ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Edema agudo de pulmão por pressão negativa
Acute pulmonary edema by negative pressure
Alysson Higino Gonçalves da Silva1; Cynthia Beatriz Tostes Ferreira3; Daiane Aparecida Vilela de Rezende Romaneli1; Luana Magalhaes Bernardo2; Luiza Samarane Garretto2; Verônica Lívia Dias1
1. Anestesiologista - Hospital Felício Rocho
2. Médico em Especializaçao de Anestesiologia do CET Hospital Felício Rocho
3. Anestesiologista - Hospital Felício Rocho - TSA/ SBA
Hospital Felício Rocho
Av. do Contorno, 9530 Prado, Belo Horizonte - MG
CEP: 30110-017
alyssonhs@hotmail.com
Resumo
O edema pulmonar por pressão negativa (EPPN) é uma complicação anestésica pós extubação potencialmente fatal com patogênese multifatorial. Acomete principalmente adultos jovens previamente saudáveis. O EPPN desenvolve principalmente como consequência de uma obstrução de vias aéreas superiores e da grande pressão negativa intratorácica gerada pela inspiração forçada. A detecção precoce dos seus sinais e sintomas é imprescindível para o tratamento bem sucedido dessa complicação, uma vez que a maioria dos casos se apresenta em minutos. Essa revisão tem como objetivo descrever a patogênese, apresentação clínica e tratamento do edema pulmonar e refletir sua implicação na prática anestésica.
Palavras-chave: edema pulmonar, obstrução vias aéreas, complicação anestésica.
INTRODUÇÃO
Edema pulmonar por pressão negativa (EPPN) ou edema de pulmão pós-obstrutivo ou pós-extubação traqueal é uma forma de edema pulmonar não cardiogênico de grande relevância clínica na anestesiologia e no cuidado intensivo. De acordo com a literatura, a incidência de EPPN em práticas anestésicas no geral é de 0,05 - 0,1%.1 Contudo, acredita-se que o EPPN ocorra mais comumente do que é documentado e que muitos casos não são diagnosticados pela falta de familiaridade do profissional com a síndrome.1 Um estudo australiano que avaliou pacientes com laringoespamos durante e após a anestesia, mostrou que a incidência de EPPN na população estudada foi maior que 4%.2
O EPPN é classificado em tipo I e tipo II. O tipo I ocorre imediatamente após um evento agudo de obstrução de via aérea superior, geralmente decorrente de um laringoespamo ou manipulação cirúrgica da via aérea. Já o tipo II se desenvolve após o alívio de uma obstrução crônica da via aérea superior, como grandes tonsilas ou hipertrofias de adenoides.2 Todas as causas de obstrução de via aérea superior podem levar a um EPPN, sendo a mais comum em adultos o larigoespasmo durante a extubação ou no período pós-operatório imediato.2
Considerada uma complicação potencialmente fatal, o EPPN se desenvolve rapidamente, especialmente em adultos jovens, capazes de produzir grandes pressões intratorácicas. A síndrome possui um curso clínico de rápida resolução, geralmente 24h, mas para isso é fundamental um diagnóstico precoce e tratamento adequado.4
FISIOPATOLOGIA
A compreensão do mecanismo fisiopatológico envolvido na formação do EPPN é muito importante para adequada abordagem diagnóstica e terapêutica. Para isso, é crucial entender a homeostase dos fluídos pulmonares e os mecanismos responsáveis pela formação do edema pulmonar.
