RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 27 e-1896

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Artigo Original

Discussão de casos clínicos à beira do leito e a medicina de excelência

Medicine of excellence and discussion of clinical cases at the bedside

Celmo Celeno Porto

Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Medicina, Programa de Pós-Graduaçao em Ciências da Saúde. Goiânia, GO - Brasil

Endereço para correspondência

Celmo Celeno Porto
E-mail: celeno@cardiol.br

Recebido em: 01/08/2017
Aprovado em: 20/08/2017

Instituiçao: Universidade Federal de Goiás - UFG Goiânia, GO - Brasil

Resumo

É essencial para a formação médica toda a oportunidade que resulta dos encontros com o paciente e sua família seja à beira de seu leito, ou nos consultórios onde são atendidos. É onde os seus problemas são observados, examinados, com toda interação objetiva e subjetiva, e que permite abordar em sua plenitude a anamnese, exame físico, a correlação clínico-epidemiológica com a fisiopatologia, que sustentam as possibilidades para a determinação de hipóteses diagnósticas e a abordagem geral consequente. Nada substitui o contato direto com o paciente, e a oportunidade que o treinamento em serviço permite ao estudante de medicina e ao médico. As "simulações" são sempre "simulações". Medicina de excelência só é possível se o exame clínico é excelente, e este não se aprende em manequins. Por isso, é preciso disposição para o trabalho e o cuidado com a exposição do paciente e a postura, as palavras, os atos que do médico atingem ao paciente. É preciso conciliar o respeito ao paciente; e colocar como essência de tudo o humanismo, e o senso humanitário em toda a atenção médica.

Palavras-chave: Medicina; Estudantes de Medicina; Relações Médico-Paciente; Educação Médica; Humanismo.

 

Nos hospitais ou em qualquer local onde se realize o ensino prático da medicina costuma-se discutir diagnóstico e tratamento à beira do leito ou nos consultórios onde os pacientes são atendidos. Isso faz parte da dinâmica atual do ensino da medicina, em virtude da necessidade da aprendizagem prática em situações reais, ou seja, com doentes. Aliás, não há contra-argumentação: nada substitui o trabalho direto com pacientes! Por mais bem-feitas que sejam as "simulações", nunca deixarao de ser apenas "simulação". Medicina de excelência só é possível se o exame clínico é excelente, e este não se aprende em manequins.

A primeira coisa que se deve saber é que os pacientes estao sempre muito atentos a tudo que se fala a respeito deles, principalmente quando sofrem de doenças graves, ou que colocam a vida em risco. Alguns fingem que estao dormindo para ouvir melhor, mas estao prestando muita atenção em tudo que se fala!

Comentários inadequados, expressões que significam diagnósticos de doenças malignas ou incuráveis e prognósticos pessimistas podem ser fonte de grande ansiedade e sofrimento psíquico, que aumentam ainda mais o padecimento do paciente. Surge, entao, uma pergunta inevitável: como conciliar o respeito ao paciente com o ensino prático da medicina?

Em primeiro lugar, há que se ter máximo cuidado com as palavras que soam como estigmas ou sentenças de morte, como câncer, neoplasia maligna, AIDS, lepra, incurável, óbito, fatal e outras tantas, que não devem ser pronunciadas de modo inconsequente na presença de um paciente. Há momentos em que são inevitáveis, mas, entao, os médicos e os estudantes têm de escolher o momento mais oportuno e a maneira mais adequada para dizê-las. Aliás, seria melhor desenvolver o hábito de discutir diagnóstico diferencial, resultados de exames, hipóteses diagnósticas e possibilidades prognósticas em outro local, longe do paciente. Contudo, isso nem sempre é possível "ainda". Estou colocando entre aspas a palavra "ainda" porque temos de evoluir na maneira de discutir os casos para não agredir o mundo emocional dos pacientes. Aliás, devemos sempre fortalecer a esperança do paciente, seja qual for a possibilidade terapêutica, mesmo que seja apenas paliativa.

Não se deve esquecer de que, para o doente, o seu problema é sempre importante e não é raro que ele alimente o receio de não sarar ou de morrer. É nossa obrigação fazer tudo que pudermos para ajudá-lo neste momento. Palavras poderao eliminar temores e alimentar esperanças, se bem escolhidas.

Com bom senso e sabendo colocar a condição humana em primeiro lugar, ou seja, acima de qualquer outra coisa, é possível até aproveitar a discussão à beira do leito para tranquilizar o paciente, estimular suas forças e motivá-lo para lutar pela sua recuperação. Essa até poderia ser a definição de medicina de excelência: aquela que alimenta o desejo de superar uma doença e recuperar a saúde.

 

*Texto extraído da obra: Porto CC. Carta aos estudantes de Medicina. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2014. Autorizado pela Editora Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2015.