ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Caso 11
Case 11
Juliana da Cunha Pimentel Ulhôa1; Rodolfo da Silva Paro1; André Aguiar Souza Furtado de Toledo1; Stella D'Ávila de Souza Ramos1; Ana Lúcia Cândido2; Luciana Diniz Silva2
1. Acadêmicos do Curso de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Professora do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
Luciana Diniz Silva
E-mail: lucianadinizsilva@gmail.com
Recebido em: 25/08/2013
Aprovado em: 10/09/2013
Instituição: Faculdade de Medicina da UFMG Belo Horizonte, MG - Brasil
CASO
Paciente feminina, 57 anos, natural e residente em Belo Horizonte, é atendida na Unidade Básica de Saúde com queixa de hiporrexia, emagrecimento progressivo, prostração, dor abdominal persistente e febre episódica de início há um ano e meio. Exames prévios evidenciaram pancitopenia, enzimas hepáticas alteradas e hipoalbuminemia. Presença de cães e de galinheiro no peridomicílio. Ao exame, encontrava-se afebril, com mucosas hipocoradas, pele descamativa, com diminuição do turgor e da elasticidade. Baço palpável (Boyd II). Ausência de linfadenopatia superficial.
Com base nas imagens e na história clínica, qual é o diagnóstico mais provável?
mieloma múltiplo;
leucemia mieloide crônica;
leishmaniose visceral;
enterobacteriose septicêmica prolongada.
ANÁLISE DA IMAGEM
As formas amastigotas são arredondadas e sem flagelo. Multiplicam-se exclusivamente dentro dos vacúolos de macrófagos por divisão simples.
DIAGNÓSTICO
Sinais e sintomas inespecíficos como febre, emagrecimento, prostração e citopenias, associados ou não à hepatoesplenomegalia e à história de contato com cães (reservatórios domiciliares) e aves (criadouros do mosquito vetor), sugerem o diagnóstico de leishmaniose visceral (LV), que é confirmado por amastigotas ao mielograma.1-3
Em todas as alternativas são apresentadas afecções que cursam com quadros clínicos crônicos de início insidioso, com manifestações inespecíficas e semelhantes às da LV:
No mieloma múltiplo, a dor óssea é o sintoma mais comum. Os critérios diagnósticos incluem picos monoclonais de gamaglobulinas, plasmocitose em medula óssea e lesões osteolíticas.1-3
Na leucemia mieloide crônica (LMC), ocorre alteração da celularidade da medula óssea, com aumento das linhagens mieloide e megacariocítica. O diagnóstico pode ser confirmado pela identificação de clones de célula-tronco hematopoiética com translocação entre os cromossomos 9 e 22 (cromossomo Filadélfia) (Figura 6).
A enterobacteriose septicêmica prolongada é causada pela associação entre enterobactérias, principalmente S. typhi e Schistossoma mansoni. O quadro clínico é o que mais se assemelha ao da LV e o diagnóstico é feito pelo isolamento da bactéria em hemoculturas.
DISCUSSÃO DO CASO
A leishmaniose visceral (LV) ou calazar é uma doença infecciosa sistêmica causada por protozoários do gênero Leishmania. Sua transmissão ocorre pela picada de mosquitos do gênero Lutzomyia (mosquito-palha, birigui), que regurgita as formas promastigotas do parasito presentes no seu tubo digestivo. Após inoculação na pele do hospedeiro, os protozoários alcançam o sistema reticuloendotelial e se multiplicam no citoplasma de macrófagos, sob forma de amastigotas.
O período de incubação da LV oscila entre dois e oito meses, com início insidioso e de difícil diagnóstico. A apresentação clínica varia desde assintomática e oligossintomática até o quadro clássico, crônico, caracterizado por febre, hepatoesplenomegalia, astenia, anorexia, emagrecimento, tosse, dor e aumento do volume abdominal. Diarreia, icterícia, vômito e edema periférico podem ocorrer com a progressão da doença e indicam mau prognóstico.
A LV tem ocorrência tropical e subtropical e há cerca de três décadas perdeu seu caráter eminentemente rural. Atualmente, é uma endemia em expansão urbana no Brasil e nas Américas, onde o cão é o principal reservatório. Estima-se que haja 500 mil casos novos e 50 mil óbitos a cada ano no mundo pelo calazar.
Deve se suspeitar de LV em todo indivíduo apresentando febre, mesmo episódica, e esplenomegalia associada ou não à hepatomegalia. Achados laboratoriais como pancitopenia, hipergamaglobulinemia policlonal, aumento do VHS, da proteína C reativa e de enzimas hepáticas reforçam a hipótese clínica. Os testes sorológicos são úteis, porém isoladamente não excluem o diagnóstico. A confirmação da LV somente é feita pela observação direta de amastigotas em amostras de aspirados do fígado, baço, linfonodos ou medula óssea (mielograma), sendo o último o mais indicado (sensibilidade: 85%).
A notificação dos casos suspeitos é compulsória. Estabelecido o diagnóstico, o tratamento deve ser instituído rapidamente, de preferência em centro especializado, visto que a LV é protozoose grave e potencialmente fatal. A droga de escolha é o antimonial pentavalente. Nos casos refratários ou contraindicados (gravidez, insuficiência cardíaca ou hepática) é recomendada anfotericina B, cuja forma lipossomal também é usada nos casos graves e na insuficiência renal.
A eliminação dos reservatórios e a redução dos criadouros do mosquito vetor (lixo, matéria orgânica e alojamento de animais) são estratégias preventivas da doença.
ASPECTOS RELEVANTES
a leishmaniose visceral ou calazar é uma doença infecciosa sistêmica causada por protozoários do gênero Leishmania;
geralmente, tem curso crônico, início insidioso e apresentação clínica variável, o que dificulta o diagnóstico;
o método diagnóstico padrão-ouro é o mielograma, que demonstra as formas amastigotas do parasito;
atualmente, é uma endemia em expansão urbana no Brasil e nas Américas;
o diagnóstico deve ser feito rapidamente e o tratamento realizado de preferência em centro especializado, visto que a LV é uma protozoose grave e potencialmente fatal;
para tratamento é indicado o antimônio pentavalente ou a anfotericina B.
REFERÊNCIAS
1. Pastorino AC, Jacob CMA, Oselka GW, Carneiro-Sampaio MMS. Leishmaniose visceral: aspectos clínicos e laboratoriais. J. Pediatr. (Rio J.) 2002 apr. 78( 2 ):120-7.
2. Oliveira JM, Fernandes AC, Dorval MEC, Alves TP, Fernandes TD, Oshiro ET, et al. Mortalidade por leishmaniose visceral: aspectos clínicos e laboratoriais. Rev Soc Bras Med Trop. 2010 apr; 43(2):188-93.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Leishmaniose visceral: recomendações clínicas para redução da letalidade. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.
4. Funari MFA, Guerra JCC, Ferreira E, Pasternak J, Borovik CL, Kanayama RH, et al. Mieloma Múltiplo: 50 casos diagnosticados por citometria de fluxo. Rev Bras Hematol Hemoter. 2005 mar; 27(1):31-6.
5. Etten RAV. Clinical manifestations and diagnosis of chronic myeloid leukemia. In: Basow DS, editor. UpToDate. Waltham, MA: UpToDate; 2013.
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