ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Preconceito, relações familiares e práticas de saúde em profissionais do sexo: uma abordagem qualitativa
Prejudice, familiar relations and health practices related to sex workers: a qualitative approach
Thaís Vinte de Andrade Costa1; Mariana Penna Coelho Lourenço1; Gustavo Henrique Silva Otoni1; Fernanda Parentoni Santos1; Carlos Eduardo Leal Vidala2
1. Faculdade de Medicina de Barbacena
2. Fundaçao hospitalar de Minas Gerais (FHEMIG)
Mariana Penna Coelho Lourenço
Rua Sao Leonardo Nº21, Apt202, Centro
Barbacena (MG)
(32)991060169
mari.pcl@hotmail.com
Resumo
OBJETIVO: Identificar fatores pessoais, psicossociais e da saúde das profissionais do sexo. Os temas abordados foram: preconceito, relação familiar, condições de trabalho e atendimento à saúde.
METODOLOGIA: Trata-se de um estudo qualitativo baseado em entrevistas feitas em Belo Horizonte.
RESULTADOS/DISCUSSÃO: Muitas profissionais do sexo não revelam sua profissão como forma de se protegerem do preconceito social e evitarem o distanciamento em suas relações familiares. Essas mulheres se mostraram expostas a um ambiente precário, inseguro e com condições inadequadas, onde o desgaste físico é intenso. Parte das entrevistadas acredita que o atendimento específico para elas é benéfico, embora algumas questionem se isso é preconceito. Essa divergência também foi encontrada na relação médico-paciente, pois algumas consideram os profissionais de saúde aptos a atendê-las e outras relataram que, pela discriminação, o atendimento se tornou inadequado.
CONCLUSÃO: Nota-se que o preconceito interfere nas relações familiares e na forma como as entrevistadas lidam com situações cotidianas. A negligência quanto aos cuidados de saúde, associada às precárias condições de trabalho, reforça a importância da promoção de saúde. Diante do contexto no qual essas profissionais estao inseridas, faz-se necessário maior número de pesquisas sobre esse grupo, uma vez que esse é um tema pouco explorado.
Palavras-chave: Profissionais do sexo, Preconceito, Condições de trabalho, Prostituição, Saúde da mulher.
INTRODUÇÃO
A prostituição, uma das profissões mais antigas do mundo, é definida como a atividade por meio da qual se troca a prática sexual por dinheiro.1 Ela ainda é fortemente atrelada a desonra, devassidao, corrupção e dependência, havendo um forte preconceito associado a essa prática, o que leva à exclusão social e à marginalização daqueles envolvidos com essa atividade.2 Ainda que diante das mudanças de costumes e padroes sociais vivenciadas nos últimos anos, esse cenário se manteve bastante prevalente.3
Deve-se destacar o alto grau de vulnerabilidade das prostitutas que estao expostas, frequentemente, a diferentes formas de violência e que, devido a sua profissão, apresentam condições precárias no ambiente de trabalho, extensas jornadas diárias, além de dificuldades no acesso adequado a um atendimento médico eficaz. Diante disso, as profissionais do sexo parecem apresentar saúde mais debilitada quando comparadas a outros grupos da população.4 O mito de que as doenças sexualmente transmissíveis (DST's) são o principal problema de saúde das trabalhadoras do sexo tem sido desmarcado ao longo dos anos, o que demonstra que é preciso repensar a prestação de cuidados à saúde destas.2
No Brasil ainda é difícil precisar as necessidades das profissionais do sexo, uma vez que há uma carência de estudos englobando os problemas inerentes a esse público, em parte atribuída ao estigma atrelado à profissão.
Concomitantemente, estao inseridas num meio em que são subjugadas e se tornam vítimas de violência verbal e até mesmo física. Soma-se a isso o fato que mulheres são mais propensas a desenvolver alterações psicológicas e que grandes jornadas de trabalho estao associadas a maiores taxas de ansiedade e depressão.4 Tais fatos geram dificuldades na condução de políticas e estratégias de educação em saúde no que diz respeito às concepções de saúde-doença, comportamentos preventivos para infecções e utilização dos serviços de saúde.
