ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Síndrome da lise tumoral: Revisão de literatura
Acute tumor lysis syndrome: a literature review
Clarissa Veloso Souto Gandra1; Maria Thereza Mansur Starling2; Natália Nicolai Gomes3; Raquel Soares Carvalho4; Silvia Veloso Souto Gandra5
1. Pós-Graduada em Auditoria de Saúde. (Médica), Belo Horizonte, MG, Brasil
2. Acadêmica do curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG), Belo Horizonte, MG, Brasil
3. Acadêmica do curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG), Belo Horizonte, MG, Brasil
4. Acadêmica do curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG), Belo Horizonte, MG, Brasil
5. Acadêmica do curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG), Belo Horizonte, MG, Brasil
Silvia Veloso Souto Gandra
E-mail: silviavsgandra@hotmail.com
Recebido em: 24/06/2015.
Aprovado em: 19/01/2017.
Instituiçao: Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Alameda Ezequiel Dias, 275, Centro, Belo Horizonte, Minas Gerais.
Resumo
INTRODUÇÃO: A síndrome da lise tumoral (SLT) é uma emergência oncológica que é associada com número cada vez maior de tipos de câncer. Caracteriza-se por um conjunto de manifestações clínicas resultantes da destruição maciça de células malignas, com consequente liberação do seu conteúdo no espaço extracelular.
MÉTODO: Estudo de revisão bibliográfica de artigos com produção científica indexada nas seguintes bases eletrônicas de dados: Lilacs, Scielo, Medline, PubMed, como fontes de artigos recentes e relevantes ao tema.
DISCUSSÃO: A SLT caracteriza-se por um conjunto de anormalidades metabólicas, como: hiperfosfatemia, hipocalcemia, hiperuricemia, hipercalemia, além de lesão renal aguda, insuficiência cardíaca, retenção volêmica e efeitos neuromusculares, neurológicos e gastrointestinais que devem ser prontamente diagnosticados e tratados. Ocorre com mais frequência nas neoplasias de origem hematopoiéticas (linfoma não Hodgkin, leucemia mieloide e linfoides agudas) ou naquelas com grandes massas tumorais, tumores de crescimento rápido ou muito sensíveis a quimioterapia tóxica. Medidas profiláticas e tratamento suportivo são fundamentais para diminuir a taxa de mortalidade, especialmente, hidratação vigorosa, agentes uricolíticos, identificação dos fatores que predispoem à lesão renal aguda e, nos pacientes críticos, a profilaxia, por intermédio de métodos de substituição da função renal necessários para prevenir ou limitar suas consequências.
CONCLUSÃO: Em malignidades recémdiagnosticadas, a SLT é complicação frequente e que ameaça a vida. É importante prevenir a SLT clínica, que se associa a prognóstico sombrio, o que inclui a substituição renal.
Palavras-chave: Síndrome de Lise Tumoral; Antineoplásicos. Antineoplásicos /efeitos adversos. Desequilíbrio Hidroeletrolítico; Neoplasias Hematológicas; Insuficiência Renal.
