RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 27 e-1897 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20170085

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Artigo Original

Síndrome de Brown-Séquard em associação à síndrome de Horner

Brown Sequard Syndrome In Association With Horner Syndrome

Ana Flavia Moura Dias; Pedro C. Benevides; Rodrigo Moreira Faleiro, Marco Túlio Reis

Hospital Joao XXIII, Neurocirurgia - BELO HORIZONTE - Minas Gerais - Brasil

Endereço para correspondência

Ana Flavia Moura Dias
E-mail: anaflaviam.dias@hotmail.com

Recebido em: 29/10/2017
Aprovado em: 24/11/2017

Instituiçao: Hospital Joao XXIII, Neurocirurgia

Resumo

O trauma raquimedular (TRM) é uma importante causa de incapacidade, sendo constatado uma incidência média de 21 pacientes por milhao de habitantes por ano por uma revisão sistemática realizada nas cinco regioes do pais em. Em Belo Horizonte essa incidência chegou a 26 pacientes por milhao por ano. Trata-se de AFC, 28 anos, que foi encaminhado com urgência para o Hospital Joao XXIII com história de agressão por arma branca (um facao) na regiao supra clavicular esquerda no dia 22/10. Ao exame neurológico o paciente encontrava-se consciente, orientado e com hemiplegia á esquerda. Anestesia tátil e vibratória á esquerda (lesão do trato corticoespinhal e fascículo grácil e cuneiforme) e preservada á direita, além de anestesia térmica/dolorosa contralateral a hemissecção (lesão do trato espinotalâmico), que configuram a síndrome de Brown Sequard completa. Foi realizada tomografia computadorizada da coluna que evidenciou fratura de lâmina de T1. A ferida lacerante foi suturada e paciente manteve quadro estável por 5 dias. Após 7 dias da admissão hospitalar constatou-se anisocoria com pupila miótica à esquerda e ptose de pálpebra também a esquerda, que configura a síndrome de Horner concomitantemente. Foi realizada punção lombar constatando liquor hemorrágico e com alta celularidade, iniciado antibioticoterapia com Meropenem e Vancomicina. Relata-se a correlação anátomo-clínica de paciente vitima de TRM aberto, com síndromes associadas, de hemissecção medular e Horner. Ressalta-se a importância dos conhecimentos em neuroanatomia.

Palavras-chave: Síndrome de Brown-Séquard. Síndrome de Horner. Traumatismos do Sistema Nervoso.

 

INTRODUÇÃO

O trauma raquimedular (TRM) é uma importante causa de incapacidade.1 Botelho et al.1 realizaram uma revisão sistemática de artigos epidemiológicos das 5 regioes do Brasil (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste) e constataram que o TRM tem incidência média de 21 pacientes por milhao de habitantes por ano. Em Belo Horizonte essa incidência chegou a 26 pacientes por milhao por ano.1 Segundo o Advanced Trauma Life Support (ATLS), 55% das lesões traumáticas na coluna ocorrem na regiao cervical.2

No estudo supracitado constatou-se incidência de trauma no segmento cervical de 36,6% (em Belo Horizonte esse número chega a 62,9%).2 Uma explicação para esta maior suscetibilidade cervical é de sua situação entre dois segmentos de atípica mobilidade, a coluna torácica inferiormente e o crânio superiormente, que representa um estresse mecânico considerável nos mecanismos de flexão e extensão.1,2 Outra justificativa deve-se à maior exposição desse segmento raquiano, mais sujeito a traumas penetrantes quando comparado a outras regioes.3

Segundo o estudo de Campos et al.,3 em que foram avaliados 100 casos de trauma vertebral no Brasil em 2008, as principais causa do trauma cervical foram quedas gerais (30,6%), queda de laje (27,8%), acidente automobilístico (19,4%), ferimento por arma de fogo (11,1%), mergulho em águas rasa (8,3%) e agressões (2,8%).

Segundo Botelho et al.,1 as principais causas de lesão cervical em Belo Horizonte foram acidentes de carro (39,8%), quedas em geral (34,8%), mergulho em águas rasas (7,2%), ferimentos por arma branca (0,8%), dentre outras.

O TRM pode ser classificado em aberto ou fechado.4 Pretende-se com o estudo em questao apresentar um caso de trauma cervical aberto com quadro clínico evidenciando simultaneamente as síndromes de Horner e Brown-Séquard.

 

RELATO DE CASO

Trata-se de A.F.C., gênero masculino, 28 anos, natural e proveniente de Inhapim, Minas Gerais, profissão lavrador, encaminhado com urgência para o Hospital Joao XXIII em Belo Horizonte com história de agressão por arma branca (um facao) na regiao supraclavicular esquerda no dia 22/10.

No exame neurológico, encontraram-se os seguintes achados no paciente: consciente, orientado e com hemiplegia à esquerda (força grau 0). Anestesia tátil e vibratória à esquerda (lesão do trato corticoespinhal e fascículo grácil e cuneiforme) e preservada à direita, além de anestesia térmica/dolorosa contralateral a hemissecção (lesão do trato espinotalâmico), que configuram a síndrome de Brown-Séquard completa.4

Após estabilização inicial segundo diretrizes do ATLS, foi realizada tomografia computadorizada da coluna que evidenciou fratura de lâmina de T1 (Figura 1), e angiotomografia de vasos cervicais foi normal. A ferida lacerante foi suturada e o paciente manteve quadro estável por 5 dias. Posteriormente, foi constatada saída de secreção purulenta da lesão, hiperemia e dor em ombro esquerdo, além de febre e rigidez de nuca.

