RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 27. (Suppl.4) DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20170047

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Artigos de Revisão

Síndrome de ressecção transuretral da próstata

Transurethral resection of prostate syndrome

Aline Viana Carvalho Amorim1; Izabela Magalhaes Campos1; Verônica Lívia Dias2; Flávia Aparecida Resende2; Daiane Aparecida Vilela de Rezende Romaneli2; Camila Ferreira Garcia3

1. Médica anestesiologista. Título superior em anestesiologia - TSA, SBA. Corresponsável CET - Hospital Felício Rocho. Belo Horizonte, MG-Brasil
2. Médica anestesiologista. Hospital Felício Rocho. Belo Horizonte, MG-Brasil
3. Médica residente de anestesiologia do CET/SBA do Hospital Felício Rocho. Belo Horizonte, MG-Brasil

Endereço para correspondência

Camila Ferreira Garcia camilafgarciaa@gmail.com

Instituiçao: Hospital Felício Rocho Belo Horizonte, MG - Brasil

Resumo

A ressecção transuretral da próstata (RTUP) é a escolha mais eficaz para pacientes que sofrem de hiperplasia próstática benigna e que não respondem ao tratamento farmacológico. A absorção de fluidos hipotônicos utilizados durante a RTUP pode causar distúrbios hemodinâmicos e do sistema nervoso central, o que geralmente é atribuído à hiponatremia dilucional ocorrida durante ou imediatamente após o procedimento. Diversas combinações dos sinais e sintomas resultantes destas alterações são conhecidos como "síndrome de ressecção transuretral da próstata" (SRTUP). O quadro clínico é inconsistente e a síndrome é facilmente confundida com outros distúrbios agudos. As formas suaves são comuns e muitas vezes não são diagnosticadas, enquanto formas graves são raras e potencialmente fatais. Apresentamos uma revisão desta entidade patológica, destacando sua fisiopatologia, diagnóstico, prevenção e abordagens terapêuticas.

Palavras-chave: Síndrome de ressecção transuretral da próstata, hiponatremia, intoxicação hídrica, glicina, fluido de irrigação.

 

INTRODUÇÃO

A incidência de hiperplasia prostática benigna aumenta com a idade, ocorrendo em média em 50% dos homens com idade de 60 anos podendo chegar a 90% aos 85 anos, sendo que a ressecção transuretral da próstata (RTUP) é o tratamento padrao no manejo dessas obstruções benignas.1,2 RTUP é o segundo procedimento cirúrgico mais comum em homens após 65 anos.3 A síndrome de ressecção transuretral da próstata (SRTUP) é causada pela absorção de fluidos usados para a irrigação vesical durante o procedimento.4 Fluidos de irrigação não condutores são necessários durante o procedimento com o uso de ressectoscópio elétrico para promover remoção do sangue, tecidos e debris do campo cirúrgico, permitindo melhor visão.2 Por serem hipotônicas e não conterem eletrólitos sua absorção excessiva pode causar sobrecarga de fluidos e hiponatremia dilucional entre outras complicações que compoem a síndrome.1,2 Apesar dos avanços no manejo anestésico e cirúrgico, de 2,5 a 20% dos pacientes submetidos a este procedimento apresentam uma ou mais manifestações da SRTUP, e, de 0,5 a 5% evoluem a óbito no peroperatório; de onde se justifica o contínuo estudo e atenção do anestesiologista para diagnóstico e tratamento precoce desta síndrome.4 O presente artigo faz uma revisão sobre sinais e sintomas, técnica anestésica, fluidos de irrigação, fisiopatologia, tratamento e prevenção da SRTUP.

