaliada em uma metanálise. O estudo incluiu 60 artigos que tiveram a VD como estratégia primária de intervenção. Foram avaliados resultados maternos e da criança. Houve melhores resultados no desenvolvimento cognitivo, socioemocional e prevenção de abuso para o grupo de crianças visitadas, comparado ao grupo-controle.5 Pesquisas destinadas a famílias de baixa renda tiveram mais sucesso na prevenção de abuso e, em geral, famílias envolvidas em programas de VD tiveram resultados melhores que o grupo-controle.5

Asma pediátrica

A asma é a doença crônica mais comum na infância e é causa de grande morbidade e custos sociais.25 Para controle adequado dos sintomas, além da terapia medicamentosa é preciso abordar fatores que interferem diretamente nos resultados da asma, como o contato com alérgenos e irritantes, má-adesão ao tratamento e erros na técnica inalatória.25 Para identificação desses fatores, a VD se mostrou ferramenta útil e em estudo que forneceu VD para crianças com asma de difícil controle foram encontrados fatores potencialmente modificáveis para 79% delas.26

A utilização da VD para fornecer educação em saúde para pacientes com asma foi avaliada em alguns estudos.26-30 Muitos deles tiveram o objetivo de promover mudanças comportamentais para melhoria do controle ambiental e do controle da asma.

A VD realizada pelo ACS foi avaliada em 264 pacientes com asma. Além do trabalho educativo para estímulo do controle ambiental, foram fornecidas capas para colchão e travesseiro. Os resultados acusaram redução de ácaros no ambiente p<0,001, mas não houve mudanças para tabagismo ou animais de estimação.27

Para 36 famílias japonesas e suas crianças, forneceu-se aconselhamento para controle ambiental nas casas. Um grupo recebeu orientações no domicílio e outro recebeu orientações nas consultas ambulatoriais de rotina. Nesse estudo não foi fornecido qualquer material ou equipamento, apenas educação em saúde. Os resultados mostraram que houve redução significativa de ácaros no ambiente (p < 0,001) para os pacientes que receberam VD.28 Já estudo brasileiro com desenho pré e pós-intervenção envolvendo 84 crianças também forneceu educação sobre asma por meio da VD do ACS. Resultados revelaram que houve mudança de comportamento com redução do uso de vassouras para limpeza do piso (p=0,02), redução do uso de fogao à lenha (p=0,001) e não houve significância na retirada de pelúcias do quarto (p=0,05). Como nos estudos citados anteriormente, não houve mudanças para tabagismo ou animais de estimação no domicílio.29

Com foco na atenção e cuidado para crianças com asma, revisão sistemática realizada em 2011 objetivou avaliar os efeitos da intervenção educacional para asma prestada por meio da VD. Este trabalho incluiu 12 estudos controlados e randomizados, com o total de 2.342 crianças. Foram desfechos as consultas de urgência, as hospitalizações e os dias perdidos na escola. O resultado desse estudo foi inconclusivo, pois não houve evidências que indicassem que a educação fornecida no domicílio pode ser benéfica.30

Entretanto, estudo pediátrico realizado em 2012 envolveu 283 pacientes com asma leve moderada e grave e obteve resultados promissores, fornecendo VD para educação em asma. Foram desfechos: sintomas da doença, controle da asma, número de consultas de urgência, hospitalizações e dias de ausência na escola. Resultados acusaram redução significativa (p <0,001) nas consultas de urgência, hospitalizações, perda de dias de aula e de trabalho, além de redução significativa (p< 0,0001) de custos hospitalares.6

O atendimento por meio da visita domiciliar é prestado a públicos bem definidos e com objetivos específicos. Nos artigos encontrados nesta revisão os objetivos foram diversos, incluindo melhora de resultados de saúde da mulher, saúde da criança e do adolescente e prevenção de maus-tratos. Os resultados dos trabalhos encontrados foram conflitantes, a diferença nos achados dos estudos está exemplificada na Tabela 1.

 

 

A maioria dos trabalhos envolveu crianças menores de cinco anos.9,11,13,15 Excetuando-se os trabalhos com gestantes, apenas um envolveu adolescentes.6

Em trabalho de revisão sistemática verificou-se que, dos 60 artigos incluídos, apenas 3,3% envolviam adolescentes5, reforçando a existência de uma lacuna para estudos de VD nessa faixa etária. Trabalhos de VD realizados com o ACS tiveram bons resultados, sinalizando que esse profissional tem potencial para obter bons resultados de saúde para a população. Apenas três estudos trouxeram avaliação de custos, mas em todos eles os resultados evidenciaram que as intervenções foram custoefetivas.6,10,11

No contexto pediátrico, algumas pesquisas sinalizam para a obtenção de melhores resultados de saúde com o uso da VD, enquanto outras não encontraram diferenças significativas nos desfechos avaliados.

 

CONCLUSÃO

A visita domiciliar foi usada como intervenção para o público pediátrico com diferentes objetivos de prevenção de maus-tratos, cuidados à gestante e ao recém-nascido, promoção do desenvolvimento infantil e redução da morbidade da asma. Os resultados dos estudos foram conflitantes, pois enquanto alguns mostraram benefícios do uso da VD com redução da mortalidade e da morbidade, outros não encontraram evidências para recomendação de sua utilização. Mais estudos sobre a eficácia da visita domiciliar na Pediatria precisam ser realizados.

 

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*Trabalho de dissertação de mestrado Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)