ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Doença de Still como causa de febre de origem indeterminada: relato de caso
Still's disease as a cause of fever of undetermined origin: case report
Marcelo Menezes Breyner1; Sávio Augusto Silva Souza1; Isabela Macedo Freitas2; Karolline Souza Guimaraes2; Isabela Paula Silva Lima3
1. Santa Casa de Belo Horizonte, Residente de Clínica Médica - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil
2. Centro Universitário de Belo Horizonte, Acadêmico de Medicina - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil
3. IMEPAC, Acadêmico de Medicina - Araguari - Minas Gerais - Brasil
Isabela Macedo Freitas
E-mail: isabelamacedofreitas@ gmail.com
Recebido em: 02/02/2018
Aprovado em: 26/04/2018
Instituiçao: Centro Universitário de Belo Horizonte, Acadêmico de Medicina. Belo Horizonte, Minas Gerais - Brasil.
Resumo
POS, 22 anos, sexo feminino, foi admitida na enfermaria de Clínica Médica para investigação diagnóstica de quadro consumptivo. Queixava-se perda ponderal (45 kg no total), febre vespertina, artralgias e hiporexia.Relatava internações recorrentes devido a fraqueza. Na história pregressa constava aborto espontâneo, tendo sido aventada a hipótese de infecção pelo zika vírus, porém não foram realizados exames sorológicos confirmatórios.Tinha contato com irmão portador de paracoccidioidomicose e tio com tuberculose. Apresentava-se emagrecida,com flacidez notável, sarcopenia, palidez cutânea mucosa grave, linfadenomegalia generalizada e hepatoesplenomegalia. Diante do quadro clínico, suspeitou-se inicialmente de doença linfoproliferativa. Apresentou anemia microcítica e hipocrômica, sorologias negativas para HIV, sífilis, leishmaniose e hepatites virais, FAN positivo, padrao nuclear pontilhado, PCR e VSH elevados, leucocitose e ferritina maior que 2000 em dois exames. O PPD era não reator. Os anatomopatológicos apresentavam pesquisa negativa para fungos e parasitas e sugeriam doença linfoproliferativa,entretanto as imunohistoquímicas revelaram padrao de linfonodos reacionais. Devido à suspeita inicial de doença linfoproliferativa foi iniciado profilaxia para lise tumoral com hidratação e alopurinol.Além disso devido as diversas linfonodomegalias foi iniciado tratamento empírico com Prednisona 80 mg/dia, com melhora do quadro clínico, remissão da febre e artralgia. Como os anatomopatológicos e imunohistoquímicas descartaram doenças proliferativas, foi iniciado desmame do corticoide, com ressurgimento da febre, dessa vez acompanhada de rash cutâneo evanescente em membros e artrite em joelho direito. Após afastar doenças infecciosas, neoplásicas e outras etiologias, considerou-se o diagnóstico de doença de Still, uma vez que a paciente apresentava quadro clínico compatível e preenchia os critérios de Yamaguchi. Iniciada terapia com metotrexate, com melhora do quadro clínico e alta hospitalar.
Palavras-chave: Artrite Juvenil. Artrite. Febre de Causa Desconhecida.
INTRODUÇÃO
A doença de Still do adulto é uma rara doença inflamatória sistêmica, de etiologia desconhecida e com apresentação clínica variada, cujo diagnóstico é de exclusão e requer alto grau de suspeição.1 O termo "doença de Still do adulto" foi usado pela primeira vez por Bywaters em 1971 para descrever uma série de pacientes adultos com quadro clínico semelhante a crianças com artrite idiopática juvenil e que não preenchiam os critérios para a atrite reumatoide clássica.
A doença de Still acomete ambos os sexos, com incidência maior em adultos jovens. A patologia manifesta-se com febre alta, rash evanescente, poliartrite e acometimentos sistêmicos como hepatoesplenomegalia, leucocitose, linfadenomegalia, níveis elevados de ferritina e anemia.2 Outras manifestações menos comuns são pleurite, pericardite e miocardite. É uma doença de difícil diagnóstico, devido às diversas manifestações clínicas e ao extenso diagnóstico diferencial, sendo, na maioria das vezes, um diagnóstico diferencial de febre de origem indeterminada.
Como não existe teste diagnóstico definitivo, já foram propostos pelo menos sete séries de critérios diagnósticos, sendo o critério diagnóstico de Yamaguchi o mais difundido e o de maior sensibilidade.