No pulmão normal, assim como nos outros tecidos, o movimento de fluidos ao longo do leito capilar é determinado pelas forças fisiológicas descritas na lei de Starling. A transferência de fluidos pelos capilares depende da diferença entre as pressões hidrostática e oncótica, assim como da permeabilidade da membrana capilar (variáveis da lei de Starling).3 O epitélio alveolar possui junções intracelulares estreitas, que funcionam como uma barreira, limitando a entrada de água no espaço intra-alveolar. Além disso, a maior parte do líquido filtrado é removido do interstício pelo sistema linfático e posteriormente retorna à circulação sanguínea.3,4
Perturbações nas variáveis que regem o equilíbrio de Starling podem levar a um aumento de líquido no espaço intersticial e consequentemente, o edema. A formação do EPPN é atribuída a distúrbios na homeostasia dos fluídos pulmonares, que podem ocorrer de 4 maneiras:3
▪ Aumento da pressão hidrostática no leito dos capilares pulmonar
▪ Redução da pressão oncótica plasmática
▪ Aumento da permeabilidade da membrana
▪ Redução do retorno do fluido pela via linfática
O EPPN começa com uma obstrução significativa das vias aéreas superiores. O esforço inspiratório para superar a obstrução gera uma alta pressão negativa anormal intrapleural e alveolar. O alto gradiente de pressão negativa intratorácica provoca aumento do retorno venoso, diminuição do debito cardíaco e a transudação de fluidos para dentro dos alvéolos.8
A presença do esforço inspiratorio vigoroso é muito importante para o desenvolvimento do EPPN. Esse fato é sustentado por um aparente aumento na suscetibilidade a esta condição em homens, jovens e atléticos que, devido à musculatura da sua parede torácica, são capazes de gerar pressões inspiratórias negativas extremamente altas, podendo chegar ao extremo de uma pressão pleural inspiratória de -100 cm H2O (valores normais: -2 a -5 cmH2O).3
As pressões intratorácicas altamente negativas causam um aumento dramático e imediato no retorno venoso sistêmico ao coração com uma queda simultânea do débito cardíaco associado à drenagem venosa pulmonar reduzida no átrio esquerdo. Com isso, a pressão no capilar pulmonar aumenta enquanto a pressão intra-alveolar diminui e as junções das células alveolares são interrompidas. O fluido se move rapidamente para os espaços intersticiais e alveolares, e o edema pulmonar permanece mesmo depois que a obstrução das vias aéreas é aliviada.3
Além disso, simultaneamente, a hipoxemia decorrente da obstrução das vias aéreas superiores irá aumentar a resistência vascular pulmonar e a pressão capilar e precipitar um estado hiperadrenérgico, mimetizando um edema pulmonar neurogênico.6 O estado hiperadrenérgico pode causar vasoconstrição periférica e aumento do retorno venoso, aumentando ainda mais o fluxo sanguíneo pulmonar e contribuindo para a formação do edema.7
Um mecanismo sugerido é que o estresse mecânico desenvolvido a partir da respiração contra uma via aérea obstruída pode induzir quebra nas membranas microvasculares. Isso ocorre devido ao aumento na pressão dos capilares pulmonares enquanto a pressão intra-alveolar reduz, resultando em ruptura das junções das células, aumento da permeabilidade capilar pulmonar e um edema rico em proteínas.6,8 No entanto, alguns estudos, encontraram uma proporção baixa de proteína na relação edema/soro, apoiando mais o mecanismo hidrostático para formação do edema.9 Acredita-se que a patogênese do EPPN é provavelmente multifatorial, variando desde um edema transudativo a um edema de alta permeabilidade, quando uma pressão capilar pulmonar transmural muito alta é produzida.8
O EPPN do tipo II é bem menos comum que o tipo I, e sua fisiopatologia ainda não é claramente definida. Acredita-se que a obstrução crônica da via aérea produz um modesto nível de auto-PEEP e aumenta o volume expiratório pulmonar final. Quando aliviamos essa obstrução crônica de forma abrupta a auto PEEP desaparece e os volumes e pressões pulmonares retornam aos valores normais, criando uma pressão intrapulmonar negativa. Se essa pressão negativa for significativa, resultará em extravasamento de fluídos para o interstício pulmonar e alveolar.10
APRESENTAÇÃO CLINICA E DIAGNOSTICO
Normalmente, o paciente que desenvolve EPPN não apresentou intercorrências intraoperatória, por isso é necessário que se tenha um alto grau de suspeição para o diagnóstico. Durante ou logo após a extubação temos que estar sempre atentos aos sinais de obstrução aguda de via aérea como estridor, retrações supra-esternais e supra claviculares, uso de musculatura acessória para a inspiração e pânico na expressão facial.8
Os achados iniciais geralmente incluem diminuição da saturação de oxigênio, escarro espumoso rosa e anormalidades da radiografia de tórax.11 Na maioria dos pacientes a hipoxemia é rapidamente desenvolvida devido à difusão de oxigênio reduzida e a inadequada relação ventilação/perfusão. A condição do paciente se deteriora progressivamente apesar da ventilação e oferta de oxigênio suplementar.8,11 A medida que o EPPN se desenvolve, a ausculta geralmente revela crepitações e ocasionalmente sibilos. Apesar do diagnóstico ser essencialmente clínico sabe-se que no raio x de tórax podemos encontrar alterações típicas de infiltrado intersticial e alveolar difusos.11
Os sintomas do edema pulmonar normalmente se desenvolvem logo após a extubação, porém algumas vezes deve-se considerar seu desenvolvimento em até algumas horas no pós-operatório. Uma possível explicação para essa manifestação tardia é a presença de uma pressão positiva, criada por expiração vigorosa contra uma glote fechada, evitando a transudação de fluidos. A medida que a obstrução das vias aéreas se alivia, o aumento do retorno venoso causa mudança de sangue da circulação periférica para a circulação central e transudação hidrostática. Por isso a observação no pós-operatório deve ser prolongada em pacientes que apresentarem dificuldade respiratória a extubação.11
O EPPN requer intervenção rápida e pode ser confundido com outras causas de dificuldade respiratória pós-operatória, o que pode tornar o seu diagnóstico difícil. Por isso, tao importante quanto conhecer a síndrome é também detectar os pacientes com fator de risco para desenvolve-la. Podemos citar como fator de risco, paciente com lesões nas vias aéreas, cirurgia de via aérea superior, obesidade, apneia obstrutiva do sono e, como alguns estudos já mostram, pacientes com cardiopatia.8
O diagnóstico geralmente é feito com base na história de um incidente precipitante e os sintomas subsequentes que geralmente se desenvolvem dentro de 1h. A presença de agitação, taquipneia, taquicardia, secreção pulmonar rosa espumosa e dessaturação progressiva de oxigênio sugerem o diagnóstico de EPPN no contexto apropriado.
