RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 28 e-1934 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20180075

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Artigos de Revisão

Interações entre exercício físico, álcool e fígado

Interactions between physical exercise, alcohol and liver

Marina Silva de Lucca1; Eveline Torres Pereira2; Luciana Moreira Lima3

1. Médica. Mestranda do Programa de Pós-Graduaçao em Educaçao Física da Universidade Federal de Viçosa, MG, Brasil
2. Educadora Física. PhD. (Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduaçao em Educaçao Física da Universidade Federal de Viçosa, MG, Brasil)
3. Bioquímica. PhD. (Professora Adjunta do Programa de Pós- Graduaçao em Ciências da Saúde da Universidade Federal de Viçosa, MG, Brasil)

Endereço para correspondência

Marina Silva de Lucca
E-mail: lucca_marina@hotmail.com

Recebido em: 28/05/2016
Aprovado em: 18/12/2017

Instituiçao: Universidade Federal de Viçosa, MG, Brasil

Resumo

A ingesta crônica de álcool causa danos tóxicos diretos e indiretos e as principais alterações são causadas pelo seu próprio metabolismo. O etanol aumenta o estresse oxidativo principalmente no fígado, reduz a relação NAD+/NADH, aumenta a produção de acetaldeído e altera a função mitocondrial. Essas alterações são frequentemente associadas com o aumento de produtos da peroxidação lipídica, essenciais ao desenvolvimento da doença hepática alcóolica (DHA). Os exercícios físicos moderados parecem não influenciar significativamente as características morfológicas do tecido hepático ou a função hepática. Em exercícios pesados e prolongados, observam-se estresse oxidativo, alterações histológicas, prejuízo da farmacocinética e níveis alterados de enzimas hepáticas. Cessado o exercício alguns dias, parece haver recuperação da função hepática normal. As alterações hepáticas com o exercício agudo parecem ser transitórias e possivelmente contribuem para a homeostase. A atividade física parece ter alguma influência direta na patologia hepática, além da simples modificação dos níveis de gordura no fígado e parece que a intensidade da atividade física é importante para prevenir a progressão da doença. Entender os mecanismos subjacentes da doença hepática auxiliaria na descoberta de intervenções para reduzir a progressão dessa doença de uma condição benigna, como a esteatose, para formas graves como esteatohepatite, fibrose e cirrose. Portanto, exercícios podem ser uma terapia útil para melhorar a performance e a capacidade funcional em indivíduos com doença hepática, porém não está claro na literatura se o exercício físico pode restaurar a saúde hepática e nem qual seria a quantidade e o tipo de exercício necessários.

Palavras-chave: Alcool, Exercícios Físicos, Doença Hepática Alcoólica.

 

INTRODUÇÃO

A Doença Hepática Alcóolica (DHA) inclui um espectro de alterações, desde uma simples esteatose ao carcinoma hepatocelular, cujos fatores genéticos e ambientais interagem para produzir um fenótipo da doença e sua progressão.1,2 Essa particularidade poderia explicar o motivo pelo qual alguns indivíduos que fazem uso pesado do álcool3 não progridem para esteatohepatite, enquanto outros que fazem uso moderado a desenvolvem. Porém, a DHA está mais frequentemente associada a níveis altos de consumo de álcool.1,2

O álcool é um importante fator de risco para doenças crônicas e uma das principais causas preveníveis de morbimortalidade. A carga global de doença da DHA pode ser minimizada com intervenções principalmente nos estágios iniciais da doença.4 Em princípio, toda a carga global da DHA é evitável, porém difícil de alcançar, pois interfere em hábitos individuais e culturais de longa data.

A esteatose é o estágio precoce da DHA e frequentemente é revertida com a abstinência ao álcool, sendo a cessação do consumo sua principal terapêutica, melhorando os desfechos clínicos e histológicos, além da sobrevida.5

Tratamento farmacológico para esteatohepatite alcóolica (EHA) é frequentemente usado para hepatite aguda e para promover abstinência alcóolica. Porém, não há medicações específicas aprovadas para tratamento da DHA no momento, sendo seu uso experimental.5 Por essa razao, é importante buscar intervenções no estilo de vida e comportamento que contribuam para o tratamento e a prevenção da DHA.

