ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Defeito do septo átrio ventricular em adulto portador de trissomia do 21
Case report defect of the septure ventricular atrial in adult trissomy carrier of 21
Roberto Magno Oliveira1; Leonardo Baltazar2; Adriane Maria Damasceno Pinto3; Ana Flavia Moura Dias3
1. Médico Cardiologista. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Médico e preceptor da residência de cardiologia no Hospital Santa Casa da Misericórida de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG- Brasil
2. Médico. Clínico Médico. Residente em cardiologia do Hospital Santa Casa da Misericórdia de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG- Brasil
3. Acadêmicas da FAMINAS BH e internas do Hospital Santa Casa da Misericórdia de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG- Brasil
Ana Flavia Moura Dias
E-mail: anaflaviam.dias@hotmail.com
Recebido em: 24/10/2017
Aprovado em: 24/11/2017
Instituiçao: Santa Casa, departamento de Cardiologia - BELO HORIZONTE - Minas Gerais - Brasil
Resumo
INTRODUÇÃO: Dos pacientes com Síndrome de Down que possuem cardiopatias congênitas, metade possuem defeitos no septo atrioventricular, em associação de comunicação interatrial, comunicação interventricular e a persistência do canal arterial.
DESCRIÇÃO DO CASO: M.N.S, 42 anos, portador de trissomia do 21. Encaminhado para a cardiologia, dia 07/09/16, para realização do cateterismo cardíaco após dor torácica recorrente e sopro sistólico. Na admissão, referiu precordialgia, com intensidade forte e duração de um dia, sem irradiações e fatores desencadeantes.Possui histórico de internações recorrentes de dor precordial e história familiar marcante de cardiopatias. Na avaliação clínica, encontrou-se sopro sistólico panfocal acentuado pela manobra de Rivero-Carvallo e diminuído com a manobra de Valsalva, confirmando sobrecarga de câmaras direitas. Realizou-se CATE de câmaras direitas e esquerdas no dia 09/09, onde conclui-se a presença de defeito septo AV de forma intermediária, hipertensão arterial pulmonar, hiperfluxo pulmonar, dilatação moderada da artéria pulmonar, aumento das dimensões do átrio esquerdo e constatou-se que o retorno venoso dá-se para átrio esquerdo por uma comunicação interatrial ampla. Foi submetido à correção cirúrgica no dia 19/09/16, onde foi realizado plastia da valva mitral, correção da comunicação interatrial ostium primum com remendo pericárdico bovino e o fechamento do forame oval. Após a cirurgia, foi encaminhado para o CTI, onde permaneceu estável, sendo extubado no dia 21/09.Recebeu alta do CTI no dia 26/09 e encaminhado para a enfermaria para cuidados pós-cirúrgicos.
CONCLUSÃO: É possível concluir que o despreparo de pequenos centros urbanos faz com que o serviço de saúde se direcione para os grandes centros urbanos e como muitas vezes isso não é possível, o diagnóstico
Palavras-chave: Cardiopatias Congênitas; Síndrome de Down; Trissomia.
INTRODUÇÃO
Sabe-se que a síndrome de Down (trissomia do cromossomo 21) constitui uma das alterações cromossômicas mais frequentes, caracterizada pela presença de microgenia, macroglossia, epicanto, fissuras pálpebras oblíquas, membros mais curtos, única prega palmar transversal, tônus muscular hipotônico, retardo mental e dificuldades de aprendizagem.1 Além das alterações fenotípicas citadas, 43%-60% dos portadores datrissomia do 21 apresentam cardiopatias congênitas comumente corrigidas cirurgicamente.1,2 Estima-se que 4 a 50 lactentes entre 1000 nascimentos possuirao essa alteração, sendo a maior causa de mortalidade infantil nos Estados Unidos e a segunda no Brasil.3
O aperfeiçoamento das técnicas cirúrgicas e o diagnóstico precoce das cardiopatias tem proporcionado um aumento de sobrevida destes pacientes, passando de 25 anos em 1983, para 49 anos em 1997 e até 60 anos em 2007.1,4 Nos Estados Unidos, existem um milhao de pacientes adultos com cardiopatias congênitas e, no México, estima-se 300.000 casos em adultos, tendo um aumento anual de 15%.4
Dos pacientes com síndrome de Down com cardiopatias congênitas, metade possui defeitos no septo atrioventricular (DSAV), imprimindo uma alta mortalidade nesses pacientes e apenas 2,8% a apresentam de modo isolado.3 Comumente, encontra-se associação de comunicação interatrial (CIA), comunicação interventricular (CIV) e a persistência do canal arterial (PCA).3,5
Além disso, estudos comprovam que portadores da trissomia do 21 podem apresentar alterações estruturais pulmonares precoces (alterações microvasculares) e hipertensão pulmonar, devido ao fluxo sanguíneo da esquerda para direita, que ocasiona um hiperfluxo intrapulmonar e piora da hipertensão pulmonar.5
O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi devidamente assinado pelo responsável legal do paciente. Esse relato de caso visa reforçar o diagnóstico de DSAV, demonstrar como é o manejo cirúrgico e a recuperação pós-operatória desses pacientes adultos com síndrome de Down.