 

SINAIS E SINTOMAS

A SRTUP pode ocorrer durante qualquer período no peroperatório. Manifestações podem ser observadas desde poucos minutos após inicio do procedimento ou podem ocorrer tardiamente, horas após termino da cirurgia.4 Nos momentos iniciais da SR-TUP um paciente consciente começa a se queixar de náusea, possivelmente acompanhado de vômitos.5 Apreensão, agitação ou letargia também podem ser sinais iniciais da síndrome. Pode ocorrer hipertensão e bradicardia.5 Outros sintomas precoces incluem: desorientação, distúrbios visuais, cefaléia e em alguns casos distensão e dor abdominal a medida que os fluidos são absorvidos através de pequenas perfurações na cápsula prostática.5 Se não devidamente diagnosticada os sintomas progridem a medida que o procedimento continua.4,5 Intoxicação hídrica causando queda aguda nos níveis séricos de sódio para menos de 120mmol/L está associada com náuseas, fraqueza muscular, encefalopatia, convulsões e coma.5 Esses sintomas se relacionam grosseiramente com o grau de hiponatremia como resultado de edema cerebral.4,5 A pressão arterial pode cair como resultado da hiponatremia aguda ou hemorragia significativa.5 O paciente pode apresentar dispnéia e cianose. Pode ocorrer isquemia cardíaca e renal, culminando em dor torácica e redução da diurese espontânea.5 (Tabela 1)

 

 

TÉCNICA ANESTÉSICA

A anestesia espinhal é geralmente recomendada por permitir detecção precoce de sinais de deteriorização neurológica, embora existam poucos estudos evidenciando melhores desfechos com o uso dessa técnica.1,6 Outra vantagem potencial vem do fato teórico de que, se o bloqueio não se estender além do nível de T10, deixará intacto o "sinal da cápsula" que é o início súbito de dor se a mesma for lesada.6 Contudo, a detecção desses sinais e sintomas pode ficar comprometida no paciente profundamente sedado.6 Além disso, a vasodilatação periférica que se segue ao bloqueio simpático minimiza a sobrecarga circulatória e a perda sanguínea também é menor.3 Como desvantagens da técnica podem citar-se: falha do bloqueio, flutuações hemodinâmicas, possibilidade de cefaléia pós punção dural, dor lombar e lesões neurológicas.6

 

FLUIDOS DE IRRIGAÇÃO

Existem vários tipos de fluidos disponíveis para irrigação durante a RTUP, e a escolha do mesmo é baseada na preferência do cirurgiao, custo, segurança do paciente e a condutividade elétrica de calor.5

1. Salina: Conduz a corrente elétrica, e isso pode lesar o paciente a não ser que não ocorra corte ou coagulação. Dessa forma não é um tipo de fluido utilizado para RTUP.5,7

2. Agua: Apesar da água estéril ter muitas qualidades de um fluido de irrigação ideal, sua maior desvantagem está no fato de ser extremamente hipotônica.3

Pode ser utilizada para RTUP de curta duração, mas não é comumente empregada com essa finalidade por eventualmente resultar em hemólise.5 Quando isso ocorre, hemoglobina e potássio são liberados na corrente sanguínea, podendo causar nefrotoxicidade com IRA e hipercalemia com arritmias cardíacas e fraqueza muscular. 3,7

3. Glicose: glicose 5,4% foi uma solução muito utilizada no passado porém sem empregabilidade atual pelo fato de deixar o campo cirúrgico e os instrumentais pegajosos, dificultando o procedimento.7 Além disso, se quantidades significativas forem absorvidas os níveis plasmáticos de glicose podem se elevar. 7

4. Uréia: Uréia 1,8% também foi muito utilizada no passado. Pelo fato de ser muito permeável nos espaços intra e extra celular, resultava em níveis plasmáticos muito elevados deste composto mesmo quando pequenas quantidades eram absorvidas.7 Como consequência ocorriam náuseas, vômitos, cefaléia, taquicardia, aumento de pressão arterial, visão reduzida, convulsões, coma e desidratação (efeito diurético osmótico).3,7

5. Sorbitol: Sorbitol 3,3% é o fluido mais comumente utilizado. Ele é metabolizado em dióxido de carbono, glicose e água que são excretados pelo rim. Intoxicação hídrica permanece uma preocupação quando grandes quantidades de sorbitol são absorvidas.7

6. Manitol: Apesar de mesmo em concentrações de 3% o manitol ter efeito de diurético osmótico, ele tem sido utilizado como fluido de irrigação. Desidratação e hiperosmolaridade podem ocorrer resultando em distúrbios neurológicos e acidose sistêmica.7

