ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Ressecção de veia cava superior para neoplasias de pulmão e mediastino com reconstrução utilizando pericárdio bovino
Superior vena cava resection for lung and mediastinal neoplasms with reconstruction using bovine pericardium
Erlon de Avila Carvalho1; Daniel Oliveira Bonomi1; Astunaldo Júnior Macedo Pinho2
1. Cirurgiao Torácico Instituto Mário Penna. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Coodenador do Serviço de Cirurgia Torácica Insituto Mário Penna. Belo Horizonte, MG - Brasil
Erlon de Avila Carvalho
E-mail: erlon.avila@gmail.com
Recebido em: 11/06/2017.
Aprovado em: 03/07/2017.
Instituiçao: Insituto Mário Penna. Belo Horizonte, MG - Brasil.
Resumo
A invasão de veia cava superior por neoplasias de pulmão e mediastino por muito tempo foram consideradas contraindicação para ressecção cirúrgica, casuando a síndrome de veia cava superior. Com o recente avanço de técnicas anestésicas, cirurgia torácica e cardiovascular, aperfeiçoamento de próteses vasculares, foi possível a extensão da radicalidade oncológica visando à ressecção completa e curados pacientes com tumores torácicos invasores da veia cava superior. Este artigo apresenta e descreve a técnica e abordagem utilizada para execução da ressecção da veia cava superior e reconstrução com pericárdio bovino, realizado com sucesso em três pacientes com neoplasias intra-torácicas no Instituto Mário Penna/Hospital Luxemburgo, Belo Horizonte - MG, todos realizados sem a utilização de circulação extracorpórea.
Palavras-chave: Veia Cava Superior/Cirurgia; Próteses e Implantes; Procedimentos Cirúrgicos Torácicos; Neoplasias Pulmonares; Neoplasias do Mediastino.
INTRODUÇÃO
A invasão de veia cava superior por neoplasias de pulmão e mediastino por muito tempo foi considerada contraindicação para ressecção cirúrgica.1 Os pacientes desenvolvem os sinais e sintomas da síndrome de veia cava superior, como edema de face, dispneia, pletora facial, confusão mental, obnubilação até coma e morte.
Com o recente avanço de técnicas anestésicas, cirurgia torácica e cardiovascular, aperfeiçoamento de próteses vasculares, foi possível a extensão da radicalidade oncológica visando à ressecção completa e curados pacientes com tumores torácicos invasores da veia cava superior.2
O prognóstico ruim para doença local no câncer de pulmão tratado com radioterapia (sobrevida 5% em 5 anos) ou associação de quimioterapia e radioterapia (sobrevida 5% a 17% em 5 anos),1,3 estimulou o interesse dos cirurgioes em aprimorar essa abordagem, tendo em vista o aumento da sobrevida.
O escopo do trabalho é descrever a técnica e abordagem utilizada para execução da ressecção da veia cava superior e reconstrução com pericárdio bovino, realizada com sucesso em três pacientes com neoplasias intratorácicas no Instituto Mário Penna/Hospital Luxemburgo, Belo Horizonte – MG.
Preparo pré-operatório
A avaliação pré-operatória inclui exames laboratoriais, exames de imagem, ecocardiograma, prova de função respiratória e estadiamento cirúrgico como exemplo a broncoscopia, mediastinoscopia e videotoracoscopia.
A mediastinoscopia foi utilizada de rotina em todos os pacientes com neoplasia de pulmão, caso fosse confirmada doença mediastinal o paciente seria enviado para tratamento exclusivo com quimioterapia e/ou radioterapia.
Como rotina, solicitamos tomografia computadorizada (TC) de crânio, tórax, abdome e pelve. Sempre que possível, avaliação de metástases à distância com PET-CT é realizada, na ausência do mesmo usamos a cintilografia óssea associada aos exames citados acima.
A monitorização na sala cirúrgica é feita com pressão intra-arterial invasiva e acesso venoso central em veia femoral.
Sempre utilizamos o tubo endotraqueal seletivo duplo lúmen. Antibioticoprofilaxia com cefalosporina de primeira geração no momento da indução anestésica estendendo até 24 horas depois da cirurgia.
O pós-operatório no Centro de tratamento intensivo (CTI) é mandatório.
Avaliação do acometimento vascular
A avaliação pré-operatória da invasão vascular é feita com o emprego de diversos métodos de imagem (Figura 1).
Iniciamos com o uso da angiotomografia de tórax, seguido de angiorressonância nuclear magnética (RNM) do tórax.