RELATO DE CASO
Paciente M.N.S., 42 anos (DN: 12/03/1974), sexo masculino, natural de Bambuí e residente de Piumhi, com os pais. Foi encaminhado para o serviço de Cardiologia da Santa Casa, no dia 7 de setembro de 2016, para realização do cateterismo cardíaco (CATE) após consulta com um cardiologista particular devido a dor torácica recorrente e sopro sistólico. Durante a consulta de admissão, referiu precordialgia duas vezes por semana, com intensidade forte, duração de um dia, sem irradiações e fatores desencadeantes, acompanhada de episódios de palpitações. Não fazia uso de medicações para alívio do sintoma, permanecendo apenas em repouso.
Possui uma história prévia de hérnia em regiao mesogástrica sem correção, diabetes mellitus sem tratamento e histórico de internações recorrentes devido a quadro de pneumonia e dor precordial. Portador de trissomia do 21, nega intervenções cirúrgicas e possui alergia a penicilina-benzatina. Além disso, existe uma história familiar marcante de cardiopatias, com mae hipertensa e portadora de fibrilação atrial, pai com coágulo cardíaco, tios/tias maternos e paternos cardiopatas (quatro já falecidos com as idades 56, 40, 28 e 17 anos), avós paternos/maternos cardiopatas e sobrinho com DSAV. Nega tabagismo e etilismo.
Paciente já havia realizado o ecocardiograma no dia 18 de agosto de 2016, que evidenciou uma fração de ejeção de 65%, ventrículo direito maior que 35 mm, ventrículo esquerdo em sístole com 29 mm e volume sistólico de 33 ml. Além disso, foi detectado um defeito no septo atrioventricular de forma intermediária, comunicação interatrial ostium primum amplo, valva atrioventricular única com dois orifícios com refluxo moderado, aumento de câmaras direitas e hipertensão pulmonar (PASP 48 mmHg) (Figuras 1 a 4).Foi realizado CATE de câmaras direitas e esquerdas para mensuração de gradientes pressóricos no dia 9 de setembro de 2016, pelo qual concluiu-se a presença de defeito septo AV de forma intermediária, hipertensão arterial pulmonar e hiperfluxopulmonar (Figura 5). Ao injetar contraste pelo ramo esquerdo da artéria pulmonar, observou-se uma dilatação moderada desse ramo e constatou-se que o retorno venoso dá-se para átrio esquerdo (Tabela 1). No atriograma esquerdo, observou-se um aumento das dimensões dessa câmara e a passagem de contraste para o átrio direito através de uma ampla comunicação interatrial (Tabela 2).
Sua revisão laboratorial do dia 9 de setembro de 2016 apresentou os seguintes resultados (Tabela 3).
No dia 15 de setembro de 2016, foi realizada uma avaliação clínica no paciente, encontrando-se sopro sistólico panfocal acentuado pela manobra de Rivero-Carvallo e diminuído com a manobra de Valsalva, confirmando sobrecarga de câmaras direitas. Apresentava os seguintes dados (Tabela 4):
No dia 19 de setembro o paciente foi submetido à correção cirúrgica e no momento da cirurgia foram encontradas algumas alterações, como um aumento moderado-importante das suas dimensões, com contratilidade preservada, ampla comunicação interatrial do tipo ostium primum, pequena comunicação interventricular de via de entrada dos ventrículos e insuficiência moderada da valva atrioventricular esquerda.
Para estabelecer a intervenção sugerida para as correções, foi realizada esternotomia longitudinal mediana e pericardiotomia longitudinal com heparinização sistêmica. Provocou-se uma hipotermia a 28°C e parada cardíaca com cardioplegia cristaloide gelada na raiz aórtica. Para correção da valva mitral, realizou-se a plastia da mesma através de uma atriotomia direita longitudinal. Realizou-se também a correção da comunicação interatrial ostium primum com remendo pericárdico bovino e o fechamento do forame oval. Paciente saiu da parada cardíaca em ritmo sinusal, fez-se a reversão da heparinização, inseriu-se dreno no mediastino e fio marca-passo provisório no epimiocárdio do ventrículo direito.