7. Glicina a 1,5%: Assim como os outros, também tem algumas desvantagens: quando grandes quantidades são absorvidas, hiperamonemia e intoxicação hídrica podem levar a edema cerebral e convulsões.7

 

FISIOPATOLOGIA

Sobrecarga circulatória, hipertensão e hipotensão

Os fluidos utilizados para irrigação entram diretamente no intravascular através do plexo venoso prostático ou são mais lentamente absorvidos pelos espaços retroperitoneais ou perivesicais.3,4 As quantidades absorvidas são variáveis mas estimadas, em média, de 10-30ml/min. Os riscos de sintomas associados aumentam significativamente quando há absorção de mais de 1 litro de fluidos por hora. Tanto hipertensão como hipotensão podem ocorrer durante a SRTU.4 A primeira é explicada pela rápida expansão volêmica decorrente da absorção da solução irrigante levando ao aumento da pressão arterial com bradicardia reflexa.4 Tal sobrecarga volêmica aguda em pacientes com falência ventricular esquerda pode causar edema pulmonar.4 Estudos recentes tem revelado que as variações na osmolaridade plasmática não são tao significativas, mostrando que a alteração do volume plasmático independente da osmolaridade tem um papel mais importante na morbimortalidade associada com a síndrome.3,4

Diversos fatores influenciam na quantidade de volume absorvido, dentre os quais estao a pressão intravesical (influenciada diretamente pela altura da bolsa de irrigação em relação à próstata) e a quantidade de seios prostáticos abertos.4

Já a hipotensão perioperatória geralmente é precedida por hipertensão.3,4 Hiponatremia associada à hipertensão levam ao fluxo de líquido para fora do espaço intravascular seguindo os gradientes osmótico e hidrostático, culminando em edema pulmonar e choque hipovolêmico.4 O bloqueio simpático induzido pela anestesia regional também pode estar relacionado com a hipotensão, bem como o reflexo vasovagal decorrente do enchimento vesical.1,4

Intoxicação por água

Alguns pacientes apresentam sintomas de intoxicação hídrica, uma desordem neurológica causada pelo aumento do conteúdo de água no cérebro. Os sintomas aparecem quando os níveis séricos de Na+ caem 15-20 mEq/l abaixo do valor normal.3 Inicialmente o paciente fica sonolento, confuso e inquieto. Convulsões podem ocorrer levando ao coma em posição de descerebração, clonus e Babinski positivo. O EEG evidenciará baixa voltagem bilateralmente.3

Hiponatremia

O sódio é um íon essencial para as células excitáveis, principalmente no cérebro e coração. Considerando a RTUP, vários são os mecanismos que podem levar à hiponatremia: diluição devido à absorção excessiva de fluido de irrigação; perda de Na+ para volumes de fluidos acumulados no espaço periprostático e retroperitoneal; e grandes quantidades de glicina induzem liberação de peptídeo natriurético atrial que promove natriurese.3 Os sintomas clássicos incluem inquietação, confusão, incoerência, coma e convulsões. Geralmente a gravidade dos sintomas acompanha os níveis séricos desse íon.3 (Tabela 2)

 

 

Toxidade por glicina

Podem ser utilizadas soluções de glicina à 1,2%, 1,5% ou 2,2%. Trata-se de um aminoácido endógeno que foi inicialmente sugerido como fluido de irrigação considerando muitas de suas vantagens, incluindo o baixo custo.3 É isotônica em relação ao plasma quando na concentração de 2,2% porém nessa apresentação os efeitos adversos são mais comuns e mais intensos.3 A osmolaridade da glicina a 1,5% é de 230 mosm/l e, mesmo assim, eventos cardiovasculares e renais também podem ocorrer. Quando é utilizada na temperatura ambiente e em procedimentos com duração maior que 1 hora, pode induzir depressão miocárdica.3,7 Em até 20% dos casos é possível detectar isquemia miocárdica transitória (achatamento ou inversão de onda T no ECG 24H após o procedimento) e até 0,5% dos pacientes sofrem IAM durante o procedimento, sendo este risco maior quando volumes superiores a 500ml são absorvidos.2,3 Ainda, a hipocalcemia dilucional que se segue à absorção de volumes maiores de glicina é outro fator associado aos distúrbios cardiovasculares agudos. Quando a arginina é associada à glicina, seus efeitos tóxicos sobre o coração são minimizados.3

