ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Sobre o conhecimento e a consciência sanitária brasileira: o papel estratégico dos profissionais e usuários no sistema sanitário
About the knowledge and the brasilian sanitary conscience: the place of the professionals and users of sus and psf
Rosângela Minardi Mitre Cotta1; Catarina Machado Azeredo2; Márcia Schott3; Poliana C. Martins4; Sylvia do Carmo Castro Franceschini5; Silvia Eloiza Priore5
1. Doutora em Saúde Pública pela Universidade de Valência, Espanha. Professor Adjunto do Departamento de Nutrição e Saúde, Universidade Federal de Viçosa
2. Bolsista de Iniciação Científica do CNPq, Graduanda do Curso de Nutrição e Saúde, Universidade Federal de Viçosa
3. Nutricionista, Pesquisadora voluntária, Departamento de Nutrição e Saúde, Universidade Federal de Viçosa
4. Mestranda em Ciência da Nutrição pelo Departamento de Nutrição e Saúde, Universidade Federal de Viçosa
5. Doutora em Ciência pela Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina, São Paulo. Professor Adjunto do Departamento de Nutrição e Saúde, Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais, Brasil
Prof. Dra. Rosângela Minardi Mitre Cotta
Universidade Federal de Viçosa, MG - Brasil Departamento de Nutrição e Saúde - DNS
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Resumo
O legado institucional na área da saúde trazido pela Constituição de 1988 foi a instituição do SUS, que emergiu como um novo modelo de sistema sanitário e, desde então, muito ainda há que ser feito em prol da reforma sanitária.
OBJETIVO: Este estudo objetivou conhecer o nível de apreensão e conhecimento dos princípios do SUS e PSF por profissionais e usuários.
MÉTODO: Trata-se de um estudo de abordagem quanti-qualitativa em que foram utilizados como instrumento dois questionários semi-estruturados.
RESULTADOS: Entre os resultados destaca-se a inadequação de conhecimentos dos profissionais; 40,7% e 40,8%, respectivamente, desconheciam os princípios e diretrizes do SUS e PSF. Quanto aos usuários, 78,6% não souberam o que vem a ser o PSF.
CONCLUSÃO: A mudança no modelo da atenção em saúde em direção a uma maior integralidade e resolubilidade das ações passa pela capacitação dos profissionais de saúde e da consciência sanitária de diferentes atores sociais, destacando-se os usuários do sistema.
Palavras-chave: Ocupações em Saúde/educação; Sistema Único de Saúde; Programa de Saúde da Família; Equipe de Assistência ao Paciente
INTRODUÇÃO
Há mais de duas décadas, o Brasil vem redefinindo o perfil do Sistema Nacional de Saúde1. O movimento da Reforma Sanitária, que teve seu início na década de 70, foi responsável pela ampliação do debate em relação a estratégias de transformação social e em torno de um projeto contra a hegemonia médico-medicamentosa.2 Nesse sentido, esse período foi marcado por profundas reformas no campo da saúde no que se refere aos processos de descentralização, desenvolvimento local e participação social.3,4 Todo esse movimento sanitário eclodiu na realização da VIII Conferência Nacional de Saúde (VIII CNS), em 1986, cujo relatório final serviu de subsídio à formulação do capítulo da saúde no texto constitucional em 1988.
