ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Adesão às recomendações do uso de antibioticoprofilaxia e a ocorrência de infecção do sítio cirúrgico em pacientes pediátricos
Compliance with guidelines for surgical antibiotic prophylaxis: associated factors and occurrence of surgical-site infections in a pediatric population of a tertiary hospital
José Carlos Matos1; Isabela Nascimento Borges2; Maria Aparecida Martins3; Elizabeth Barbosa França4
1. Hospital Das Clinicas Da Ufmg, Pediatria - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil
2. Hospital Das Clinicas Da Ufmg, Pronto Atendimento - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil
3. Faculdade De Medicina Da Ufmg, Pediatria - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil
4 Faculdade De Medicina Da Ufmg, Saúde Pública - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil
José Carlos Matos
E-mail: jcmatos.hc@gmail.com
Recebido em: 10/03/2018
Aprovado em: 25/06/2018
Instituiçao: Hospital Das Clinicas Da Ufmg, Pediatria - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil
Resumo
INTRODUÇÃO: As infecções de sitio cirúrgico (ISC) são eventos adversos freqüentes em todo o mundo. A antibioticoprofilaxia cirúrgica resulta em comprovada redução das taxas de infecção pós-operatória. Contudo, este uso de antibióticos ainda é inapropriado e excessivo, a despeito de recomendações bem definidas e aceitas mundialmente.
OBJETIVOS: Avaliar a adesão às recomendações para antibioticoprofilaxia cirúrgica e verificar variáveis associadas a não adesão e a ocorrência de ISC numa coorte de pacientes cirúrgicos de um hospital universitário de Belo Horizonte, Brasil, 1999 a 2001.
MÉTODO: Estudo transversal da linha de base da coorte de pacientes cirúrgicos pediátricos. A adesão ao Guia de Antibioticoprofilaxia Cirúrgica (GAC) foi avaliada quanto a indicação, tipo de antibiótico, dose, intervalo posológico, momento da administração, dose intraoperatória e duração da profilaxia. Variáveis relacionadas ao paciente, cirurgia e à equipe foram investigadas como possíveis preditoras de não adesão e da ocorrência de ISC e analisadas pela regressão logística, com nível de significância p <0,05.
RESULTADO: Foram avaliados 720 pacientes, 44% tiveram indicação de antibioticoprofilaxia e em 54% destes não houve adesão ao GAC. Foram preditores da não adesão: procedimento de urgência (OR: 5,56;IC: 2,94-10,51), índice de risco de infecção cirúrgica (OR:6,84;IC: 4,06-11,62), presença de infecção comunitária (OR:2,77; IC:1,24-6,17 ) e tempo pré-operatorio (OR: 3,79; IC:2,43-5,91). A não adesão foi fator preditor significante da ocorrência de ISC (OR: 2,79; IC:1,51-5,17).
CONCLUSÕES: Este estudo identificou inadequação na antibioticoprofilaxia cirúrgica em Pediatria. Pacientes para os quais não houve adesão ao GAC tiveram uma maior chance de desenvolver ISC.
Palavras-chave: Fidelidade a Diretrizes. Antibioticoprofilaxia. Procedimentos Cirúrgicos Operatórios. Pediatria. Infecção da Ferida Cirúrgica.
INTRODUÇÃO
A assistência cirúrgica é parte integral da atenção à saúde em todo mundo. Apesar de representarem grande avanço terapêutico,as cirurgias estao associadas a complicações e morte. As complicações mais frequentes são as infecções do sítio cirúrgico (ISC), que estao associadas ao aumento do tempo de internação pós-operatório em 7 a 10 dias e com 2 a 11 vezes maior risco de morte,1 além de duplicarem os custos assistenciais por paciente.2
Estima-se que mais que 60% das ISC possam ser prevenidas com a aplicação de recomendações baseadas em evidências científicas, especialmente com o uso da antibioticoprofilaxia cirúrgica.3,4 Esta pode ser definida como o uso de antibiótico em paciente que será submetido a um procedimento cirúrgico, para evitar a infecção do sítio operatório5,6 não tendo como objetivo evitar infecção em outros sítios corporais. Estudos têm confirmado a eficácia da antibioticoprofilaxia em reduzir a frequência e gravidade das infecções cirúrgicas,associada ao uso de medidas de controle de higiene e técnica cirúrgica meticulosa.3,4
Guias de consenso3,4,7,8 têm estabelecido que o uso adequado da antibioticoprofilaxia cirúrgica requer: a) antibióticos com espectro de ação direcionado para os micro-organismos mais prováveis; b) administração pré-operatória de antibiótico no momento adequado; c) concentrações bactericidas das drogas no soro e tecidos durante todo o período em que a incisão estiver aberta; d) duração de até 24 horas após a cirurgia e, idealmente, administração em dose única. Contudo, apesar das recomendações quanto à aplicação adequada da antibioticoprofilaxia e da comprovada redução das taxas de infecção pós-operatória em pacientes cirúrgicos, o uso de antibióticos para esse propósito ainda é inapropriado e excessivo,9,10 O uso inadequado da antibioticoprofilaxia, além de aumentar o risco de infecção cirúrgica10 pode levar a reações adversas, emergência de resistência bacteriana e sobrecarga dos serviços de saúde com custos desnecessários.5,11,12
A avaliação da adequação do uso de antibioticoprofilaxia pré-operatória é uma das formas de monitorização mais utilizada e constitui um importante indicador da qualidade da assistência ao paciente cirúrgico.13
Este estudo foi desenvolvido para avaliar a adesão às recomendações do Guia de Antibioticoprofilaxia Cirúrgica, verificar as variáveis associadas a não adesão e a sua influência na ocorrência de infecção de sítio cirúrgico (ISC) em pacientes pediátricos de um hospital universitário.
