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CAPES/Qualis: B2
Divertículo traqueal: um relato de caso e revisão da literatura
Tracheal diverticulum : a case report and literature review
Erlon de Avila Carvalho1; Renato Correia Lima2; Ricardo Abreu Vilela2
1. Cirurgiao Oncológico com especializaçao em Oncologia Torácica no Instituto Nacional de Câncer - INCA. Rio de Janeiro, RJ - Brasil
2. Cirurgiao Geral Hospital Alberto Cavalcanti - HAC - FHEMIG. Belo Horizonte, MG - Brasil
Erlon de Avila Carvalho
E-mail: erlon.avila@gmail.com
Recebido em: 04/06/2017.
Aprovado em: 03/07/2017.
Instituiçao: Hospital Alberto Cavalcanti - Fundaçao Hospitalar do Estado de Minas Gerais / FHEMIG. Belo Horizonte, MG - Brasil.
Resumo
Divertículo traqueal é uma patologia benigna caracterizada por invaginações únicas ou múltiplas na parede da traqueia. Condição rara, com poucos casos relatados na literatura mundial. Tem etiologias congênita ou adquirida. A maioria dos pacientes são completamente assintomáticos durante toda a sua vida, o que justifica um pequeno número de casos na literatura. O diagnóstico é feito por Tomografia Computadorizada (preferencialmente helicoidal) de pescoço. O caso relato é de uma mulher de 55 anos, portadora de asma brônquica de difícil controle atendida no ambulatório de cirurgia torácica de um hospital público brasileiro com quadro de tosse crônica e dispneia intermitentes há cerca de dois anos. Propedêutica com broncoscopia e endoscopia digestiva alta sem achados anormais. Tomografia computadorizada de pescoço multislice detectou formação cística de conteúdo aéreo projetada para a direita da traqueia. Submetida a cervicotomia exploradora e ressecção de formação cística, ovóide, posterior ao lobo direito da tireóide, com comunicação com a traquéia. Estudo histopatológico evidenciou lesão constituída de epitélio respiratório, achado que corroborou o diagnóstico de divertículo traqueal. Essa patologia foi identificada como de causa adquirida no caso relatado, devido ao quadro de tosse crônica pela asma brônquica de difícil controle, achados compatíveis com a literatura mundial.
Palavras-chave: Doenças da Traqueia; Divertículo; Tosse; Cistos.
INTRODUÇÃO
Divertículo traqueal ou cisto paratraqueal é uma afecção benigna caracterizada por invaginações única ou múltiplas na parede da traqueia.1 Tem origem, na maioria dos casos, na parede posterior da traqueia, onde os anéis cartilaginosos são incompletos.2 É uma condição rara, com poucos casos relatados na literatura mundial.3 O primeiro caso relatado data de 1838 por Rokitansky.4 Tem etiologias congênita ou adquirida, que se diferem pelos achados histopatológicos,5 e normalmente se projetam do lado direito, devido à presença do esôfago e do arco aórtico do lado esquerdo.2,6
A maioria dos pacientes são completamente assintomáticos durante toda a sua vida, o que justifica um pequeno número de casos na literatura. Infecções repetidas, tosse crônica, disfonia e dispneia são sintomas possíveis, e podem confundir o examinador para outros diagnósticos mais prováveis, como afecções digestivas e pulmonares.7 O maior estudo já publicado sobre o assunto trata-se de uma série de 64 casos reportado por Goo et al.8 A afecção foi um achado incidental em cerca de 1% dos 867 pacientes submetidos à necropsia9. Estudos radiológicos mais recentes sugerem uma prevalência maior, variando de 2% a 3,67%.8,10
O diagnóstico é feito por tomografia computadorizada de pescoço.1 Esse exame fornece informações como a localização, tamanho, lado da lesão e auxilia na distinção entre lesão adquirida e congênita, pela presença ou não de tecido cartilaginoso vista ao exame.11 O tratamento pode ser cirúrgico, endoscópico por cauterização ou tratamento conservador (antibióticos, agentes mucolíticos e fisioterapia respiratória).
