RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 28 e-1939 DOI: http://www.dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20180029

Voltar ao Sumário

Relato de Caso

Reação Reversa Hansênica como manifestação de reconstituição imune após tratamento quimioterápico em paciente com Carcinoma Ductal Invasivo de Mama

Reverse reaction leprosy as a manifestation of immune reconstitution after chemotherapy in patients with Invasive Ductal Breast Cancer

Rafaela de Castro Silva1; Denise Riguete Chiquito1; Glaucia Pereira Chisto Antonioli1; Ana Flávia Montenegro Silva1; Raquel Cristina Maia2; José Augusto da Costa Nery3

1. Policlínica Geral do Rio de Janeiro, Médica. Pós graduanda de Dermatologia da Policlínica Geral do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
2. Fundaçao Oswaldo Cruz- FIOCRUZ, Médica. Fundaçao Oswaldo Cruz- FIOCRUZ - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
3. Fundaçao Oswaldo Cruz- FIOCRUZ, Médico. Dermatologista. Professor de Hansenologia na Fundaçao Oswaldo Cruz- FIOCRUZ - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Endereço para correspondência

Rafaela de Castro Silva
E-mail: rafaeladecsilva@hotmail.com

Recebido em: 11/08/2017
Aprovado em: 22/02/2018

Instituiçao: Policlínica Geral do Rio de Janeiro, Médica. Pós graduanda de Dermatologia da Policlínica Geral do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ - Brasil.

Resumo

INTRODUÇÃO: A Hanseníase é uma dermatose infectocontagiosa crônica, causada pelo Mycobacterium leprae, caracterizada por apresentar formas clínicas contrastantes, que são dependentes da interação do bacilo com a resposta imune do hospedeiro. Apesar de curável, ela ainda é um problema de saúde pública relevante, pois persiste como endemia em muitos países, dentre eles o Brasil.
DESCRIÇÃO DO CASO: Paciente, 58 anos, após tratamento quimioterápico para Carcinoma Ductal Invasivo da Mama, desenvolveu manchas com perda de sensibilidade que após exame clinico e anatomopatológico evidenciou se tratar de uma Reação Reversa Hansênica.
DISCUSSÃO: O diagnóstico precoce da hanseníase permanece um importante desafio de saúde pública, principalmente devido à heterogeneidade das suas manifestações clínicas. No caso apresentado, a recuperação imunológica, após tratamento quimioterápico desencadeou a reação reversa hansênica, permitindo o reconhecimento da doença e a sua confirmação diagnóstica.
CONCLUSÃO: O diagnóstico precoce da Hanseníase requer o conhecimento não apenas das suas formas clínicas, como também de seus episódios reacionais, já que são durante esses episódios, que ocorre piora das lesões neurológicas e aumento das incapacidades físicas.

Palavras-chave: Hanseníase, Carcinoma Ductal de Mama, Efeitos Colaterais e Reações Adversas Relacionados a Medicamentos.

 

INTRODUÇÃO

A Hanseníase é uma dermatose infectocontagiosa crônica, causada pelo Mycobacterium leprae, caracterizada por apresentar formas clínicas contrastantes, que são dependentes da interação do bacilo com a resposta imune do hospedeiro. Apesar de curável, ela ainda é um problema de saúde pública relevante, pois persiste como endemia em muitos países, dentre eles o Brasil.1,2 A resposta imune é dividida em inata e adquirida. A resposta imune inata se caracteriza por ser não específica, é a primeira linha de interação entre o M. leprae e o homem. A resposta imune adaptativa caracteriza-se pelo reconhecimento específico de antígenos, mediado por receptores presentes nas membranas dos linfócitos T e B. Classicamente pode ser categorizada em celular e humoral. O padrao de imunidade desenvolvido pelo hospedeiro é o que permite resistir à doença, ou desenvolver as várias formas clínicas e, principalmente, ser a causa dos episódios reacionais.3 Há basicamente dois tipos de reações hansênicas, uma que ocorre em pacientes com predomínio da imunidade celular específica contra o M. leprae, denominada de reação tipo 1, ou reação reversa e outra que ocorre em pacientes com esta imunidade pouco preservada ou ausente, denominada de reação tipo 2, ou Eritema Nodoso Hansênico.4,5A reação reversa ocorre devido à hipersensibilidade tardia a antígenos de M.leprae. Caracteriza-se por um aumento abrupto da imunidade mediada por células, classicamente representada pela reação tipo IV de Gell & Coombs. Envolvendo a participação ativa de linfócitos T, com produção tecidual de citocinas Th1 (IL-2 e IFN-γ) e de citocinas pró-inflamatórias como o TNF-α que, por sua vez, foi considerado uma das principais citocinas iniciadoras envolvidas na mediação do dano neural. Clinicamente a reação reversa, se apresenta com lesões cutâneas de aparecimento agudo, tipo placas eritemato-edematosas bem delimitadas. Histologicamente há reação inflamatória granulomatosa com padrao tuberculóide ou dimorfo, associado a fenômenos exsudativos com edema, deposição de fibrina, necrose tecidual e frequentemente há concomitância de comprometimento neurológico.4 Relatamos caso de reação reversa hansênica como primeira manifestação da hanseníase em paciente com carcinoma intraductal invasivo de mama após tratamento quimioterápico.