Evidências têm surgido quanto a possíveis benefícios hepáticos do treinamento físico. A ação do exercício aeróbio pode estar inversamente associada com o desenvolvimento de esteatose, seja mediada pela perda de peso, seja por efeitos diretos. Ou seja, o exercício aeróbio regular pode reduzir os níveis de gordura hepática e esse benefício pode ocorrer, embora em menor extensão, sem perda de peso.6,7,8,9 Essa revisão sumariza conceitos clássicos da patogênese da DHA e efeitos do exercício físico sobre o fígado saudável e na DHA.

 

REVISÃO DE LITERATURA E DISCUSSÃO

Este estudo constitui-se de uma revisão da literatura especializada, feita entre maio de 2015 e maio de 2016, no qual realizou-se uma consulta a periódicos selecionados pela fonte Pubmed. As palavras-chave utilizadas na busca foram: Alcohol, Alcohol Metabolism, Physical Exercise, Alcoholic Liver Disease, Physical Activity, Exercise, Alcoholic Steatosis, Alcoholic Fatty Liver Disease, Physiological Effects of Exercise. A busca foi tanto por termos isolados (alcohol metabolism; psysiological effects of exercise), quanto em associações (por exemplo, alcohol e physical exercise). Os critérios de inclusão para os estudos encontrados foram todos os artigos que relacionavam doença hepática com álcool e/ou atividade física (exercício físico); atividade física (exercício físico) e efeitos no fígado ou efeitos no metabolismo do álcool; álcool e sua interferência no fígado; discutiam o metabolismo do álcool e outros efeitos dele no organismo. Não houve restrição quanto ao ano de publicação, porém apenas artigos em inglês ou português foram incluídos. Foram excluídos estudos que não atendiam os critérios de inclusão e que não estavam disponibilizados na íntegra. Foram incluídos 30 artigos na revisão.

Fígado e Doença Hepática Alcóolica

O álcool possui propriedade de nutriente, fornecendo calorias (7Kcal/g), sendo também uma toxina. Gera uma carga metabólica e subprodutos oxidativos, funcionando como solvente orgânico e regulador fisiológico direto.10 As calorias derivadas do metabolismo do álcool são produzidas às custas do metabolismo dos demais nutrientes, pois a oxidação do álcool é preferencial ao de outros nutrientes.11 Embora as taxas variem, a capacidade metabólica média para remover o álcool é de cerca de 170 a 240 g por dia para uma pessoa com um peso corporal de 70 kg. Esta capacidade é aproximadamente uma dose-padrao por hora12 (Tabela 1).

 

 

A lesão hepática por uso crônico de álcool origina-se na zona perivenosa do lobo hepático por ser uma regiao menos oxigenada, com menor capacidade de reações de redução, maior concentração de citocromo P450 (CYP2E1) e menores níveis de antioxidantes (glutationa)1,2.

Os achados morfológicos da DHA não são específicos dessa condição.10,13 As alterações iniciam-se com a esteatose hepática como resultado do prejuízo da síntese, armazenamento, mobilização e quebra de gorduras. Com a progressão da injúria, há indução de inflamação, lesão celular e apoptose, todos contribuindo para a esteatohepatite. O etanol induz o citocromo CYP2E1, produzindo acetaldeído tóxico e espécies reativas de oxigênio; endotoxinas derivadas do intestino ativam células de Kupffer, produzindo citocinas inflamatórias; ácidos graxos livres armazenados promovem estresse oxidativo e apoptose de hepatócitos. Por fim, ocorre deposição de fibrose por células estreladas hepáticas ativadas.1,2,14

A esteatose é definida por conteúdo hepatocitário de gordura ≥ 5%6 e desenvolve-se em aproximadamente 90% dos indivíduos que ingerem mais de 60g/dia de etanol, sendo completamente reversível após 4 a 6 semanas de abstinência. A fibrose e a cirrose desenvolvem-se em 5 a 10% dos indivíduos. Existe um risco elevado para desenvolver lesão hepática progressiva mesmo na esteatohepatite (EHA) leve, com cirrose desenvolvendo-se em mais de 50%. Abstinência alcoólica está associada com normalização histológica em 27% dos pacientes com hepatite alcóolica, com progressão para cirrose em 18% e hepatite persistente nos demais.14 Apesar de ser considerada uma anormalidade histológica benigna e reversível, pacientes com esteatose que persistem no uso de álcool podem desenvolver fibrose e, em alguns casos, cirrose, sem desenvolvimento prévio de EHA.15 Pode cursar como uma hepatomegalia assintomática e sintomas digestivos inespecíficos.

