ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Estudo prognóstico em pacientes portadores de leucemia linfocítica crônica (LLC)
Prognostic Factors in Chronic Lymphocytic Leukemia (CLL)
José Roberto de Faria1; Gianne Donato Costa Veloso2; Rosa Malena Delbone de Faria3; Luciana Ribeiro de Morais4; Danielle Seixas Sabaini4; Nelma Cristina Diogo Clementino3
1. (Professor Adjunto do Departamento de Clínica Médica - Doutor em Hematologia)
2. (Médica Hematologista do Hospital das Clínicas - UFMG)
3. (Professora Adjunto do Departamento de Propedêutica complementar - UFMG - Doutora em Hematologia)
4. Acadêmica do Curso de Medicina
José Roberto de Faria
Av. Bandeirantes, 1732/302
30315-000 Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
INTRODUÇÃO E OBJETIVO: A LLC, neoplasia clonal de células B, é a leucemia mais freqüente nos países ocidentais. Este trabalho avalia retrospectivamente as características clínicas dos portadores de LLC no Serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas da UFMG.
METODOLOGIA: foram analisados os prontuários médicos de 77 pacientes com diagnóstico de LLC de 1992 a 2005.
RESULTADOS: dentre os pacientes estudados 47 eram do sexo masculino (61%) e 30 (39%) do sexo feminino. A sobrevida média foi de 115 meses, a idade mediana de 65 anos, variando de 38 a 91 anos. A anormalidade citogenética mais freqüente foi a trissomia do 12, presente em 16% dos pacientes que apresentaram metáfases para análise. O sistema de estadiamento de Rai modificado foi o que melhor se correlacionou à sobrevida (p=0,001) e mostrou: baixo risco - 21 pacientes (27,2%); risco intermediário - 36 pacientes (46,7%) e alto risco - 20 pacientes (25,9%), com sobrevida média de: 154 meses, 65 meses e 43 meses, respectivamente. Entre as variáveis, nenhuma se mostrou significante em análise multivariada. Dez pacientes (13%) não haviam recebido quimioterapia até o momento do estudo e 67 (87%) foram tratados com esquemas de mono ou poliquimioterapia. Os pacientes tratados receberam clorambucil, fludarabina, fludarabina associada à ciclofosfamida, COP, CHOP e radioterapia.
CONCLUSÃO: não houve diferença significante na sobrevida entre as diversas formas de tratamento.
Palavras-chave: Leucemia Linfocítica Crônica; Prognóstico; Estadiamento de Neoplasias.
INTRODUÇÃO
A leucemia linfocítica crônica (LLC) é uma neoplasia clinicamente indolente que resulta de acúmulo clonal de linfócitos B, caracteristicamente CD5+ e CD23+.1 É a forma mais comum de leucemia crônica, correspondendo entre 25% e 30% de todas as leucemias encontradas em brancos, no Ocidente.2 No entanto, sua incidência mundial é bastante variada, desde muito baixa em países asiáticos (2,5%) até 38% na Dinamarca.3 Incide predominantemente em homens de faixa etária superior a 50 anos e apresenta relação sexo masculino/feminino de 2:1. A incidência diminuiu de 3,3 por 100.000 em 1973 para 2,3 por 100.000 em 1990, segundo alguns relatos.4,5
A etiologia da LLC permanece desconhecida e difere de outras leucemias, por não apresentar relação com exposição prévia à radiação. Entretanto, sua incidência é maior entre agricultores, trabalhadores da manufatura de borracha e expostos ao asbesto.6 Estudos com alguns vírus, como o herpes vírus 7 e o vírus da hepatite C falharam na tentativa de demonstrar relação causal etiológica. Em contraste, o vírus de Epstein Barr foi associado à transformação de Richter, particularmente em pacientes com imunodeficiência.7 O objetivo foi avaliar retrospectivamente a evolução dos portadores de LLC no Serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas da UFMG durante os últimos 13 anos (1992 a 2005).
MÉTODO
Foram levantados e analisados os prontuários de 77 pacientes com diagnóstico prévio de LLC no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG) no período de janeiro de 1992 a julho de 2005.
Todos os pacientes foram submetidos a esquemas convencionais de quimioterapia com clorambucil oral, ciclofosfamida, vincristina e prednisona (COP), CHOP (COP mais doxorrubicina), fludarabina (associada ou não a ciclofosfamida) ou radioterapia.