O legado institucional na área da saúde deixado pela Constituição Federal de 1988 foi a instituição do SUS que emergiu como um novo modelo de sistema de saúde, organizado de forma regionalizada e hierarquizada, sob comando único em cada esfera de governo, segundo as diretrizes da descentralização administrativa e operacional, da universalização do atendimento e da cobertura, do atendimento integral à saúde e da participação da comunidade, visando ao controle social.1
O reconhecimento da crise no SUS, em meados da década de 90, enquanto modelo assistencial no âmbito da saúde coletiva, suscitou a emergência de propostas que visassem à sua reestruturação.5 O Ministério da Saúde considerou que as inovações introduzidas no sistema de saúde nos anos anteriores, e que resultaram na implantação do SUS, vinham logrando resultados pouco perceptíveis na estruturação dos serviços de saúde, sobretudo por não promover em mudanças significativas no modelo assistencial vigente anteriormente (médico-medicamentoso e hospitalocêntrico) e, por isso, criou o Programa de Saúde da Família (PSF) com caráter reestruturante.6
O que se observou com a reforma na saúde foi um desafio imposto para os profissionais que passaram a lidar, ao mesmo tempo, com diferentes estágios das transições demográficas, econômicas, sociais e epidemiológicas, com um serviço de saúde sendo aos poucos voltado para a atenção primária, coletiva, de caráter educativo e preventivo, e com a necessidade de conhecer e apreender essa nova lógica como ponto crucial no desenvolvimento de ações e práticas eficazes e eficientes.7 Nesse sentido, começa-se a exigir do profissional de saúde, qualquer que seja a sua área de conhecimento e de atuação nos diferentes níveis de atenção, um conhecimento dos preceitos básicos do fazer saúde, que pode ser tanto advindo de sua formação acadêmica e educação continuada quanto da sua prática de trabalho.7 Espera-se que o profissional que atua na atenção primária, integrando as Equipes de Saúde da Família (ESF), esteja capacitado a compreender os princípios e diretrizes básicas do PSF no âmbito do SUS.8
No sentido de promover condições para a formação do novo perfil profissional, a Constituição Nacional determina que cabe ao SUS ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde. Outro documento que discorre sobre recursos humanos é a Lei Orgânica da Saúde 8.080/90, na qual onde se assevera que a política para os trabalhadores da área deve cumprir o objetivo de organizar um sistema de formação em todos os níveis de ensino, inclusive no de pós-graduação, além de programas de permanente aperfeiçoamento de pessoal.9
Além dos profissionais, os usuários configuram no cenário da saúde como atores sociais cujo conhecimento sobre o sistema de saúde, seus princípios, diretrizes e seu papel no contexto de uma adequada implantação é também indispensável.3
A percepção dos usuários sobre o SUS e sobre o PSF com a construção de uma consciência sanitária é de suma importância, uma vez que a comunidade é a razão da existência do sistema de saúde e deve ser identificada como sujeito capaz de entender, agir e intervir, modificando o próprio sistema e fortalecendo, assim, o fazer democrático da saúde.10, 11.
Dentro dessa perspectiva, este estudo tem com objetivo avaliar o nível de apreensão e conhecimento dos profissionais e usuários do PSF sobre os princípios e diretrizes do SUS e do PSF, no município de Teixeiras-MG, destacando-se a importância desses atores no contexto da reformulação do sistema sanitário. A apreensão é utilizada, neste estudo, como estratégia de identificação dos problemas que emergem da prática da implantação do SUS nessa microrregião.
SUJEITOS E MÉTODO
Sujeitos
Os sujeitos de referência do estudo correspondem a todos os profissionais que compõem as ESFs (n=27) e uma amostragem de 10% das famílias cadastradas no PSF de Teixeiras-MG (n=364). O município de Teixeiras possui área territorial de 167km2 e densidade demográfica de 66,8hab/km2. Geograficamente, pertence à microrregião de Viçosa, mesorregião da Zona da Mata de Minas Gerais. Possui uma população total de 11.149 habitantes, sendo 6.949 residentes na zona urbana (62,33%) e 4.200 (37,67%) na zona rural. O município contava, no período em que foi realizada a pesquisa (novembro de 2003 a fevereiro de 2004), com três equipes de saúde da família cuja área de cobertura compreendia tanto a zona urbana quanto a rural. A cobertura total do PSF é de 11.729 pessoas, distribuídas em 3.256 famílias (100% da população).
Método
Trata-se de um estudo de abordagem quanti-qualitativa no qual foram utilizados, como instrumento para a coleta de informações, dois questionários semi-estruturados, um específico para os profissionais de saúde e outro dirigido aos usuários do PSF.
Foram realizadas entrevistas individuais com os profissionais na Unidade de Saúde da Família (USF) e com os usuários em seus domicílios. Em relação aos usuários, escolheu-se um membro adulto da família que estivesse presente no domicílio no momento da entrevista. A amostragem dos usuários a serem entrevistados foi aleatória e estratificada pelas diferentes microáreas de saúde, garantindo-se, dessa forma, a representatividade eqüitativa entre as mesmas e, conseqüentemente, entre as zonas rural e urbana.