INTRODUÇÃO
A síndrome de lise tumoral (SLT) está descrita desde 1929, por Bedrna e Polcak, na Tchecoslováquia, em portadores de leucemia crônica. Contudo, apenas em 1977 foi associada a alterações anatomopatológicas, quando Crittenden e Ackerman descreveram um paciente portador de carcinoma gastrointestinal o qual desenvolveu hiperuricemia, insuficiência renal e foram encontrados cristais de urato no sistema coletor revelados por autópsia.1
A síndrome da lise tumoral (SLT) é caracterizada por manifestações clínicas resultantes da destruição maciça de células malignas. Ocorre, em geral, após o início da terapêutica com agentes quimioterápicos citotóxicos, entretanto, pode surgir espontaneamente. A SLT surge quando células neoplásicas são destruídas e seu conteúdo celular é liberado na circulação sanguínea, especialmente, potássio, fósforo e ácidos nucleicos, em quantidade tao grande que o organismo não as consegue excretar adequadamente.2
A SLT constitui emergência oncológica pelo fato da sobrecarga de excreção poder gerar lesão renal aguda, aumentando a morbidade e mortalidade dos pacientes oncológicos. A associação entre SLT e lesão renal aguda pode aumentar tanto os níveis de potássio e fósforo, que podem causar arritmia cardíaca e morte súbita. A complicação mais comum relacionada à SLT é a lesão renal aguda, sendo resultado da deposição de cristais de fosfato de cálcio nos túbulos renais. Constitui-se em emergência médica oncológica mais comum relatada por médicos que cuidam de pacientes portadores de câncer.3,4
A ocorrência da SLT é mais frequente nas neoplasias hematopoiéticas (linfoma não Hodgkin, leucemia mieloide e linfoides agudas) ou naquelas com grandes massas tumorais, tumores de crescimento rápido ou muito sensíveis à quimioterapia tóxica.2
REVISÃO DE LITERATURA
O presente artigo trata-se de revisão bibliográfica nacional e internacional de artigos com produção científica indexada nas seguintes bases eletrônicas de dados: Lilacs, Scielo, Medline, PubMed. A busca bibliográfica foi realizada de agosto a outubro de 2014, a partir da pesquisa dos tópicos chaves: Síndrome de Lise Tumoral; Antineoplásicos; Efeitos adversos de antineoplásicos; Insuficiência renal; Hipercalcemia; Neoplasias hematológicas. Não foi realizada restrição de data ou idioma nessa busca. Após essa pesquisa, foi feita nova pesquisa com os mesmos tópicos chaves de janeiro a março de 2016.
DISCUSSÃO
A identificação precoce dos pacientes de alto risco para SLT ou em alto risco de lesão aguda durante SLT pode levar à estratégia baseada no risco, visando evitar o desenvolvimento de lesão renal aguda. Cerca de 10% a 50% dos pacientes de alto risco podem desenvolver SLT. Até um terço destes pacientes podem desenvolver lesão renal aguda, e que se associa a mau prognóstico.5
A probabilidade de desenvolver SLT está diretamente ligada aos seguintes fatores: agressividade da doença, volume tumoral, efetividade do tratamento citotóxico e a adoção de medidas profiláticas. Não se deve subestimar condições clínicas que contribuem para o seu desenvolvimento, como desidratação, insuficiência renal crônica prévia, oligúria e hipotensão. Devido à multifatoriedade da doença, as incidências relatadas de SLT possuem grande variação, mesmo se estratifica-se o risco da doença.2
Fatores de risco clássicos incluem alta carga tumoral, níveis de desidrogenase lática superiores a 1500 UI, comprometimento extenso da medula óssea e alta sensibilidade tumoral para agentes quimioterápicos.5 A presença de metástase, o envolvimento da medula óssea, a sensibilidade à terapia, as fases terapêuticas do tratamento, a presença de nefropatia prévia são também fatores de risco relacionados ao desenvolvimento da SLT.2 Os outros fatores podem ser observados na Tabela 1.
