RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 23. 3 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20130063

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Relato de Caso

Inserção velamentosa do cordao umbilical: diagnóstico intraparto

Velamentous insertion of the umbilical cord: intrapartum diagnosis

Sara de Pinho Cunha Paiva1; Aluana Resende Parola2; Lorena Galev Pinheiro Rezende3; Naeme José de Sá Filho4

1. Médica Ginecologista-Obstetra. Maternidade Odete Valadares da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG). Professora Adjunto I de Ginecologia-Obstetrícia e Coordenadora do Internato de Ginecologia e Obstetrícia do Curso de Medicina do Centro Universitário de Belo Horizonte (UNIBH). Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Médica Ginecologista-Obstetra. Maternidade Odete Valadares - FHEMIG. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Acadêmica do Curso de Medicina do UNI-BH. Belo Horizonte, MG - Brasil
4. Médico Residente em Ginecologia e Obstetrícia da Maternidade Odete Valadares - FHEMIG. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Sara de Pinho Cunha Paiva
E-mail: sara.paiva@prof.unibh.br

Recebido em: 08/08/2013
Aprovado em: 30/09/2013

Instituição: UNIBH. Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde; Maternidade Odete Valadares -FHEMIG Belo Horizonte, MG - Brasil

Resumo

Relata-se a inserção velamentosa do cordão umbilical diagnosticada durante o parto gemelar normal, evento raro e com mais incidência em gestações múltiplas. É, em geral, assintomático, quando a paciente não entra em trabalho de parto, devendo a gestação ser interrompida por cesariana. A vasa prévia constitui-se em sua complicação rara, podendo ser letal. A ultrassonografia é fundamental para a realização de seu diagnóstico.

Palavras-chave: Cordão Umbilical; Vasa Previa; Complicações na Gravidez; Diagnóstico Pré-natal; Gravidez Múltipla; Ultrassonografia Doppler em Cores.

 

INTRODUÇÃO

A inserção velamentosa de cordão umbilical (IVC) ocorre quando os vasos umbilicais, sem o suporte do cordão umbilical ou da geleia de Wharton, atravessam as membranas fetais entre o âmnio e o córion antes de sua inserção na placenta. Possui incidência de 0,2-1,8%. A vasa prévia, uma complicação grave e rara da IVC, decorre da passagem dos vasos desprotegidos entre o segmento inferior do útero e a região de apresentação fetal, expondo grandes vasos fetais aos riscos de compressão e ruptura, especialmente durante o trabalho de parto.1-4 A vasa prévia possui altos níveis de mortalidade neonatal, sendo entre 50 e 60 ou 70 e 100% com membranas íntegras ou ruptura das membranas, respectivamente.3,4

A inserção do cordão umbilical ocorre em aproximadamente 99% das gestações únicas, diretamente no tecido placentário ou em sua margem, na borda placentária. A IVC acomete 1% dos casos.4 A gestação múltipla constitui-se em importante fator de risco para a inserção velamentosa, com incidência de 10% das inserções anormais do cordão umbilical.2,4

Mediante as repercussões negativas associadas associações à IVC, como aumento importante da morbimortalidade intraútero e neonatal, este relato alerta para a possibilidade e importância do seu diagnóstico precoce. Para isso, pode-se utilizar o ultrassom (US) com doppler colorido, método já consagrado em pré-natal de risco habitual.

 

RELATO DE CASO

IISR, 32 anos de idade, G3P2A0 (partos normais) com idade gestacional de 37 semanas, gemelardiamoniótica foi admitida na Maternidade Odete Valadares, em Belo Horizonte-MG, com bolsa rota identificada há poucas horas. Possuía infecção prévia do trato urinário, tratada com sucesso. O exame físico revelou que ambos os fetos - 1 e 2 - apresentavam bulhas cardiofetais com 144 bpm, tônus uterino normal, movimentação fetal presente, dinâmica uterina de 3/25’/10”. Ao toque, estava com 8 cm, colo 90% apagado, bolsa rota com eliminação de líquido aminiótico claro e o feto 1 com polo cefálico no plano 1 de Delee. A paciente evoluiu para o parto normal sem intercorrência. A bolsa rota pertencia ao feto 1 (cefálico) e o feto 2 encontrava-se em posição pélvica e com bolsa íntegra. Não se observou redução da frequência cardíaca fetal de ambos. Verificou-se, após a dequitação espontânea da placenta, que esta se encontrava íntegra e com inserção velamentosa de cordão umbilical (Figura 1). Após o parto, os recém-nascidos evoluíram bem e sem intercorrências em Enfermaria Canguru do mesmo hospital.

 


Figura 1 - Visão macroscópica da placenta no pós-parto imediato.