Após a cirurgia, foi encaminhado para o CTI, onde permaneceu estável, sendo extubado no dia 20/09/16. Porém, apresentou rebaixamento por narcose e foi necessário reintubá-lo no mesmo dia. No dia seguinte, despertou com melhora do sensório, e foi extubado novamente. No dia 23/09/16, apresentou-se taquipneico, com secreção purulenta de vias aéreas superiores e pico febril, sendo iniciada a administração de Tazocyn diluído no soro fisiológico de 6/6horas para tratamento de pneumonia.
No dia 26/09/16 o paciente recebeu alta do CTI, e foi encaminhado para a enfermaria para recuperação e cuidados pós-cirúrgicos. A ferida cirúrgica apresentava-se com bom aspecto geral, ausência de edemas e sinais flogísticos. Já estava com dieta liberada, suas eliminações fisiológicas estavam preservadas e a tosse já estava diminuindo, sem mais picos febris. Realizou-se o rastreio de diabetes para confirmar a afecção referida em anamneses anteriores, por meio de aferição de glicemia capilar de 6/6horas e glicohemoglobina.
DISCUSSÃO
A comunicação interatrial (CIA) é caracterizada por um shunt esqueda-direita, que varia de acordo com o tamanho do defeito, diferença de pressão e de resistência vascular pulmonar, podendo ocorrer em associação com outras alterações da anatomia cardiovascular ou isoladamente.
As apresentações dos defeitos do septo atrial são decorrentes de defeitos no desenvolvimento embrionário, sendo um deles a persistência do óstio primum.6 Quando o paciente apresenta essa alteração, uma abertura irá permanecer entre as câmaras cardíacas, próximo ao assoalho dos átrios, sendo impossibilitado seu fechamento. Normalmente, está associada a outras anomalias decorrentes de defeitos dos coxins atrioventriculares, como válvulas mitral e tricúspides anormais.7,8
Essa cardiopatia pode ser suspeitada em crianças que apresentam sopro cardíaco ao exame físico. E, para confirmar o diagnóstico, é importante efetuar uma avaliação cardíaca mais ampla.8 Porém, os pacientes podem permanecer assintomáticos por um longo período de tempo, o que torna essa cardiopatia frequente em pacientes adultos.7,8
O paciente supracitado apresentava-se sem queixas e estável durante sua infância e adolescência. Na vida adulta, começou a queixar-se de dor precordial e palpitações. Porém, como trata-se de um paciente que apresenta dificuldade de expressar o que está sentindo, o diagnóstico deu-se mais tardiamente.
Outro fator importante é que a família não tinha muitas informações sobre cardiopatia, ou seja, sem conhecimento das repercussões que a mesma poderia causar, visto que os médicos afirmaram quando ele nasceu que era apenas um sopro inocente e que não tinha grandes significados. Com isso, a procura por atendimento médico só ocorreu quando o sobrinho de 5 anos com síndrome de Down apresentou sintomatologia parecida e foi diagnosticado com essa mesma alteração cardíaca.
Além disso, vale a pena ressaltar a questao social, pois trata-se de uma família humilde, sem muita instrução, que reside no interior e tem o acesso aos serviços de saúde dificultado perante a distância que deve ser percorrida para o acompanhamento. Somado ao fato de que, muitas vezes, em cidades muito pequenas, não existem equipes equipadas para realização de um diagnóstico preciso e a terapêutica adequada, o que contribui para o diagnóstico tardio, como no caso discutido.
Diante dos inúmeros métodos diagnósticos, como o ecocardiograma, coloca-se em questao o porquê dessa cardiopatia ainda ser muito comum em adultos e qual seria o melhor momento para realizar a cirurgia de correção do canal.
CONCLUSÃO
O caso discutido demonstra a importância de um acompanhamento pré-natal e o cuidado pós-natal adequado, especialmente para crianças que têm necessidades especiais. É possível concluir que o despreparo de pequenos centros urbanos faz com que o serviço de saúde se direcione para os grandes centros e como muitas vezes isso não é possível, o diagnóstico e a terapêutica se dao tardiamente.
REFERENCIAS
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7. Kucik JE, Nembhard WN, Donohue P, Devine O, Wang Y, Minkovitz CS, et al. Community socioeconomic disadvantage and the survival of infants with congenital heart defects. Am J Public Health. 2014;104(11):e150-7.
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