MATERIAIS E MÉTODOS
Estudo transversal inserido em uma coorte6,14 constituída por 730 crianças e adolescentes operados pela equipe de Cirurgia Pediátrica de um hospital universitário de atenção terciária e quaternária na cidade de Belo Horizonte, Brasil, no período de fevereiro de 1999 a junho de 2001. O hospital em questao é um hospital público, geral, de grande porte e referência em controle de infecção relacionada à assistência à saúde. A população da coorte original foi constituída por todos os pacientes submetidos a um único procedimento cirúrgico NNIS (National Nosocomial Infection Surveillance), conforme definição do Centers for Disease Control and Prevention (CDC)15. Os pacientes foram acompanhados pelo método de busca ativa de ISC até o 30º dia do pós-operatório, sendo registrada apenas a primeira ISC de cada paciente.Os dados foram coletados nos prontuários dos pacientes registrados na coorte6.
As variáveis dependentes foram a adesão às recomendações para uso de antibiótico profilático pela equipe de Cirurgia Pediátrica e a infecção do sítio cirúrgico, para avaliar sua possível associação com a adesão às recomendações de uso de antibiótico profilático.
As recomendações normatizadas de antibioticoprofilaxia cirúrgica em Pediatria, utilizadas na instituição, foram descritas no Guia de Antibioticoprofilaxia Cirúrgica (GAC). A adesão ao Guia foi avaliada de acordo com: 1) indicação ou não de antibioticoprofilaxia; 2) escolha do antibiótico; 3) dose; 4) intervalo entre as doses; 5) momento da administração; 6) dose intra-operatória e, 7) duração do uso do antibiótico. Classificou-se como adesão quando todas as sete recomendações foram seguidas pela equipe cirúrgica e não adesão quando qualquer uma delas não foi seguida. No caso de haver indicação da antibioticoprofilaxia, mas que não foi prescrita pelo médico, as demais recomendações não foram avaliadas e considerou-se não adesão. A equipe cirúrgica foi assim dividida: equipe A (cirurgioes professores) e equipe B (médicos residentes e demais cirurgioes). Durante a avaliação da adesão às recomendações do Guia, o avaliador ignorava quais os pacientes haviam desenvolvido infecção de sítio cirúrgico.
Para definição de infecção de sítio cirúrgico foram adotados os critérios utilizados na época, do National Nosocomial Infection Surveillance do CDC.15
As variáveis independentes foram: a) relacionadas ao paciente: gênero, idade, imunossupressão, infecção comunitária à internação e condição clínica pela classificação ASA (American Society of Anesthesiology); b) ao procedimento cirúrgico: de urgência ou eletivo, duração, potencial de contaminação da ferida operatória, IRIC (índice de risco de infecção cirúrgica); c) à equipe assistencial: tempo de internação pré-operatório, tempo pós-operatório e tipo de equipe.