Outras causas de hipoxemia devem ser consideradas como a aspiração de conteúdo gástrico, insuficiência cardíaca, sobrecarga de volume e embolia pulmonar. O diagnóstico diferencial primário é com a pneumonia aspirativa mesmo que não tenho ocorrido regurgitação observada. No entanto o manejo de ambos é idêntico até que haja evidência de infecção aparente. O mais importante para diagnóstico diferencial é excluir causas de edema pulmonar cujo manejo difere do EPPN, especialmente sobrecarga volêmica iatrogênica e etiologias cardíacas. 10
TRATAMENTO
A prioridade do tratamento é o alívio da obstrução das vias aéreas e a correção da hipoxemia. O próximo passo é abordar o edema pulmonar, no qual os diuréticos são frequentemente utilizados. No entanto, não há evidências de sua utilidade, e podem exacerbar hipovolemia e hipoperfusão dependendo do quadro do paciente.7,8
O edema pulmonar na maioria dos casos é autolimitado, com curso clínico benigno e de rápida resolução, geralmente 12-48 horas. A maioria dos pacientes melhoram não requerendo mais do que cuidados suportivos e oferta de oxigênio. A pressão positiva contínua nas vias aéreas é necessária em 9% -18% de todos os casos, e menos de 50% dos pacientes necessitam de ventilação mecânica controlada por intubação orotraqueal.2 Há relatos de evolução fatal devido a síndrome de dificuldade respiratória aguda e falência múltiplas de órgaos, contudo a maioria dos pacientes responde rapidamente ao tratamento e evoluem sem sequelas adicionais.8
Uma alternativa à intubação é o suporte respiratório não invasivo (ventilação por pressão positiva não invasiva). Dados recentes sugerem que o suporte respiratório não invasivo pode ser uma ferramenta importante para prevenir ou tratar a insuficiência respiratória aguda, reduzindo as taxas de intubação, a permanência em unidade de terapia intensiva e a morbimortalidade de pacientes em pós-operatórios.11 No contexto do EPPN, os objetivos desse suporte respiratório incluem: compensar parcialmente a função respiratória afetada; melhorar o recrutamento alveolar e consequentemente as trocas gasosas; e reduzir a pós carga do ventrículo esquerdo, aumentar o débito cardíaco e melhorar a hemodinâmica.9
Não há nenhuma intervenção comprovada para prevenir o EPPN, mas evitar a irritação laríngea que leva ao laringoespasmo pode vir a reduzir a ocorrência da síndrome. Por esta razao, recomenda-se a anestesia tópica laringotraqueal com 2 ml de lidocaína a 1% ou 2% de tetacaína, aspiração orofaríngea cuidadosa e não extubação no estágio 2 de recuperação da anestesia, quando os pacientes são mais propensos a evoluir com laringoespasmo. E se mesmo com esses cuidados o paciente apresentar laringoespamo ele deve ser monitorado por um período mais longo do que o habitual no pós-operatório. O monitoramento pós-anestésico recomendado nesta população de pacientes varia de 2 a 12 h.9
CONCLUSÃO
O edema pulmonar por pressão negativa é uma complicação presente na prática anestésica. Mais prevalente principalmente em paciente jovens, sadios, que não tiveram intercorrências durante o procedimento cirúrgico. É uma complicação grave e potencialmente fatal, mas com diagnóstico imediato e ação terapêutica, o quadro se resolve geralmente dentro de 24 h. No entanto, quando o reconhecimento é tardio, os pacientes apresentam taxas de mortalidade variando de 11% a 40%.12
Alguns estudos com relatos de EPPN das últimas 3 décadas sugerem uma associação da síndrome com as novas técnicas anestésicas, que possibilitaram rápida recuperação das anestesias gerais e o uso de relaxantes musculares de curta ação em pacientes jovens com musculatura forte e reflexos laríngeos intensos.13
O anestesista deve sempre estar atento a possibilidade de um EPPN nos pacientes que evoluírem com laringoespamo na extubação e realizar o monitoramento adequado na recuperação pós anestésica. E se necessário instituir as medidas terapêuticas necessárias. Uma gestao inicial adequada pode salvar esses pacientes saudáveis de medidas mais invasivas.
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