A SLT é mais frequentemente observada em pacientes com doenças hematológicas malignas, como os portadores de leucemia linfoblástica aguda e linfoma de Burkitt. Pode, contudo, estar presente em outros tumores sólidos como o de mama ou de pulmão, podendo ainda ocorrer após o tratamento de outros tumores de rápido crescimento que possuam boa resposta aos agentes quimioterápicos.2,4
Fisiopatologia e apresentação clínica
A SLT resulta de destruição maciça de células malignas, cuja origem decorre de diversos fatores como grande carga tumoral e sensibilidade relativa às modalidades terapêuticas oncológicas.2 A SLT, apesar de ocorrer de forma espontânea antes do tratamento, desenvolve-se, em geral, pouco tempo após início de quimioterapia citotóxica.5 Apresenta-se, quando espontânea, antes do início da quimioterapia, e diferencia-se da forma secundária pela ausência de hiperfosfatemia.2
A destruição maciça de células geralmente desencadeada por apoptose, levará à rápida liberação de seu conteúdo intracelular de ânions, cátions e produtos metabólicos de proteínas e de ácidos nucleicos intracelulares para a corrente sanguínea, que podem exceder a capacidade de eliminação renal ou obstruir os túbulos renais.2 A lesão renal aguda pode se desenvolver, sendo o mecanismo mais comum, pela formação de cristais de ácido úrico nos túbulos renais, subsequente à hiperuricemia. Outra causa pode ser a deposição de fosfatos de cálcio relacionada à hiperfosfatemia. Esses dois cristais são responsáveis pela obstrução tubular renal;2 e, considerando-se que a lesão renal aguda leva a novo aumento nos metabólitos, inicia-se um círculo vicioso de mais lesão renal.6
A SLT caracteriza-se clinicamente por hiperfosfatemia, hipocalcemia, hiperuricemia, hipercalemia e insuficiência renal aguda, frequentemente oligúrica. As manifestações são mais frequentes entre 48 a 72 horas após o início do tratamento da neoplasia.5
O diagnóstico é clínico-laboratorial, sendo que a SLT pode ser classificada em clínica ou laboratorial. Na forma laboratorial, o diagnóstico é feito utilizando os critérios de Cairo e Bishop (Tabela 2). O paciente deve ter pelo menos dois dos seguintes critérios: aumento de ácido úrico, fósforo, potássio (maior que 25% do valor basal ou do limite da anormalidade) ou queda do cálcio iônico (maior que 25% do valo basal ou do limite da anormalidade). Na forma clínica ocorre também diminuição da depuração da creatinina, convulsão, hipocalcemia sintomática, arritmia cardíaca ou morte. A dosagem sérica de creatinina não pode ser utilizada para diagnóstico ou classificação da SLT.2
Hiperuricemia
A hiperuricemia inicia-se, em geral, entre 48 a 72 horas após o início do tratamento quimioterápico, causada pelo aumento do catabolismo de ácidos nucleicos e liberação de metabólitos da purina pela lise celular. A via final é a metabolização da xantina pela xantina-oxidase em ácido úrico. A excreção normal diária de ácido úrico renal é aproximadamente 500 mg no pH tubular de 5,0. Por ser muito pouco solúvel, pode se organizar sob a forma de cristais, e que podem gerar obstruções com razao ácido úrico creatinina maior que 1.2,5 A hiperuricemia, portanto, ocorre mais frequentemente em doenças de alto índice proliferativo, e é agravada pela quimioterapia citotóxica.2 Em excesso, o ácido úrico e a xantina cristalizam-se nos túbulos renais, sendo esse um dos principais mecanismos de insuficiência renal na SLT. Quanto mais ácida a urina, maior a tendência de cristalização do ácido úrico.7
Hipercalemia
O estresse sobre o metabolismo celular, além da quimioterapia e ou radioterapia e diminuições dos níveis de ATP, podem gerar o extravasamento precoce de potássio celular antes da lise se completar. Assim, a elevação do potássio pode ser muito mais precoce (12 a 24 horas após a quimioterapia) que a elevação do fosfato. Essas alterações são as de maior risco, uma vez que podem levar a arritmia cardíaca e morte súbita.2,5
Hiperfosfatemia
