RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 28 e-1940 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20180030

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Relato de Caso

Agenesia pulmonar em gêmeos monozigóticos: relato de caso

Pulmonary agenesis in monozygotic twins: case report

Millena Vieira Brandao Moura1; Thales Pardini Fagundes1; Nilma Lazara Almeida Cruz2; Heli Vieira Brandao2

1. Universidade Federal de Minas Gerais, Curso de Medicina - Belo Horizonte - MG - Brasil
2. Universidade Estadual de Feira de Santana, Departamento de Saúde - Feira de Santana - Bahia - Brasil

Endereço para correspondência

Heli Vieira Brandao
E-mail: helivb.fsa@gmail.com; millena.brandao96@gmail.com

Recebido em: 01/08/2017
Aprovado em: 30/04/2018

Instituiçao: Universidade Estadual de Feira de Santana, Departamento de Saúde - Feira de Santana - Bahia - Brasil.

Resumo

Agenesia pulmonar é uma anormalidade congênita extremamente rara com prevalência estimada de 24-34 casos por 1.000,000 nascidos vivos e estar frequentemente associada com outras malformações congênitas. Descrevemos um caso de agenesia pulmonar em gêmeos monozigóticos, no qual a ausência dos pulmoes teve apresentação em espelho- o primeiro gemelar com agenesia de pulmão esquerdo e o segundo gemelar com agenesia de pulmão direito. Houve associação com fenda palatina e lábio leporino no primeiro gêmeo e no segundo gêmeo houve associação com polidactilia. Este diagnóstico foi feito ao nascimento. O diagnóstico de agenesia pulmonar e outras malformações congênitas podem ser realizados durante exame pré-natal por ultra-sonografia morfológica. É importante uma identificação precoce da malformação pulmonar para melhor assistência ao recém-nascido.

Palavras-chave: Pulmão. Criança. Pediatria.

 

INTRODUÇÃO

Agenesia pulmonar é uma anomalia congênita extremamente rara, caracterizada pela ausência completa de parênquima pulmonar, brônquios e vasos pulmonares, unilateral ou bilateral, parcial ou completa. 1 A prevalência é de 24-34/100.000 nascidos vivos, com predomínio no sexo feminino e está associada a malformações gastrointestinais, cardiovasculares, musculoesqueléticas e geniturinárias.2 A agenesia pulmonar esquerda ocorre em 70% dos casos, enquanto a agenesia pulmonar direita possui pior prognóstico.3,4

O desenvolvimento pulmonar inicia-se na 4ª semana de gestação a partir do divertículo respiratório da parede ventral do intestino anterior. O divertículo cresce inferiormente em direção ao tórax, torna-se bífido, originando botoes bronquiais/pulmonares direito e esquerdo. Acredita-se que a agenesia pulmonar resulte da falha da divisão equitativa entre os dois brotos pulmonares.5 O diagnóstico de agenesia pulmonar pode ser realizado no pré-natal através da ultrassonografia morfológica obstétrica. A agenesia pulmonar unilateral é compatível com a vida, entretanto, está frequentemente associada a infecções respiratórias e mais de 50% das crianças morrem nos primeiros cinco anos de vida, sendo que poucas podem permanecer assintomáticas durante a sua vida.6,7

Relatamos o caso de agenesia pulmonar em gêmeos monozigóticos, na qual a ausência dos pulmoes ocorreu com apresentação em imagem em espelho - o primeiro gemelar com agenesia pulmonar esquerda e o segundo com agenesia pulmonar direita, ambos associados a outras malformações.

 

RELATO DE CASO

Criança de 1 ano e 3 meses, sexo feminino, acompanhada no ambulatório de Pneumologia Pediátrica do Hospital Inácia Pinto dos Santos em Feira de Santana- Bahia, desde os 2 meses de vida por agenesia pulmonar direita, sem queixa respiratória atual.

Mae, 14 anos, G1P2A0, negou etilismo, tabagismo, infecções e consumo de drogas durante a gestação. Nega consanguinidade com o genitor. Realizou três consultas no pré-natal e a ultrassonografia obstétrica não morfologica mostrou-se sem alterações. As sorologias para toxoplasma, rubéola, citomegalovirus, sífilis (TORCHS) e Aids foram negativas.

A criança foi a segunda gemelar, nasceu de 31 semanas e 5 dias, univitelino, parto natural em vértice, sexo feminino, peso ao nascer de 0,948g. Apresentou hipoatividade, desconforto respiratório, cianose e APGAR de 6 no 1' e 8 no 5'. Evoluiu para insuficiência respiratória, sendo intubada e mantida em ventilação mecânica em Centro de Terapia Intensiva (CTI), tratada para pneumonia e fez uso de surfactante com evolução satisfatória. Apresentava fenda nasopalatina unilateral direita e lábio leporino e a ausculta do aparelho cardiovascular sem alterações. O Rx de tórax revelou hipotransparência pulmonar unilateral direita com desvio das estruturas mediastinais ipsilateralmente, com exceção da traqueia, desviada para esquerda. O ecocardiograma color Doppler revelou artéria pulmonar direita não visualizada e forame oval patente. A ultrassonografia de abdômen não detectou anormalidades. A tomografia computadorizada de tórax (TCAR) mostrou agenesia pulmonar à direita (ausência de brônquio fonte, pulmão e artéria pulmonar direita) e pulmão esquerdo vicariante. (Figuras 1 e 2)

 


Figura 1. Rx de tórax com agenesia pulmonar direita.