O álcool e seus metabólitos (acetaldeído, ésteres de ácidos graxos e etanol, compostos proteínas-etanol) atuam como hepatoxinas, sendo que seu metabolismo (vias oxidativas e não-oxidativas) é o responsável pelos principais mecanismos de toxicidade do álcool.11

O álcool e seus metabólitos (acetaldeído, ésteres de ácidos graxos e etanol, compostos proteínas-etanol) atuam como hepatoxinas, sendo que seu metabolismo (vias oxidativas e não-oxidativas) é o responsável pelos principais mecanismos de toxicidade do álcool.11 Figura 1.

 


Figura 1. Metabolismo do etanol

 

1. Via oxidativa citosólica (desidrogenases)

Via usual, gera energia oxidativa abundante e as enzimas álcool desidrogenase e a acetaldeído desidrogenase participam do processo. Os produtos finais dessa reação são acetaldeido, acetato e altos níveis de NADH. O excesso de NADH não pode ser oxidado a NAD+ nas mitocôndrias e seu excesso entra na reação de síntese de ácidos graxos, formando triglicerídeos, que se acumulam em gotículas lipídicas citosólicas, contendo além dos triglicerídeos e ácidos graxos, monoglicerídeos e diglicerídeos. O fígado normalmente não estoca triglicerídeos, mas após ingesta moderada de álcool, gotículas lipídicas microvesiculares acumulam-se nos hepatócitos. A redução da relação NAD+/ NADH pode afetar reações bioquímicas na mitocôndria e expressão gênica no núcleo. A carga de NADH requer quantidades extras de oxigênio na mitocôndria para ser oxidada e os hepatócitos não conseguem captar oxigênio do sangue arterial em quantidades suficientes para suprir adequadamente todas as regioes do fígado. Assim, o consumo de álcool resulta em hipóxia significativa perivenular, regiao que mostra a primeira evidência de lesão do consumo crônico de álcool e pode ser suficiente para levar a prejuízos na síntese protéica2. O acetaldeído é gatilho para inflamação, remodelamento da matriz extracelular e fibrogênese por meio de ação nas células estreladas. Sua forma covalente liga-se a proteínas e DNA levando a produtos imunogênicos, como malondialdeído, e efeitos pró-carcinogênicos.1,2,11,14 O dano oxidativo afeta o transporte da carga de lipídeos produzidos, prejudicando sua liberação para circulação. Ocorre acúmulo de lipoproteínas como VLDL, distendendo o aparelho de Golgi, contribuindo para a esteatose. Essa maior disponibilidade de vesículas gordurosas fornece amplo substrato para peroxidação lipídica em subprodutos como malondialdeído. Existe uma clara relação entre dano oxidativo e inflamação e doenças associadas ao alcoolismo, como disfunção cerebral, doenças ósseas e musculares, alterações pulmonares, aumento da gravidade de infecções, subnutrição e aumento da prevalência de doenças cardiovasculares ou câncer.16,17 O aumento da relação NADH/NAD também pode relacionar-se a hipoglicemia grave por intoxicação aguda ao álcool e o álcool pode, em certas condições, relacionar-se a hiperglicemia por menor uso periférico da glicose. O metabolismo de esteróides, assim como o da galactose, serotonina e outras aminas podem interferir ainda no aumento da relação NADH/NAD2.