Dessa forma, o objetivo do presente estudo é o de identificar os aspectos pessoais, psicossociais e da saúde das profissionais do sexo, abordando as percepções e práticas de saúde das prostitutas, as relações familiares estabelecidas por elas, os preconceitos aos quais estao submetidas e, ainda, buscar o acolhimento dessas profissionais nos serviços de saúde.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo de ordem qualitativa onde se procurou avaliar as percepções das prostitutas acerca de questoes vinculadas a sua profissão. O estudo foi realizado em janeiro de 2017, em Belo Horizonte, com o apoio da Associação de Prostitutas de Minas Gerais (APROSMIG), que tem por finalidade representar as profissionais do sexo que exercem a profissão em hotéis e ruas, bem como profissionais autônomas que trabalham em diversos locais do Estado.
Para examinar diretamente as questoes propostas nas entrevistas, foram convidadas, de forma aleatória, mulheres que mostraram interesse no projeto de pesquisa, dessas foram entrevistadas 32 mulheres, maiores de 18 anos e vinculadas à ASPROMIG.
As entrevistas foram gravadas e realizadas de forma individual por dois dos autores do presente trabalho, visando garantir a homogeneidade do processo e a melhor apreensão do campo da pesquisa; foram realizadas dentro dos hotéis, após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). A entrada nos estabelecimentos foi permitida mediante autorização dos proprietários dos estabelecimentos à presidente da APROSMIG. As entrevistas tiveram duração média de 10 a 15 minutos, sendo realizadas em três dias consecutivos no centro de Belo Horizonte. Não estao inclusos nessa pesquisa: travestis, garotos de programa, transexuais e menores de 18 anos completos.
Análise de dados
Tendo em vista o objetivo estabelecido, o método qualitativo se mostra adequado ao propósito de analisar e interpretar, a partir da percepção das prostitutas, os temas abordados. No presente estudo foi utilizada a técnica de análise de conteúdo na perspectiva de compreender as práticas e a atenção recebidas nos serviços de saúde, além da influência do preconceito e das condições de trabalho, de acordo com as percepções dos sujeitos envolvidos. Esta metodologia contribui para a compreensão dos valores culturais e das representações de determinado grupo sobre temas específicos. O objetivo da investigação é transformar a informação obtida em categorias de análise.
Após gravação digital, as narrativas foram transcritas e analisadas de acordo com os seguintes passos:
1 - Preparação das informações;
2 - Transcrição na íntegra;
3 - Classificação em categorias de acordo com os principais achados;
4 - Seleção das falas mais representativas;
5 -Interpretação e análise dos resultados encontrados;
Da análise das entrevistas emergiram quatro categorias as quais, por semelhança, foram agrupadas em apenas duas mais abrangentes. As categorias foram: preconceito, subdividido em preconceito social e preconceito nas relações familiares; saúde, subdividido em condições que prejudicam a saúde e atendimento médico especial às profissionais do sexo.
RESULTADOS/DISCUSSÃO
Preconceito
Preconceito social
A discriminação vivenciada pelas profissionais do sexo tem estreita relação com a formação histórica da identidade social da mulher prostituta, que foi construída, desde o século XIX, baseada em sua condição de transgressora, na associação ao tráfico e à escravidao e na responsabilidade atribuída a tais profissionais pela disseminação das doenças adquiridas através do ato sexual.5,6
Devido a esse preconceito enraizado na sociedade e ao caráter depreciativo e pejorativo atribuídos à profissão, muitas prostitutas preferem não expor sua profissão, além de, nos hotéis, optarem pelo uso de pseudônimos, na tentativa de manter o sigilo que as protege de possíveis episódios de violência.