 

 


Figura 2. TCAR de tórax - Agenesia pulmonar direita.

 

A primeira gemelar, sexo feminino, peso ao nascer de 1.245gr, APGAR 8 no 1' e 9 no 5' com agenesia pulmonar esquerda e polidactilia, apresentou desconforto respiratório com insuficiência respiratória, sendo também intubada e mantida em ventilação mecânica em CTI e tratada para pneumonia e uso de surfactante, evoluindo para septicemia e óbito no décimo dia de vida. O Rx de tórax revelou hipotransparência pulmonar unilateral esquerda com desvio das estruturas mediastinais ipsilateralmente, com exceção da traquéia, desviada para direita. A TCAR do tórax não foi realizada. O ecocardiograma color Doppler não visualizou a artéria pulmonar esquerda e apresentava forame oval patente. (Figura 3)

 


Figura 3. Rx de tórax com agenesia pulmonar esquerda.

 

DISCUSSÃO

O presente caso de agenesia pulmonar com apresentação em espelho em gêmeos monozigóticos é raro e excepcional na literatura. A agenesia pulmonar pode ser isolada ou associada a malformações cardíacas, gastrointestinais, faciais, musculoesqueléticas e genitourinárias.6, 8 Neste relato de caso, houve associação com lábio leporino, fenda palatina, polidactilia e forame oval patente.

A agenesia bilateral dos pulmoes é rara e incompatível com a vida, enquanto a agenesia unilateral ocorre mais comumente e é compatível com vida.9 O pior prognóstico está associado à agenesia pulmonar direita e à presença de outras malformações.10 Entretanto, no presente caso, a criança com agenesia pulmonar direita com maior número de malformações sobreviveu e a irma gêmea, com agenesia pulmonar esquerda, faleceu com infecção generalizada no período neonatal.

A agenesia pulmonar, inicialmente descrita por De Pozzi, tem a sua etiologia ainda desconhecida.11 O defeito genético e embriológico da agenesia, segundo Ferguson e Neuhauser, pode ocorrer nas células germinativas.12

Os fatores de risco descritos são consanguinidade, deficiência de vitamina A e de ácido fólico, infecções intrauterina, etilismo e tabagismo na gestação.13 A exposição a fatores de risco relatados na literatura para a agenesia pulmonar não foram identificados no presente caso.

NITSCHE e et al.(2014) relataram 96 casos de agenesia pulmonar unilateral revisados na literatura, sendo 76% (73) deles associados a outras malformações. As anomalias gastrointestinais relacionam-se a uma maior mortalidade, geralmente durante o primeiro ano de vida.14

O diagnóstico da agenesia pulmonar pode ocorrer precoce ou tardiamente.15 No pré-natal, o diagnóstico pode ser realizado por meio da ultrassonografia obstétrica morfológica.16 Os métodos diagnósticos frequentemente empregados após o nascimento são radiografia de tórax, TCAR de tórax, ressonância magnética e ecocardiograma. É importante ressaltar que a radiografia de tórax isoladamente não é tao específica, sendo necessário ser complementada principalmente por outros exames como a TCAR de tórax e ecocardiograma.14

Na literatura há poucos relatos de casos de agenesia pulmonar em gêmeos univitelinos. Alsaadi e et al.17 relataram agenesia pulmonar equerda e hipoplasia pulmonar esquerda no 1º e 2º gemelar, respectivamente, sem outras malformações associadas. Yount F e et al. relataram a ocorrência de agenesia pulmonar direita em cada um dos gêmeos.18 Brimblecombe e et al. relataram em gemeos agenesia de lobo medio e superior direito .19 Podlech et al. relataram outro par de gêmeos com agenesia bilateral de pulmoes.20 A ocorrência de agenesia pulmonar em gêmeos monozigóticos com apresentação em imagem em espelho não foi relatada em estudos prévios.

 

CONCLUSÃO

O caso relatado é raro de agenesia pulmonar, ocorreu em gestação gemelar, acometeu o sexo feminino com apresentação de imagem em espelho, e sobreviveu a criança com agenesia pulmonar direita, que tem pior prognóstico. O diagnóstico pré-natal por meio da ultrassonografia obstétrica morfológica é importante por identificar precocemente a malformação e possibilitar melhor assistência ao recém-nascido.

 

AGRADECIMENTOS

A Fundação Hospitalar de Feira de Santana- Hospital Inácia Pinto dos Santos.

 

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