A doença de Still do adulto tem uma mortalidade significativa, sendo as causas de óbito mais comuns: infecção, falência hepática, amiloidose, falência hepática e outras. Caso a doença não represente ameaça imediata de morte, o tratamento inicial é feito com anti-inflamatórios, sendo o corticoide uma boa opção. Uma alternativa como terapia poupadora de corticoide é o uso de metotrexate. Caso o metotrexate não promova remissão da doença, é possível associar um inibidor do TNF-α (por exemplo, infliximab). Nos casos mais graves pode ser necessária a pulsoterapia com corticoide, seguida da corticoterapia oral em altas doses. As alternativas nos casos refratários são a imunoglobulina humana, ciclofosfamida e ciclosporina.
O presente estudo tem como objetivo relatar o caso de uma paciente de 22 anos, com febre de origem indeterminada, que foi diagnosticada com doença de Still após cerca de 80 dias de internação hospitalar, o que comprova a dificuldade diagnóstica da patologia.
DESCRIÇÃO DO CASO
pCPP, 22 anos, sexo feminino, oriunda de Vespasiano-MG, foi admitida na enfermaria de Clínica Médica para investigação diagnóstica de quadro consumptivo. Queixava-se que há um ano estava apresentado perda ponderal (45 kg no total), febre vespertina, mialgia, artralgias, hiporexia, astenia, além da presença de nódulos palpáveis em regiao submandibular à direita, regiao inguinal bilateralmente e axilas. Relatava internações recorrentes ao longo do último ano devido a fraqueza generalizada. Na história pregressa constava aborto espontâneo em dezembro de 2015, tendo sido aventada pela equipe assistente a hipótese de infecção pelo zika vírus, porém não foram realizados exames sorológicos confirmatórios. Tinha contato com irmão portador de paracoccidioidomicose e tio com tuberculose. A paciente trabalhava no serviço doméstico, negava sintomas pulmonares e não exercia nenhuma atividade relacionada à agricultura.
Ao exame físico, a paciente apresentava-se emagrecida, com flacidez notável das mamas e da pele do abdome, sarcopenia, palidez cutânea mucosa grave, linfadenomegalia submandibular à direita, em axilas e regiao inguinal bilateralmente, todas em aglomerados, de consistência endurecida e com aderência aos planos profundos. A palpação do abdome revelava fígado a 3 cm do rebordo costal direito na linha hemiclavicular direita, de consistência endurecida e baço a 5 cm do rebordo costal esquerdo, sem dor associada.
Diante do quadro clínico, suspeitou-se inicialmente de doença linfoproliferativa. Foi realizada extensa propedêutica que incluiu revisão laboratorial, sorologias, teste tuberculínico (PPD), Tomografia Computadorizada (TC) de abdome, tórax e pelve, além de mielograma, biópsias de linfonodo inguinal e axilar.
A paciente apresentava anemia microcítica e hipocrômica (hemoglobina=7,1, VCM=79,6 e HCM=24,1). As sorologias foram negativas para HIV, sífilis, leishmaniose e hepatites virais. Realizados provas reumatológicas, com FAN positivo, padrao nuclear pontilhado, sendo anti-Ro, anti-La, anti-Sm e anti-DNA não reagentes. Complemento sem alterações e fator reumatoide positivo. Além disso, a paciente apresentava PCR e VSH elevados (PCR=221 e VHS=102mm), leucocitose e apresentou ferritina maior que 2.000 em dois exames. O PPD era não reator. O mielograma revelou medula óssea hipercelular, com aumento da série megacariocítica e ausência de células estranhas. A dosagem de vitamina B12 foi 554 e o ácido fólico 3.3.
A TC de tórax, abdome e pelve evidenciou linfadenomegalias axilares e de cadeias mesentéricas periesplênicas, esplenomegalia moderada, nódulo hipovascular no lobo esquerdo do fígado (sugestivo de implante secundário) e nefromegalia bilateral. Inicialmente foi realizada biópsia excisional de linfonodo inguinal direito, por ser o de mais fácil acesso ao exame físico. O anatomopatológico apresentava pesquisa negativa para fungos e parasitas e sugeria doença linfoproliferativa, entretanto havia necessidade de realizar a imunohistoquímica para confirmação. A imunohistoquímica revelou padrao de linfonodo reacional. Foi realizada, entao, nova biópsia de linfonodos, dessa vez em sítio mais representativo, sendo feita excisão em bloco de linfonodos profundos da axila esquerda. O anatomopatológico sugeriu doença proliferativa, interrogando linfoma não Hodgkin ou linfoma de Hodgkin depleção linfocítica, entretanto com necessidade de imunohistoquímica para confirmar novamente.