Foram adotadas as definições de imunossupressão, infecção comunitária e tipos de cirurgia já descritos na literatura.6,17 As cirurgias foram classificadas pelo cirurgiao segundo o potencial de contaminação da ferida operatória em limpas, potencialmente contaminadas, contaminadas e infectadas.15
A análise estatística foi processada em duas etapas, utilizando-se o programa SPSS -Statistical Products and Service Solutions, versão 15.018. Foram realizadas análises univariada e a multivariada pelo modelo de regressão logística, sendo utilizadas como variáveis dependentes na primeira etapa, a adesão ao Guia de Antibioticoprofilaxia Cirúrgica e na segunda, a infecção de sitio cirúrgico e sua possível associação com a adesão ao Guia. A associação foi avaliada pela medida do odds ratio (OR) e intervalos de confiança (IC) de 95%. No modelo de regressão logística, utilizou-se o método de "back ward stepwise" com inclusão inicial de todas as variáveis e p<0,20 na análise univariada. Foi usado o Indice de Risco de Infecção Cirúrgica - IRIC como substituto dos parâmetros que o compoem: potencial de contaminação da ferida cirúrgica, duração do procedimento cirúrgico e a classificação ASA do paciente.3 A significância estatística considerada foi p<0,05. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da conforme recomendações vigentes.
RESULTADOS
Foram avaliados 720 pacientes da coorte inicial (excluídos 10 pacientes por insuficiência de dados). A maioria dos pacientes era do sexo masculino e com idade acima de cinco anos. Cerca de 80% das cirurgias foram eletivas e 52% classificadas como limpas, sendo a hernioplastia a mais comum. Houve predominância de pacientes saudáveis, classificados como ASA 1 e com baixo risco de infecção cirúrgica, sendo 68% com IRIC zero. Os cirurgioes da equipe A foram responsáveis por 83% das cirurgias (Tabela 1).
Ao utilizar a adesão ao GAC como variável dependente, verificou-se que dos 316 pacientes que usaram antibioticoprofilaxia, não houve adesão ao Guia em 54%, sendo consideranda inadequada a antibioticoprofilaxia cirúrgica (Tabela 2).
Foram identificadas como causas da não adesão a cada uma das sete recomendações quando avaliadas isoladamente:
Indicação da antibioticoprofilaxia cirúrgica: em 96 pacientes não houve adesão e, destes, 49% tinham indicação de receber antibiótico profilático e não o receberam.
- Escolha do antibiótico: em 22 dos pacientes não houve adesão pois o espectro antimicrobiano da droga foi menor que o recomendado.
- Doses recomendadas: em 101 pacientes as doses foram maiores (68%) ou menores que as recomendadas (33%).
- Intervalos de doses: em quatro pacientes não houve adesão, pois, o intervalo foi maior que o recomendado.
- Administração de dose intra-operatória (repique): a não adesão ao Guia ocorreu em 55 pacientes sendo que em 93% destes, o repique não foi feito mesmo sendo indicado.
- Momento de administração: verificou-se não adesão em 208 casos, dos quais em 68% o tempo de início de administração do antibiótico foi menor que 30 minutos antes da incisão, em 9% esse tempo foi maior que uma hora e em 6% o antibiótico foi iniciado após a incisão ou iniciado no pós-operatório (17%).
- Duração do uso do antibiótico: em 171 casos de não adesão, a maioria (65%) foi devida à duração maior que 24 horas.
Na análise univariada da associação entre a ocorrência de ISC e as variáveis relativas ao paciente, ao procedimento e à equipe, foi incluída a variável "não adesão ao GAC" que se mostrou significativa assim como a faixa etária, cirurgia de urgência, IRIC, potencial de contaminação, duração do procedimento, classificação ASA e equipe de cirurgioes. Observou-se associação significante da adesão com todas as variáveis consideradas nessa análise (Tabela 3).
Na análise multivariada mantiveram-se no modelo final como preditoras de não adesão ao GAC: o procedimento ser de urgência, a classificação IRIC 1 e IRIC 2, presença de infecção comunitária e tempo pré-operatório maior que 24 horas (Tabela 4). Verificou-se associação entre a não adesão às recomendações do GAC e a ocorrência de ISC, sendo significativas a faixa etária menor que 28 dias e classificação IRIC 1 e 2 (Tabela 5).
Uma vez que a não adesão reflete a não concordância com uma ou mais recomendações do GAC, os casos de não adesão foram categorizados conforme a frequência do número de recomendações como não adesão, variando de uma a cinco recomendações (número máximo de recomendações sem adesão observadas em um mesmo paciente). A associação entre o número de recomendações por paciente, para as quais não houve adesão e a ISC indica uma tendência linear, com aumento do odds ratio proporcional ao aumento do número de recomendações sem adesão ao GAC (Figura 1).