O tratamento cirúrgico tem proporcionado excelentes resultados, sem agregar morbidade significativa. A escolha da melhor terapêutica deve levar em conta a idade do paciente, o estado físico e a presença de sintomas, sendo a abordagem cirúrgica reservada para pacientes jovens.12,13 A proposta deste estudo é relatar um caso de divertículo traqueal em paciente do sexo feminino com passado mórbido de asma brônquica com um quadro clínico de dispneia intermitente e tosse crônica progressivos.
RELATO DE CASO
O caso descrito é de uma mulher de 55 anos, atendida no ambulatório de cirurgia torácica de um hospital público brasileiro. A paciente apresentou-se com quadro de tosse crônica e dispneia intermitentes há cerca de dois anos. Quadro progressivo e com períodos de exacerbação. Apresentou há um ano episódio de insuficiência respiratória aguda, sendo necessária intubação orotraqueal e ventilação mecânica por curto período de tempo. Os quadros de exacerbação se caracterizavam por intensa ansiedade associada a broncoespasmo.
Sem histórico de febre, secreções respiratórias exacerbadas ou queda do estado geral. Paciente negava sintomas de disfagia, refluxo gastresofágico e perda de peso. Passado mórbido de asma brônquica desde a infância de difícil controle e tabagismo pesado (hábito suspenso há cerca de 10 anos). História familiar e ocupacional sem achados relevantes.
Ao exame físico: paciente com índice de massa corporal=35, sem achados de tumorações ou linfoadenomegalias cervicais, sons respiratórios preservados bilateralmente e sem ruídos adventícios, ausculta cardíaca sem alterações. Exames laboratoriais dentro da normalidade. Broncoscopia sem achados anormais. Endoscopia digestiva alta sem alterações. Ressonância nuclear magnética do pescoço evidenciou formação arredondada, regular em topografia paratraqueal direita, condicionando leve deslocamento contralateral e discreta redução do calibre da traqueia compatível com conteúdo aéreo. Tomografia computadorizada de pescoço multislice detectou formação cística de conteúdo aéreo projetada para a direita da traqueia, medindo 3,3 x 3,1 x 2,5 cm (Figuras 1 e 2).
A paciente foi submetida à exploração cirúrgica por cervicotomia em colar (incisão de Kocher). Durante exploração, foi localizado abaixo do lobo direito da tireoide estrutura sacular dilatada, ovoide, fibroelástica, com origem na parede lateral direita da traqueia. Realizada dissecção da estrutura e sua individualização, identificado e isolado nervo laríngeo recorrente direito, e posterior ressecção da lesão da parede posterior da traqueia. Feito reparo de pequena falha na parede posterior traqueal com rafia simples com fio cirúrgico absorvível. O ato operatório ocorreu sem intercorrências cirúrgicas ou anestésicas. Material foi enviado para estudo histopatológico. Pós-operatório sem complicações. O acompanhamento revelou melhora dos sintomas de tosse e dispneia, mas com perpetuação de crises de asma brônquica.
A análise histopatológica revelou lesão revestida por epitélio colunar ciliado sem atipias e parede com congestao vascular, além de discreto edema e infiltrado inflamatório mononuclear, compatível com o achado clínico de divertículo traqueal (Figura 3).
DISCUSSÃO
Divertículo traqueal é uma condição rara, mas que nos últimos anos tem sido cada vez mais relatada na literatura, especialmente por achados radiológicos.1 O diagnóstico se concretiza por tomografia computadorizada de pescoço e se caracteriza pela presença de uma estrutura paratraqueal com conteúdo aéreo ou líquido conectado ou não à traqueia. Em estudos recentes, a tomografia computadorizada multislice, ao avaliar 700 pacientes, encontrou essa afecções em cerca de 2,57% deles (18 pacientes), prevalência semelhante a outro estudo que encontrou uma proporção de 2,38%.14,15 O tratamento padrao-ouro ainda permanece indefinido.