As células tumorais possuem quantidade de fosfato muito maior que as células normais, por isto, a destruição dessas células pela quimioterapia, como observado na SLT, pode precipitar, em torno de 24 a 48 horas após o seu início, hiperfosfatemia significativa. A hiperfosfatemia associa-se com a precipitação de cálcio no túbulo renal, o que promove nefrocalcinose, obstrução urinária, e insuficiência renal aguda; além de determinar depósitos cálcicos em tecidos.5,8 O aumento da fosfatemia promove a precipitação de fosfato de cálcio ectópico e a hipocalcemia, outro importante mecanismo de lesão renal na SLT. Ao contrário do ácido úrico, o fosfato de cálcio tende a precipitar em meio alcalino; além disso, sua precipitação no sistema cardíaco de condução elétrica pode contribuir com a ocorrência de arritmias cardíacas. A reposição de cálcio aumenta o risco de sua precipitação.2 A hipocalcemia é, portanto, secundária à hiperfosfatemia.6
Hipocalcemia
Distúrbio metabólico que tem relação direta com a hiperfosfatemia, assumindo valores muito baixos quando se precipita com o fosfato. É comum associar-se com sintomatologia neurológica como convulsão, tetania e arritmias cardíacas.4 A reposição de cálcio, entretanto, deve ser feita apenas quando a hipocalcemia for sintomática.2
Acidose metabólica
A insuficiência renal aguda e a grande quantidade de ácidos endógenos intracelulares liberados pelo catabolismo é, inicialmente, tamponada pelo bicarbonato sérico, o que determina consumo de alcalinos, o que desvia o pH sanguíneo para o lado ácido, resultando em acidose metabólica. A sua correção deve ser a mais rápida possível com reposição de volume, alcalinização da urina, correção da acidose metabólica e controle dos possíveis focos infecciosos.2,5
A acidose láctica e a sua gravidade associam-se com a SLT e sua intensidade. Os mecanismos fisiopatológicos que levam à acidose láctica são, provavelmente, múltiplos, inclusive decorrentes de insuficiência hepática e isquemia tumoral, ambas resultantes da revascularização precária dos tumores. Todavia, a acidose láctica pode ser causada por perda do potencial da membrana mitocondrial durante a apoptose. Portanto, a apoptose maciça de uma massa tumoral, durante a quimioterapia para câncer, pode levar à acidose láctica e ser evento patológico da SLT.9
Insuficiência renal aguda
A complicação mais comum relacionada à SLT é a lesão renal aguda, resultado da precipitação nos túbulos renais de ácido úrico, cálcio, fosfato e hipoxantinas, o que gera a insuficiência renal aguda, frequentemente de natureza oligúria (inferior a 400 mL por dia) de origem obstrutiva.2,5 Isso gera sobrecarga de volume e complicações como hipertensão arterial e edema pulmonar. Os altos níveis séricos de ureia podem atingir níveis suficientes para causar pericardites, disfunções plaquetária e deficiência imunológica celular. A disfunção renal pode evoluir de tal modo que pode haver a necessidade de procedimentos de diálise em fase aguda, mas, na maioria das vezes, a evolução clínica é satisfatória com sua resolução.2,5 Ainda, pode ocorrer aumento dos níveis séricos de potássio e fósforo acarretando arritmias cardíacas e morte súbita.2,4
Algumas vezes, a SLT pode levar à síndrome de resposta inflamatória sistêmica, com alteração hemodinâmica (hipotensão) e distúrbios da coagulação, inclusive com coagulação intravascular disseminada (CIVD) e citopenias.8 Apesar da gravidade das alterações metabólicas e da disfunção orgânica, a ocorrência da SLT após o início da quimioterapia indica que a neoplasia está respondendo ao tratamento.9
Achados clínicos
Manifestações renais, cardíacas e neurológicas podem estar presentes na SLT em decorrência das anormalidades metabólicas, sendo a renal a mais frequente.2 As alterações renais decorrem da uremia, e se expressam como náuseas, vômitos e cefaleia; disúria, hematúria, e oligúria; podendo a urina tornar-se turva pela precipitação dos cristais de fosfato de cálcio.2 A hipercalemia pode ser a alteração metabólica mais precoce da SLT, e levar a consequências letais, como arritmias cardíacas e morte súbita.2,6 A hipocalcemia, que se relaciona diretamente com a hiperfosfatemia, manifesta-se por queixas neurológicas, em especial, convulsões e tetania.2
Exames complementares