DISCUSSÃO
O uso inadequado de antibioticoprofilaxiacirúrgica, evidenciado pela alta taxa de não adesão ao GAC (54,3%), foi constatado neste estudo. Comparações com outros hospitais são difíceis, pois os estudos geralmente são feitos em adultos e há diferenças metodológicas quanto ao número de recomendações avaliadas, tipo de população e de procedimentos cirúrgicos. Tal fato gera uma ampla faixa de variação com taxas de não adesão de 35% (EUA)18, 56,7% (Alemanha)19 e 96,5% (Espanha).9 Uma revisão sistemática, usando a metodologia do Cochrane Collaboration, incluiu 18 estudos e identificou significativas variações da adesão tais como: indicação apropriada de antibioticoprofilaxia (variou de 70,3% a 95%), indicação inapropriada (2.3% a 100%), administração de antibiótico no momento correto (12.73% a 100%), escolha correta do antibiótico (22% a 95%), descontinuação adequada da antibioticoprofilaxia (5.8% a 91.4%), e antibioticoprofilaxia adequada (variou de 0.3% a 84.5%). Ressalta-se que todos os estudos analisados indicavam a necessidade de maior adesão aos guias de antibioticoprofilaxia cirúrgica20.
A seleção inapropriada do agente antibiótico, o momento inexato de administração da primeira dose, o uso da droga por mais que 24 horas e a omissão da dose intraoperatória têm sido identificados como os erros mais comuns na prescrição da antibioticoprofilaxiacirúrgica5. No presente estudo, as taxas de adesão foram menores para as recomendações quanto à dose (68%), duração da antibioticoprofilaxia (46%), repetição da dose intraoperatória (36%) e o momento da administração (34%). Doses maiores que as recomendadas foram administradas a 67% dos pacientes e doses menores em 0,5%. Como as doses usadas para antibioticoprofilaxia cirúrgica geralmente são as mesmas para tratamento, deve-se atentar para o risco de toxicidade quando essas doses ultrapassarem os limites recomendados, especialmente em pacientes instáveis e submetidos à anestesia geral.
As recomendações para o momento de administração da primeira dose, encontradas nos guias disponíveis na litaratura, variavam desde infusão completa dentro de 30 minutos antes da incisão da pele 4,8 até a completa infusão logo antes da indução anestésica3 ou à infusão logo antes da incisão da pele.7 A intenção é prover um intervalo de distribuição ideal da droga, da corrente sanguínea para o tecido a ser incisado. A hora exata do início de administração da droga é um dado difícil de ser obtido, sendo relatado por alguns estudos de falta de dados em até 50% dos casos,21 quando não houve observação direta do procedimento. Essa mesma dificuldade foi encontrada neste estudo.
Ações como definição de funções na sala de cirurgia, principalmente o responsável pela administração do antibiótico profilático contribuem para a adequação da antibioticoprofilaxia cirúrgica. Em um estudo em que os anestesistas eram os responsáveis pela antibioticoprofilaxia, constatou-se 100% de adesão para a variável "momento de administração" (momento da indução anestésica) confirmando a importância dessas ações.22
Em relação aos fatores associados de forma independente com a não adesão às sete recomendações do Guia, o achado de procedimentos realizados na urgência se deve provavelmente à dificuldade inicial de ser identificado o risco real de infecção, muitas vezes superestimando ou negligenciando as recomendações para profilaxia cirúrgica. Davenport et al.23 demonstraram uma associação entre atendimento de urgência e pacientes operados à noite ou nos fins de semana, com não adesão às recomendações para antibioticoprofilaxia. Nessas situações de urgência, nas quais a cirurgia deve ocorrer no menor tempo possível após a admissão, é muito comum que a equipe cirúrgica só se lembre do antibiótico após garantir a abordagem operatória.
A associação de infecção comunitária com a não adesão provavelmente se deve à prática de não administrar antibioticoprofilaxia cirúrgica a pacientes que já estejam em uso de antibiótico terapêutico para infecção em outro sítio. Por outro lado, o tempo de internação pré-operatório maior que 24 horas, pode ter influenciado na adesão devido à gravidade clinica dos pacientes e uso prévio de antibioticoterapia. Alguns pacientes foram admitidos com doenças inicialmente não cirúrgicas, tendo evoluído com complicações que necessitaram de tratamento operatório.