2. Via oxidativa Citocromo P450 (especialmente CYP2E1)

O consumo crônico de álcool leva a "up-regulation" do citocromo P450, especialmente o 2E1 (CYP2E1), que auxilia a álcool desidrogenase na conversão do etanol em acetaldeído. Trata-se de uma via de menor importância em condições usuais para o metabolismo de álcool, mas extremamente tóxica: forma acetaldeído e o radical 1-hidroxietil, responsável por interações drogas-álcool; ativa toxinas como acetominofen, halotano, benzeno, hidrocarbonetos halogenados em produtos intermediários reativos tóxicos; ativa procarcinogênicos como nitrosaminas e compostos azo em carcinogênios ativos; ativa o oxigênio molecular em espécies reativas de oxigênio como radical superóxido, peróxido de hidrogênio e radical hidroxil, que induzem a peroxidação lipídica e formação de produtos proteína-acetaldeído. A produção do radical superóxido e peróxido de hidrogênio podem ser mecanismos para a lesão hepática induzida pelo estresse oxidativo.1,2,11,18

3.Via Peroxissomal

Via não usual, mas a enzima catalase peroxisomal pode utilizar o álcool como substrato na presença de excesso de peróxido de hidrogênio2. A atividade da catalase aumenta significativamente após uso combinado de álcool e atividade física, tanto por liberação da enzima dos tecidos para o plasma, quanto por mecanismo compensatório para lidar com excesso de peróxido de hidrogênio.19

4. Reações de conjugação e síntese de acil graxos.

O etanol pode reagir com o ácido glicurônico formando etilglucorinide e, com ácidos graxos, produzindo esteracil graxos, principalmente no fígado e pâncreas, podendo ser tóxicos ao inibir a síntese de DNA e de proteínas. Se o metabolismo oxidativo é bloqueado, a via de síntese de acil graxos aumenta sua função.11

Mecanismos imunes também relacionam-se com o aparecimento e progressão da DHA.18 Os lipopolissacarídeos derivados do intestino são um ponto crítico para esteatose hepática, inflamação e fibrose. O álcool favorece translocação bacteriana (gram positivas e negativas) por alterar a barreira intestinal, aumentando níveis de endotoxinas circulantes que se ligam aos receptores de superfície CD14 nas células de Kupffer. Essas células são ativadas precocemente na DHA, produzem espécies reativas de oxigênio, liberam citocinas inflamatórias, principalmente fator de necrose tumoral - alfa (TNF-α) e podem ter um papel chave na patogênese da lesão induzida pelo álcool. Portanto, disfunção na barreira intestinal, clereance alterado de endotoxinas ou alteração da composição da microbiota são alguns dos mecanismos que podem explicar os altos níveis de endotoxinas após exposição ao álcool, existindo evidências de que a disfunção da barreira intestinal e a endotoxemia precedem a lesão hepática. As endotoxinas ativam isoladamente as células de Kupffer, enquanto o TNF-α, por sua vez, mantém a lesão hepática por piorar a permeabilidade intestinal e sustentar o dano necroinflamatório do fígado.4

Exercício Físico, Alcool e Fígado

O fígado é o principal órgao do corpo na regulação dos estoques de carboidratos e lipídeos, garantindo oferta de metabólitos tanto para atividades físicas, quanto para síntese de tecido muscular e cerebral9.

De forma geral, o álcool em esportes e exercícios pode afetar as habilidades psicomotoras pelo uso agudo, podendo reduzir a performance e interferir nos mecanismos de regulação da temperatura corporal durante o exercício. Além disso, o consumo de álcool reduz o uso de glicose e aminoácidos pelo músculo esquelético com efeitos adversos no fornecimento de energia e prejuízo de processos metabólicos durante o exercício, podendo causar miopatia alcóolica.20

Com relação ao fígado, o exercício isoladamente não alterou a função mitocondrial em um estudo experimental, mas quando associado ao consumo de álcool, verificou-se a ausência de alteração significativa na função oxidativa da mitocôndria hepática, concluindo-se que o treinamento físico pode ter atenuado o declínio mitocondrial hepático induzido pelo etanol.21

Tanto o exercício agudo, quanto o treinamento físico podem aumentar as taxas de metabolismo hepático microssomal do álcool sem alterar a atividade da enzima álcool desidrogenase.22

Sugere-se que o aumento da temperatura corporal durante o exercício pode aumentar a atividade de enzimas hepáticas envolvidas no metabolismo do etanol.11,19 Parece haver um pequeno aumento na taxa de eliminação do álcool, causada provavelmente por aumento da temperatura corporal ou pela liberação de catecolaminas.11

A interação entre exercício físico e fígado apresenta os seguintes achados9:

1) O exercício agudo reduz transitoriamente o fluxo sanguíneo hepático, mas parece haver recuperação do fluxo sanguíneo com o repouso, inclusive podendo aumentar algumas horas após sua interrupção. Esse aumento poderia refletir inflamação, mas também serviria para reposição dos estoques de glicogênio e aumento da depuração de triglicerídeos da circulação.