A glicina também é um importante neurotransmissor inibitório na medula espinal e tecido cerebral, atuando nos canais de cloro como o GABA.3 Quanto maior sua concentração plasmática, mais intensos são os efeitos no SNC. Os sinais e sintomas incluem náuseas, vômitos, bradipnéia, convulsões, apnéia e cianose, hipotensão, oligúria, anúria e até óbito. Porém é uma complicação incomum.3

Toxidade por amônia

A amônia é o produto principal do metabolismo da glicina. Hiperamonemia é consequência da não metabolização total da glicina pelo sistema de clivagem no ciclo do ácido cítrico ou da eficiência de arginina, cofator no metabolismo hepático da glicina em uréia.3 Níveis plasmáticos elevados suprimem a liberação de norepinefrina e dopamina a nível cerebral, levando a encefalopatia. É uma complicação rara, que tipicamente se apresenta como náuseas e vômitos, evoluindo desde lapsos de memória ao coma em até 1 hora após o procedimento.3 A hiperamonemia pode durar por até 10h no pós operatório pelo fato da glicina continuar sendo absorvida do espaço periprostático.3

Distúrbios visuais

Uma das complicações mais temidas da RTU de próstata é a cegueira transitória, causada por disfunção da retina decorrente da toxicidade direta pela glicina.3 Visão borrada ou a presença de halos ao redor dos objetos também podem ocorrer. As pupilas podem permanecer midriáticas e não responsivas. Esses sintomas podem ser isolados ou associados a outros da síndrome.3

Bacteremia, Septicemia e Toxemia

Cerca de 30% dos pacientes submetidos à RTUP apresentam infecção do trato urinário. Quando os seios prostáticos são abertos durante o procedimento e altas pressões de irrigação são utilizadas, as bactérias entram na circulação.3 Em 6% dos casos a bacteremia se complica com septicemia, podendo se manifestar como febre, calafrios, redução da resistência vascular periférica e hipotensão.3 Endotoxemia intraoperatória pode ocorrer em até 45% dos pacientes com cultura pré-operatória negativa apesar do uso rotineiro de antibioticoprofilaxia.6

Perfurações

As perfurações podem ocorrer durante a instrumentação cirúrgica, principalmente em ressecções difíceis ou nas quais ocorre sobredistensão e mais raramente explosão vesical.3 Perfuração instrumental da cápsula prostática tem sido relata em 1% dos pacientes submetidos à RTUP. Um sinal precoce é a redução da drenagem do fluido de irrigação.3 Quando a lesão é intraperitoneal os sintomas se desenvolvem rapidamente como forma de dor referida nos ombros devido a irritação diafragmática e soluços.3 Palidez, diaforese, rigidez abdominal, náuseas, vômitos e hipotensão também podem ocorrer. Já nas lesões extraperitoneais ocorrem movimentos reflexos dos membros inferiores.3

Coagulopatias

Coagulopatia por fibrinólise ocorre secundária à liberação de ativador de plasminogênio pela próstata, que converte o plasminogênio em plasmina na circulação.3 Coagulação intravascular disseminada pode ser desencadeada pela absorção de tecidos prostáticos ressecados, que são ricos em tromboplastina.3 Também pode ocorrer trombocitopenia dilucional, que agrava a condição.3

Hipotermia

Hipotermia é uma complicação frequente nos pacientes submetidos à RTUP. Queda na temperatura altera as condições hemodinâmicas do paciente, resultando em tremores com consequente aumento do consumo de oxigênio e possibilidade de sangramento no sítio cirúrgico.3 Fonte importante de perda de calor é a irrigação com fluidos em temperatura ambiente imputando em queda de até 1-2 oC na temperatura corporal.3 Paciente idosos são particularmente sensíveis à hipotermia.3