Os exames complementares devem ser solicitados imediatamente à chegada do paciente e, dependendo dos achados clínicos e laboratoriais, é possível estimar o risco de ocorrência da SLT. É necessária monitorização do volume de diurese, bem como dos exames laboratoriais. Pode ser necessária a repetição dos exames a cada 2 a 6 horas.8 Desse modo, utiliza-se a classificação de Cairo-Bishop (Tabela 2) a fim de classificar o paciente e determinar o intervalo entre as repetições dos exames. Devem ser solicitados exames gerais tais como hemograma, ácido úrico, eletrólitos (principalmente cálcio, potássio e fosfato), função renal (cujas alterações estao relacionadas a maior mortalidade), função hepática, desidrogenase láctica, coagulograma, urina tipo 1, eletrocardiograma (para avaliar as frequentes arritmias) e ultrassonografia de rins e vias urinárias (para avaliar a presença de outra causa para a insuficiência renal aguda como compressão pelo próprio tumor).10
Diagnóstico Diferencial
A suspeita clínica de SLT costuma ser fácil, sendo corroborada pelos achados laboratoriais. No entanto,o diagnóstico precoce e a prevenção são desafiadores. Eventualmente, o paciente oncológico pode apresentar injúria renal aguda de outra etiologia. Além disso, algumas vezes existe algum outro fator potencializando a insuficiência renal aguda (IRA), como desidratação, sepse, uso excessivo de anti-inflamatórios (comum em pacientes com câncer), exposição recente a nefrotoxinas (como contraste iodado e aminoglicosídeos), compressão das vias urinárias pelo tumor e invasão do parênquima renal pelo tumor.4
Profilaxia
A maioria das complicações decorrentes da SLT podem ser reconhecidas em tempo hábil, assim a identificação de pacientes em risco para o desenvolvimento de SLT tornase primordial para a implantação de medidas profiláticas antes do início da terapia e, dessa forma, minimizar os danos.11 Para o tratamento mais eficaz das manifestações agudas da SLT, os pacientes devem ser tratados em unidades específicas de oncologia ou unidades de terapia intensiva que possibilitem a monitorização cardíaca contínua e, caso seja necessário, um local em que possa ser realizada a terapia renal substitutiva.11 O principal objetivo da profilaxia é prevenir o desenvolvimento de lesão renal aguda, que irá aumentar dramaticamente as manifestações biológicas de SLT, bem como suas consequências clínicas. Portanto, podem ser traçados dois desfechos primários: o controle da hiperuricemia e a prevenção de nefrocalcinose. Estas medidas devem incluir terapia de substituição renal sempre que os distúrbios metabólicos não forem controlados, até 6 horas após o início da prevenção. Além disso, se apesar da prevenção ocorrer lesão renal aguda, deve-se rapidamente iniciar a terapia extrarrenal, visando depurar o ácido úrico e os fosfatos para limitar o comprometimento renal. Pacientes com tumores muito agressivos podem apresentar hipofosfatemia e hipocalemia antes do início da sua quimioterapia, o que mostra alto risco de SLT.8
A hipovolemia é o maior risco da SLT. Dessa forma, faz-se necessária a sua correção, com reposição volêmica devendo ser iniciada antes da quimioterapia para pacientes de alto risco, e continuada por pelo menos 48 horas. Essa reposição possibilitará o aumento do volume intravascular, a taxa de filtração glomerular e o volume urinário, os quais irao proporcionar a diminuição de solutos no néfron distal e microcirculação medular. A infusão dever ser de 3L/m2 de superfície corporal, e o débito urinário deve ser de 3L/dia, salvo em casos em que a reposição volêmica nessa grandeza possua algum impedimento clínico.2
O objetivo das medidas profiláticas é aumentar o débito urinário (>2 mL/kg/min), através de hiper-hidratação (2 - 3 L/m2 de superfície corporal) e do diurético de alça, e redução dos níveis de ácido úrico. Recomenda-se que a hiper-hidratação seja feita com solução hipotônica e que se evite ofertar quantidade muito grande de NaCl. A hiper-hidratação é a única maneira de reduzir os níveis de fosfato. Vale lembrar que, uma vez instalada, a SLT é grave e potencialmente fatal.9
Há no mercado brasileiro dois agentes para redução de ácido úrico. O alopurinol, na dose de 300-900 mg/dia por via oral, que inibe a xantina oxidase e reduz o risco de cristalização de ácido úrico. Pode haver acúmulo de xantina, que, em menor grau, também pode precipitar nos túbulos renais. O alopurinol age impedindo a formação de ácido úrico, não tendo influência na quantidade de ácido úrico já existente. Dessa maneira, o seu uso deve ser iniciado de 12 a 24 horas antes do início da quimioterapia e manter-se por até 7 dias após.2 O efeito máximo da medicação ocorre após dois dias, que é o tempo que o ácido úrico já existente leva para ser excretado do organismo.
