ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Ordem dos Médicos de Minas
Dr. Valenio Pérez França
O movimento dos médicos a favor da criação de uma entidade única que congregue e una a classe, nos moldes da congênere de Portugal ou da OAB aqui no Brasil, toma corpo e entusiasma. A pretensa Ordem dos Médicos do Brasil desponta como uma solução para todas as nossas mazelas. O argumento é que, com ela, seremos coesos e suficientemente fortes para engendrarmos, com mais eficácia, os combates exigidos pela imposição unilateral de tantas regras desumanizadoras do trabalho médico. Vencer a batalha é preciso, pois só então a medicina poderá voltar a ser exercida com total independência, norteada simplesmente pela necessidade terapêutica do paciente, sem as amputações determinadas pela vigência de uma ordem econômica cruel, que hierarquiza o sofrimento conforme o fluxo e influxo do caixa.
Essa "utopia" perseguida por todos nós que militamos na frente de combate dos consultórios e hospitais tem, no entanto, necessidade de ser concretizada. Passar de sonho a realidade.
Mas como? Se há uma luta interna, intestina, entre as nossas associações de classe! Como? Se não há diálogo! Como? Se não existe consenso nem propostas que se transformem em objetivos claros que avancem numa mesma direção!
E pior... Como? Se colegas continuam insistindo em só conjugar o verbo na primeira pessoa do singular, eu, e não na primeira do plural, nós!
A maioria, na maior parte das vezes, não é capaz de separar, como deve, o pessoal do coletivo. O que se tem de defender, como representante de classe, do que é defendido por puro exercício de interesses personalísticos. Mistura-se tudo. Não é absolutamente necessário que eu goste de meu colega, para que nos unamos em torno de um objetivo comum. Se formos buscar a unanimidade nos nossos relacionamentos pessoais, estaremos fadados ao fracasso e ao isolamento.
Egoísmo, poder, soberba, ganância, individualismo têm de ceder lugar às suas antíteses : solidariedade, partilha, humildade, lisura, cooperativismo.
Estão querendo (mesmo que com boas intenções) construir a unidade de cima para baixo. Erguer uma nova casa começando pelo telhado. Não vai dar certo! A primeira estrutura de uma edificação sólida é o alicerce. Nele repousa a estabilidade. A certeza de que o edifício não irá ceder aos primeiros abalos.
Erguer uma entidade dessas requer prioritariamente um trabalho de base, uma união filosófica em torno de idéias e propostas construídas nos debates domésticos. A desordem, no varejo, tem de ceder lugar, no atacado, a uma agenda comum. A Ordem dos Médicos de Minas Gerais deve preceder à Ordem dos Médicos do Brasil.
Conselho Regional de Medicina, Sindicato dos Médicos, Associação Médica e Associação dos Hospitais (e, quem sabe, também as Cooperativas de Trabalho Médico), têm de estabelecer um permanente diálogo in door, um fórum de debates das questões conflitantes, aparando as arestas e lavando a roupa suja em casa. Não interessa quem está no comando (passageiro) dessas entidades! É irrelevante se fulano gosta de beltrano, se torce pelo Cruzeiro ou Atlético, e se é de direita ou esquerda. Um outro valor mais alto se alevanta: o Partido dos Médicos tem de ser maior; ser capaz de abrigar tendências e divergências que, depois de democraticamente digeridas e metabolizadas, irão alimentar um só corpo de ações, concatenadas na direção do bem comum. O alvo deve ser o mesmo e a meta, uma só.
A meu ver, Minas, mais uma vez, está sendo chamada a dar o exemplo. A união deve começar por Minas. Até por questões históricas, não percebo em nenhum outro lugar uma disponibilidade tão concreta para o diálogo, e uma capacidade de superar obstáculos, como aqui. O mineiro e, por natureza, conciliador, sem ser submisso; compõe, sem abdicar dos ideais; negocia, mas só o negociável, sem perder de vista seus princípios morais e éticos.
A perdurar a atual situação, não iremos chegar a lugar algum. Urge mudar, mesmo que devagar. A direção é mais importante que a velocidade.
Dr. Valenio Pérez França
CRM MG 8282
Médico oftalmologista do Hospital Mater-Dei; Policlínica Oftalmológica Oculi; Hospital São Geraldo; CEO-Centro de Exames Oftalmológicos Coordenador do Curso de História da Medicina da FMUFMG; Membro titular do IMHM-Instituto Mineiro de História da Medicina; SOBRAMES-Sociedade Brasileira de Médicos Escritores; ABREM-Associação Brasileira de Estudos Medievais. e-mail: valenio@oi.com.br
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