 

TRATAMENTO

Prevenir toda e qualquer manifestação da síndrome nem sempre e possível, contudo se diagnosticada nos estágios iniciais pode-se interromper a evolução para complicações cada vez mais graves.8 Por apresentar sintomas iniciais inespecíficos é comum o retardo no diagnóstico e tratamento.7 O indicador mais amplamente utilizado de sobrecarga volêmica é a hiponatremia dilucional (nos raros casos em que se usa etanol como solução de irrigação pode-se monitorizar o nível exalado de álcool).4 Outros métodos incluem: acompanhar o balanço de fluidos, a tendência da pressão venosa central (PVC), as concentrações plasmáticas dos outros íons (principalmente Ca2+ e Mg2+), as alterações na impedância transtorácica e o ganho de peso do paciente.4 A terapêutica deve ser individualizada baseada no tipo e gravidade dos sintomas.7

1) Alterações cardiovasculares

Pacientes que apresentam manifestações cardiovasculares devem ser monitorizados em unidade de terapia intensiva.7 Intubação orotraqueal deve ser considerada naqueles que apresentam dispnéia e hipoxemia, avaliando hiperventilação temporária naqueles que apresentam edema cerebral com alterações neurológicas. Tratamentos empíricos com diuréticos devem ser evitados.7 A hipertensão geralmente é transitória mas pode ser importante a ponto de necessitar de vasodilatadores. Já a hipotensão deve ser tratada precocemente para evitar um choque irreversível assim como falência renal.3,7 O melhor tratamento da hipotensão se baseia em corrigir a hiponatremia e a hiposmolaridade. É razoável estabelecer uma PAS de 100 mmHg ao invés de buscar os valores basais de cada paciente.7 Dor torácica, quando presente, geralmente apresenta boa resposta com oxigenioterapia e analgesia com morfina. Edema pulmonar é um sintoma secundário que deve ser tratado com medidas de suporte.7

2) Hiponatremia e hiposmolaridade

Na hiponatremia com osmolaridade plasmática normal ou próxima à normalidade, não se recomenda nenhuma medida para correção do sódio em pacientes assintomáticos.7 A presença de sintomatologia é o fator mais importante que determina a morbimortalidade. Assim, o tratamento da hiponatremia e hiposmolaridade está plenamente indicado quando produzem sintomatologia clinicamente evidente no paciente.7

Existem vários enfoques terapêuticos para o tratamento dessas condições.

- Hiponatremia leve a moderada (Na+ > 120mmol/l): Restrição volêmica e diuréticos de alça (furosemida 10mg podendo-se elevar as doses). Limitam-se aos casos de hipervolemia pós RTUP podendo piorar a hiponatremia em outras circunstâncias.7 A utilização de diuréticos osmóticos (manitol) induz perda de Na+ nas primeiras 12h pós procedimento, sendo incapaz de reduzir seus níveis nas primeiras 3-5h podendo até piorar a hipervolemia.7

- Hiponatremia grave (Na+ < 120mmol/l): Alguns autores sugerem que a salina hipertônica não deve ser utilizada pelo risco de sobrecarga vascular e edema pulmonar. Idealmente deveria-se aguardar a diurese espontânea ou força-lá com diuréticos.7 Outros orientam infusão de 200-500 ml de salina a 3% em 4 horas para restaurar os níveis séricos de sódio (infusão máxima 100ml/h).7 A correção deve ser suspensa quando sódio sérico atingir 120 mEq/l. Esta elevação não deve ser superior a 12 mEq/l em 24 horas.7 Dados recentes sugerem que essa conduta não se associa com elevação da PVC ou danos neurológicos, reduzindo a mortalidade e revertendo rapidamente alguns dos sintomas.7 Muitos autores defendem correção agressiva da hiponatremia/hiposmolaridade até a melhora dos sintomas ao invés de se basear nos níveis isolados de Na+ plasmáticos.7 A complicação mais temida da correção desse distúrbio iônico é a mielinólise pontina, associada à correções rápidas (> 1,5mmol de Na+/L/h). Porém deve-se levar em consideração que uma correção demasiadamente lenta se associa com maior mortalidade.7