Já a rasburicase é uma enzima que converte o ácido úrico em alantoína, muito mais solúvel. A redução dos níveis de ácido úrico ocorre em quatro horas. A dose recomendada é 0,20 mg/kg/dia por cinco dias, por via venosa. Não deve ser utilizada em pacientes com deficiência de G6PD, que desenvolvem hemólise extravascular grave diante de urato-oxidase.2 A rasburicase é mais eficaz e reduz mais rapidamente os níveis de ácido úrico. A única limitação é o custo - por isso é necessário seu uso racional, com indicação precisa. O seu uso por três dias, ao invés de cinco, associado ao alopurinol (tratamento sequencial), tem resultados igualmente satisfatórios em pacientes de alto risco. Há também evidências de que doses menores, que variam de 0,02 - 0,07 mg/kg, ou fixas entre 3,0 - 7,5 mg, são igualmente eficazes.8
Não há consenso sobre o benefício da alcalinização da urina. Se, por um lado, ela reduz a cristalização de ácido úrico, por outro aumenta a precipitação de fosfato de cálcio. Portanto, não se deve alcalinizar a urina de pacientes com hiperfosfatemia ou que desenvolvem hiperfosfatemia. Os pacientes de alto risco e grande volume de doença podem, adicionalmente, receber pré-tratamento quimioterápico em dose baixa para reduzir o risco de lise tumoral ou alterar o tratamento citotóxico de modo a torná-lo menos intenso no início. Em alguns protocolos, esse pré-tratamento já está incluído.8
Alto risco
Os pacientes com doenças de alto índice proliferativo e alta sensibilidade à quimioterapia, como linfoma de Burkitt, leucemia linfoblástica aguda e leucemia mieloide aguda, são os de mais alto risco para o desenvolvimento da SLT, sendo seu preditor principal de desenvolvimento a carga tumoral; que pode ser estimada pelos níveis de desidrogenase lática (LDH), contagem leucocitária, tamanho do tumor e infiltração maciça de medula óssea.2,9
Devem ser considerados de alto risco os pacientes com linfoma de Burkitt, exceto estágio I ressecado; e, com leucemias agudas com contagem de leucócitos > 25.000/ mm3, LDH > 2 vezes o normal ou infiltração maciça de medula óssea.8
Esses pacientes de alto risco devem receber profilaxia intensiva, que inclui hiper-hidratação e uso de rasburicase. Devem também ser monitorizados com exames laboratoriais realizados no plasma, como: LDH, ácido úrico, sódio, potássio, fósforo, cálcio, ureia e creatinina; pelo menos duas vezes por dia, pelos primeiros três dias. O débito urinário deve ser monitorizado a cada quatro a seis horas.7
Risco intermediário
A lise tumoral em tumores sólidos não é um evento frequente. Os tumores com maior risco de desenvolver a SLT são os de alta sensibilidade à quimioterapia, como câncer de pulmão de pequenas células, neuroblastoma e tumor germinativo metastático. Esses são considerados de risco intermediário. Pode ser considerado um fator de risco para o desenvolvimento da SLT o grande volume tumoral, especialmente quando existem metástases hepáticas.8
A mortalidade relacionada à SLT é alta, surpreendentemente, em tumores sólidos, o que reflete no baixo índice de suspeição e o uso de medidas profiláticas menos efetivas.8
As neoplasias hematológicas de risco intermediário são os linfomas agressivos ou com grande carga tumoral e com LDH > 2 vezes o normal, tendo como exemplos: linfoma anaplásico, linfoma do manto, linfoma difuso de grandes células B, linfoma folicular 3B, linfoma T periférico. Também devem ser considerados de risco intermediário o linfoma de Burkitt estágio I, ressecado ou com LDH < 2 vezes o normal, e o linfoma linfoblástico estágio I ou II com LDH < 2 vezes o normal, assim como as leucemias agudas com LDH < 2 vezes o normal, e leucócitos < 25.000/mm3.8