"Preconceito pela minha profissão não, nunca sofri. Ninguém sabe." E.8.2017
"Não fui discriminada nunca, mas porque eu não contei. Se eu contasse, com certeza." E.9.2017
Durante as entrevistas a maioria das mulheres afirmou que sente maior intolerância por parte da sociedade, do que em seus locais de trabalho. Essa segregação vivenciada se torna clara a partir do momento em que muitas se referem às suas vidas como "o mundo lá fora e o mundo aqui dentro", a parecer que existe uma barreira entre elas e o restante da sociedade.
"Eu sinto preconceito sim, na rua, aqui dentro não. Quando isso acontece eu ignoro, sorrio e viro as costas." E.10.2017
"Não. Não sofro discriminação, preconceito, violência, nada; aqui dentro não. Na rua, sim. Na rua eu trato de forma natural. Uai, você trata como bobagem, tipo assim, na rua você ignora." E.20.2017
Algumas profissionais, quando questionadas sobre as situações de discriminação, relataram que a profissão lhes trazia peso, uma vez que a imagem da prostituta foi, por muito tempo, deteriorada. Esse contexto, que liga a prostituição a conceitos como depravação e imoralidade, produz inúmeras formas de preconceito, que, por gerarem uma diminuição da pessoa como humana, suscitam, nessas mulheres, problemas psicossociais.7
"Contar o que eu faço ia acabar com minha reputação. Por isso eu não conto, eu não vou ficar aqui para sempre" E.9.2017
"Eu prefiro não contar, pra não estragar a imagem da minha família" E.8.2017
Para as prostitutas, sua profissão e suas condições de trabalho atrapalham em muito a saúde, porém percebe-se que o maior impacto vem do estigma e da discriminação impostas pela sociedade, e não propriamente do tipo de trabalho que elas exercem.
Essa clara influência que o preconceito tem sobre a saúde das profissionais surge da análise dos resultados de estudos onde a maioria das profissionais entrevistadas já se sentiu, em algum momento, excluída de seu ciclo social ou até mesmo da sociedade devido ao tipo de trabalho que exerce, trazendo para si um peso que lhe causa problemas físicos e psíquicos.8
"Sofro preconceito sim, mas não reajo, faço vista grossa. Eu não bebo, não uso drogas, cuido de mim. O pior é o preconceito. É o que mais me prejudica nesse trabalho." E.11.2017
Preconceito nas relações familiares
Fugir às regras pré-estabelecidas por padroes culturais gera conflitos e traz consequências, geralmente, estigmatizantes e segregadoras para os que desviam as normas impostas. Não se pode deixar de considerar os preconceitos socialmente constituídos por uma cultura que adotou o modelo da família patriarcal como referência para o padrao sexual, aliando-se com a dominação e subordinação decorrentes do capitalismo.9 Nesse contexto, a pressão familiar em cima das profissionais do sexo deve ser considerada, visto que estas são alvo de um preconceito crescente, e que é explicitado claramente em seus discursos.
"Minha família não faz idéia que sou puta, nunca parei para pensar como eles reagiriam, (...) porque a mae quando cria uma filha, cria para ser aquela princesinha, dondoquinha, pra casar, pra ter filhos, essas coisas todas. (...) Eu acho que nenhum familiar reagiria bem." E.7.2017
Os estigmas referentes à mulher profissional do sexo podem estar associados a um comportamento fora dos padroes estipulados socialmente, e sustentados pela figura da mulher como mae, esposa e dona de casa. Além disso, pode-se considerar a situação socioeconômica um fator relevante para o ingresso na prostituição, assim como problemas relacionados ao abandono familiar, o fim de um casamento, ou relações conflituosas com parentes próximos.6
Observa-se, em grande parte dos estudos citados neste trabalho, que a prostituição se apresenta como uma saída para a sobrevivência da mulher e de seus dependentes, ou uma forma de se obter melhores condições de vida e suprimento de necessidades básicas.