 

 

3) Anúria

A diurese deve ser estimulada quando as medidas de suporte forem iniciadas considerando uma pressão arterial sistólica mínima de 90-100 mmHg para garantir uma adequada perfusão renal.7 Nessas circunstâncias o manitol pode ser mais efetivo do que os diuréticos de alça por induzir uma menor excreção renal de sódio.7 Podem ser administrados após a infusão de salina hipertônica nos casos de falha de doses anteriores. Quando todas as medidas terapêuticas fracassam deve-se optar por diálise peritoneal ou hemodiálise.7

4) Hiperamonemia

O tratamento dessa condição inclui uma série de medidas para tentar limitar o aumento das concentrações plasmáticas de amônia nos casos que utilizam a glicina como fluido de irrigação.7 Dentre elas a administração de L-arginina que auxilia no metabolismo hepático da amônia em uréia, uma vez que os estoques endógenos de arginina duram em média 12h. 7 As doses recomendadas são 4g (20 mmol) infundidos em 3 minutos ou 38g (180 mmol) administrados em 120 minutos sem relatos de toxicidade com essas doses.7

5) Hiperglicinemia

A glicina é considerada responsável, pelo menos em grande parte, pela encefalopatia e convulsões associadas a SRTUP.7 Estas são resistentes aos benzodiazepínicos e anticonvulsivantes habituais (ex. fenitoína e barbitúricos). Teoricamente um antagonista do receptor NMDA ou da glicina seriam as melhores opções terapêuticas.7 Merece destaque o tratamento com magnésio para os casos de convulsões de difícil controle e que utilizam a glicina como fluido de irrigação, uma vez que esse íon exerce um controle negativo sobre o receptor NMDA e seus níveis podem estar diminuídos devido à hemodiluição.7 Os distúrbios visuais retornam a normalidade em 24h a medida que os níveis de glicina se aproximam da normalidade. Considerando que a meia vida da mesma é de 85 minutos, a melhor medida pode ser aguardar o retorno da visão completa sem outras medidas terapêuticas específicas.7

6)Coagulopatia

Se houver suspeita de fibrinólise, bolus intravenoso seguido de infusão contínua de acido aminocapróico pode ser antídoto efetivo.3

 

PREVENÇÃO

A absorção massiva de fluidos é mais comum quando a pressão intravesicular aumenta mais que 30 mmHg. Quando mantida abaixo de 15mmHg ela virtualmente cessa.4 Limitar a altura da bolsa de irrigação à 40 cm acima da próstata ou realizar drenagem contínua com trocater suprapúbico minimizam a absorção.4 Porém nenhum desses métodos pode garantir que a síndrome não aconteça.2,4 Também são fatores de risco para a síndrome: tempo de ressecção prolongado (maior do que 90 minutos) bem como peso prostático maior que 45g, uso de fluidos hipotônicos e a liberação cirúrgica dos seios prostáticos.2,4 Recentemente, o advento de eletrodos bipolares de coagulação permitiu o uso de fluidos de irrigação com eletrólitos.1,9 Apesar desse fato reduzir o risco da SRTUP, estudos tem mostrado tempos cirúrgicos maiores devido as áreas finas e pequenas de ressecção e uma alta incidência de estenose uretral no pós operatório.1,9

 

CONCLUSÃO

Durante a RTUP as alterações neurológicas, do volume intravascular e nas concentrações de solutos podem ocorrer simultaneamente. Isso torna difícil seu diagnóstico e tratamento. As medidas de suporte permanecem como a principal terapêutica das complicações pulmonares, cardiovasculares e renais. É de grande importância uma adequada avaliação pré operatória desses pacientes bem como as medidas preventivas necessárias para minimizar a absorção de líquidos. Embora a incidência da síndrome tenha diminuído nos últimos 50 anos refletindo o melhor entendimento de sua fisiopatologia e progresso notável em sua prevenção e tratamento, o risco de um paciente submetido a RTUP desenvolver essa complicação ainda é significativo.

 

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