Devido à suspeita de doença linfoproliferativa foi iniciado profilaxia para lise tumoral com hidratação e alopurinol. Além disso devido às diversas linfonodomegalias foi iniciado tratamento empírico com Prednisona 80 mg/dia, com boa resposta, pois houve melhora considerável do quadro clínico, com remissão da febre e da artralgia.
Durante a internação a paciente apresentou algumas intercorrências clínicas. Evoluiu com infecção em sítio de punção da medula óssea para biópsia, tratada com antibioticoterapia de largo espectro (vancomicina e meropenem), devido ao período de internação. Apresentou também diarreia aguda causada por Salmonella tiphy, sensível ao ciprofloxacino, tendo boa resposta a antibioticoterapia guiada por cultura.
A imunohistoquímica da biópsia de linfonodos axilares esquerdos evidenciou hiperplasia linfoide paracortical reacional, sem indícios de malignidade. Assim, como os anatomopatológicos e imunohistoquímicas descartaram doenças proliferativas, foi iniciado desmame do corticoide, com ressurgimento da febre, dessa vez acompanhada de rash cutâneo evanescente em membros superiores e inferiores, principalmente durante os picos febris, e artrite em joelho direito.
Após afastar doenças infecciosas, neoplásicas e outras etiologias, considerou-se o diagnóstico de doença de Still, uma vez que a paciente apresentava quadro clínico compatível e preenchia os critérios de Yamaguchi (1992). Segundo esse autor, para o diagnóstico é preciso ter 5 critérios, sendo pelo menos 2 critérios maiores. Os critérios maiores são: (1) febre de pelo menos 39°C por no mínimo duas semanas; (2) artralgia e/ou artrite com no mínimo duas semanas de duração; (3) rash cutâneo macular ou maculopapular, não pruriginoso, geralmente presente nas nádegas e nas extremidades durantes os episódios febris; (4) leucocitose (global de leucócitos ≥10.000/microL) com pelo menos 80% de granulócitos. Os critérios menores incluem: (1) faringite; (2) linfonodomegalia; (3) hepatomegalia ou esplenomegalia, (4) alteração em exames hepáticos, particularmente elevações na aspartatato aminotransferase (AST), alanina aminotransferase (ALP) e desidrogenase láctica (LDH); (5) FAN e fator reumatoide negativos. Vale ressaltar que apesar da negatividade do FAN e do fator reumatoide ser um critério menor, pode haver uma positividade desses exames em baixo título sem que isso exclua o diagnóstico da doença de Still.
No presente caso, foi iniciado tratamento com Indometacina e reintroduzido Prednisona 60mg. Foi solicitado acompanhamento da equipe de Reumatologia, que sugeriu desmame do corticoide e início da terapia com metotrexate. A paciente evoluiu com melhora do quadro clínico e recebeu alta assintomática no 90º dia de internação hospitalar. Atualmente, permanece em acompanhamento ambulatorial com a Reumatologia, assintomática, em terapia regular com metotrexate.
DISCUSSÃO
Devido a raridade da doença, os relatos de caso são importantes fontes de conhecimento sobre o tema. Por se tratar de um diagnóstico de exclusão, os casos requerem extensa propedêutica e o diagnóstico geralmente torna-se retardado. Entretanto, apesar de rara, a doença de Still do adulto deve ser sempre considerada em pacientes com febre de origem indeterminada, envolvimento sistêmico e poliartrite, quando outras etiologias forem descartadas.
REFERENCIAS
1. Santos CBB. Doença de Still do adulto: relato de caso e revisão da literatura (dissertação). Hospital do Servidor Público de São Paulo, 2012.
2. Cush JJ. Adult-onset Still's disease. Bull Rheum Dis 2000;49(6):1-4.
3. Jaime MAI, Baptista R, Azevedo M, et al. Doença de Still do adulto: estudo de 25 casos. Rev Bras Reumatol 1998;38:285- 90.
4. Rêgo J, Ximenes AC, Silva NA, et al. Doença de Still no adulto. Rev Bras Reumatol 1991;31(1):1-4.
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