"Quando eu contei lá em casa eles não falaram nada comigo não, porque eu ajudo em casa né. Eu vim pra cá justamente por falta de dinheiro, falta do básico, do mínimo". E.18.2017
Outro ponto a se considerar, é que existe um processo de exclusão e preconceito dentro da própria família, diante da revelação da real profissão exercida por essas mulheres, o que acarreta, na maior parte das vezes, na ruptura das relações familiares de respeito, carinho e afeto, e o sentimento que surge é o de abandono e ausência de um núcleo familiar, o que gera um sentimento de angústia que faz com que a maioria opte por manter sua real profissão e identidade ocultas de seus familiares.10
"Minha família não sabe que sou prostituta, se meu pai descobrir ele me mata, e minha mae tem um infarto, ela morre (...) E tenho vergonha também né?Eu acho que não é fácil você chegar para seu pai e sua mae e falar assim: "Sou puta, garota de programa"; eu não tenho essa coragem". E.9.2017
"Sabe por que eu não conto para minha família? (...) minha família é pequena e tem muita gente mais velha (...) entao não tem porque eu contar para eles, eles reagiriam mal." E.6.2017
Percebe-se que a prostituição, para muitas mulheres, é uma fuga do ambiente familiar, onde se pode ter a liberdade da independência financeira, além de ser um meio de se conquistar carinho e afeto, muitas vezes inexistentes em casa. Essas mulheres descrevem histórias de violência e abusos que ocorrem devido à profissão, mas também relatam que esses tipos de violência ocorrem no ambiente doméstico.10
Saúde e profissionais do sexo
A conjuntura da saúde no contexto das profissionais do sexo
Ao abordar o prejuízo à saúde das prostitutas, deve-se considerar a década de 1980, que ficou marcada pelo grande número de casos de AIDS, sendo, em muito, associada a essa profissão e suas "condições de trabalho", o que fez com que a área de saúde em geral tivesse a classe das profissionais do sexo como uma de suas principais preocupações.11 Nas entrevistas realizadas com as participantes desse estudo foi possível perceber a vasta quantidade de fatores que contribuem com o prejuízo à saúde dessas mulheres.
A atividade produtiva pode comprometer a saúde do trabalhador que é exposto a agentes físicos, químicos, ergonômicos e biológicos e que, sem o monitoramento e controle destes, pode causar doenças irreversíveis e até mesmo a morte.12
Ao falar do mercado do sexo, devem ser destacados, com suma importância, os locais de trabalho dessas profissionais; chamados "hotéis" em muitos dos casos e, principalmente, em Belo Horizonte - MG, esses locais foram abordados nas entrevistas e observados pelo grupo de pesquisa. As condições de trabalho dessas profissionais são relatadas, em vários estudos, como sendo precárias13, sem ventilação adequada, com condições sanitárias deficientes, pouca limpeza e escassez de banheiros. Além disso, há presença constante de ruídos, temperaturas elevadas e baixa disponibilidade de alimentos de qualidade.
"Falta muita higiene (...)" E.10.2017
"O ventilador sujo, piora minha sinusite (...)" E.7.2017
"O lugar é muito abafado (...) e baratas, muitas baratas. Não tem higiene nenhuma aqui" E.6.2017
Devem ser destacados, também, os diversos aspectos relacionados à falta de segurança nesses locais de trabalho, o que causa tensão e medo nas profissionais, uma vez que ocorrem muitos assaltos e ameaças nesse ambiente considerado pela maioria como violento.12 Além disso, há relatos de casos frequentes em que os clientes, por estarem pagando pelo serviço, tentam impor suas vontades sobre às das profissionais.
Como a maioria dos hotéis é desprovida de segurança eficaz e a polícia dificilmente faz algum tipo de ronda nesses locais, há um aumento significativo da violência e, consequentemente, da incidência de eventos traumáticos.