O diagnóstico foi baseado na história, exame físico, presença de mais de 5.0 x 103 linfócitos por mm3 no sangue periférico e ao menos 30% de linfócitos no aspirado de medula óssea.8 O estadiamento foi obtido de acordo com os sistemas de Binet9, Rai10 e Rai modificado11.
As curvas de sobrevida foram obtidas pela extrapolação limite do método de Kaplan e Meyer12. As curvas obtidas foram comparadas utilizando-se o teste de log rank. A análise multivariada foi realizada utilizando-se a regressão múltipla de Cox13. O valor de p foi considerado significante quando menor que 0,05 para todos os testes. O programa estatístico utilizado foi o SPSS for Windows, versão 8.0.0.
RESULTADOS
No momento final da observação, dos 77 pacientes 66 estavam vivos (85,7%). A sobrevida média foi de 115,8 meses, variando de um a 169 meses (Figura 1).
Dos pacientes, 47 eram do sexo masculino (61%) e 30 do sexo feminino (39%). A sobrevida média entre as mulheres foi de 132,9 meses e entre os homens de 84,8 meses, porém a diferença não se mostrou estatisticamente significante (p=0,21). A idade mediana foi de 65 anos, variando de 38 anos a 91 anos. A sobrevida também não mostrou diferença estatisticamente significante em relação à idade quando considerado nível de corte a idade mediana (p=0,13). A Tabela 1 mostra os resultados da análise univariada.
DISCUSSÃO
Em relação ao sexo, a literatura é concordante que a incidência de LLC em homens é maior do que em mulheres, com índice ao redor de 2:1 (masculino/feminino).5 Os dados aqui apresentados mostraram índice de 1,56:1,00, o que confirma essa tendência. A idade do paciente no momento do diagnóstico situa-se entre a sexta e a sétima décadas de vida.5 Este estudo também é concordante, mostrando idade mediana de 65 anos. Alguns relatos mostram maior sobrevida no sexo feminino. Na presente pesquisa, apesar das mulheres apresentarem sobrevida média superior à dos homens (132,9 e 84,8 meses, respectivamente), a diferença não mostrou significância estatística. A presença ou ausência de hepatomegalia mostrou importância prognóstica (p=0,05), no entanto, o mesmo não foi observado em relação à esplenomegalia (p=0,53) e à adenomegalia (p=0,13), provavelmente demonstrando a necessidade de se avaliar o número de áreas acometidas, como observado no estadiamento de Binet.
O estadiamento de Rai modificado pareceu refletir melhor o prognóstico (p=0,01) em relação ao estadiamento de Binet (p=0,04), no entanto, nenhuma variável, incluindo os sistemas de estadiamento, mostrou-se significante na análise multivariada, provavelmente pelo tamanho da amostra.
Pode-se, em conjetura, considerando-se o nível socioeconômico-cultural brasileiro, esperar uma sobrevida menor de nossos pacientes em relação à literatura mundial. Mas foi encontrada sobrevida média superior a 10 anos no grupo com baixo risco de Rai, como esperado, e sobrevida discretamente maior no grupo alto risco (43,7 meses) quando comparados com os achados mundiais (24 meses).
Portanto, concluiu-se que estes resultados mostram que os pacientes portadores de LLC atendidos no HC-UFMG apresentam características clínicas semelhantes aos encontrados em outros países do Ocidente.
REFERÊNCIAS
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2. Yuille MR, Matutes E, Marossy A, Hilditch B, Catovsky D, Houlston RS. Familial chronic lymphocytic leukaemia: a survey and review of published studies. Br J Haematol 2000;109(4):794-9.
3. Linet MS, Cartwright RA. Chronic lymphocytic leukemia: epidemiology and etiologic findings. Nouv Rev Fr Hematol 1988;30:353-7.
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9. Binet JL, Auquier A, Dighiero G, Chastang C, Piguet H, Goasguen J et al. A new prognostic classification of chronic lymphocytic leukemia derived from a multivariate survival analysis. Cancer 1981;48(1):198-206.
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11. Rai KR, Montserrat E. Prognostic factors in chronic lymphocytic leukemia. Semin Hematol 1987;24(suppl 4):252-6.
12. Kaplan EL, Meier P. Non-parametric estimation from incomplete observations. J Am Stat Assoc 1958;53:457-81.
13. Cox DR. Regression models and life-tables. J R Stat Soc 1972;34:187-220.
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