 


Figura 1. Tomografia evidenciando fratura do processo espinhoso T1 (seta branca).

 

Os achados clínicos do paciente, o mecanismo do trauma e conhecimentos anatômicos sugerem a síndrome de Brown-Sèquard (paresia ipslateral a lesão, rompimento das fibras dos tratos grácil e cuneiforme, que levaram a anestesia proprioceptiva ipsilateral, e lesão do trato espinotalâmico com conseqüente anestesia dolorosa e térmica contralateral). Contudo o fator interessante no caso em questao é a detecção de outro achado, a síndrome de Horner.(Figura 2)

 


Figura 2. Raio X evidenciando fratura de coluna cervical (seta branca).

 

Após 7 dias da admissão hospitalar, constatou-se também anisocoria com pupila miótica à esquerda e ptose de pálpebra também à esquerda, que configura a síndrome de Horner concomitantemente. Foi realizada punção lombar constatando líquor hemorrágico e com 75 células/mm3 e iniciada antibioticoterapia com Meropenem e Vancomicina.

 

DISCUSSÃO

Os achados clínicos do paciente, o mecanismo do trauma e conhecimentos anatômicos sugerem a síndrome de Brown-Séquard (paresia ipsilateral à lesão, rompimento das fibras dos tratos grácil e cuneiforme, que levaram à anestesia proprioceptiva ipsilateral, e lesão do trato espinotalâmico com consequente anestesia dolorosa e térmica contralateral). Contudo, o fator interessante no caso em questao é a detecção de outro achado, a síndrome de Horner.

O sistema simpático tem origem no hipotálamo lateral ventral (com um neurônio de primeira ordem) e suas fibras descem ipsilateralmente até a medula, onde fazem sinapse com neurônios pré-ganglionares localizados na coluna lateral da medula torácica alta (T1 e T2).5 As fibras pré-ganglionares (neurônio de segunda ordem) emergem com as raízes ventrais e ascendem para fazer sinapse no gânglio cervical superior.5,6

Após a sinapse, as fibras pós-ganglionares (neurônio de terceira ordem) acompanham o nervo e plexo carotídeo interno e entram no crânio juntamente com a artéria carótida interna até o seio cavernoso, onde estas se destacam e passam pelo gânglio ciliar - sem fazer sinapse, chegando no bulbo ocular para, finalmente, inervarem o músculo dilatador da pupila.6

Devido a esse trajeto, quando acontece uma lesão cervical com consequente interrupção de fibras do tronco simpático do mesmo lado, desenvolve-se um quadro denominado síndrome de Horner. Essa é manifestada pelos seguintes sinais: miose - constrição da pupila, ptose - queda da pálpebra, hiperemia cutânea, aumento da temperatura da pele e anidrose da hemiface ipsilateral - ausência de sudorese.4,6

A constrição pupilar acontece porque não há oposição com estimulação simpática ao músculo esfíncter da pupila, que se encontra estimulado apenas pelo sistema parassimpático.6-8 Já a ptose, trata-se de uma consequência da paralisia das fibras musculares lisas que são interdigitadas com a aponeurose do músculo levantador da pálpebra superior - formando o músculo tarsal superior, que é inervado por fibras simpáticas.7,8

 

CONCLUSÃO

Relata-se a correlação anatomoclínica de paciente vítima de TRM aberto, com síndromes associadas, de hemissecção medular e Horner. Ressalta-se a importância dos conhecimentos em neuroanatomia.

 

REFERENCIAS

1. Botelho RV, Albuquerque LDG, Bastianello Junior R, Arantes Júnior AA. Epidemiology of traumatic spinal injuries in Brazil: systematic review. Arq Bras Neurocir. 2014;33(2):100-6.

2. Colégio Americano de Cirurgioes. Trauma Vertebromedular. Suporte Avançado de Vida no Trauma (ATLS®). 8ª ed. Chicago: Colégio Americano de Cirurgioes; 2009.

3. Campos MF, Ribeiro AT, Listik S, Pereira CAB, Sobrinho JA, Rapoport A. Epidemiologia do traumatismo da coluna vertebral. Rev Col Bras Cir. 2008;35(2):88-93.

4. Rocha MA, Rocha Júnior MA, Rocha CF. Neuroanatomia. Rio de Janeiro: Revinter; 2003.

5. Goldman L, Ausiello D. Cecil Medicina - Tratado de Medicina Interna. 23ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2009.

6. Machado ABM. Neuroanatomia funcional. 2ª ed. São Paulo: Atheneu; 2006.

7. Alves JMSRO, Peixoto P, Ferreira N, Martins R, Correia J, Silva F, Sousa C. Síndrome de Brown-Séquard por hérnia discal cervical a duplo nível: caso clínico e revisão da literatura. Coluna/Columna. 2012;11(3):245-6.

8. Moore KL. Anatomia Orientada para a Clínica. 6ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2012.