Quando necessário, realizamos uma videotoracoscopia no intuito de uma avaliação direta do grau de extensão da invasão da veia cava superior pelo tumor e para inspeção de possíveis implantes pleurais ocultos.
Técnica da ressecção vascular com reconstrução
Foram realizados com sucesso três casos com ressecção da veia cava superior, todos sem necessidade de utilização de circulação extracorpórea.
Após o acesso cirúrgico escolhido, iniciamos com exploração de toda a cavidade torácica no intuito de diagnosticar metástases ocultas.
Caso 1 - Paciente do sexo feminino 77 anos, PS 1, com neoplasia de pulmão estádio cT4N0M0. Via de acesso foi uma toracotomia posterolateral no quarto espaço intercostal. Realizada lobectomia superior direita e após a liberação total do lobo comprometido o que restou foi somente o tumor infiltrando à cava. Realizado o reparo da veia braquiocefálica esquerda, veia subclávia direita e veia cava intrapericárdica. Realizada ressecção da lesão com margem na veia e reconstrução com patch de pericárdio bovino, entre veia inominada esquerda e remanescente de veia cava superior. Tempo de pinçamento de veia cava superior foi de 23 minutos.
Caso 2 - Paciente do sexo feminino que aos 26 anos, PS 1, tinha sido submetida à ressecção de um tumor de mediastino posterior por toracotomia lateral cujo diagnostico foi de Schwannoma; após seis anos, retornou ao serviço, com quadro clínico sugestivo de síndrome de veia cava superior. TC de tórax e RNM mostravam tumor comprometendo e estreitando a veia cava superior. Via de acesso foi uma esternotomia com extensão para toracotomia anterior direita. Dissecção muito trabalhosa de veia inominada esquerda, ligadura da veia inominada direita e reparo da veia cava intra pericárdica e da veia ázigos. Ressecção da lesão e reconstrução com tubo de pericárdio bovino da veia cava com a veia inominada esquerda. Tempo de pinçamento de veia cava superior foi de 26 minutos. O estudo de imuno-histoquímica sugeriu a possibilidade do diagnóstico de mediastinite crônica fibrosante.
Caso 3 - Paciente do sexo masculino 57 anos, PS 1, com diagnóstico anterior de carcinoma de células claras renal para qual foi submetido à nefrectomia. Realizou tratamento oncológico, mas evoluiu com uma massa em mediastino anterior que mostrava crescimento e infiltração da veia cava superior. Via de acesso foi de esternotomia e toracotomia anterior direita (a incisão foi apenas mediana). Realizada liberação do tumor com uso de bisturi ultrassônico e ligada a veia inominada esquerda com endogrampeador com carga cinza. Após reparo de todas as estruturas venosas, foi realizada a ressecção e reconstrução da veia com patch de pericárdio bovino entre veia inominada direita e veia cava superior com aplicação de cola biológica na linha de sutura. Tempo de pinçamento de veia cava superior foi de 20 minutos.
Uma vez realizada a incisão torácica, ao chegar ao mediastino, realizamos a dissecção e reparo de todas as estruturas vasculares do mediastino com reparo da veia cava superior logo acima do átrio direito e na extremidade distal do tumor com margem oncológica segura. É feito um torniquete de Rommel e utilização de pinça vascular Satinsky para maior segurança, antes do pinçamento realizamos anticoagulação com heparina não fracionada na dose de 5000 UI endovenosa. O pinçamento é realizado primeiro na extremidade distal seguido da proximal. É iniciada a contagem do tempo de pinçamento (Figura 2).
Após ressecção em monobloco da peça cirúrgica, inserimos o patch de pericárdio bovino, o qual também recebe dose local de heparina não fracionada na dose de 2500 UI. A confecção do tubo de pericárdio bovino é realizada antes do pinçamento com o torniquete de Rommel e/ou pinça Satinsky, com o uso do pericárdio bovino enrolado em uma seringa de 20 ml com delimitação de bordas com grampeador linear ou sutura contínua com Prolene 4-0.
A sutura proximal é contínua e realizada com Prolene 4.0, assim como a sutura distal. Após a confecção do bypass veno-venoso, é retirada a pinça proximal com o objetivo de preencher a prótese de pericárdio bovino com sangue, seguido de retirada da pinça distal, evitando assim o risco de embolia gasosa (Figura 3).
Após o despinçamento, observamos algum provável escape sanguíneo na anastomose, e se necessário é realizado ponto simples. Não fazemos a reversão com sulfato de protamina.