2) O exercício aumenta a liberação de glicose a partir da glicogenólise e gliconeogênese para manter sob controle a glicemia sanguínea e aumenta a oxidação da glicose para obter energia durante o exercício prolongado. Após 90-180 minutos de exercício aeróbio vigoroso, dependendo da dieta e treinamento do indivíduo, os estoques de glicogênio do fígado e músculo podem se exaurir. O aumento da gliconeogêse induzida pelo exercício é estimulada pela redução da secreção de insulina e aumento das concentrações de glucagon. Existem muitas hipóteses concorrentes sobre gatilhos das adaptações hepáticas do metabolismo de carboidratos durante o exercício agudo. Ainda não está claro, se alterações hormonais, alterações na concentração substrato/metabólito, citocinas, espécies reativas de oxigênio ou alterações associadas ao fluxo sanguíneo hepático iniciam essas alterações metabólicas. Parece que o treinamento aeróbico induz adaptações metabólicas tanto em humanos, quanto em animais, auxiliando na homeostase da glicose durante o exercício prolongado, incluindo aumento dos estoques de glicogênio tanto no fígado quanto no músculo e fornecimento de carboidratos por meio de maior metabolismo lipídico.

3) Uma série aguda de exercícios tem pouco efeito imediato no metabolismo lipídico e pode realmente aumentar levemente o conteúdo de triglicerídeos no fígado. O exercício crônico pode mostrar up-regulation de enzimas hepáticas e redução global dos níveis de gordura hepática, havendo uma adaptação positiva, levando a redução dos triglicerídeos hepáticos. Durante o exercício agudo, pode haver up-regulation de enzimas hepáticas e redução da expressão de enzimas lipogênicas. Ocorre aumento da capacidade do uso de gordura durante o treinamento físico regular pelo músculo esquelético, sendo que, até o momento, parece que o fígado contribuiria muito pouco com essa resposta. O treinamento físico também ameniza o hormônio lipolítico em resposta ao exercício, estando associado com alterações no metabolismo lipídeo/lipoproteína, associando-se ainda com a redução da quantidade de triglicerídeos estocados no fígado.

4) Uma série de exercício agudo sustentado pode aumentar a síntese protéica hepática, mas durante atividade prolongada, o fígado produz glicose a partir de aminoácidos liberados da musculatura esquelética para manter o controle glicêmico. Já o treinamento resistido parece que aumenta a produção de proteínas do choque térmico e reduz a secreção de proteínas orexígenas, aumentando a concentração de albumina sérica.

5) Durante o exercício agudo, pode haver up-regulation dos sistemas protetores contra mutação gênica e choque térmico e aumento de fatores de crescimento transformadores como a folistatina.

Existem poucos achados epidemiológicos sobre o efeito da atividade física sobre a DHA. Confirmar o efeito preventivo da atividade física sobre o acúmulo de gordura hepática para alcoolistas leves e pesados é uma informação muito útil para todas as pessoas, mas especialmente para aqueles que não conseguem reduzir ou interromper o uso de álcool.24 Além disso, a atividade física pode ter alguma influência positiva direta na patologia hepática, além da simples modificação dos níveis de gordura no fígado e parece que a intensidade da atividade física é importante para prevenir a progressão da doença.6,7,8,9

Porém, torna-se necessário salientar que a fadiga dificulta a implementação e manutenção da atividade física regular em pessoas com doença hepática avançada. Pacientes com cirrose apresentam capacidade aeróbica reduzida e menor força muscular que paciente saudáveis, parecendo haver correlação inversa entre gravidade da doença hepática, independente de sua causa, e a capacidade física.24,25