Realizou-se um pré-teste dos questionários por meio de um estudo piloto em outro município distinto do estudado, mas com características semelhantes. Os objetivos do estudo piloto foram: evitar os possíveis vieses contidos nas questões, corrigir possíveis falhas na formulação das questões, acrescentar novas questões aos instrumentos propostos e possibilitar a familiarização e treinamento dos entrevistados com os questionários.12
As variáveis determinadas para o estudo foram divididas em duas categorias: pessoais (sexo, idade, escolaridade e profissão) e variáveis relacionadas com a estrutura do SUS e PSF (zona de residência e nível de conhecimento e apreensão dos princípios e diretrizes do SUS e do PSF). Realizou-se um estudo descritivo das variáveis analisadas e os dados foram tabulados e analisados no software Epi Info - 6.04.13
RESULTADOS
Perfil das Equipes de Saúde da Família
No município de Teixeiras, cada uma das três equipes do PSF é composta por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e seis ACS, estando em conformidade com as diretrizes preconizadas pelo Ministério da Saúde.14 Dos profissionais entrevistados, 57% eram do sexo feminino e 43%, do sexo masculino. A faixa etária preponderante foi de 20 e 30 anos (42,9%), com a idade dos entrevistados oscilando entre 19 e 57 anos, sendo a mediana de 28 anos.
No que se refere à pós-graduação, constatou-se que 75% dos médicos tinham alguma especialidade sendo um ortopedista com doutorado em Medicina na área de concentração em Saúde Pública, uma dermatologista e um especialista em Saúde da Família, Nutrição Materno-Infantil e Acupuntura. A residência foi realizada por 50% dos médicos. Quanto à formação dos enfermeiros, 33,33% deles tinham especialização em Administração em Serviço de Saúde, outros 33,33% cursavam especialização em Nutrição e Saúde na área de concentração de Saúde Pública, e outros 33,33% tinham o título de Técnico em Segurança do Trabalho.
Em relação à escolaridade dos ACS, notou-se que 72,3% concluíram o ensino médio, 11,1% o ensino fundamental, 11,1% o ensino médio incompleto e 5,5% haviam concluído curso técnico. No que se refere aos auxiliares de enfermagem entrevistados, todos tinham concluído o curso técnico.
Perfil dos usuários do PSF
Quanto à moradia dos usuários, 64,8% residiam na zona urbana e 35,2% na zona rural. Observou-se um predomínio do sexo feminino entre os entrevistados (89%). A faixa etária preponderante esteve entre 40 e 50 anos (19,5%), seguida de 60 a 70 anos (18,1%).
Em relação à escolaridade, foi constatado que 21,5% eram analfabetos, 62,8% tinham o ensino fundamental incompleto, 4,5% ensino fundamental completo, 3,1% ensino médio incompleto, 6,7% ensino médio completo e 1,4% ensino superior completo. Quanto à profissão dos entrevistados, a maioria (53%) trabalhava apenas no lar ou eram aposentados (23,4%).
Conhecimento e apreensão dos princípios do SUS
Para a avaliação do nível de conhecimento e apreensão dos princípios e diretrizes do SUS, tomou-se como referência a Lei Orgânica da Saúde 8.080/90, na qual o SUS é descrito como o conjunto de ações e serviços de saúde que seguem os princípios da universalidade de acesso aos serviços de saúde, da integralidade da assistência, entendida como um conjunto das ações e serviços preventivos e curativos, da igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie, e da descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo.15
Profissionais do PSF
Conforme os resultados mostrados no Gráfico 1, grande parte dos entrevistados, 40,7%, não sabia ou não respondeu o que vem a ser o SUS, seguida por 22,2% que definem o SUS como um programa de saúde para pessoas carentes, e 18,5% que o definem segundo o princípio da universalização.
Apenas, um profissional do PSF demonstrou ter uma adequada apreensão dos princípios do SUS; ressalta-se que este profissional tem pós-graduação em Saúde Pública. A citação a seguir ilustra esta afirmação.
"O SUS é um novo sistema de saúde para atender e proporcionar um direito básico expresso na Constituição (de 1988): saúde, dever do Estado e direito de todos. Perante a Lei é gratuito e universal. Realiza assistência preventiva, curativa e reabilitadora, sendo financiado pelo governo".
(Médico do PSF)
Dentre os profissionais que não responderam, ou seja, não souberam identificar os princípios e diretrizes norteadoras do SUS (Gráfico 2) está a maioria dos ACS (44,4%). É importante ressaltar que entre esses profissionais encontram-se um médico e um enfermeiro, fato que é, no mínimo, preocupante, uma vez que são profissionais de nível universitário, sendo, portanto, responsáveis por orientar e capacitar os auxiliares de enfermagem e ACS e coordenar as atividades do PSF.