Cuidados pós-operatórios
O pós-operatório no centro de tratamento intensivo (CTI) é mandatório com monitorização por no mínimo 72 horas, com exames laboratoriais diários, radiografia de tórax na admissão e diária.
Mantemos a anticoagulação com warfarina por seis meses com RNI alvo entre 2 a 3.
DISCUSSÃO
A síndrome de veia cava superior engloba um conjunto de sinais e sintomas que surgem por obstrução do fluxo sanguíneo, seja por compressão extrínseca, trombose ou invasão tumoral. A pressão venosa a nível cervical, que varia habitualmente entre 2 a 8 mmHg, pode, nesta situação, aumentar para 20 a 40 mmHg.4
O tratamento da síndrome requer o diagnóstico etiológico, e nem sempre as condições clínicas do paciente são as melhores e o tratamento medicamentoso inicial é necessário para se conseguir condições clínicas razoáveis.5
Paciente com bom "performance status" e tumor ressecável com estadiamento adequado tem indicação de ressecção cirúrgica, pois é reportada sobrevida em 5 anos após ressecção de veia cava superior com reconstrução em câncer de pulmão de 21 a 31%6-8 e para neoplasias do mediastino de 45 a 63%.1,6,9
Com o avanço tecnológico, os tumores invasores de veia cava superior passaram a ser factíveis de ressecção cirúrgica, sem a necessidade de circulação extracorpórea.
A adequada monitorização perioperatória torna-se mais segura à abordagem cirúrgica. Iniciamos o procedimento com a dissecção tumoral e por fim a ressecção vascular, no caso da neoplasia de pulmão fizemos a lobectomia superior direita e, após, a ressecção vascular, nos tumores do mediastino fazemos a dissecção de todo o tumor, liberando-o de toda aderência ou invasão, se necessário ressecção de outras estruturas anatômicas, e terminando com ressecção vascular.
Imediatamente antes de começarmos a ressecção vascular, é feita expansão volêmica com alíquotas de 500 ml de ringer lactato e início profilático de drogas vasoativas, em dose baixas, noradrenalina 1 a 3 ml/h; iniciamos a heparinização endovenosa na dose 5000UI cerca de 5 a 10 minutos antes do pinçamento da veia cava superior.
Um detalhe técnico é sempre que possível realizar o pinçamento acima da veia ázigos para evitar formação de edema cerebral e preservar circulação colateral.6
Nossos tempos de oclusão da veia cava superior para confecção completa da anastomose foram 20 minutos, 23 minutos e 26 minutos, tempo de anastomose do bypass veno-venoso considerado ótimo, como mostrado em estudo experimental em primatas em 1989 que toleraram fisiologicamente bem um tempo de oclusão de 60 minutos,10 e Dartevelle et al.11 mostraram que os humanos têm pobre tolerância quando esse tempo excede 45 minutos. Nossa anastomose foi bem inferior a isso.
Apesar da tendência atual em se utilizar politetrafluoretileno (PTFE), foram utilizados enxerto de tubo pericárdio bovino, por possuir menor custo e não ter contraindicação. Outros materiais também poderiam ter sido utilizados como o aloenxerto arterial criopreservado, que custa muito caro, mas é resistente a infecções e fácil de manusear;12,13 conforme descrito por Venuta et al.,14 realizamos a confecção do tubo de pericárdio bovino utilizando como molde uma seringa de 10 ml.
CONCLUSÕES
As ressecções complexas de tumores que invadem a veia cava superior têm suas indicações e devem ser interpretadas como operações de grande porte, mas, no entanto, não notamos complicações que impeçam esse tipo de abordagem. A anticoagulação no pós-operatório é motivo de controvérsia na literatura medica. O pericárdio bovino tem sido cada vez mais empregado nesse tipo de intervenção. A utilização de bisturi de energia, endogrampeador e cola biológica parece tornar o procedimento menos complexo e mais rápido.
REFERENCIAS
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13. Cunha HL, Bonomi DO. Abordagem cirúrgica de mediastinite fibrosante e síndrome de veia cava: relato de caso. Rev Univ Vale Rio Verde. 2012;10(2):173-7.
14. Venuta F, Rendina E, Coloni G. Surgery of superior vena cava: resection and reconstruction. CTS Net The Cardiothoracic Surgery network 2009 [acesso 1 dez 2017]. Disponível em: https://www.ctsnet.org/article/surgery-superior-vena-cava-resection-and-reconstruction
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