 

DESCRIÇÃO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 58 anos, leucodérmica, natural e procedente de Campo Grande, Rio de Janeiro, com queixa de manchas associadas à perda de sensibilidade que iniciaram após tratamento quimioterápico para Carcinoma Ductal Invasivo da Mama, de tipo não especial, grau histólogico tipo 2. Ao exame, exibia lesão eritemato infiltrada, bem delimitada de aproximadamente 5 x 4cm, localizadas na regiao mentoniana (Figura1); lesão eritematosa com bordas infiltradas e tendência a cura central de aproximadamente 10 x 8cm, localizada no cotovelo esquerdo (Figura2) e lesões eritemato infiltradas numulares disseminadas no tronco e membros inferiores. A avaliação neurológica das lesões evidenciou perda da sensibilidade térmica, dolorasa e tátil. Foi aventada a hipótese diagnóstica de Hanseníase, confirmada com baciloscopia (índice bacilar igual a 0,25) e exame histopatológico, que evidenciou: Infiltrado granulomatoso epitelióide maduro perivascular, perianexial e perineural na derme superficial, média e profunda (Figura3). Concluindo, tratar-se de Reação tipo 1 ou Reversa. Iniciado tratamento com poliquimioterapia, esquema multibacilar (clofazimina, rifampicina, dapsona), evoluindo com melhora significativa das lesões (Figura4,5).

 


Figura 1. Lesão eritemato infiltrada, bem delimitada de aproximadamente 5 x 4cm, localizada na regiao mentoniana.

 

 


Figura 2. Lesão eritematosa com bordas infiltradas e tendência a cura central de aproximadamente 10 x 8cm, localizada no cotovelo esquerdo.

 

 


Figura 3. Infiltrado granulomatoso epitelióide maduro perivascular, perianexial e perineural na derme superficial, média e profunda.

 

 


Figura 4. Lesão em regressão.

 

 


Figura 5. Lesão em regressão.

 

DISCUSSÃO

O diagnóstico precoce da hanseníase permanece um importante desafio de saúde pública, principalmente devido à heterogeneidade das suas manifestações clínicas. A reação reversa, quando ocorre antes do início do tratamento, em muitos casos é a primeira manifestação da doença. Muitos pacientes, que não tem conhecimento prévio de sua doença ou que não percebem as lesões cutâneas pouco sintomáticas, procuram assistência médica apenas quando esses episódios reacionais se tornam sintomáticos.4 E são durante esses episódios, que invariavelmente ocorre piora das lesões neurológicas, consequentemente aumento das incapacidades físicas.5 No caso apresentado, uma paciente com carcinoma ductal de mama, inicialmente sem lesão cutânea, foi submetida a um tratamento quimioterápico cujo objetivo primário era a destruição de células neoplásicas, mas que, como a maioria dos agentes quimioterápicos, agiu de forma não específica, atuando tanto em células malignas quanto em células normais, particularmente as células de rápido crescimento, como as do sistema imunológico. A recuperação imunológica subsequente precipitou uma reação reversa, que, finalmente, permitiu o reconhecimento da doença.6 Este fato nos leva a crer que a reação reversa como primeira manifestação clínica da Hanseníase, ocorrendo no final do tratamento quimioterápico, sugere que o aumento da reposta imunológica celular decorrente da suspensão terapêutica possa ter atuado como gatilho para a manifestação da doença e sua confirmação diagnóstica.

 

CONCLUSÃO

A hanseníase desperta interesse por diversos motivos. O grande estigma histórico e ainda conteporâneo, o rico espectro clínico e a gravidade dos episodios reacionais, que podem persistir anos após o tratamento específico, e se associam com as deformidades atribuídas á doenca. O diagnóstico precoce representa um dos maiores desafios no controle da doença, por permitir o rapido tratamento e previnir o surgimento de incapacidades e a continuidade na cadeia de transmissão do bacilo. No estágio atual da endemia hansênica no mundo, uma boa avaliação clínica respaldada pela utilizaçào de testes disgnósticos simples, rápidos, com alta sensibilidade e especificidade e de baixo custo deverá facilitar e diagnóstico acurado e a escolha do tratamento mais adequado das diferentes formas clínicas da hanseníase.

 

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

1. Botelho GIS, Aarao TLS, Soares LPMAS, Botelho BS, Pinto DS, Fuzii HT, et al. Imunorreatividade das células dendríticas nas lesões foveolares da hanseníase dimorfa. Rev Pan-Amaz Saúde 2013;4(2).

2. Mendes AO, Costa CEG, Silva RC, Campos AS, Cunha VMG, Silva GC, et al. Caráter clínico-epidemiológico e grau de incapacidade física nos portadores de hanseníase no município de Barbacena- MG e macrorregiao no período de 2001 a 2010. Rev Med Minas Gerais 2014; 24(4): 486-94.

3. Nery JACN, Sales AM, Illarramendi X, Duppre NC, Jardim MR, Machado AM. Contribuição ao diagnóstico e manejo dos estados reacionais. Uma abordagem prática. An. Bras. Dermatol. 2006;81(4).

4. Abraçado MFS,Cunha MHCM, Xavier MB. Adesão ao tratamento de hanseníase em pacientes com episódios reacionais hansênicos em uma unidade de referência. Rev Pan-Amaz Saude 2015; 6(2).

5. Caruso RL, Fernandes RM, Serra MS, Lima RB, Martins C. Reação reversa atípica em paciente com hanseníase dimorfa co-infectado pelo HIV. An Bras Dermatol. 2007;82(6):553-7.

6. Ura S. Tratamento e controle das reações hansênicas. Hansen Int. 2007;32(1): 67-70.