Usuários do PSF
A maioria dos usuários entrevistados (71,4%) não soube definir o SUS em nenhum de seus princípios. Uma parte deles (17,8%) define o SUS como um programa de saúde para pessoas carentes ou em termos de atenção médica (9,3%) e somente 1,4% o define segundo seus princípios de universalização (Gráfico 3).
Conhecimento e apreensão dos princípios do PSF
Quando se avaliou o nível de conhecimento e apreensão dos princípios, objetivos e diretrizes do PSF, tomou-se como referência a definição do Ministério da Saúde que o descreve como "uma estratégia para reorganizar a prática de atenção à saúde através da atenção primária, substituindo o modelo tradicional (curativo e hospitalocêntrico), levando a saúde para mais perto da família e comunidade, priorizando ações de prevenção, promoção e recuperação da saúde das famílias e composto por equipes multiprofissionais que prestam atendimento para uma população adscrita e referenciada territorialmente e geograficamente".8
Profissionais do PSF
Conforme demonstrado nos Gráficos 4 e 5, 40,8% dos profissionais não souberam definir ou não responderam o que vem a ser PSF, sendo 55,5% dos ACS e 33,3% dos médicos. Entre os profissionais que elaboraram alguma definição de PSF, percebe-se através das respostas a debilidade de conhecimento das funções básicas do programa bem como de seus princípios norteadores, pois apenas 37% dos profissionais descreveram o programa dentro do conceito de promoção e prevenção em saúde, e 3,7% ignoram o princípio da universalidade e descrevem o programa como direcionado a pessoas carentes.
Usuários do PSF
No que se refere aos usuários, 78,6% não souberam ou não responderam quando questionados sobre a definição de PSF, 12,7% responderam em termos de assistência à família e um total de 6,3% definiu o PSF dentro do conceito de prevenção e promoção da saúde (Gráfico 6).
DISCUSSÃO
A inadequação de conhecimentos dos profissionais é percebida no presente estudo, uma vez que 40,7% e 40,8%, respectivamente, desconheciam os princípios e objetivos do SUS e PSF. Esses resultados coincidem com estudo realizado por Cotta et al (1998)3 em que se analisou o modo pelo qual os diferentes atores envolvidos no processo de construção de política de saúde local interpretavam o significado dos princípios e das diretrizes que regem o SUS. Segundo os autores, a investigação das possíveis discrepâncias na apreensão das diretrizes e dos princípios do SUS pode evidenciar a ausência de valores ou padrões quando se executa a prática da saúde local. Entre o que é praticado e o que se esperaria que fosse realizado, destacam-se as análises das implicações dessas dissonâncias no sistema de saúde local.3
A falta de um adequado nível de informação dos profissionais prejudica a adoção de novas práticas na perspectiva de um novo modelo de atenção e gera a necessidade de instaurar um processo de qualificação desses profissionais, através da oferta de diversos cursos de capacitação dos mesmos.16
Existe um consenso concernente à formação, ao desempenho e à gestão dos recursos humanos de que esses aspectos afetam a qualidade dos serviços prestados e o grau de satisfação dos usuários.17 Nesse sentido, destaca-se a formação e educação dos profissionais para abordagem do processo saúde-doença com enfoque em saúde da família, como importante desafio para o êxito do modelo sanitário proposto.18
Segundo o relatório final da IX Conferência Nacional de Saúde realizada em 1992, para a efetiva implementação do SUS é indispensável uma política nacional de recursos humanos que incorpore ações como a garantia da qualificação e/ou sua formação permanente que permita a evolução do trabalhador na carreira, contando com escolas de formação de trabalhadores de saúde nas Secretarias de Saúde ou através de articulação com Secretarias de Educação, Universidades e outras instituições públicas de ensino superior.19 Diante disso, foram criados os Pólos de Capacitação que, vinculados geralmente a universidades, articulam uma ou mais instituições para a formação, capacitação e educação permanente de recursos humanos para a saúde.20
A necessidade de um Programa de Educação Continuada ou de Educação Permanente na formação dos profissionais da área da saúde já foi destacada por alguns autores como Paim (1993) e Paim e Nunes (1992), citados por L' Abbate21. Não obstante, ainda notamos a deficiência na formação de recursos humanos e, em estudos realizados por Conil (2002)l5 constatou-se que, entre as principais limitações para a operacionalização do PSF, estava a formação inadequada dos profissionais, o que coincide com os nossos resultados.5
Ainda sob essa perspectiva, verifica-se que há falta de apreensão dos princípios e diretrizes norteadoras do SUS e PSF para a maioria dos usuários (mais de 70%). Observou-se comportamento semelhante em estudo realizado por Trad et al.22 na Bahia, no qual os relatos coletados dos usuários faziam uma associação temporal entre mudanças (visitas domiciliares, palestras etc.), melhorias nos serviços de saúde e o período de implantação do PSF. A ação do programa foi valorizada a partir de uma série de melhorias instauradas na vida dos moradores do bairro e/ou das áreas atendidas, sendo feita uma avaliação fragmentada, calcada mais em experiências particulares e menos em uma visão geral do funcionamento do PSF.