Pacientes de baixo risco, porém com disfunção ou acometimento renal (que é frequente em mieloma múltiplo), devem ser classificados como risco intermediário, bem como as doenças de baixo índice proliferativo que apresentam excelente resposta ao tratamento (como, por exemplo, leucemia linfocítica crônica tratada com esquemas contendo fludarabina e rituximabe). Esses pacientes devem receber profilaxia com alopurinol e hidratação venosa. A necessidade de internação para monitorização clínica e laboratorial deve ser avaliada caso a caso.7
Baixo risco
Pacientes com outros tumores sólidos, mieloma múltiplo sem acometimento renal, linfoma de Hodgkin, leucemia linfocítica crônica tratada com agente alquilante, linfomas cutâneos e linfomas agressivos (excluindo-se linfoma linfoblástico e linfoma de Burkitt) com LDH < 2 vezes o normal são de baixo risco, e a profilaxia deve ser feita apenas com alopurinol.8
Tumores sólidos totalmente ressecados têm risco negligenciável de lise tumoral e não é necessária profilaxia.8
Tratamento
Uma vez desenvolvida, a SLT clínica é grave e potencialmente fatal. Pacientes com uricemia elevada devem ser tratados com rasburicase. A hiperfosfatemia e a hipercalemia devem ser tratadas intensivamente, com diálise se necessário.8 O tratamento mais eficaz para a hiperfosfatemia é a hidratação profusa, entretanto, a persistência de hiperfosfatemia por 4 a 6 horas após o início desta hidratação indica a terapia renal substitutiva. A prevenção de nefrocalcinose é baseada no tratamento da hiperfosfatemia e suspensão de qualquer terapia com cálcio. Deve-se considerar que a presença de hiperfosfatemia e hipocalemia concomitantemente é marca característica de deposição de cristais de fosfato.5
O tratamento é, basicamente, de suporte. A hipocalcemia assintomática ou sem repercussão eletrocardiográfica não deve ser tratada. A reposição de cálcio pode causar precipitação de fosfato de cálcio nos túbulos renais, piorando ou precipitando a SLT.9
Deve-se suspender a hiper-hidratação, uma vez que ocorre oligúria não responsiva aos diuréticos de alça, e o paciente deve ser avaliado clínica e laboratorialmente. O uso rotineiro de diuréticos não é recomendado em casos de SLT, a menos que existam sinais clínicos de sobrecarga de volume.
Não se deve postergar hemodiálise diante de hipervolemia secundária à SLT.8,9 A hemodiálise está indicada imediatamente quando a hidratação deixar de produzir a melhora no metabolismo ou quando ocorrer desenvolvimento de lesão renal aguda. A hemodiálise permitirá o controle metabólico e a proteção renal durante a SLT. O padrao de tratamento deve ser a diálise diária prolongada ou a diálise sequencial isolada seguida por hemofiltração contínua.9
CONCLUSÃO
Em malignidades recém-diagnosticadas, a SLT é complicação frequente e que ameaça a vida. O desenvolvimento de lesão renal aguda ou de distúrbios metabólicos pode levar à admissão na Unidade de Tratamento Intensivo. Todavia, é importante que o médico previna a SLT clínica, que se associa a prognóstico precário. Medidas preventivas incluindo terapia profilática de substituição renal são necessárias para prevenir ou limitar as consequências clínicas da SLT.
Contudo, a escolha ideal do momento oportuno e das modalidades de prevenção continua desconhecida e pode sofrer alterações conforme o espectro de pacientes em risco de desenvolver SLT. Desenvolvimento e validação de estratégias baseadas em risco são imprescindíveis para limitar a alta morbidade e mortalidade desta complicação.
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