O treinamento físico pode atenuar danos hepáticos oxidativos induzidos pelo álcool e auxiliar na manutenção do sistema antioxidante. Sugere-se que o aumento da temperatura corporal durante o exercício pode aumentar a atividade de enzimas hepáticas envolvidas no metabolismo do etanol.19

A atividade física moderada a vigorosa está associada inversamente com mortalidade por todas as causas entre indivíduos com história auto-relatada de doença hepática, sendo que o uso de álcool e hepatite C parecem não influenciar essa relação. Ou seja, aumentos modestos na atividade física moderada a vigorosa podem ter benefícios na sobrevida de pacientes com doença hepática. Esse benefício pode ser por efeitos cardiometabólicos favoráveis e influência no metabolismo lipídico.26

O consumo crônico de álcool e o envelhecimento são os principais fatores que levam a redução das atividades das enzimas antioxidantes hepáticas. O álcool reduz os níveis de superóxido dismutase, catalase, glutationa peroxidase, glutationa redutase e glutationa, enquanto aumenta os níveis de malondialdeído no tecido hepático, sendo que o estresse oxidativo produzido pelo álcool em idosos é provavelmente maior pela redução de antioxidantes que ocorre naturalmente com a idade.27

Nesse sentido, o treinamento físico parece contribuir para atenuar os danos oxidativos, com aumento do estado antioxidante hepático.19 O treinamento físico (30 minutos de esteira, 5 vezes por semana, durante 2 meses) conseguiu reverter o aumento da peroxidação lipídica hepática e a redução do estado antioxidante em ratos idosos (1 ano e meio de vida) induzidos pelo consumo de álcool por 2 meses (2g etanol/Kg a 20%).28 Parece que a redução idade-dependente do sistema de depuração de radicais livres pode sofrer deterioração com o uso de álcool e o treinamento físico pode auxilar na reversão dessa deterioração.29

O prejuízo no estado redox pode levar à lesão do DNA, modificação protéica e peroxidação lipídica. O índice de estado redox sanguíneo reflete geralmente o estado redox corporal e o estresse oxidativo pode alterar a permeabilidade da membrana e levar a hemólise como citado anteriormente. O consumo excessivo de álcool está associado com redução da glutationa reduzida e aumento da GGT e substâncias tiobarbitúricas ácido-reativas. O exercício agudo aumentou a resposta das enzimas hepáticas em bebedores pesados, enquanto atenuou a resposta elevada antioxidante após o exercício físico agudo quando comparado ao grupo controle17. No entanto, mais estudos são necessários para avaliar a verdadeira relação entre o treinamento físico e a função hepática e não apenas considerando o exercício agudo.

O estresse oxidativo induzido pelo exercício ativa as vias de sinalização que aumentam a expressão de antioxidantes e são também responsáveis pelo processo de adaptação induzida pelo exercício. Essa adaptação é influenciada por vários fatores, incluindo o volume do treinamento físico, intensidade, frequência e modalidade do exercício.30

 

CONCLUSÃO

A ingesta crônica de álcool causa danos tóxicos diretos e indiretos ao aumentar o estresse oxidativo, reduzir os níveis de antioxidantes não-enzimáticos, reduzir a relação NAD+/NADH, alterar a função mitocondrial, aumentar a peroxidação lipídica e aumentar a produção de acetaldeído.

Por outro lado, os exercícios podem ser uma terapia útil para melhorar a performance e capacidade funcional em indivíduos com doença hepática, podendo ter alguma influência positiva direta, além da simples modificação dos níveis de gordura no fígado. Parece também que a intensidade da atividade física é importante para prevenir a progressão da doença, porém mais estudos são necessários para definir se o exercício físico pode restaurar a saúde hepática e qual seria a quantidade e o tipo de exercício necessários.

 

CONFLITO DE INTERESSES

Esse artigo é parte da Dissertação de Mestrado de Marina Silva de Lucca (UFV/MG). Os autores não possuem ligação com indústrias do álcool, farmacêuticas ou esportivas, nem conflitos de interesse com organizações que promovem auxílio para o tratamento de dependência ao álcool. Esse trabalho não foi financiado por indústrias das áreas mencionadas acima.

 

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