 

DISCUSSÃO

Várias alterações importantes já foram relacionadas à IVC, como o baixo peso ao nascimento, parto pré-termo, baixos índices de Apgar de 1º e 5º minutos, restrição do crescimento fetal (RCF), anomalias congênitas, placenta retida e frequência cardíaca anormal durante o parto. Sua complicação mais grave é a exsanguinação fetal secundária à ruptura dos vasos que estão vulneráveis.2-4 A vasa prévia é rara, mas grave, podendo ser, inclusive, letal.

São bons os resultados obtidos com a aplicação do US com doppler colorido no estudo e detecção da IVC, com sensibilidade e especificidade entre 69 e 100 e 95 e 100%, respectivamente.2,3 Sepulveda et al.6 (2003) identificaram 832 casos de IVC em gestações únicas por meio do exame de US obstétrico de rotina (US obstétrico transabdominal e doppler colorido), em gestações que se encontravam com no mínimo 16 semanas de evolução, e líquido amniótico de volume adequado para a idade gestacional. O sítio de inserção foi identificado em 825 (99%) casos e não foi possível essa identificação em sete gestações que possuíam placenta posterior. Dos oito casos de suspeita de IVC, sete foram confirmadas no pós-parto imediato.6

A IVC pode ser detectada no pré-natal, de forma confiável, por intermédio de US fetal tridimensional (3D) associado à visão multiplanar (em escala de cinza e US com doppler colorido) da superfície da inserção placentária do cordão. As imagens em 3D são de valor limitado na avaliação do local de inserção do cordão.6

Nomiyama et al.2 (998) realizaram estudo com 857 gestantes entre 18 e 20 semanas de gestação, a partir do uso de US obstétrico transabdominal com doppler. As gestantes que apresentavam IVC retornaram para novo US com 30 a 36 semanas de gestação. Nos casos em que o sítio de inserção do cordão não foi visualizado, utilizou-se estudo seriado de US transvaginal com doppler. Neste estudo foram necessários 20 segundos a mais durante o exame de rotina transabdominal de terceiro trimestre para realizar o estudo com doppler do sítio de inserção do cordão e possivelmente detecção da IVC. Esta pesquisa mostrou 100% (5/5) de sensibilidade, 99,8% (580/581) de especificidade, valor preditivo positivo de 83% (5/6) e valor preditivo negativo de 100% (580/580) para o achado de IVC.2

 

CONCLUSÃO

O diagnóstico precoce da IVC durante o pré-natal é fundamental para que a via de parto seja decidida previamente. A interrupção da gestação por cesariana deve ser realizada de forma eletiva (agendada antecipadamente), para prevenir que a paciente entre em trabalho de parto. Dessa forma, quando são identificados fatores de risco como a vasa prévia, possíveis complicações como aumento da mortalidade neonatal podem ser evitadas.3,5

A IVC não tem sido investigada em gestações únicas com US de rotina no pré-natal de baixo risco obstétrico.4 Vários estudos criteriosos sugerem que a IVC deve ser analisada também nas gestações únicas.6 O US obstétrico com doppler colorido pode detectar de forma eficiente as anormalidades no sítio de inserção do cordão umbilical. É importante, portanto, adotar a avaliação da identificação do sítio de inserção do cordão umbilical na prática pelo US obstétrico de rotina, e não somente em gestações de risco como na gemelaridade.5 O US transvaginal com doppler deve ser usado para estudo da região do colo cervical e dos segmentos baixos uterinos, para detecção de vasa prévia.2,5 Em relação ao uso do US 3D, vários estudos mostraram dificuldade de avaliação da inserção placentária do cordão quando avaliada em terceiro trimestre, em comparação à mesma avaliação no segundo trimestre. Além disso, o US 3D acarretou tempo adicional de 10 a 20 minutos.4

 

REFERÊNCIAS

1. Araújo Júnior E, Guimarães Filho AH, Pires CR, Zanforlin Filho SM. Avaliação do cordão umbilical pelo ultrassom tridimensional. Femina. 2006 jun; 34(06):417-22.

2. Nomiyama M, Toyota Y, Kawano H. Antenatal diagnosis of velamentous umbilical cordinsertion and vasa previa with color Doppler imaging. Ultrasound Obstet Gynecol. 1998 Oct;12:426-9.

3. Monteagudo A, Timor-Tritschi IE, Sfakianaki AK. Velamentous insertion of the cord in the first trimester. Ultrasound Obstet Gynecol. 2000; 16:498-9.

4. Sepulveda W, Rojas I, Robert JA, Schnapp C, Alcalde JL. Prenatal detection of velamentous insertion of the umbilical cord: a prospective color Doppler ultrasound study. Ultrasound Obstet Gynecol. 2003 May; 21:564-9.

5. Jantarasaengaram S, Suthipintawong C, Kanchanawat S, Thanagumtorn K. Ruptured vasa previa in velamentous cord insertion placenta. J Perinatol. 2007 Mar; 27:457-9.

6. Sepulveda W. Velamentous Insertion of the Umbilical Cord: A First-Trimester Sonographic Screening Study. J Ultrasound Med. 2006 April; 25:963-8.