A identificação do IRIC como fator independentemente associado a não adesão permitiu verificar que à medida que aumentou o risco de ISC categorizado pelo IRIC, diminuiu a adesão ao Guia de Antibioticoprofilaxia Cirúrgica. Inicialmente isso pode parecer contraditório já que as variáveis que compoem o IRIC são as mesmas usadas para a indicação ou não de antibiótico profilático. No entanto, a forma como as variáveis são associadas no IRIC, reduz a importância do potencial de contaminação, fazendo com que não haja relação linear entre o IRIC e a adesão às recomendações. Apesar de o IRIC ser considerado por alguns autores4 melhor preditor do risco de infecção que o potencial de contaminação de ferida operatória, não seria um bom parâmetro para as recomendações para antibioticoprofilaxia, pois o efeito protetor do uso do antimicrobiano tem influência apenas sobre a redução da contaminação bacteriana, não sendo claramente evidenciada por essa classificação.15
A identificação do IRIC 1 e do IRIC 2 como associados à não adesão ao Guia deve-se principalmente ao maior número de pacientes que usaram antibiótico profilático nestas duas classificações nas quais se encontram a maioria dos pacientes com ferida limpa ou potencialmente contaminada, independentemente da duração do procedimento ou da gravidade do estado clínico do paciente.
A associação entre não adesão a cada uma das sete recomendações para antibiticoprofilaxia isoladamente e ISC não foi identificada neste estudo. No entanto, quando consideradas em conjunto, à medida que houve aumento do número de recomendações para os quais não houve adesão, verificou-se tendência a maior chance de desenvolver infecção cirúrgica. Isso sugere que a não adesão ao conjunto das 7 recomendações que constituem o Guia mostra uma contribuição aditiva da não adesão a cada recomendação para a ocorrência de ISC. Assim, diferente da simples administração de um antibiótico a um paciente cirúrgico, a antibioticoprofilaxia de ISC deve ser reconhecida como um conjunto de práticas, com recomendações bem definidas e com algum grau de interdependência para sua eficácia. Nenhuma medida preventiva contribui mais para prevenir as ISC do que o uso do antibiótico profilático,3,4 observando-se importante redução nas taxas de infecção quando recomendações baseadas em evidência científica são adotadas. Verifica-se que à medida que essa adesão aumenta ocorre também redução nas reações adversas às drogas, na mortalidade e custos.3,13
A inclusão da duração da antibioticoprofilaxia como critério de definição de adesão pode ter aumentado a força da não adesão e influenciado a análise da associação da adesão como variável preditora de ISC. No entanto, considerando que a duração do uso do antibiótico acontece após o fechamento da incisão, dificilmente estaria relacionada ao desenvolvimento de uma infecção. Diante disso, foi realizada análise dos dados com exclusão da duração da antibioticoprofilaxia e verificou-se que foi mantida a associação entre não adesão e ISC.
Na avaliação da adesão ao GAC foram consideradas recomendações universalmente aceitas e as condutas particulares do serviço. Recomendações adotadas na instituição na época, como a indicação de antibioticoprofilaxia para cirurgias contaminadas e a duração do uso do antimicrobiano por tempo igual ou maior que 24 horas7,10 não são mais usadas. Os critérios do NNIS/CDC15 para definição de ISC foram substituídos pelos critérios do National Healthcare Safety Network-NHSN16 do CDC, mas optou-se neste estudo por manter a terminologia recomendada à época da realização da coorte.
Foi investigada a associação entre a não adesão ao conjunto de recomendações e o desenvolvimento de ISC, com controle de outros fatores preditores de ISC relacionados ao paciente e ao procedimento cirúrgico. A associação entre a não adesão às recomendações do Guia e a ISC foi confirmada na análise multivariada, com controle dos fatores de confusão. Apesar do desenho transversal do estudo, pode-se estabelecer claramente que as exposições estudadas como possíveis fatores preditores ocorreram anteriormente aos efeitos, tais como a não adesão e a infecção do sítio cirúrgico.
CONCLUSÕES
Este estudo permitiu identificar a inadequação do uso de antibioticoprofilaxia cirúrgica em pacientes pediátricos na instituição, com prejuízos no efeito protetor da administração pré-operatória de antibióticos na prevenção das infecções do sítio cirúrgico. Procedimentos cirúrgicos de urgência, tempo pré-operatório, classificação IRIC do paciente e presença de infecção prévia foram fatores significativamente associados ao uso inadequado do GAC. Pacientes para os quais não houve adesão ao Guia de Antibioticoprofilaxia Cirúrgica tiveram uma maior chance de desenvolver infecção do sítio cirúrgico que os pacientes para os quais o Guia foi usado corretamente.
Dessa forma, uma intervenção dirigida para os fatores relacionados à assistência do paciente pediátrico cirúrgico identificados neste estudo poderá contribuir para maior adesão às recomendações do Guia de Antibioticoprofilaxia Cirúrgica e provavelmente reduzir as taxas de infecção do sítio cirúrgico na instituição.
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