Outra observação que merece destaque é a ausência de alvará ou qualquer outro tipo de vistoria/liberação por órgaos responsáveis como prefeitura e corpo de bombeiros, o que compromete a segurança de todos que frequentam os hotéis. Um aspecto importante e que merece atenção especial é o uso de drogas ilícitas, além de bebidas alcoólicas e tabaco em grande quantidade no meio profissional.13 Esse fato foi abordado pelas entrevistadas de acordo com as seguintes falas:
""Aqui o público masculino é muito machista e muito agressivo. Entao, algumas vezes a gente passa por alguns perrengues." E.1.2017
"A gente não tem segurança nenhuma (...) passei maior sufoco, fiquei morrendo de medo." E.4.2017
"Eu estou aqui por falta de serviço. Esse lugar aqui não é de brincadeira. A mulher está aqui porque não tem trabalho mais." E.11.2017
"Se eles quisessem podiam chamar a polícia e colocar dois ou três seguranças para cuidar daqui, tem dia que não tem nenhum, nem se gritar adianta." E.22.2017
Uma das queixas mais frequente entre as profissionais entrevistadas é a imensa jornada de trabalho que, de acordo com as entrevistadas, vai desde 8 até 15 horas de trabalho por dia.13 O desgaste físico relatado por elas, compromete sua vida social como um todo, inclusive essa é uma das principais razoes relatadas por essas profissionais não praticarem exercícios físicos regularmente, uma vez que o cansaço físico é demasiado.
"Muito tempo de trabalho... a jornada é longa, salto durante muito tempo, pernas ficam cansadas, ah essas coisas" E.1.2017
"Trabalha muito. Faço diária de oito da manha até nove da noite..." E.17.2017
"Minha coluna dói..." e "O que me prejudica é o cansaço, eu moro longe e acordo cedo..." E.18.2017
Dentre todos os riscos relatados e observados nos ambientes que envolvem profissionais do sexo, um dos mais temidos é o contágio de doenças sexualmente transmissíveis (DST's).12 Apesar de, através do questionário, não ter sido evidenciado nenhum relato de contato sexual sem preservativo, o perigo está sempre presente.
Há relatos de que alguns clientes durante o ato sexual removem o preservativo sem o consentimento das profissionais enquanto estas não têm contato visual com o ato, o que consequentemente pode levar à transmissão de doenças, principalmente DST's, tanto para profissional quanto para cliente, dependendo de quem tiver previamente alguma patologia. Mesmo as profissionais com todas suas subjetividades e consequentes escolhas de quem elas vao aceitar como clientes e adotando a obrigatoriedade do uso de preservativo, nunca estao totalmente protegidas.
"Agora se ela fica: ah vou cobrar mais pra chupar sem, ai ele vai, entendeu? (...) inclusive pode arrebentar, ele pode tirar o preservativo, aconteceu comigo dele tirar o preservativo (...) Só que assim né, tem uns que ficam querendo que chupe sem camisinha, quase todos... " E.7.2017
"Já aconteceu da camisinha estourar, (...) eu tomei o remédio e acabei nem indo no médico." E.2.2017 "Uso camisinha, fora isso, nada(...) é recente que comecei, nunca fui no médico depois." E.17.2017
Atendimento médico às profissionais do sexo
Na cultura brasileira, quando uma mulher se torna profissional do sexo, ela está entrando no universo da "mulher perdida".14 A representação dessas mulheres, atribuindo-lhes características transgressoras, interfere nas interações que elas terao, seja no ato de exercer seu ofício, seja no momento de buscar serviços médicos, ou mesmo em diversos âmbitos de suas vidas intimas e sociais, já discutidas nesse estudo.5 Nesse cenário, buscou-se investigar o atendimento de saúde que esse grupo recebe, se é satisfatório e se elas têm conhecimento sobre a existência do atendimento especial para as profissionais do sexo.