Ainda no que se refere aos usuários, Trad et al (2002)22 destacam que a participação ativa e permanente da população é central no conceito e na prática da promoção da saúde. No entanto, o que se observou em ambos os estudos foi uma dificuldade dos usuários em visualizar o PSF ou identificar com precisão sua lógica de funcionamento. Diante disso, deve-se destacar como imprescindível a provisão de informações para o exercício da cidadania, assim como iniciativas do poder público nos campos da educação e da comunicação em saúde23, pois a mobilização popular precisa ser exercida como processo educacional.24
Se a comunidade é a razão da existência do sistema de saúde, deve-se focalizar mais a percepção dos usuários em relação ao mesmo; além disso, a avaliação dessa percepção constitui uma oportunidade de se verificar, na prática, a resposta da comunidade à oferta do serviço de saúde, como também de melhor adequação do serviço às expectativas da sua comunidade alvo.10
A desinformação em relação aos serviços de saúde representados por 71,4% e 78,4% dos usuários que não souberam responder sobre os princípios do SUS e PSF, respectivamente, e, principalmente, a crença de que o SUS é um programa destinado a pessoas carentes (17,8%) pode, muitas vezes, levar a população a não exercer os direitos conquistados e concretizados na Constituição de 1988. Isso porque o usuário que desconhece o sistema como eqüitativo e universal não está apto a lutar por esse direito.
As bases legais do direito à saúde também são postas como direito de cidadania, valorizando a participação popular nas decisões sobre a política de saúde por meio das relações que são estabelecidas entre os profissionais das equipes de saúde da família e a comunidade.24 Esse fato demanda uma permanente reflexão crítica sobre as idéias e concepções que orientam as práticas de saúde pelos usuários enquanto atores sociais.25
A capacitação dos profissionais da saúde e de inúmeros atores sociais, como os usuários do sistema sanitário, visando à apreensão das funções e dos princípios básicos do programa de saúde no qual estão inseridos, o desenvolvimento de habilidades de defesa da saúde (advocacy) e a implementação das inúmeras medidas governamentais e comunitárias23 constituem-se em uma ação estratégica para a transformação das práticas de saúde, propiciando a mudança do modelo de atenção no caminho da integralidade e a maior resolubilidade da atenção básica.26
CONCLUSÕES
No presente estudo, realizou-se uma análise crítica em relação ao nível de apreensão e conhecimento de SUS e PSF por seus profissionais e usuários. Ressalta-se um evidente desconhecimento tanto em relação ao SUS quanto ao PSF por ambos os atores sociais. É necessário desenvolver uma consciência e uma percepção adequadas do sistema sanitário nos indivíduos, a fim de despertar um interesse social dos mesmos para exercer seus deveres de cidadãos lutando por seus direitos em saúde e melhorando, conseqüentemente, a atenção em saúde no Brasil.
A conscientização, por si só, não produzirá mudanças na prática das ações e dos serviços de saúde vigentes, mas, nos moldes em que foram idealizados o SUS e o PSF, pode-se supor que sem plena consciência das diretrizes e dos mecanismos de implementação, não será possível realizar a reforma sanitária que queremos.
Agradecimentos
Agradecemos o apoio das equipes do PSF de Teixeiras-MG e dedicamos este estudo aos seus profissionais e aos usuários que dele aceitaram participar, pois sem eles este trabalho não seria possível.
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