É uma afecção que etiologicamente pode ser dividida em congênita ou adquirida. Os divertículos congênitos são muito raros, mais frequentes no sexo masculino, tendem a ser pequenos, compostos por todas as camadas de tecido da traqueia (epitélio respiratório, musculatura lisa e cartilagem) e decorrem de uma falha na diferenciação do endoderma durante o desenvolvimento da membrana da parede posterior ou do anel cartilaginoso traqueais na sexta semana de vida fetal.2
Os divertículos adquiridos surgem devido a um aumento da pressão intraluminal na traqueia ou devido a um trauma à parede traqueal, os quais resultam em uma pequena herniação da membrana mucosa através de um ponto de fragilidade da parede. Os adquiridos são tipicamente maiores que os congênitos, sem preponderância por sexo e são constituídos somente de epitélio respiratório e pequenas porções de células musculares e de cartilagem.2,16 A tosse crônica tem se mostrado como um fator de risco fortemente associado ao aparecimento de divertículos traqueais, por se relacionar ao aumento persistente da pressão intraluminal na traqueia.
Tosse crônica é definida como a presença de tosse por oito ou mais semanas. É uma condição frequente na população adulta, sendo autorreferida em até 10% da comunidade.17 Frequentemente, tem duração por anos, ocasionando prejuízo funcional e na qualidade de vida, além de ser causa de visitas frequentes a serviço médico de urgência e a especialistas.18 As principais causas de tosse crônica são tabagismo, doença pulmonar obstrutiva crônica, uso de medicações, doenças das vias aéreas superiores, asma brônquica e doença do refluxo gastro-esofágico.19
No caso relatado os autores acreditam que o fator principal associado ao aparecimento do divertículo foi a tosse crônica, provavelmente relacionada ao quadro de asma brônquica de difícil controle. De acordo com um estudo de 2016, a presença de tosse crônica se relaciona duplamente nos divertículos traqueais. Tem papel etiológico por aumentar a pressão intraluminal na traqueia e é consequência do divertículo, por compressão do nervo vago, aumentando e perpetuando a tosse e, consequentemente, aumentando o divertículo.5,20
Os diagnósticos diferenciais para cistos aéreos paratraqueais incluem, além dos divertículos traqueais, laringocele, faringocele, divertículo de Zenker, hérnia pulmonar apical, bolhas parasseptais apicais.8 Divertículo de Zenker e faringocele são facilmente diagnosticados por endoscopia digestiva alta ou estudos radiográficos contrastados. Hérnia pulmonar apical e bolhas septais apicais são diagnosticadas por tomografia computadorizada.
A broncoscopia pode ser exame muito útil para definir o diagnóstico em alguns casos, porém o exame falha em diagnosticar lesões com orifício de comunicação muito pequeno. O uso de tomografia computadorizada respiratória dinâmica permite identificar uma lesão que cresce e diminui de tamanho de acordo com os movimentos respiratórios, o que sugere comunicação da lesão com a traqueia; e o uso de tomografia computadorizada tridimensional com reconstrução broncoscópica pode ajudar nos casos de diagnóstico incerto.16
Durante a cirurgia, os achados de lesão com comunicação traqueal e no histopatológico de epitélio respiratório definem o diagnóstico de divertículo traqueal. No caso relatado a lesão apresentava-se em localização posterolateral direita, de conteúdo aéreo, com evidente comunicação com a traqueia e de tamanho de 3,3 x 3,1 x 2,5 cm. Os achados foram compatíveis com o diagnóstico de divertículo traqueal e vao de encontro com os maiores estudos prévios já publicados.8,9
Em série de casos publicada por MacKinnon em 1953, todos os casos de divertículo traqueal foram identificados do lado direito da traqueia em posição posterolateral a ela, de formato ovoide e pediculados e com tamanho que variava de 0,5 a 3 cm no maior eixo, achados semelhantes ao caso relatado. A idade de incidência nesse mesmo estudo variou de 30 a 80 anos, todos os casos com associação a doenças crônicas pulmonares. Goo et al.,8 em 1999, identificaram, com o uso de parâmetros espirométricos, provável associação de doenças obstrutivas pulmonares com o achado de divertículo traqueal, apesar de sem significância estatística em relação ao grupo controle.
CONCLUSÃO
Divertículo traqueal é uma condição rara pouco estudada e descrita na literatura, com diagnóstico muitas vezes incidental por exames radiológicos. Relatamos um caso de uma paciente com histórico de tosse crônica por asma brônquica mal controlada e com sintomas respiratórios importantes. A opção por tratamento cirúrgico se justificou pela sintomatologia exacerbada da paciente e as boas condições clínicas. O presente estudo exemplifica uma condição rara, mas que deve ser lembrada no espectro de apresentações clínicas de tosse crônica.
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