A justificativa para a criação desses centros de atendimento especiais para as profissionais do sexo, segundo o Sistema Unico de Saúde (SUS), baseia-se em princípios como a universalidade, a equidade, a integralidade e na participação social na criação e controle de políticas públicas de saúde. A participação popular e o desenvolvimento de mecanismos de escuta são importantes para a educação popular em saúde.11 Nesse contexto, busca-se que as comunidades identifiquem suas necessidades, com descentralização de decisões e recursos, e aproximação de médicos com grupos comunitários.14
Com relação ao conhecimento dos profissionais de saúde, a maioria das prostitutas afirmou que os médicos estao preparados para realizar o atendimento da categoria, porém existiram opinioes divergentes acerca desse ponto de vista, muitas vezes associando o atendimento médico defasado ao preconceito social.
"(Os médicos estao preparados?) Eu acho que não, porque eles, quando eles descobrem que a gente trabalha nessa vida, eles já mudam o tratamento. Tem muito preconceito envolvido." E.6.2017
Quanto ao atendimento especial, apenas uma minoria das profissionais tinha conhecimento da existência, havendo também diferentes opinioes de aspectos positivos ou negativos.
"Eles já são preparados, tem uma equipe que eles ficam treinados, eles já sabem mexer né. Tem mais atenção, orientação. Você já vai né sabendo que a pessoa já sabe o que você faz, não fica constrangida, não fica com vergonha." E.9.2017
"Tinha que ter um lugar especifico para nós, seria melhor porque o médico sabe do que a gente tá passando." E.5.2017
Entretanto, é interessante ressaltar, que embora a maioria seja a favor da existência dos centros de atendimento especial e os considere um benefício, uma parcela pequena das entrevistas questionou se a existência desses lugares não seria, em si, uma forma de preconceito.
"Não entendo porque selecionar, tinha que ser igual pra todo mundo. Eu tenho dois pontos: por um lado é bom, e por outro é um tipo de discriminação." E.18.2017
CONCLUSÃO
A análise dos aspectos qualitativos possibilitou a compreensão dos fatores, inerentes à profissão, que influenciam na saúde das profissionais do sexo, causando, nessas, problemas físicos e psíquicos.
No que se refere ao preconceito, o resultado obtido foi inesperado, uma vez que a divisão entre a discriminação dentro e fora do ambiente de trabalho revelou que essas profissionais se sentem mais seguras nos hotéis mesmo diante da maior exposição e vulnerabilidade. No âmbito familiar, a grande influência da criação conservadora e do preconceito social já instalado, gera medo, por parte das mulheres, em revelar sua atividade, o que acarreta o distanciamento dos laços familiares e ausência de apoio, levando a sentimentos de angústia, tristeza e solidao, perceptíveis nas falas das entrevistadas, prejudicando, assim, a saúde mental dessas.
As condições precárias do ambiente de trabalho e as longas jornadas as quais são submetidas comprometem o estado de saúde geral dessas profissionais a curto e longo prazo. Além disso, mesmo diante do risco de exposição a agentes biológicos, as entrevistadas se mostraram substancialmente negligentes quanto aos cuidados necessários para a prevenção de doenças e promoção de saúde.
O profissional de saúde específico para as profissionais do sexo foi bem aceito e elogiado por parte das entrevistadas, mas uma questao levantada foi se esse atendimento separado seria uma melhoria ou uma forma de discriminação. Quanto à relação médico-paciente, foram relatadas, em algumas entrevistas, abordagens inadequadas dos profissionais de saúde, sendo necessária a criação de um elo mais efetivo e acessível entre as partes.
Diante do fato de o público alvo desse estudo encontrar-se em uma situação de risco e marginalizada, faz-se necessário investimento em maior número de pesquisas voltadas a esse tema, visto a precariedade de estudos nessa área. Além dos fatores psicossociais aqui levantados, são inúmeras as questoes a serem exploradas diante desse público.
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